Processo T‑204/03
Haladjian Frères SA
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Concorrência – Artigo 81.° CE – Artigo 82.° CE – Distribuição de peças sobresselentes – Importações paralelas – Denúncia – Decisão de rejeição»
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 27 de Setembro de 2006
Sumário do acórdão
1. Concorrência – Processo administrativo – Exame das denúncias
(Regulamento n.º 17 do Conselho; Regulamento n.º 2842/98 da Comissão)
2. Concorrência – Processo administrativo – Exame das denúncias – Obrigações da Comissão
(Artigos 81.º CE e 82.º CE)
3. Recurso de anulação – Decisão da Comissão que implica uma apreciação económica complexa
(Artigos 81.º CE, 82.º CE e 230.º CE)
4. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos entre empresas – Afectação do comércio entre Estados-Membros – Critérios
(Artigo 81.º, n.º 1, CE)
5. Concorrência – Processo administrativo – Exame das denúncias – Prazo excessivo
(Artigos 81.º CE e 82.º CE)
6. Concorrência – Processo administrativo – Obrigações da Comissão
(Artigos 81.º CE e 82.º CE)
7. Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Alcance
(Artigos 81.º CE, 82.º CE e 253.º CE)
1. Nem o Regulamento n.° 17 nem o Regulamento n.° 2842/98, relativo às audições em certos processos nos termos dos artigos [81.°] e [82.° CE], contêm disposições expressas respeitantes ao seguimento a dar, quanto ao mérito, a uma denúncia e às eventuais obrigações de investigação da Comissão, relativamente à sua instrução. A este respeito, cabe referir que a Comissão não tem a obrigação de instaurar processos para verificar a existência de eventuais violações do direito comunitário e que, entre os direitos conferidos aos autores da denúncia pelos Regulamentos n.os 17 e 2842/98, não se inclui o de obter uma decisão definitiva quanto à existência ou não da infracção alegada.
Uma vez que a Comissão não tem a obrigação de se pronunciar sobre a existência ou não de uma infracção, não pode ser obrigada a efectuar uma instrução, já que esta última não poderia ter outro objecto que não fosse o de procurar os elementos de prova relativos à existência ou não de uma infracção, que a Comissão não é obrigada a declarar. Além do mais, mesmo que essa instrução tenha sido efectuada, nenhuma disposição do direito derivado confere ao denunciante o direito de exigir da Comissão que prossiga o processo até uma decisão final que declare a existência ou inexistência da infracção alegada. A existência do poder discricionário reconhecido à Comissão no âmbito do exame das denúncias não depende, com efeito, do estado mais ou menos avançado da instrução do processo.
(cf. n.os 27, 28)
2. Na sequência de uma denúncia por violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, a Comissão não está obrigada a instaurar um processo para verificar a existência das referidas violações, mas apenas a examinar atentamente os elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento pelo autor da denúncia para apreciar se esses elementos revelam um comportamento susceptível de falsear a concorrência no interior do mercado comum e afectar o comércio entre os Estados‑Membros. Quando a Comissão decide proceder à instrução de uma denúncia deve, salvo justificação devidamente circunstanciada, fazê‑lo com o cuidado, a seriedade e a diligência necessários para poder apreciar com pleno conhecimento de causa os elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação pelos denunciantes.
(cf. n.os 29, 212)
3. No quadro de um recurso de anulação de uma decisão da Comissão que rejeita uma denúncia por violação das regras comunitárias da concorrência, o Tribunal deve verificar se a decisão recorrida inclui um exame apropriado dos elementos de facto e de direito submetidos à apreciação da Comissão no âmbito do procedimento administrativo. A este respeito, a fiscalização jurisdicional dos actos da Comissão que implicam apreciações económicas complexas, como é o caso em matéria de infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE, deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como à verificação da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder.
(cf. n.o 30)
4. Para justificar a aplicação das regras de concorrência a um acordo relativo a produtos adquiridos nos Estados Unidos para serem vendidos na Comunidade, esse mesmo acordo deve, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir que se preveja, com um grau suficiente de probabilidade, a sua influência mais do que insignificante na concorrência na Comunidade e no comércio entre Estados‑Membros. O simples facto de um comportamento provocar certos efeitos, quaisquer que eles sejam, na economia da Comunidade não constitui em si um elo suficientemente estreito para justificar a competência comunitária. Para poder ser tido em consideração, é necessário que esse efeito seja substancial, isto é, sensível e não negligenciável.
(cf. n.o 167)
5. Um prazo eventualmente excessivo para o tratamento de uma queixa por violação das regras comunitárias da concorrência não pode, em princípio, ter incidência no próprio conteúdo da decisão final adoptada pela Comissão. Com efeito, este prazo não pode, excepto em situações excepcionais, alterar os elementos de fundo que, conforme os casos, demonstram a existência ou não de uma infracção às regras de concorrência, ou que justificam que a Comissão não proceda a uma instrução. A duração da sua instrução não prejudica, em princípio, o autor da denúncia, no caso de rejeição.
(cf. n.o 193)
6. O respeito, pela Comissão, de um prazo razoável para a adopção de decisões na sequência dos procedimentos administrativos em matéria de política de concorrência constitui uma aplicação do princípio da boa administração. A razoabilidade da duração desse procedimento aprecia‑se em função das circunstâncias próprias de cada processo e, nomeadamente, do contexto em que se inscreve, das diferentes etapas processuais seguidas pela Comissão, da complexidade do processo, bem como da importância que reveste para as diferentes partes interessadas.
(cf. n.o 195)
7. A Comissão não está obrigada, na fundamentação das decisões que é levada a adoptar para garantir a aplicação das regras de concorrência, a tomar posição sobre todos os argumentos que os interessados invocam em apoio do seu pedido. Basta que exponha os factos e as considerações jurídicas que se revestem de uma importância essencial na economia da decisão.
(cf. n.o 199)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)
27 de Setembro de 2006 (*)
«Concorrência – Artigo 81.° CE – Artigo 82.° CE – Distribuição de peças sobresselentes – Importações paralelas – Denúncia – Decisão de rejeição»
No processo T‑204/03,
Haladjian Frères SA, com sede em Sorgues (França), representada por N. Coutrelis, advogado,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Whelan e O. Beynet, na qualidade de agentes, assistidos por D. Waelbroeck, advogado,
recorrida,
apoiada por
Caterpillar, Inc., com sede em Peoria, Illinois (Estados Unidos da América),
Caterpillar Group Services SA, com sede em Charleroi (Bélgica),
representadas inicialmente por N. Levy, solicitor, e S. Kingston, barrister, e em seguida por M. Levy e T. Graf, advogado,
intervenientes,
que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 1 de Abril de 2003 que rejeitou a denúncia apresentada pela Haladjian Frères SA contra a Caterpillar, Inc., por alegada violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),
composto por: R. García‑Valdecasas, presidente, J. D. Cooke e V. Trstenjak, juízes,
secretário: K. Pocheć, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 28 de Março de 2006,
profere o presente
Acórdão
Matéria de facto
A – Sociedades em causa
1 A recorrente, autora da denúncia, é uma empresa francesa que importa e comercializa na Europa e em África peças sobresselentes para equipamento de construção. As suas principais fontes de abastecimento situam‑se na União Europeia e nos Estados Unidos.
2 A sociedade alvo da denúncia, Caterpillar, Inc., é uma empresa americana que produz e vende equipamento de construção, bem como as respectivas peças sobresselentes. A comercialização destes produtos na Europa e em África efectua‑se através de uma filial suíça denominada Caterpillar Overseas. Em 1990, a Caterpillar Overseas criou uma filial belga denominada Caterpillar Export Services (CES), para gerir e controlar as exportações de peças sobresselentes produzidas pela Caterpillar de uma zona geográfica para outra.
B – Procedimentos administrativos
1. Procedimento iniciado pela Comissão contra a Caterpillar
3 Em 1963, a Caterpillar notificou à Comissão o acordo‑tipo de distribuição dos seus produtos na Europa. Esta notificação foi diversas vezes actualizada, designadamente em 1983 e 1992. Antes da apresentação da denúncia da Haladjian em Outubro de 1993, e desde 1990, outros revendedores de peças sobresselentes apresentaram denúncias contra a Caterpillar.
4 Na sequência dessas denúncias, a Comissão enviou em 12 de Maio de 1993 uma comunicação de acusações à Caterpillar (a seguir «comunicação de acusações»), na qual censurava esta empresa por impor uma comissão de serviço sobre as vendas efectuadas fora do território, por praticar preços discriminatórios e por proibir a venda a revendedores quando estes pretendiam exportar.
5 Em 27 de Agosto de 1993, a Caterpillar respondeu à comunicação de acusações, tendo contestado a existência de todas as infracções em causa.
2. Procedimento adoptado na sequência da denúncia da Haladjian
6 Em 18 de Outubro de 1993, a recorrente apresentou à Comissão um pedido nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), relativo a alegadas infracções a estas disposições cometidas pela Caterpillar (a seguir «denúncia»).
7 Em 25 de Janeiro de 1994, a Caterpillar apresentou as suas observações relativas à denúncia.
8 Em 23 de Maio de 1994, a Haladjian apresentou os seus comentários sobre essas observações e sobre a resposta da Caterpillar à comunicação de acusações.
9 No âmbito do seu inquérito, a Comissão efectuou, em 6 e 7 de Julho de 1995, uma inspecção junto de determinados distribuidores europeus da Caterpillar. Da mesma forma, em Setembro de 1995 e, seguidamente, em Fevereiro de 1996, a Comissão enviou diversos pedidos de esclarecimentos aos distribuidores europeus da Caterpillar, tendo as últimas respostas sido recebidas em Abril de 1996.
10 A Haladjian também enviou à Comissão diversas cartas remetendo‑lhe novos documentos. Em especial, em 11 de Agosto de 2000, enviou‑lhe uma nota recapitulativa reunindo todos os elementos da sua denúncia incluídos no processo.
11 Em 19 de Julho de 2001, a Comissão enviou à recorrente uma carta nos termos do artigo 6.° do Regulamento (CE) n.° 2842/98 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1998, relativo às audições dos interessados directos em certos processos nos termos dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO L 354, p. 18), comunicando‑lhe a sua intenção de rejeitar a denúncia (a seguir «carta artigo 6.°»).
12 Em 22 de Outubro de 2001, a recorrente comunicou à Comissão as suas observações sobre a carta artigo 6.°
13 Por decisão de 1 de Abril de 2003, a Comissão rejeitou formalmente a denúncia (a seguir «decisão recorrida»).
14 Por carta de 8 de Maio de 2003, a Comissão informou a Caterpillar de que, depois de ter analisado a sua resposta à comunicação de acusações e as informações posteriormente recolhidas, tinha decidido retirar essas acusações e arquivar o processo.
Tramitação processual e pedidos das partes
15 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Junho de 2003, a recorrente interpôs o presente recurso.
16 Por carta de 2 de Outubro, completada em 16 de Outubro de 2003, a Caterpillar e a Caterpillar Group Services pediram para intervir em apoio do pedido da Comissão.
17 Por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2003, foi admitida a intervenção da Caterpillar e da Caterpillar Group Services em apoio do pedido da Comissão e aceite o pedido de tratamento confidencial.
18 A Caterpillar e a Caterpillar Group Services (a seguir «Caterpillar») apresentaram alegações em 2 de Fevereiro de 2004. Em 22 e 20 de Abril de 2004, a recorrente e a Comissão apresentaram as observações a essas alegações.
19 Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, a Comissão foi convidada a explicar a forma como terminou o procedimento instaurado contra a Caterpillar na sequência da comunicação de acusações. Por carta de 8 de Março de 2006, registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Março de 2006, a Comissão respondeu a esta questão do Tribunal.
20 Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 28 de Março de 2006.
21 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– anular a decisão recorrida;
– condenar a Comissão nas despesas;
– condenar as intervenientes nas suas próprias despesas, bem como nas suas despesas de intervenção.
22 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– negar provimento ao recurso;
– condenar a recorrente nas despesas.
23 As intervenientes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
– negar provimento ao recurso;
– condenar a recorrente nas despesas das intervenientes.
Questão de direito
A – Observações preliminares relativas ao alcance das obrigações que incumbem à Comissão durante a instrução de uma denúncia por violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE
24 A título preliminar, as partes principais referem as obrigações que incumbem à Comissão durante a instrução de uma denúncia, analisam o nível de prova e de fundamentação que, neste contexto, deveria ser exigido a esta instituição e debatem o alcance da fiscalização do Tribunal na hipótese de ser interposto um recurso de uma decisão de rejeição da denúncia.
25 Antes de mais, o Tribunal observa que a decisão recorrida conclui, na sequência de uma análise relativa à aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 82.° CE, que os elementos apresentados pela Haladjian durante o procedimento administrativo, designadamente em resposta à carta artigo 6.°, «não permitem dar um seguimento favorável à [denúncia]» e, consequentemente, rejeita‑a. É neste contexto que importa recordar os direitos do denunciante e as obrigações da Comissão em caso de rejeição de uma denúncia que alega existência de violações dos artigos 81.° CE e 82.° CE.
26 O autor da denúncia dispõe assim do direito de ser informado e de comentar os motivos da rejeição da sua denúncia que a Comissão tenciona invocar, antes de uma decisão nesse sentido ser adoptada por esta instituição. Com efeito, os Regulamentos n.os 17 e 2842/98, aplicáveis ao caso vertente, conferem direitos processuais às pessoas que tenham apresentado uma denúncia à Comissão ao abrigo do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. Entre esses direitos incluem‑se os previstos no artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98, nos termos do qual, quando a Comissão considerar que, face ao elementos ao seu dispor, não se justifica dar seguimento ao pedido ou agir com base na denúncia, informará o autor da denúncia dos respectivos motivos e fixará uma data até à qual ele pode apresentar, por escrito, eventuais observações.
27 Todavia, nem o Regulamento n.° 17 nem o Regulamento n.° 2842/98 contêm disposições expressas respeitantes ao seguimento a dar, quanto ao mérito, a uma denúncia e às eventuais obrigações de investigação da Comissão, relativamente à sua instrução (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T‑24/90, Colect., p. II‑2223, n.° 72). A este respeito, cabe referir que a Comissão não tem a obrigação de instaurar processos para verificar a existência de eventuais violações do direito comunitário (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1989, Star Fruit/Comissão, 247/87, Colect., pp. 291, 301) e que, entre os direitos conferidos aos autores da denúncia pelos Regulamentos n.os 17 e 2842/98, não se inclui o de obter uma decisão definitiva quanto à existência ou não da infracção alegada (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1979, GEMA/Comissão, 125/78, Colect., p. 3173, n.os 17 e 18).
28 É com base nestes princípios que a jurisprudência reconheceu que, se a Comissão não tem a obrigação de se pronunciar sobre a existência ou não de uma infracção, não pode ser obrigada a efectuar uma instrução, já que esta última não poderia ter outro objecto que não fosse o de procurar os elementos de prova relativos à existência ou não de uma infracção, que a Comissão não é obrigada a declarar (acórdão Automec/Comissão, já referido, n.° 76). Além do mais, mesmo que essa instrução tenha sido efectuada, nenhuma disposição do direito derivado confere ao denunciante o direito de exigir da Comissão que prossiga o processo até uma decisão final que declare a existência ou inexistência da infracção alegada (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2001, IECC/Comissão, C‑449/98 P, Colect., p. I‑3875, n.° 35). A existência do poder discricionário reconhecido à Comissão no âmbito do exame das denúncias não depende, com efeito, do estado mais ou menos avançado da instrução do processo (acórdão IECC/Comissão, já referido, n.° 37).
29 Neste contexto, o Tribunal de Primeira Instância declarou que, quando a Comissão decide proceder à instrução de uma denúncia deve, salvo justificação devidamente circunstanciada, fazê‑lo com o cuidado, a seriedade e a diligência necessários para poder apreciar com pleno conhecimento de causa os elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação pelos denunciantes (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1993, Asia Motor France e o./Comissão, T‑7/92, Colect., p. II‑669, n.° 36, e de 21 de Março de 2001, Métropole Télévision/Comissão, T‑206/99, Colect., p. II‑1057, n.° 59).
30 É à luz destas considerações que o Tribunal deve verificar se a decisão recorrida, que rejeita a denúncia, inclui um exame apropriado dos elementos de facto e de direito submetidos à apreciação da Comissão no âmbito do procedimento administrativo. A este respeito, deve recordar‑se que a fiscalização jurisdicional dos actos da Comissão que implicam apreciações económicas complexas, como é o caso em matéria de infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE, deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como à verificação da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 62, e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.os 23 e 25; acórdão Asia Motor France e o./Comissão, já referido, n.° 33).
B – Apresentação geral do «sistema CES», das acusações da Haladjian e da decisão recorrida
31 A denúncia da Haladjian visa as modificações introduzidas pela Caterpillar no seu sistema de comercialização das peças sobresselentes a partir de 1982, com o objectivo de limitar as importações paralelas na Europa a partir dos Estados Unidos.
1. Descrição do sistema CES
32 Para comercializar os seus produtos, a Caterpillar dividiu o Mundo em diferentes zonas geográficas, entre as quais os Estados Unidos, a zona CE/EFTA e a África, e confiou a comercialização do seu equipamento de construção e das respectivas peças sobresselentes a 181 distribuidores independentes que operam em 160 países. Os distribuidores da Caterpillar na zona CE/EFTA não dispõem de uma exclusividade de venda no território que lhes foi concedido. A Caterpillar tem, assim, dois distribuidores em Itália (entre os quais a Maia), dois distribuidores no Reino Unido (entre os quais a Leverton) e apenas um em França (a Bergerat).
33 A Caterpillar não fixa o preço de venda dos seus distribuidores. Cada um é livre de estabelecer os seus preços em função do preço de compra, das flutuações das taxas de câmbio, dos custos de comercialização e das condições de concorrência locais. De acordo com as informações recolhidas durante o procedimento administrativo, os preços praticados pelos distribuidores americanos são inferiores aos preços praticados pelos distribuidores europeus, os quais, por sua vez, são inferiores aos preços praticados pelos distribuidores africanos. Os preços praticados pelos distribuidores europeus variam também, de forma significativa, consoante o país.
34 Até 1982, a Caterpillar não impunha qualquer limitação quanto ao aprovisionamento em peças sobresselentes de uma zona geográfica para outra. O aprovisionamento no interior da mesma zona geográfica (como a zona CE/EFTA) era também totalmente livre tanto para os revendedores de peças sobresselentes como para os utilizadores dessas peças. Em 1982, a Caterpillar verificou, contudo, que diversos revendedores aproveitavam as diferenças de preços entre zonas geográficas para procederem a importações consideráveis de uma zona para outra. Segundo a Caterpillar, essas transferências punham em causa a rentabilidade dos seus distribuidores que tinham realizado avultados investimentos para fazer face às exigências de uma distribuição eficaz e concorrencial dos equipamentos de construção.
35 A partir de 1982, a Caterpillar decidiu restringir as vendas de peças sobresselentes entre as zonas geográficas (a seguir «vendas interzonas»). Assim, por carta de 24 de Setembro de 1982, a Caterpillar comunicou aos seus distribuidores americanos que as suas peças sobresselentes não podiam ser vendidas a um revendedor que as exportasse a partir desse país. Do mesmo modo, por carta de 15 de Dezembro de 1982, a Caterpillar comunicou aos seus distribuidores europeus que as referidas peças não deviam ser revendidas a um revendedor para serem exportadas para fora dos Estados Unidos ou dos países da zona CE/EFTA.
36 Dado que as suas directrizes não foram respeitadas, a Caterpillar, por carta de 2 de Fevereiro de 1990, comunicou a todos os seus distribuidores a criação da Caterpillar Export Services (CES), para gerir e controlar as vendas interzonas (a seguir «sistema CES»). A Caterpillar enviou também aos seus distribuidores uma lista, actualizada periodicamente, dos revendedores que efectuam vendas interzonas, para chamar a sua atenção e incitá‑los a verificar o destino das peças encomendadas (a seguir «lista dos revendedores interzonas»). De acordo com a decisão recorrida, este processo de controlo do destino das peças sobresselentes está, contudo, exclusivamente dependente da vontade do distribuidor.
37 Nos termos do sistema CES, as peças sobresselentes produzidas pela Caterpillar são vendidas com base nos seguintes princípios.
38 Em primeiro lugar, o utilizador final pode comprar livremente as peças sobresselentes da Caterpillar no espaço europeu ou nas outras zonas geográficas.
39 Em segundo lugar, o revendedor europeu pode adquirir peças sobresselentes, para revenda nos países da zona CE/EFTA, a qualquer distribuidor desses países. Dessa forma, pressupõe‑se que possa constituir stocks. O sistema CES não se aplica ao revendedor europeu que compra num país da zona CE/EFTA para revender noutro país desta mesma zona.
40 Em terceiro lugar, o revendedor europeu que se abastece nos Estados Unidos para vender na zona CE/EFTA pode sempre adquirir as peças sobresselentes a distribuidores americanos da Caterpillar, desde que respeite um procedimento especial que comporta dois aspectos essenciais. Por um lado, o revendedor europeu deve declarar à CES o nome do cliente europeu para quem compra as peças, com o objectivo de obter um código de cliente. Por outro, o distribuidor americano deve declarar à Caterpillar que satisfaz uma encomenda de peças de um revendedor europeu tendo em vista uma exportação para a zona CE/EFTA. A Caterpillar factura então a esse distribuidor um preço superior em cerca de 10% ao preço normalmente facturado para as peças destinadas ao mercado americano (a seguir «preço dos distribuidores americanos»). Para a Caterpillar, este aumento do preço justifica‑se pela intenção de transferir uma parte do lucro gerado por essa operação para o distribuidor situado na Europa, ao qual incumbe o encargo do serviço pós‑venda do equipamento de construção em causa. O distribuidor americano permanece, todavia, livre de praticar o preço que entender ao revendedor europeu.
41 Aplica‑se o mesmo procedimento ao revendedor europeu que compra na Europa para revender em África.
2. Exposição das acusações da Haladjian
42 Na denúncia, completada designadamente pela nota recapitulativa de 11 de Agosto de 2000, a Haladjian sustenta que as práticas denunciadas constituem infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Em concreto, o sistema CES constitui, enquanto tal, um acordo entre empresas na acepção do artigo 81.° CE e as suas modalidades de execução, nomeadamente face à Haladjian, são susceptíveis de restringir a concorrência na Comunidade. A Haladjian alega, assim, que a Caterpillar proíbe aos seus distribuidores as vendas interzonas – por exemplo, as exportações de peças sobresselentes dos Estados Unidos para a zona CE/EFTA –, bem como as vendas a revendedores de peças sobresselentes estabelecidos noutros países no interior da zona CE/EFTA (a seguir «vendas intracomunitárias») – por exemplo, de Itália para França.
43 Relativamente às vendas interzonas, a Haladjian considera que o facto de as suas aquisições de peças sobresselentes nos Estados Unidos estarem limitadas unicamente às peças para as quais tenha sido efectivamente mandatada por um cliente europeu a impede de abastecer o mercado europeu de forma satisfatória, na medida em que a priva da possibilidade de dispor de um stock suficiente de peças sobresselentes, falseando assim o jogo da concorrência. A Haladjian sustenta igualmente que o aumento de 10% do preço dos distribuidores americanos para as vendas destinadas à exportação constitui uma restrição de concorrência que afecta o comércio entre os Estados‑Membros.
44 No que diz respeito às vendas intracomunitárias, a Haladjian alega que a Caterpillar e os seus distribuidores europeus proíbem as importações paralelas entre Estados‑Membros da Comunidade, o que viola a concorrência e afecta as trocas.
3. Decisão recorrida e recurso da Haladjian
45 Depois de ter descrito o sistema CES e exposto os resultados do inquérito destinado a verificar a justeza das alegações da Haladjian, a decisão recorrida precisa as razões pelas quais a Comissão considera que os elementos recolhidos não permitem dar um seguimento favorável à denúncia. A apreciação jurídica da Comissão distingue as vendas interzonas, efectuadas no âmbito do sistema CES, das vendas intracomunitárias.
46 No âmbito do exame da «aplicabilidade do artigo [81.°, n.° 1, CE] aos acordos e práticas concertadas relativos às [vendas interzonas]», a decisão recorrida salienta que o sistema CES não isola o mercado comunitário, uma vez que não proíbe, nem de facto nem juridicamente, a concorrência de peças importadas a preços inferiores aos preços europeus. A este respeito, a referida decisão refere, por um lado, que, na zona CE/EFTA, os revendedores europeus podem abastecer‑se livremente e sem qualquer limitação junto dos distribuidores situados nessa zona e, por outro, que esses revendedores podem continuar a abastecer‑se nos Estados Unidos no âmbito do sistema CES (decisão recorrida, ponto 7.2, quarto parágrafo).
47 É verdade que a decisão recorrida refere que essa fonte de abastecimento está sujeita à obrigação de declarar quem são os utilizadores finais das peças, mas esta obrigação não é susceptível de restringir de forma sensível o comércio entre os Estados Unidos e a Europa e de afectar a concorrência intracomunitária, como o comprova o facto de as importações provenientes dos Estados Unidos continuarem a ser possíveis e rentáveis, de, portanto, o mercado europeu não estar compartimentado e de a Haladjian continuar, na prática, a utilizar essa fonte alternativa (decisão recorrida, ponto 7.2, quarto parágrafo, e ponto 7.2, conclusão, primeiro travessão).
48 Do mesmo modo, a decisão recorrida refere que a diferença de 10% entre os preços dos distribuidores americanos e os preços praticados nas vendas interzonas é pouco importante, quando comparada com a diferença entre os preços americanos e os europeus para as peças sobresselentes, e neutra relativamente à concorrência entre os revendedores no mercado europeu. Consequentemente, o efeito que este aumento de preço pode exercer na concorrência estabelecida entre os revendedores que importam dos Estados Unidos e os distribuidores oficiais nos países CE/EFTA é mínimo (decisão recorrida, ponto 7.2, quarto parágrafo, e ponto 7.2, conclusão, primeiro travessão).
49 No âmbito do exame da «aplicabilidade do artigo [81.°, n.° 1, CE] às [vendas intracomunitárias]», a decisão recorrida afirma que, tendo em conta o objecto da denúncia, o sistema CES não contém nenhuma restrição de concorrência. De acordo com a decisão, o sistema CES diz apenas respeito às vendas interzonas e não põe em causa a liberdade de compra e de venda no interior da zona CE/EFTA. Os utilizadores finais e os revendedores europeus podem adquirir livremente peças sobresselentes a qualquer distribuidor autorizado pela Caterpillar instalado na zona CE/EFTA, desde que as peças compradas pelos revendedores se destinem aos mercados dos países dessa zona (decisão recorrida, ponto 7.1).
50 No essencial, a recorrente invoca três fundamentos no seu recurso. O primeiro fundamento é relativo à existência de erros manifestos de apreciação dos factos e de erros de direito no que respeita à aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE ao sistema CES. O segundo fundamento baseia‑se na existência de erros de direito relativamente à aplicabilidade do artigo 82.° CE ao sistema CES. O terceiro fundamento é relativo à violação das regras processuais e dos direitos do autor da denúncia.
C – Quanto ao primeiro fundamento, relativo à existência de erros manifestos de apreciação dos factos e de erros de direito no que respeita à aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE
51 A recorrente alega que a decisão recorrida está inquinada por numerosos erros manifestos de apreciação dos factos submetidos à Comissão no âmbito do procedimento administrativo, os quais conduziram a erros de direito relativos à apreciação e à qualificação dos acordos e práticas em causa à luz do artigo 81.° CE.
1. Quanto às acusações relativas ao sistema CES
52 Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a decisão recorrida não reconhece, erradamente, que o sistema CES cria, em si mesmo, entraves ao comércio entre Estados‑Membros devido ao aumento do preço dos distribuidores americanos nas vendas interzonas e à limitação das encomendas feitas pelos revendedores europeus nos Estados Unidos unicamente às peças para as quais tenham sido efectivamente mandatados por um cliente europeu. A Haladjian invoca, seguidamente, três acusações pontuais relativas à lista dos revendedores interzonas, à vigilância do destino das aquisições interzonas e ao atraso na atribuição dos códigos destinados a identificar as transacções efectuadas no âmbito do sistema CES (a seguir «códigos CES»).
a) Quanto à incidência da restrição das vendas interzonas
Argumentos das partes
53 A recorrente alega que o carácter global do sistema CES e a restrição que introduz nas vendas interzonas são indissociáveis do seu aspecto intracomunitário, cujas incidências devem ser apreciadas em concreto e não em abstracto. Não pode, portanto, afirmar‑se que o sistema CES não tem uma incidência sensível na concorrência na Comunidade, sem que a decisão recorrida tenha procedido a uma análise do mercado relevante. Do mesmo modo, o entendimento de que as importações na Europa provenientes dos Estados Unidos continuam a ser possíveis e rentáveis, o que permite que o mercado europeu não esteja compartimentado (v. decisão recorrida, ponto 7.2, p. 25, primeiro travessão), não é relevante para se concluir que não existe uma restrição da concorrência na acepção do artigo 81.° CE.
54 A este respeito, a recorrente salienta que a decisão recorrida não retira nenhuma consequência do facto de os diferentes mercados geográficos estarem rigorosamente compartimentados, como demonstra a impossibilidade de os revendedores fazerem aquisições de forma independente nos Estados Unidos, contrariamente aos utilizadores finais, o facto de ela própria – única fonte alternativa de abastecimento que subsiste na Comunidade – não poder constituir stocks com origem nos Estados Unidos e o facto de a sua quota de mercado em França ter diminuído consideravelmente. Esta quota passou de 30% em 1982 para 20% em 1993 e para menos de 10% em 2003, e isto em benefício da Bergerat, o distribuidor da Caterpillar em França, o que é claramente superior ao limiar do carácter sensível fixado pela jurisprudência para aplicar o direito comunitário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 2003, General Motors Nederland e Opel Nederland/Comissão, T‑368/00, Colect., p. II‑4491, n.° 153). Esta diminuição é suficiente para demonstrar a existência de uma restrição da concorrência na acepção do artigo 81.° CE. Perante a evolução dessa quota de mercado, é indiferente que o número dos utilizadores finais para os quais a Haladjian compra nos Estados Unidos no âmbito do sistema CES tenha aumentado entre 2001 e 2003. Por outro lado, devia ser examinado todo o mercado e não apenas a situação da autora da denúncia. Actualmente, para o utilizador final europeu que procura um vendedor em condições de lhe fornecer rapidamente peças disponíveis, as compras nos Estados Unidos efectuadas no âmbito do sistema CES não constituem uma fonte alternativa de abastecimento efectiva.
55 A recorrente alega também que o aumento do preço dos distribuidores americanos nas exportações para a Europa não tem como única incidência um encarecimento de 10%, uma vez que o preço efectivamente facturado pode ser inferior ao preço dos distribuidores americanos, devido aos descontos habitualmente concedidos pela Caterpillar aos seus distribuidores. Ora, decorre de diversos documentos apresentados pela Haladjian à Comissão que a Caterpillar não concede os descontos habituais aos distribuidores que vendem para exportação [v. carta da Caterpillar enviada aos distribuidores americanos, de 2 de Fevereiro de 1990, e carta da Caterpillar enviada aos distribuidores retalhistas («sub‑dealers»), de 28 de Junho de 1993]. O agravamento de custos para o distribuidor americano, e consequentemente para o revendedor europeu e para o seu cliente, pode pois ser muito mais elevado do que é referido pela decisão recorrida.
56 A Comissão e a Caterpillar observam que as importações dos Estados Unidos continuam a ser possíveis e rentáveis e que a Haladjian continua a ser uma fonte alternativa de abastecimento para os utilizadores europeus. As dificuldades identificadas pela Haladjian não são, assim, susceptíveis de constituir uma restrição da concorrência na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, designadamente face aos critérios expostos no acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1998, Javico (C‑306/96, Colect., p. I‑1983, n.os 16 e 25), nos termos do qual a influência das alegadas restrições de concorrência nas trocas comerciais entre Estados‑Membros não deve ser insignificante, mas sim sensível.
Apreciação do Tribunal
57 A título preliminar, importa referir que o sistema CES proíbe as vendas interzonas, excepto se corresponderem ao pedido efectivo de um utilizador que mandate um revendedor como intermediário, caso em que o referido pedido deve ser efectuado através do sistema CES. A este respeito, não é contestado que o revendedor europeu, como a Haladjian, já não pode adquirir por conta própria peças sobresselentes produzidas pela Caterpillar nos Estados Unidos, designadamente para constituir um stock susceptível de satisfazer os seus clientes europeus, como acontecia antes da entrada em vigor do sistema CES. Acresce que, no caso de vendas interzonas, o preço dos distribuidores americanos sofre um aumento de 10%, apesar do distribuidor estabelecido nos Estados Unidos continuar a dispor de liberdade de escolha do preço que pretende exigir ao revendedor europeu.
58 Essas limitações das vendas interzonas foram examinadas pela Comissão durante os procedimentos administrativos instaurados contra a Caterpillar e na sequência da denúncia da Haladjian. Nesse quadro, a Caterpillar pôde indicar que o custo real de aquisição de equipamento de construção era dividido, em partes iguais, pelo preço de compra do equipamento, por um lado, e pelo custo das peças sobresselentes e da manutenção, por outro. Na prática, é a venda das peças sobresselentes, mais do que dos equipamentos de construção, que permite aos distribuidores fazerem face aos custos relacionados com a criação da rede de distribuição. Nestas condições, a Caterpillar pretendeu instaurar um sistema que permitisse responder melhor aos interesses dos distribuidores, que devem fazer face a obrigações que não recaem sobre os revendedores, que intervêm como importadores paralelos de peças sobresselentes sem terem de suportar os custos ligados à distribuição dos equipamentos de construção. Esse sistema seria compatível com os interesses dos clientes da Caterpillar, que teriam interesse em poder beneficiar de uma boa rede de distribuição para garantir a manutenção e a reparação dos seus equipamentos. Na audiência, a Caterpillar esclareceu que se tratava de um elemento determinante da sua política comercial e que contava com a qualidade da sua rede para concorrer com os outros produtores de equipamentos de construção.
59 É neste contexto que a situação da Haladjian e dos outros revendedores independentes deve ser apreciada. Com efeito, a Haladjian não pode limitar‑se a exigir a manutenção da situação favorável de que beneficiava antes de 1982, situação que lhe permitia abastecer‑se sem nenhuma restrição nos Estados Unidos, dado que era precisamente essa situação que podia pôr em risco a integridade e a qualidade da rede mundial de distribuição da Caterpillar e que constitui a razão pela qual o sistema CES foi criado. Quanto a este ponto, importa referir – como o faz a decisão recorrida – que a Haladjian mantém ainda a possibilidade de se abastecer nos Estados Unidos, desde que, todavia, respeite as regras do sistema CES. Essa possibilidade residual de abastecimento é perfeitamente pertinente, na medida em que permite à Caterpillar satisfazer as expectativas de alguns dos seus clientes que desejam beneficiar de uma fonte de abastecimento de peças sobresselentes diferente da que é oferecida por um distribuidor local.
60 A este respeito, decorre dos autos que a Haladjian continua a demonstrar um certo dinamismo no que respeita às importações paralelas dos Estados Unidos para a zona CE/EFTA, dado que o número total de utilizadores finais para os quais está registada na CES para vendas interzonas aumentou em mais de 20% entre 2001 e 2003 e que, durante este período, as suas aquisições nos Estados Unidos, através do sistema CES, aumentaram quase 40%. Assim sendo, a Haladjian adaptou‑se às novas regras criadas pelo sistema CES e, a ser verdade, o facto de constituir a única fonte alternativa de abastecimento que subsiste na Comunidade permitiu‑lhe estender as suas actividades de França para outros Estados‑Membros.
61 Relativamente ao argumento da diminuição da sua quota de mercado em França, há que referir que o mesmo não assenta em dados suficientemente probatórios, porquanto se baseia numa comparação entre o volume total de negócios da Bergerat, que vende outros produtos para além dos produzidos pela Caterpillar e oferece mais serviços do que a Haladjian, e o volume de vendas da Haladjian e porque a quota de mercado inicial da Haladjian em 1982 («cerca de um terço do mercado») é calculada a partir de uma estimativa informal da Bergerat efectuada em 1979 e comunicada indirectamente à Haladjian numa nota transmitida por um distribuidor canadiano em 19 de Outubro de 1981.
62 No que se refere ao argumento da recorrente segundo o qual o aumento do preço praticado pela Caterpillar ao seu distribuidor americano na exportação para a Europa não tem como única incidência um encarecimento de 10% do preço dos distribuidores americanos, dado que o preço efectivamente facturado ao cliente de um distribuidor americano pode ser inferior a esse preço por causa dos descontos concedidos pela Caterpillar ao distribuidor, há que salientar que – como foi indicado na decisão recorrida (ponto 5.1, terceiro parágrafo) – a Caterpillar não intervém na determinação do preço de venda final praticado pelos seus distribuidores americanos nas vendas interzonas. Em todo o caso, a recorrente não fez prova das suas afirmações segundo as quais a Caterpillar não concede os descontos habituais aos seus distribuidores pela simples razão de a venda ser feita para exportação, nem demonstrou que as diferenças de preços importantes entre os Estados Unidos e a zona CE/EFTA eram, em virtude do sistema CES, neutralizadas a ponto de tornar essas exportações substancialmente menos interessantes do ponto de vista comercial, e isso apesar dos distribuidores americanos serem livres de oferecer descontos sobre a sua própria margem. Em especial, as duas cartas citadas pela recorrente quanto a este ponto nada provam, uma vez que a primeira, a carta da Caterpillar dirigida aos distribuidores americanos, de 2 de Fevereiro de 1990, não faz referência à questão dos descontos e que a segunda, a carta da Caterpillar dirigida aos distribuidores retalhistas, de 28 de Junho de 1993, se refere aos retalhistas cuja missão é abastecer localmente os clientes da Caterpillar e não efectuar vendas para exportação.
63 Decorre do que precede que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que os elementos de prova apresentados pela recorrente para demonstrar o carácter restritivo das vendas interzonas não eram suficientemente probatórios.
64 Os outros argumentos pontuais invocados pela recorrente não são susceptíveis de pôr em causa esta conclusão.
b) Quanto à acusação relativa à lista dos revendedores interzonas
65 A recorrente sustenta que, embora seja verdade que a lista dos revendedores interzonas não visa oficialmente os revendedores que se dedicam ao comércio intracomunitário, não é menos verdade que, de facto, os revendedores que se dedicam, ou têm condições para se dedicar, ao comércio intracomunitário se encontram necessariamente nessa «lista negra». A distinção entre revendedor europeu, que actua de um Estado‑Membro para outro, e revendedor interzonas, abrangido pelo sistema CES, é, portanto, puramente teórica e o sistema CES comporta, em si mesmo, um elemento restritivo de concorrência para os revendedores europeus que se dedicam às vendas intracomunitárias, uma vez que essa lista permite aos distribuidores da Caterpillar identificá‑los pela sua simples designação enquanto revendedores interzonas.
66 O Tribunal observa que, ao afirmar que todos os revendedores intracomunitários são também revendedores interzonas inscritos na respectiva lista, a recorrente não explicita de que forma esta afirmação permite identificar uma restrição das vendas intracomunitárias ou das vendas interzonas. Assim, a recorrente não explica como é que – a ser verdade – este facto pôde impedi‑la de se abastecer nos Estados Unidos no âmbito do sistema CES ou pôde prejudicar as suas possibilidades de abastecimento na Europa. A este respeito, há que referir que decorre da decisão recorrida que a lista de revendedores interzonas serve unicamente para informar os distribuidores da Caterpillar de que o revendedor que se apresenta como comprador de peças sobresselentes destinadas ao mercado local pode, de facto, ser um revendedor com intenção de utilizar essas peças para efectuar trocas comerciais interzonas, em violação do sistema CES.
67 Resulta das considerações que precedem que a acusação da recorrente relativa à lista de revendedores interzonas deve ser rejeitada.
c) Quanto à acusação relativa à fiscalização do destino das vendas interzonas
68 A recorrente contesta a afirmação, constante da decisão recorrida, segundo a qual o revendedor europeu incluído na lista de revendedores interzonas não está impedido de comprar peças, mas pode ficar sujeito, em função da vontade exclusiva do distribuidor, ao procedimento de verificação do destino dos produtos adquiridos para serem vendidos na zona CE/EFTA (decisão recorrida, ponto 5.3, segundo travessão, quinto parágrafo). Na realidade, a alegada discricionariedade concedida aos distribuidores constitui uma obrigação imposta pela Caterpillar aos seus distribuidores. Com efeito, como esses distribuidores devem respeitar as regras do sistema CES para as vendas interzonas, este respeito implica necessariamente a fiscalização efectiva do destino das peças sobresselentes vendidas aos revendedores europeus que constam da lista dos revendedores interzonas. É, portanto, irrelevante que a Haladjian não tenha alegado ter sido sujeita por um distribuidor europeu ao processo de verificação do destino dos produtos comprados para serem vendidos na zona CE/EFTA. Com efeito, se este distribuidor souber que o destino do produto é a zona CE/EFTA, não está obrigado a qualquer verificação em cumprimento do sistema CES. Além disso, na medida em que a Haladjian está estabelecida em França, onde os preços são elevados, as suas aquisições noutros Estados‑Membros para revender em França correspondem necessariamente a vendas intracomunitárias, pelo que não tem sentido pedir‑lhe que demonstre que esteve sujeita, na Comunidade, a um processo de verificação do destino dos produtos comprados. De resto, a recorrente recorda que a carta do Sr. A. para a Schmidt, de 11 de Setembro de 1990, permite demonstrar que as importações da Haladjian através dos portos do Havre e de Marselha eram fiscalizadas pelo distribuidor francês Bergerat.
69 O Tribunal salienta que a afirmação da recorrente, segundo a qual a fiscalização do destino das vendas interzonas era na realidade imposta pela Caterpillar e não deixada à discricionariedade do distribuidor em causa, não basta para demonstrar que a decisão recorrida está errada quanto a este ponto. Com efeito, decorre da carta da Caterpillar de 13 de Dezembro de 1990, que expõe o conteúdo do sistema CES aos distribuidores da zona CE/EFTA, que é da responsabilidade do distribuidor determinar se as peças que vende a um revendedor situado na zona CE/EFTA se destinam a essa zona ou a outra zona geográfica. Esta fiscalização depende por isso da vontade do distribuidor, que a efectua se a considerar necessária. Em caso de dúvida, compete ao distribuidor interrogar o revendedor sobre o destino das peças que este compra. Se a revenda ocorrer fora da zona em causa, a venda é sujeita ao sistema CES; caso contrário, não necessita de outras formalidades. Na hipótese de uma venda efectuada por um distribuidor da zona CE/EFTA a um revendedor dessa mesma zona, essa fiscalização pode eventualmente justificar‑se se esse distribuidor considerar que o destino das peças pode ser a África, tratando‑se assim de uma venda interzonas. Nenhum documento dos autos permite portanto demonstrar que a Caterpillar impõe aos seus distribuidores que verifiquem sistematicamente o destino dos produtos vendidos.
70 Além disso, a referência pela recorrente à carta do Sr. A. para a Schmidt, de 11 de Setembro de 1990, segundo a qual as importações da Haladjian provenientes dos Estados Unidos e efectuadas através dos portos do Havre e de Marselha são fiscalizadas pelo distribuidor francês Bergerat, não permite de forma alguma demonstrar que esta fiscalização era exigida pela Caterpillar e pelo sistema CES. Com efeito, esse documento inscreve‑se num contexto especial, em que a Bergerat e a Caterpillar procuravam identificar as fontes de aprovisionamento da Haladjian, que continuava a abastecer‑se nos Estados Unidos à margem do sistema CES.
71 Em qualquer caso, importa referir que a recorrente não contesta a apreciação feita na decisão recorrida segundo a qual não indicou, nem afortiori demonstrou, ter sido objecto dessa fiscalização do destino das peças sobresselentes compradas a um distribuidor situado na zona CE/EFTA. Não pode portanto alegar, com base nestes factos, que o sistema CES constitui um entrave às vendas intracomunitárias.
72 Decorre do que antecede que a acusação da recorrente relativa à fiscalização do destino das vendas interzonas deve ser rejeitada.
d) Quanto à acusação relativa ao atraso na atribuição dos códigos CES
73 A recorrente alega que, por vezes, a Caterpillar lhe atribuía os códigos CES com atraso, apesar de serem necessários para satisfazer as encomendas dos seus clientes nos Estados Unidos. Segundo a recorrente, esses atrasos devem ser tomados em consideração para apreciar o carácter anticoncorrencial do sistema CES. A este respeito, a recorrente sustenta que a argumentação exposta no ponto 5.4 da decisão recorrida para rejeitar as suas alegações não tem em conta os elementos de prova apresentados no âmbito do procedimento administrativo. Assim, a Comissão contesta certos elementos incluídos num quadro que a Haladjian anexou às suas observações relativas à carta artigo 6.°, tais como a ausência de exemplos que permitam demonstrar a sua veracidade e o facto de o ponto de partida para calcular o prazo de atribuição do código não ser a data de transmissão desse pedido à CES na Bélgica, mas a data de transmissão do pedido aos Estados Unidos, quando outros documentos demonstram que a própria Caterpillar reconhece a existência dos atrasos em causa.
74 O Tribunal observa que, no âmbito do procedimento administrativo, a recorrente não apresentou nenhum documento, nenhuma prova nem mesmo nenhum indício de prova para demonstrar que os atrasos na atribuição dos códigos CES, que por vezes ocorreram após a entrada em vigor do sistema CES, estão relacionados com a vontade deliberada da Caterpillar em lhe dificultar o funcionamento do sistema CES.
75 Com efeito, decorre da correspondência trocada entre a Caterpillar e a Haladjian, por cartas de 21 e 28 de Maio de 1993, que a Caterpillar informou a Haladjian de que a atribuição dos códigos CES dependia da obtenção de uma série de informações necessárias à realização das encomendas, as quais – naquele momento – não constavam todas das notas de encomenda transmitidas pela Haladjian.
76 Do mesmo modo, na sequência da denúncia apresentada pela Haladjian em 7 de Março de 2000, segundo a qual determinados atrasos na atribuição dos códigos tinham ocorrido durante o ano de 1999 e no início de 2000, a Caterpillar respondeu, por carta de 31 de Março de 2000, que nunca houve bloqueio na atribuição dos códigos e que esses atrasos estavam relacionados com as dificuldades encontradas pela CES em contactar as pessoas que tinham mandatado a Haladjian para fazer uma encomenda nos Estados Unidos e que, para ultrapassar essas dificuldades, a CES decidiu tornar o seu sistema mais flexível verificando alguns desses mandatos ao acaso, e já não na sua totalidade, como acontecia anteriormente.
77 Decorre das considerações que precedem que a acusação da recorrente relativa ao atraso na atribuição dos códigos CES deve ser rejeitada.
78 Por conseguinte, todas as acusações da recorrente relativas ao carácter intrinsecamente anticoncorrencial do sistema CES devem ser rejeitadas.
2. Quanto às acusações relativas à carta de 15 de Dezembro de 1982 da Caterpillar aos seus distribuidores europeus
79 A recorrente sustenta que a decisão recorrida se baseia, no quadro da exposição das alterações introduzidas no sistema de comercialização dos produtos da Caterpillar a partir de 1982 (ponto 5.2) e do exame da aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE aos acordos e práticas controvertidas no interior da zona CE/EFTA (ponto 7.1), numa versão errada da carta de 15 de Dezembro de 1982 enviada pela Caterpillar aos seus distribuidores europeus. Com efeito, de acordo com a versão citada na decisão recorrida, a Caterpillar pedia aos seus distribuidores na Europa para não venderem peças sobresselentes a um revendedor que pretendesse exportá‑las para outros países que não os Estados Unidos ou os países da zona CE/EFTA. Ora, a única versão pertinente é a da carta transmitida à Haladjian pela Leverton, um dos distribuidores estabelecidos no Reino Unido, e da qual decorre que a proibição de vender fora do território atribuído só dizia respeito aos Estados Unidos e não aos países da zona CE/EFTA, como é erradamente afirmado na decisão recorrida.
80 A recorrente alega igualmente que a decisão recorrida foi adoptada em violação do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98, nos termos do qual o denunciante deve poder apresentar as suas observações relativas aos motivos da rejeição da sua denúncia, dado que a versão da carta de 15 de Dezembro de 1982 em que se baseia a decisão não é a que foi anexada à carta artigo 6.° e que a Comissão não informou a recorrente acerca da interpretação e do alcance que entendia dar a esse documento na decisão final (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.os 26 e 27).
81 A Comissão, apoiada pela Caterpillar, contesta esta análise.
82 O Tribunal observa, antes de mais, que não existem duas versões da carta de 15 de Dezembro de 1982, como afirma a recorrente, mas sim duas cartas diferentes, com a mesma data, que a Caterpillar enviou a diferentes destinatários. A este respeito, importa salientar que o conteúdo da carta citada na decisão recorrida corresponde exactamente ao conteúdo da carta de 15 de Dezembro de 1982 enviada pela Caterpillar aos seus distribuidores da zona CE/EFTA (anexo 46 da petição, p. 1034). A decisão recorrida não está pois errada quanto a este aspecto. Além disso, relativamente à carta de 15 de Dezembro de 1982 invocada pela recorrente, importa referir que, na realidade, corresponde a uma carta do mesmo dia enviada pela Caterpillar a distribuidores que não têm como território atribuído zonas geográficas incluídas na zona CE/EFTA (anexo 46 da petição, p. 1038; v., também, anexo 1 da intervenção). A Comissão não tinha portanto que tomar esta carta em consideração para examinar a aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE aos acordos e práticas controvertidas no interior da zona CE/EFTA.
83 De resto, note‑se que o sistema CES só foi instituído em 1990, tendo por objectivo acabar com o desrespeito das directrizes dadas pela Caterpillar aos seus distribuidores em 1982. Deste modo, foi apenas a partir de 1990 que a Caterpillar ficou realmente em condições de gerir e controlar as exportações de peças sobresselentes de uma zona geográfica para outra. A este respeito, decorre dos autos que, por carta de 13 de Dezembro de 1990 enviada a todos os seus distribuidores na Comunidade, na sequência da recusa de venda oposta a um revendedor belga pelo distribuidor alemão Zeppelin, a Caterpillar recordou expressamente que o sistema CES não se aplicava aos revendedores que vendem a utilizadores situados na zona CE/EFTA. Este documento permite pois à Comissão considerar que não existem, no caso em apreço, instruções escritas da Caterpillar aos seus distribuidores europeus no sentido de que não vendam aos revendedores que pretendem comprar num país da zona CE/EFTA para revender noutro país desta zona, como é referido nos pontos 6.1 e 7.1 da decisão recorrida.
84 Por outro lado, a recorrente não pode invocar uma violação do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98, uma vez que as duas cartas de 15 de Dezembro de 1982 lhe foram enviadas no âmbito do procedimento administrativo como documentos anexos às observações da Caterpillar sobre a denúncia de 9 de Fevereiro de 1994 e que ela as comentou nas suas observações à carta artigo 6.°, chamando a atenção da Comissão para o que pensava ser a versão correcta da carta de 15 de Dezembro de 1982 a ter em consideração no âmbito da apreciação dos acordos e práticas controvertidas na zona CE/EFTA. A recorrente não pode portanto censurar a Comissão por ter exposto o conteúdo da carta efectivamente enviada pela Caterpillar aos seus distribuidores da zona CE/EFTA e daí ter retirado as respectivas consequências.
85 Face às considerações precedentes, as acusações da recorrente relativas à carta de 15 de Dezembro de 1982 da Caterpillar aos seus distribuidores europeus devem ser rejeitadas.
3. Quanto às acusações relativas aos documentos respeitantes à Bergerat e às propostas feitas pela Bergerat a clientes da Haladjian
a) Quanto à acusação relativa à carta de 19 de Julho de 1990 da Caterpillar à Bergerat
Decisão recorrida
86 No âmbito da exposição dos resultados do inquérito relativo à ligação entre a Caterpillar e o seu distribuidor francês Bergerat, a decisão recorrida refere, no ponto 6.2, o conteúdo de uma troca de correspondência entre estas duas empresas. Trata‑se, por um lado, da carta de 10 de Julho de 1990, enviada pela Bergerat à Caterpillar queixando‑se da pressão concorrencial exercida no seu território pelas importações de peças sobresselentes provenientes dos Estados Unidos e pedindo para ser informada dos resultados da aplicação do sistema CES neste país, e, por outro, da carta de 19 de Julho de 1990, enviada como resposta da Caterpillar à Bergerat, informando que o sistema CES atingirá o seu objectivo quando as fontes de abastecimento dos revendedores de peças sobresselentes da marca Caterpillar começarem a esgotar‑se e acabarem por se esgotar por completo. Esta carta de 19 de Julho de 1990 refere também que o sistema CES visa pôr fim às actividades dos revendedores, ao mesmo tempo que se preocupa em optimizar as possibilidades de vendas adicionais e em não perder nenhum contrato importante respeitante a peças sobresselentes de origem produzidas pela Caterpillar (decisão recorrida, ponto 6.2, p. 11).
87 De acordo com a decisão recorrida, estes documentos confirmam a política da Caterpillar destinada a controlar, através do sistema CES, as vendas interzonas e a impedir que essas vendas sejam efectuadas à margem desse sistema. Em apoio desta tese, a decisão recorrida afirma que, embora a carta da Caterpillar de 19 de Julho de 1990 pareça preconizar uma política comercial destinada a pôr termo às actividades dos revendedores, na realidade, esta mesma carta – lida no seu contexto – visa apenas as importações dos revendedores provenientes dos Estados Unidos efectuadas fora do sistema CES. Esta interpretação é corroborada pelo facto de a referida carta responder à da Bergerat de 10 de Julho de 1990, na qual esta sociedade tinha suscitado a questão da aplicação estrita do sistema CES às exportações oriundas dos Estados Unidos e pelo facto de «não existir nenhuma prova da aplicação de uma política visando acabar com as importações dos revendedores de peças dos Estados Unidos para a Europa» (decisão recorrida, ponto 6.2, p. 12).
Argumentos das partes
88 A recorrente refere que decorre expressamente da carta de 19 de Julho de 1990 da Caterpillar à Bergerat que o objectivo do sistema CES é esgotar completamente as fontes de abastecimento dos revendedores de peças de origem produzidas pela Caterpillar nos Estados Unidos. A decisão recorrida está portanto errada quando afirma que este documento não revela uma tentativa para isolar a zona CE/EFTA das outras zonas geográficas. Para chegar a esta conclusão, a decisão sustenta que a carta de 19 de Julho de 1990 apenas visa as actividades dos revendedores efectuadas «à margem do sistema CES». Ora, para a recorrente, esta interpretação contraria não só o texto dessa carta mas também a economia do sistema CES, que assenta na ideia de que os revendedores não têm direito a efectuar trocas comerciais interzonas, direito este de que só os utilizadores finais gozam. Segundo a recorrente, os revendedores visados pela proibição de exportação mencionada na carta de 19 de Julho de 1990 são efectivamente todos os revendedores, e não apenas os revendedores que operam à margem do sistema CES.
89 A Comissão, apoiada pela Caterpillar, alega que estas críticas ignoram o próprio texto da carta de 19 de Julho de 1990, que procura garantir que todas as partes, designadamente os revendedores, respeitem o sistema CES, o qual permite à Haladjian efectuar encomendas nos Estados Unidos por conta dos seus clientes.
Apreciação do Tribunal
90 O Tribunal sublinha que as acusações formuladas pela recorrente contra a interpretação do conteúdo da carta de 19 de Julho de 1990 da Caterpillar exposta na decisão recorrida não permitem, de forma alguma, pôr em causa esta interpretação. Com efeito, a decisão recorrida refere com razão que a expressão «stopping resellers’ activities» (pôr termo às actividades dos revendedores), que figura na carta da Caterpillar Overseas de 19 de Julho de 1990 e que, em si mesma, poderia revelar a vontade da Caterpillar de eliminar os revendedores, deve necessariamente ser lida no seu contexto, isto é, à luz da carta da Bergerat de 10 de Julho de 1990, na qual esta sociedade suscitou a questão da aplicação estrita do sistema CES às exportações efectuadas a partir dos Estados Unidos. Neste contexto, as «actividades dos revendedores» com que a Caterpillar pretende acabar podem muito bem ser interpretadas como sendo as que o sistema CES visa limitar, a saber, as importações para a Europa oriundas dos Estados Unidos efectuadas por revendedores que não utilizam o sistema CES. São estas fontes de abastecimento que o sistema CES procura extinguir e não aquelas que, no âmbito do sistema CES, permitem que um revendedor europeu se abasteça nos Estados Unidos desde que actue por conta de um utilizador europeu como, sem outro meio de prova, tenta sustentar a recorrente.
91 Decorre das considerações que precedem que a acusação da recorrente relativa à carta de 19 de Julho de 1990 da Caterpillar à Bergerat deve ser rejeitada.
b) Quanto às acusações relativas às propostas feitas pela Bergerat a clientes da Haladjian
Decisão recorrida
92 No âmbito da apreciação da aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE aos acordos e práticas controvertidas nos países da zona CE/EFTA, a decisão recorrida indica que, durante o procedimento administrativo, a Haladjian apresentou diversos documentos relativos a propostas comerciais feitas em Junho de 1993 pelo distribuidor francês Bergerat a alguns dos seus clientes. Segundo a Haladjian, estas propostas continham «cláusulas restritivas de concorrência, dado que ofereciam descontos especiais pelo aumento das vendas», isto é, descontos quantitativos e «outras ofertas, como o congelamento dos preços durante dois anos». Em contrapartida, a decisão recorrida refere que «o facto da Bergerat tentar, através da informação filtrada pelo sistema CES, conhecer os nomes dos clientes da Haladjian e se empenhar em os conquistar não constitui uma restrição de concorrência» [decisão recorrida, ponto 7.1, alínea b), primeiro parágrafo, p. 21].
Argumentos das partes
93 A recorrente sustenta que a decisão recorrida está errada ao referir as propostas feitas pela Bergerat aos seus clientes sem se preocupar com o facto de a Bergerat poder beneficiar da «informação filtrada pelo sistema CES». Ao fazê‑lo, a Comissão parece admitir que o sistema CES permite que os distribuidores sejam informados acerca das actividades dos revendedores. Ora, a recorrente salienta que os documentos fornecidos durante o procedimento administrativo mostram que a Bergerat dispõe do nome dos clientes da Haladjian desde 14 de Abril de 1993, isto é, precisamente desde o dia seguinte àquele em que manifestou à Caterpillar a intenção de actuar em nome destes clientes no âmbito do sistema CES. Além disso, a Comissão não teve em conta o facto de que um representante da Bergerat visitou os seus clientes acompanhado de um representante da Caterpillar, o que revela a concertação entre estas empresas. Além disso, a recorrente salienta que decorre de uma carta de 21 de Setembro de 1999 da Caterpillar a um revendedor grego que o sistema CES implica, em si mesmo, que o distribuidor dos produtos da Caterpillar do local de destino conheça a existência de qualquer novo comprador que utilize o sistema CES e a identidade dos seus clientes. Deste modo, a Comissão devia ter qualificado de práticas concertadas proibidas pelo artigo 81.° CE todas as transmissões, à Bergerat, de informações sensíveis sobre as actividades da Haladjian, com o objectivo de restringir ou mesmo de eliminar a sua presença no mercado enquanto concorrente.
94 Além disso, a recorrente alega que a decisão recorrida está errada ao qualificar as propostas de descontos oferecidos pela Bergerat aos seus clientes de «descontos quantitativos» não restritivos de concorrência. Ora, os referidos descontos não são aplicados proporcionalmente às quantidades compradas, mas sim em função do aumento das compras, não se tratando, portanto, de descontos quantitativos (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461). Da mesma forma, a decisão recorrida ignora o facto de o congelamento dos preços durante dois anos ter sido igualmente proposto pela Bergerat. Tendo em conta o contexto em que se inserem esses descontos, que têm como alvo clientes da Haladjian que acabam de manifestar a sua preocupação em manter uma fonte alternativa de abastecimento nos Estados Unidos, mandatando‑a como intermediário – apesar da Haladjian, única concorrente da Bergerat no mercado francês, sofrer uma limitação das suas capacidades de acção –, é assim manifesto que o objectivo destas propostas de preço era restringir a concorrência no mercado em causa, eliminando a Haladjian.
95 A Comissão sustenta que nada permite afirmar que as propostas da Bergerat não eram legítimas ou que resultavam de informações obtidas no âmbito do sistema CES, dado que os clientes da Haladjian podiam também ser clientes da Bergerat. Da mesma maneira, a Haladjian não provou que o sistema CES implica necessariamente uma transmissão dos dados relativos aos clientes que mandatam um revendedor.
96 Por sua vez, a Caterpillar refere que a política da CES é a de não fornecer aos distribuidores o nome dos consumidores finais que importam para o seu território.
Apreciação do Tribunal
97 A alegação da Haladjian de que o seu concorrente, o distribuidor francês Bergerat, utilizou informações que ela tinha comunicado à Caterpillar – a saber, o nome dos clientes que a tinham mandatado para comprar peças sobresselentes aos distribuidores americanos através do sistema CES – para desviar os seus clientes e incentivá‑los a comprar à Bergerat e não a ela poderia caracterizar uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE, se estivesse apoiada em elementos de prova suficientes para preencher as condições legais enunciadas nesta disposição. É neste contexto, isto é, à luz dos elementos dos autos, que importa analisar a afirmação – sumária, é certo – da decisão recorrida segundo a qual «o facto da Bergerat tentar, através de informações filtradas pelo sistema CES, conhecer o nome dos clientes da Haladjian e se empenhar em os conquistar não constitui uma restrição de concorrência».
98 Ora, relativamente aos documentos respeitantes à Bergerat que a recorrente refere, o seu exame permite apenas verificar que um representante desta empresa se encontrou com um dos clientes que mandataram a Haladjian no âmbito do sistema CES, acompanhado de um representante da Caterpillar (fax da Bergerat a [B.] de 14 de Abril de 1993, anexo 32 da petição, p. 766), e que, na sequência dessa visita, esse cliente recebeu da Bergerat uma proposta comercial que continha «um desconto suplementar de 10% sobre o aumento das compras de peças sobresselentes, não incluindo as exportadas, efectuadas entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 1993» e o congelamento dos preços das peças sobresselentes durante 1993 e 1994 (carta da Bergerat a [B.] de 30 de Junho de 1993, anexo 32 da petição, p. 768). Estes documentos mostram também que os mesmos compromissos foram assumidos pela Bergerat face a outro cliente da Haladjian na sequência de visitas efectuadas a esta empresa (carta da Bergerat a [G.] de 30 de Junho de 1993, anexo 32 da petição, p. 772).
99 Em contrapartida, os mesmos documentos não são suficientes para provar que a Bergerat obteve o nome dos clientes da Haladjian através do sistema CES. A este respeito, note‑se que, em resposta a uma questão acerca deste ponto colocada durante a audiência, a recorrente afirmou ao Tribunal que o documento da CES datado de 25 de Maio de 1993 (anexo 32 da petição, p. 767), em que figuram os nomes de certos clientes de que é mandatária nos Estados Unidos no âmbito do sistema CES – nomeadamente o nome dos dois clientes acima referidos que foram objecto de uma proposta comercial da Bergerat –, lhe tinha sido enviado pela Caterpillar e não estava em condições de afirmar se o mesmo tinha também sido comunicado à Bergerat ou se esta tinha tido conhecimento dele por intermédio da Caterpillar. Além disso, há que ter em conta que qualquer cliente da Haladjian no domínio de peças sobresselentes produzidas pela Caterpillar é necessariamente um cliente da Caterpillar que adquiriu o equipamento de construção a que correspondem as peças sobresselentes. É por isso compreensível que um representante da Caterpillar se encontre com utilizadores de equipamento de construção para se inteirar das suas necessidades em matéria de peças sobresselentes. Por conseguinte, as diligências efectuadas pela Bergerat junto dos clientes da Haladjian, por vezes na presença de um representante da Caterpillar, podem ser consideradas uma iniciativa comercial da Bergerat dirigida a todos os seus clientes que compram material da marca Caterpillar, os quais podem também ser clientes da Haladjian, sem que isso implique uma restrição de concorrência nos termos do artigo 81.° CE.
100 Do mesmo modo, em relação à carta de 21 de Setembro de 1999 da Caterpillar a um revendedor grego, o seu conteúdo contraria a afirmação da recorrente. Com efeito, esta carta, que expõe os princípios do sistema CES, refere expressamente que, neste âmbito, o revendedor europeu pode abastecer‑se junto de qualquer dos distribuidores autorizados pela Caterpillar e precisa que, se o revendedor decide abastecer‑se na CES na Bélgica, a CES solicitará então ao distribuidor do local de destino do produto autorização para agir em seu nome. Este pedido não implica, contudo, que a CES comunique a esse distribuidor a identidade do cliente em nome de quem o revendedor actua.
101 Nenhum documento corrobora assim a afirmação da recorrente segundo a qual a Bergerat – ou qualquer outro distribuidor da zona CE/EFTA – pode ter acesso, através do sistema CES, ao nome dos clientes que mandataram a Haladjian para vendas interzonas.
102 Por outro lado, no que respeita às acusações da recorrente relativas ao erro da decisão recorrida ao não examinar os descontos e as propostas de congelamento dos preços propostos pela Bergerat a dois dos seus clientes, apesar dessas propostas comerciais visarem eliminar a Haladjian do mercado em causa, importa referir que essas alegações, que dizem respeito a infracções ao artigo 82.° CE e não ao artigo 81.° CE, não tinham que ser examinadas pela Comissão no âmbito da apreciação da denúncia da Haladjian, que visava a Caterpillar e não a Bergerat. A este respeito, a recorrente não conseguiu demonstrar a mais pequena concertação entre a Caterpillar e a Bergerat relativamente a essas propostas comerciais.
103 Decorre das considerações precedentes que as acusações relativas às propostas feitas pela Bergerat a clientes da Haladjian devem ser rejeitadas.
4. Quanto às acusações relativas aos documentos respeitantes à Leverton
a) Decisão recorrida
104 No que respeita aos documentos relativos à Leverton, um dos distribuidores da Caterpillar estabelecidos no Reino Unido, que foram apresentados pela Haladjian para demonstrar que este distribuidor lhe propunha preços proibitivos, a decisão recorrida refere no ponto 6.4 que a tarifa proposta à Haladjian pela Leverton, na sua carta de 21 de Abril de 1993, correspondia ao preço proposto aos utilizadores do Reino Unido. Portanto, a decisão conclui que se essa tarifa é proibitiva para a Haladjian também o é para os utilizadores do Reino Unido.
b) Argumentos das partes
105 A recorrente alega que, quanto a este ponto, a decisão recorrida se esquece de recordar que, em 1983, a Leverton anunciou que ia cessar os fornecimentos à Haladjian e de referir que a proposta de preço feita pela Leverton em 21 de Abril de 1993, com base na tarifa nacional, é idêntica à que foi feita na mesma altura pela Maia à Haladjian, sob instigação da Caterpillar. Por outro lado, a afirmação de que «se essa tarifa é proibitiva para a Haladjian, também o é para os utilizadores [do Reino Unido]» está errada, dado que a importância das encomendas feitas pelos revendedores destinadas ao comércio intracomunitário permitia obter preços calculados por referência ao «Consumer price» (também designado pela Maia «tarifa internacional») antes da aplicação do sistema CES e que esses preços eram inferiores às tarifas nacionais praticadas pelos distribuidores europeus nos respectivos territórios.
106 A Comissão, apoiada pela Caterpillar, contesta esta análise.
c) Apreciação do Tribunal
107 O Tribunal observa que nenhum dos argumentos apresentados pela recorrente permite afirmar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.
108 Relativamente à omissão da recusa de venda da Leverton à Haladjian, em Março de 1983, o exame do documento em questão (anexo 5 da petição, p. 380) apenas permite concluir que a Leverton suspendeu encomendas da Haladjian enquanto aguardava que a aplicação do sistema de comercialização dos produtos da Caterpillar, acabado de ser criado, fosse discutida. De qualquer forma, esse documento é anterior à instauração do sistema CES.
109 Em relação à omissão, na decisão recorrida, da proposta feita, na mesma altura, pela Maia à Haladjian, há que referir que a decisão examina essa proposta no quadro da análise dos documentos relativos à Maia. Esse exame não tinha portanto que ser repetido aquando do exame dos documentos relativos à Leverton. Além disso, a proposta da Maia refere‑se à tarifa italiana e não à tarifa em vigor no Reino Unido e inclui um desconto de 10%. As suas condições não são, portanto, idênticas às da proposta da Leverton. Por outro lado, a recorrente não explica em que medida essas propostas podem constituir a prova da existência de uma concertação entre a Caterpillar e os seus distribuidores ingleses e italianos contra si.
110 No que respeita à crítica da recorrente oposta à afirmação da decisão recorrida, segundo a qual «se [a] tarifa [em vigor no Reino Unido] é proibitiva para a Haladjian, também o é para os utilizadores [do Reino Unido]» – crítica que se baseia na alegação de que a importância das encomendas feitas pelos revendedores a título de vendas intracomunitárias permitia obter preços inferiores às tarifas nacionais antes da aplicação do sistema CES –, basta referir que essas críticas não têm incidência na decisão recorrida. Com efeito, a decisão recorrida afirma que o distribuidor não está vinculado ao preço proposto ao revendedor, podendo este propor, assim, o preço nacional ou qualquer outro preço que considere apropriado. A este respeito, a recorrente não demonstra em que medida o preço proposto no caso em apreço pela Leverton a discriminava.
111 Resulta das considerações precedentes que as acusações da recorrente relativas aos documentos respeitantes à Leverton devem ser rejeitadas.
5. Quanto às acusações relativas aos documentos respeitantes à Maia
112 A recorrente alega que a decisão recorrida desvirtua o conteúdo dos documentos respeitantes à Maia comunicados durante o procedimento administrativo. Com efeito, em vez de analisar esses documentos como exemplo do que deve fazer um revendedor para contrariar a proibição de facto de efectuar importações paralelas na Comunidade, a decisão utiliza‑os para explicar e justificar as práticas da Caterpillar.
a) Quanto aos documentos relativos à rede Maia/ICBO/Schmidt
Decisão recorrida [pontos 6.3 e 7.1, alínea c)]
113 De acordo com a decisão recorrida, os documentos respeitantes à Maia apresentados pela Haladjian no decurso do procedimento administrativo permitem demonstrar que aquele distribuidor tinha criado uma rede paralela de distribuição que abastecia a Haladjian à margem do sistema CES. Os documentos relevantes para esta questão são referidos no ponto 6.3 da decisão recorrida. Trata‑se da carta anónima recebida pela Caterpillar em Fevereiro de 1990, informando‑a de que a sociedade italiana ICBO – cujos accionistas são o Sr. A., um responsável da Maia, e a sociedade americana Schmidt – comprava peças sobresselentes à Maia por conta da Schmidt, que as destinava à Haladjian, do fax enviado pelo Sr. A. à Schmidt, de 13 de Fevereiro de 1990, anunciando‑lhe que a Caterpillar pretendia obter explicações relativas às vendas da Maia à ICBO e da carta enviada pelo Sr. A. à Schmidt, de 21 de Setembro de 1990, informando‑a da visita da Caterpillar e da resposta dada pela Maia relativamente às vendas feitas à ICBO.
114 O conteúdo dessa carta de 21 de Setembro de 1990, retomado na decisão recorrida, é o seguinte:
«[...] Tivemos a visita de [representantes da Caterpillar França e Itália]. Eis o que nos disseram. Em França, existe um concorrente muito forte (a Haladjian, tal como está escrito na lista dos revendedores!) que, no passado, recebia numerosos contentores provenientes dos Estados Unidos [...] Os contentores deixaram de chegar, mas a Haladjian continua, no entanto, a fazer bons negócios. Quem/Onde é a nova fonte? A [Bergerat] teve conhecimento, em Marselha, de certos rumores respeitantes ao tráfico de peças de origem CAT provenientes de Itália ‘gerido’ pela MAFIA italiana [...] Respondemos como da última vez. Conhecemos a ICBO; vendem equipamento usado para países africanos [...] De uma forma muito polida, os representantes da Caterpillar disseram que acreditavam em nós, mas que devemos ser muito prudentes porque a sua reacção pode acabar por ser a (rescisão do contrato) [...] A minha empresa está agora muito preocupada. Penso que devemos discutir pessoalmente esta questão porque a situação está cada vez mais perigosa [...]» (decisão recorrida, ponto 6.3, quarto parágrafo).
115 De acordo com a decisão recorrida, esses documentos permitem determinar o contexto em que se inseria a encomenda da Haladjian à Maia em 1993 (decisão recorrida, ponto 6.3, p. 15, segundo parágrafo). São destacados, nomeadamente, os seguintes factos. Em primeiro lugar, a Maia, um distribuidor oficial da Caterpillar, utilizou a ICBO como rede paralela à sua rede oficial para comercializar peças sobresselentes em países não europeus, contornando o sistema CES e violando o seu contrato de distribuição. Em segundo lugar, a ICBO e a Schmidt compraram à Maia peças a preços diferentes dos da tarifa italiana, simulando que essas peças se destinavam aos Estados Unidos. Na realidade, essas peças destinavam‑se à Haladjian para as suas actividades comerciais em África e, talvez, pelo menos segundo afirmações da Haladjian, em França. Em terceiro lugar, as vendas da Maia à Haladjian efectuadas por intermédio da ICBO e da Schmidt foram apresentadas à Caterpillar como sendo vendas de produtos usados destinados a África. Em quarto lugar, em 1993, quando a Caterpillar foi posta ao corrente da actividade paralela e ilícita da Maia, esta decidiu pôr termo à sua participação na rede que implicava a ICBO, a Schmidt e a Haladjian. A este respeito, apesar do Sr. A. ter escrito à Schmidt, dizendo‑lhe que tinha recebido do seu director‑geral instruções para evitar os contactos com a Haladjian, isso diz unicamente respeito às suas actividades comerciais clandestinas.
116 A decisão recorrida refere que a Haladjian não põe em causa este contexto. Em particular, a Haladjian não indicou o país a que se destinavam as peças que a Maia lhe fornecia por intermédio da ICBO e da Schmidt. De igual forma, a decisão recorrida observa que a Haladjian não demonstra que, antes da encomenda que fez à Maia em 24 de Fevereiro de 1993 (a seguir «encomenda de 24 de Fevereiro de 1993»), tenha tentado efectuar aquisições directas de peças à Maia para as destinar ao mercado francês ou a outro mercado da zona CE/EFTA, nem que a Maia tenha recusado fornecer‑lhe essas peças, nem que – nesse caso, havendo litígio quanto aos preços – a Caterpillar tenha intervindo sobre o preço (decisão recorrida, ponto 6.3, pp. 16 e 17).
Argumentos das partes
117 A recorrente alega que os três documentos de 1990 respeitantes à Maia demonstram claramente que, ao contrário do que preconiza o sistema CES e do que indica a decisão recorrida, as compras da Haladjian em Itália com destino a França foram alvo de restrições por parte da Caterpillar e de alguns dos seus distribuidores.
118 No que respeita à carta anónima enviada à Caterpillar em Fevereiro de 1990, a recorrente observa que esse documento refere expressamente que as mercadorias compradas pela ICBO em Itália, por intermédio da Schmidt, são entregues em Marselha, sendo posteriormente levantadas e desalfandegadas pela Haladjian. Este esclarecimento, que não consta da decisão recorrida, demonstra bem que as compras da Haladjian efectuadas por intermédio da ICBO e da Schmidt se destinavam a França e não a África.
119 Relativamente ao fax enviado pelo Sr. A. à Schmidt, em 13 de Fevereiro de 1990, a recorrente observa que o mesmo não se limita a anunciar que a Maia se ia encontrar com a Caterpillar para dar explicações sobre as vendas à ICBO. Nesse fax, o Sr. A. pedia também a opinião do destinatário acerca de um cenário montado para a ocasião, no qual interviria uma venda pontual com destino a África em 1986. Conjugado com a carta anónima, este fax permite concluir que a Maia dissimulou os factos expostos à Caterpillar, invocando vendas destinadas a África – e, portanto, em violação do sistema CES, que proíbe que um distribuidor venda a um revendedor que exporta para fora da zona – em vez de reconhecer vendas de Itália para França, como decorria, contudo, da carta anónima. Ora, uma vez que as vendas de Itália para França são perfeitamente autorizadas – como afirmam a Caterpillar e a Comissão –, a recorrente refere que é difícil compreender por que é que essas vendas, incluindo as efectuadas por um intermediário como a ICBO, tinham de ser objecto de uma denúncia anónima seguida de «explicações» à Caterpillar.
120 No que respeita à carta do Sr. A. para a Schmidt, de 21 de Setembro de 1990, relatando a visita feita à Maia por representantes da Caterpillar em França e em Itália, a recorrente salienta que esta carta afirma, quando se refere à situação da Haladjian, que este revendedor recebeu no passado diversos contentores dos Estados Unidos através dos portos do Havre e de Marselha «onde [a Bergerat] dispõe de informadores». As referências feitas à Bergerat nesta e noutras partes da carta permitem concluir que a Caterpillar actuava em concertação estreita com o seu distribuidor francês e revelam o papel da Bergerat na vigilância da Haladjian e nas acções da Caterpillar para desencorajar a Maia de fornecer a Haladjian. Esta carta deve também ser relacionada com a carta de 10 de Julho de 1990 da Bergerat à Caterpillar, que recorda a todos os intervenientes as regras do jogo.
121 Por outro lado, a recorrente critica a decisão recorrida quando esta afirma que as vendas efectuadas por intermédio da ICBO serviam para contornar o sistema CES permitindo efectuar compras com destino a África. Esta afirmação baseia‑se apenas no fax de 13 de Fevereiro de 1990, em que o Sr. A. referia à Schmidt o que ia contar à Caterpillar para confundir as pistas relacionadas com o abastecimento da Haladjian em Marselha. Trata‑se de uma explicação de pura fachada que não corresponde aos factos aqui em causa. A decisão recorrida tem‑na em conta, na medida em que refere que, qualquer que seja a interpretação a dar a essa carta, a verdade é que a Haladjian nunca demonstrou que as vendas da Maia através da ICBO se destinavam no todo ou em parte a França (v. decisão recorrida, ponto 6.3, p. 17). Assim, incapaz de demonstrar o que afirma, a Comissão considera que incumbe à Haladjian provar o contrário. Ora, independentemente do seu carácter manifestamente erróneo à luz dos documentos referidos que demonstram de forma clara que essas vendas se destinavam a França e não a África, esta crítica constitui também uma violação dos direitos da autora da denúncia, a quem é dirigida, pela primeira vez na decisão recorrida, a acusação de não ter fornecido provas relativamente a esta matéria, sem que isso alguma vez lhe tenha sido pedido ao longo de dez anos de processo. Além disso, a Comissão não pode suscitar dúvidas quanto ao destino final das peças encomendadas à Maia por intermédio da ICBO e da Schmidt, uma vez que a maior parte das vendas da Haladjian é efectuada em França.
122 A Comissão contesta a argumentação da recorrente, segundo a qual esses documentos demonstram que a Maia tentou dissimular à Caterpillar não uma infracção ao sistema CES – devido a exportações não declaradas para a África –, mas sim a violação de uma regra não escrita que não permite à Maia vender a um revendedor europeu que compre peças com destino à zona CE/EFTA. Com efeito, a recorrente toma como ponto de partida a existência de restrições a esconder, sem produzir a respectiva prova, e isso apesar de estar em condições de demonstrar o destino real das peças compradas à Maia por intermédio da ICBO.
Apreciação do Tribunal
123 A recorrente contesta, no essencial, a apreciação da decisão recorrida, segundo a qual os documentos respeitantes à Maia para o período que precedeu a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 não permitem determinar, relativamente aos revendedores europeus, a existência de restrições ao comércio intracomunitário. A este respeito, a recorrente não contesta ter utilizado a rede Maia/ICBO/Schmidt para se abastecer em Itália, mas alega que este abastecimento se destinava apenas à realização de vendas intracomunitárias – de Itália para França –, e isso para contornar o que afirma ser a impossibilidade prática de efectuar essas vendas devido ao comportamento da Caterpillar e dos seus distribuidores, designadamente da Bergerat.
124 No entanto, a decisão recorrida rejeita esta tese com base no facto de que nenhum documento permite determinar a existência dessa proibição de praticar vendas intracomunitárias. A decisão refere, em especial, que a Haladjian fez prova de que as peças sobresselentes obtidas em Itália por intermédio da ICBO tinham efectivamente como destino final a França. A premissa da tese da recorrente não está portanto demonstrada. Do mesmo modo, a decisão recorrida refere que, mesmo admitindo que o destino final dessas peças sobresselentes tenha sido efectivamente a França, isso não demonstra que a Caterpillar tenha proibido os seus distribuidores europeus de venderem peças sobresselentes à Haladjian (v. decisão recorrida, ponto 6.3, p. 16, terceiro parágrafo).
125 Há então que examinar os elementos relevantes dos autos para determinar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao rejeitar, por insuficiência de provas, as alegações da recorrente quanto ao destino francês das peças compradas à Maia, por intermédio da ICBO e da Schmidt, e quanto ao facto de que, na prática, estava impossibilitada de se abastecer directamente junto da Maia, em virtude de um alegado acordo ou de uma prática concertada entre a Caterpillar e os seus distribuidores europeus.
126 A título preliminar, há que salientar que os documentos invocados pela recorrente têm força probatória limitada devido à sua natureza e às circunstâncias em que se inserem. Assim, o primeiro documento relativo às actividades da rede Maia/ICBO/Schmidt em 1990 é uma carta anónima enviada à Caterpillar em Fevereiro de 1990. Os outros dois documentos citados pela recorrente, a saber, o fax enviado pelo Sr. A. à Schmidt, de 13 de Fevereiro de 1990, e a carta enviada pelo Sr. A. à Schmidt, de 21 de Setembro de 1990, inscrevem‑se num contexto em que a Caterpillar se interrogava, na sequência da carta anónima, sobre a lealdade do comportamento do seu distribuidor italiano e a sua conformidade com os termos do contrato de distribuição.
127 O exame destes três documentos fornece as seguintes informações. Em primeiro lugar, a carta anónima enviada à Caterpillar em Fevereiro de 1990 afirma que as peças vendidas à Schmidt pela ICBO eram entregues num entreposto em Marselha, onde eram «levantadas e desalfandegadas pela Haladjian». Em segundo lugar, o fax enviado pelo Sr. A. à Schmidt, em 13 de Fevereiro de 1990, menciona uma venda, no valor de 120 milhões de liras italianas, pela Maia à ICBO tendo em vista a utilização das peças sobresselentes por empresários italianos estabelecidos nos Camarões e no Gabão. Em terceiro lugar, a carta enviada pelo Sr. A. à Schmidt, de 21 de Setembro de 1990, refere, antes de mais, que, durante uma visita dos representantes da Caterpillar à Maia, a Caterpillar indicou a esta última que sabia que a Haladjian tinha recebido, no Havre e em Marselha, diversos contentores com peças sobresselentes provenientes dos Estados Unidos, que a chegada dos referidos contentores cessara sem por isso terem diminuído as vendas da Haladjian e que a Caterpillar se interrogava desde então sobre qual podia ser a nova fonte de abastecimento da Haladjian. Esta carta refere, seguidamente, a resposta da Maia, que já tinha sido dada à Caterpillar, e da qual decorre que a Maia sabia – apenas de certa maneira – que a ICBO vendia peças sobresselentes usadas com o objectivo de serem utilizadas em diversos países africanos.
128 Da leitura destes três documentos infere‑se que a apreciação da decisão recorrida, segundo a qual os documentos comunicados pela Haladjian não permitem determinar o destino final das peças adquiridas em Itália pela Haladjian, não é portanto manifestamente errada. Com efeito, a indicação, contida numa carta anónima, de que as peças compradas pela Haladjian à Maia por intermédio da ICBO e da Schmidt eram entregues e desalfandegadas em Marselha, o que permite supor que as peças exportadas para os Estados Unidos, onde se encontrava a Schmidt, eram seguidamente reexportadas para França, onde eram desalfandegadas, deve ser comparada com as informações dadas pela Maia à Caterpillar, que fazem referência a vendas em África. Certos documentos permitiam, por conseguinte, pensar que determinadas peças podiam efectivamente ter a África como destino final. Assim, na ausência de elementos de prova fornecidos pela Haladjian sobre o destino real das peças compradas à Maia, por intermédio da ICBO e da Schmidt, não se pode censurar a Comissão por ter considerado, na decisão recorrida, que nada demonstrava que o destino final dessas peças era efectivamente a França.
129 Além disso, qualquer que seja o destino final das peças em causa, os documentos citados na decisão recorrida e criticados pela recorrente não demonstram que as vendas intracomunitárias não eram possíveis em virtude da Caterpillar. A este respeito, há que concluir que a recorrente continua sem fornecer provas do menor indício de acordo ou de prática concertada entre a Caterpillar e os seus distribuidores europeus, por força dos quais não lhe fosse possível comprar em Itália para vender em França, o que constitui o cerne da sua tese no presente recurso.
130 Por outro lado, a recorrente não pode alegar que os seus direitos enquanto autora da denúncia foram violados por não ter tido oportunidade, durante o procedimento administrativo, de fornecer provas sobre o destino final das peças sobresselentes adquiridas à Maia por intermédio da ICBO e da Schmidt, dado que foi ela própria que sustentou, nas suas observações acerca da carta artigo 6.°, que o destino das peças era a França, sem, todavia, produzir a respectiva prova nessa altura. A recorrente não pode assim acusar a Comissão de ter rejeitado esta alegação por insuficiência de provas.
131 Resulta das considerações que precedem que as acusações da recorrente relativas aos documentos respeitantes à rede Maia/ICBO/Schmidt, que a Haladjian utilizou para os seus abastecimentos antes da encomenda de 24 de Fevereiro de 1993, devem ser rejeitadas.
b) Quanto aos documentos relativos à encomenda de 24 de Fevereiro de 1993
Decisão recorrida
132 A decisão recorrida analisa também uma segunda série de documentos relativos à encomenda de 24 de Fevereiro de 1993, bem como o seu tratamento pela Maia e incidentalmente pela Caterpillar. Os documentos relevantes são os seguintes.
133 Por carta de 24 de Fevereiro de 1993, a Haladjian escreveu à Maia para lhe comunicar que tinha sido autorizada por diversos utilizadores franceses, cujas cartas juntava em anexo, a comprar peças sobresselentes produzidas pela Caterpillar, que tinha discutido o conteúdo dessas cartas com a Caterpillar, tendo‑lhe esta afirmado que seria bom fazer a encomenda a um distribuidor, e que, consequentemente, estava interessada na compra de peças sobresselentes ao «Consumer price», em dólares dos Estados Unidos (a seguir «dólares») (decisão recorrida, ponto 6.3, quinto parágrafo).
134 Na sequência de uma insistência da Haladjian em 30 de Março de 1993, a Maia enviou em 31 de Março de 1993 um fax à Caterpillar para se informar acerca da conduta a adoptar, tendo‑lhe também telefonado. De acordo com uma nota interna da Maia de 20 de Abril de 1993, a Caterpillar reagiu afirmando que a Maia devia responder à Haladjian e que, se assim o entendesse, podia propor um preço baseado na tarifa italiana (decisão recorrida, ponto 6.3, sétimo parágrafo).
135 De acordo com a decisão recorrida, a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 tem carácter anormal. Com efeito, em primeiro lugar, a Haladjian refere que foi autorizada por clientes franceses a comprar peças produzidas pela Caterpillar, quando essa autorização não é necessária para um revendedor que compra peças num país da zona CE/EFTA no intuito de as enviar para outro país dessa mesma zona. Em segundo lugar, a Haladjian afirma que discutiu essas cartas de autorização com um dirigente da Caterpillar, quando o revendedor que se dedica ao comércio intracomunitário não está obrigado a discutir o assunto com ninguém para efectuar encomendas. Em terceiro lugar, a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 não solicita preços na moeda local, mas sim baseados no «Consumer price» em dólares. Ora, cada distribuidor pratica uma tarifa de venda na sua própria moeda e não em dólares (decisão recorrida, ponto 6.3).
136 A este respeito, a decisão recorrida recorda, em primeiro lugar, que a Haladjian não demonstrou ter beneficiado anteriormente de preços em dólares por parte da Maia ou de outros distribuidores europeus para produtos destinados a França ou a outro país da zona CE/EFTA, em segundo lugar, que a Haladjian nunca forneceu provas de que a Maia tenha praticado essa alegada tarifa internacional em dólares com outros clientes comunitários e que – por conseguinte – a recusa de aplicar esse preço à Haladjian constitui uma discriminação e, em terceiro lugar, que a Haladjian não demonstrou que, sem a interferência da Caterpillar, teria beneficiado de um preço inferior ao proposto pela Maia na sua carta de 8 de Abril de 1993. Pelo seu conteúdo, a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 constitui assim uma reacção ao facto de a Maia ter decidido deixar de abastecer a Haladjian contornando o sistema CES e visava permitir a esta reunir elementos que fundamentassem a denúncia [decisão recorrida, pontos 6.3 e 7.1, alínea c)].
137 Por outro lado, a decisão recorrida (ponto 6.3, sexto parágrafo) refere‑se à carta enviada pelo Sr. A. à Schmidt em 30 de Março de 1993, após a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993. Esta carta diz o seguinte:
«As primeiras notícias da Caterpillar não são boas. Segunda‑feira à tarde, o meu director‑geral chamou‑me para me dizer que tinha recebido um telefonema de Genebra aconselhando a não abastecer a H. F. Avignon; oficialmente isto não pode ser feito, pelo que vamos responder e propor a lista de preços italianos (o que significa, em média, o preço ao consumidor [«Consumer price»] em dólares multiplicado por dois!!!); brevemente receberemos a resposta definitiva da Caterpillar. [...]»
138 Por carta de 8 de Abril de 1993, a Maia propôs à Haladjian um preço baseado na tarifa italiana com um desconto de 10%. Por carta de 22 de Abril de 1993, a Haladjian recusou essa proposta e pediu para beneficiar do «Consumer price» em dólares, como tinha sido proposto a outros clientes comunitários da Maia, com um desconto. Caso contrário, a Haladjian informou a Maia da sua intenção de apresentar uma denúncia à Comissão por prática de preços discriminatórios. De acordo com a nota interna da Maia de 20 de Abril de 1993, já referida, esta sociedade informou a Caterpillar e a Bergerat da reacção da Haladjian (decisão recorrida, ponto 6.3, oitavo e nono parágrafos).
139 Segundo uma nota interna da Maia de 30 de Abril de 1993, a Haladjian contactou‑a porque estava em condições de fazer chantagem uma vez que, em primeiro lugar, a Maia tinha aplicado no passado a tarifa internacional a clientes comunitários (para a decisão recorrida, esta nota retoma aqui o conteúdo da carta da Haladjian à Maia de 22 de Abril de 1993, referida no número anterior, que faz alusão ao «Consumer price» em dólares), em segundo lugar, a Maia não tinha respeitado as regras do sistema CES para as vendas fora da Comunidade, em terceiro lugar, a Haladjian podia provar a existência de vendas da Maia à Haladjian por intermédio da ICBO e, em quarto lugar, certos dirigentes da Caterpillar conheciam as actividades paralelas da Maia, tendo‑as encoberto até à data (decisão recorrida, ponto 6.3, segundo parágrafo, e nota de pé de página n.° 10).
140 Na medida em que a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 revelava que tinha havido trocas de impressões com a Caterpillar e que a Maia receava que o seu contrato de distribuição fosse rescindido devido à violação do sistema CES, a decisão recorrida afirma que «não é de estranhar» o facto da Maia ter pedido informações à Caterpillar sobre a forma de tratar esta encomenda. Quanto a este ponto, a decisão recorrida refere que a Caterpillar reagiu a este pedido informando que a Maia devia responder à Haladjian e que, se assim o entendesse, podia propor um preço conforme à tarifa italiana. Segundo a decisão recorrida, trata‑se apenas de uma «sugestão». Esta sugestão foi seguida pela Maia – com total autonomia, segundo a decisão recorrida – em 8 de Abril de 1993, dado que propôs à Haladjian um preço baseado na tarifa italiana com um desconto de 10% – o mesmo que foi conseguido por um dos principais clientes da Maia. Deste modo, a decisão recorrida conclui que estas consultas entre a Maia e a Caterpillar não constituem uma concertação com o objectivo de impedir ou de dificultar o comércio paralelo entre os Estados‑Membros, na acepção do artigo 81.° CE. Por outro lado, a decisão recorrida sublinha que, como os documentos acima referidos não revelam a existência de uma restrição de concorrência na acepção do artigo 81.° CE, a alegada pressão da Bergerat sobre a Caterpillar para esta vigiar as importações em França também não constitui uma restrição de concorrência [decisão recorrida, ponto 6.3, p. 17, e ponto 7.1, alínea c)].
Argumentos das partes
141 Em primeiro lugar, a recorrente contesta a forma como a decisão recorrida apreciou o conteúdo de certos documentos de 1993 respeitantes à Maia.
142 Desde logo, critica a apreciação da decisão recorrida segundo a qual a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 tinha carácter anormal. Em primeiro lugar, observa que a decisão recorrida não refere que essa encomenda se insere no âmbito das discussões que a Haladjian mantinha na mesma altura com a Caterpillar sobre a maneira como o sistema CES lhe era aplicado e que aborda a troca de correspondência entre ela própria e a Caterpillar em 30 de Março e 13 de Abril de 1993. Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a decisão parte do princípio de que não existe nenhuma restrição ao comércio intracomunitário e que, consequentemente, não é normal fazer uma encomenda à Maia para o mercado francês aludindo à existência de um acordo prévio com a Caterpillar. Ora, embora, em teoria, tal observação se possa justificar, a recorrente sustenta todavia que os documentos referentes à Maia revelam que, de facto, o comércio intracomunitário é restringido. Assim, a reacção da Maia, que se apressa a consultar a Caterpillar acerca da encomenda da Haladjian, ilustra a impossibilidade de se efectuarem trocas intracomunitárias, de forma livre e aberta. A este respeito, a recorrente afirma que, se a referência feita na encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 à existência de contactos entre a Haladjian e a Caterpillar podia, quando muito, explicar que a Maia se dirigisse a esta última para pedir esclarecimentos, esta mesma referência não justificava que a Maia lhe pedisse instruções. Em terceiro lugar, a recorrente salienta que a decisão recorrida desconhece a estrutura dos preços do comércio intracomunitário quando considera «anormal» o pedido da Haladjian para obter preços calculados em função do «Consumer price» em dólares. Com efeito, era com base nessa tarifa (também designada «tarifa internacional» na nota interna da Maia de 30 de Abril de 1993), e não nas tarifas nacionais exageradamente elevadas, que se efectuavam em condições normais as compras dos revendedores até a Caterpillar se ter oposto a isso.
143 Seguidamente, a recorrente salienta que a nota interna da Maia de 20 de Abril de 1993, enviada à Caterpillar em 23 de Abril, não pode ser reduzida aos dois elementos citados na decisão recorrida, isto é, que a Caterpillar incitou a Maia a responder à Haladjian sugerindo‑lhe que aplicasse a tarifa italiana e que a Maia informou a Bergerat da reacção da Haladjian a essa proposta. Esta nota indica também que a Caterpillar tinha começado por aconselhar a Maia a ganhar tempo antes de responder à Haladjian, que a Maia queria saber se o outro revendedor italiano tinha recebido o mesmo pedido para, eventualmente, dar a mesma resposta, que os «conselhos» da Caterpillar não se limitaram a sugerir à Maia que propusesse à Haladjian a tarifa italiana, uma vez que a Caterpillar entrou em detalhes relativos às condições de venda e sugeriu que fossem pedidos os modelos e os números das máquinas dos clientes franceses, que a Maia procurou, de novo, ganhar tempo quando, a 16 de Abril de 1993, a Haladjian lhe pediu a comunicação da tarifa italiana e que a Maia informou a Bergerat não apenas da «reacção da Haladjian», como afirma erradamente a decisão recorrida, mas também da forma como a Maia actuou face à Haladjian.
144 Por último, a recorrente salienta que a decisão recorrida devia ter tido em conta a explicação dada na carta do Sr. A. para a Schmidt, de 30 de Março de 1993, da qual decorre que a Caterpillar «aconselhou» a Maia a evitar abastecer a «HF Avignon» (isto é, a Haladjian), uma vez que isso «não [podia] ser feito oficialmente», que, consequentemente, a Maia ia propor à Haladjian a tarifa italiana e que a Maia esperava, quanto a este ponto, a resposta final da Caterpillar.
145 Em segundo lugar, a recorrente critica as razões enunciadas na decisão recorrida para sustentar que os preços propostos pela Maia o foram com total autonomia e que as consultas feitas pela Maia à Caterpillar não constituem uma concertação na acepção do artigo 81.° CE, isto é, a apreciação segundo a qual os pedidos da Haladjian à Maia tinham apenas por objectivo exercer chantagem sobre a Maia e que o teor das trocas de informação entre a Maia e a Caterpillar se explicava pelo facto de as compras efectuadas por intermédio da ICBO e da Schmidt serem destinadas a África.
146 Quanto à alegada chantagem, esta explicação é contrariada, segundo a recorrente, pela cronologia dos acontecimentos uma vez que a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 é anterior ao anúncio do fim das relações comerciais com a Maia através de intermediário, feita na carta do Sr. A. para a Schmidt, de 30 de Março de 1993. Do mesmo modo, a referida encomenda ocorre dois meses antes da ameaça feita pela Haladjian de apresentar uma denúncia às autoridades comunitárias, formulada na sua carta de 22 de Abril de 1993 no seguimento da recusa da Maia em lhe conceder preços idênticos aos propostos a outros compradores da Comunidade que se encontravam numa situação comparável.
147 Por outro lado, na mesma linha do erro cometido a propósito dos documentos de 1990, a decisão recorrida afirma novamente que as transacções efectuadas por intermédio da ICBO se destinavam a África, em violação do sistema CES, e que a Haladjian não demonstrou o contrário. Ora, a questão das vendas da Maia à Haladjian por intermédio da ICBO é completamente diferente da encomenda de 24 de Fevereiro de 1993, que visa comprar directa e abertamente à Maia no âmbito do sistema criado pela Caterpillar. Assim, a interpretação da encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 à luz das relações negociais existentes entre a Maia e a Haladjian conduz necessariamente a uma total incompreensão da situação. Qualquer que seja a interpretação a dar às relações com a ICBO, quer seja reconhecido ou não que demonstram a existência de entraves ao comércio intracomunitário, essas relações são de qualquer modo irrelevantes para a apreciação a fazer sobre as provas directas das concertações entre a Maia e a Caterpillar, no que respeita à resposta a dar à encomenda da Haladjian.
148 Em terceiro lugar, a recorrente defende que a decisão recorrida está errada quando afirma que ela não provou a discriminação de preço de que a Haladjian acusava a Maia na sua carta de 22 de Abril de 1993. Na verdade, basta ter em atenção a carta do Sr. A. para a Schmidt, de 30 de Março de 1993, para verificar o objectivo declarada e conscientemente discriminatório dos referidos preços. Da mesma forma, a decisão recorrida não pode, sob pena de se contradizer, contestar que a Maia praticou a tarifa internacional a outros clientes comunitários, uma vez que esse facto é mencionado nessa mesma decisão em duas ocasiões quando trata da nota interna manuscrita da Maia de 30 de Abril de 1993 (ponto 6.3, p. 14, penúltimo parágrafo, p. 15, último travessão), apesar da nota de pé de página n.° 10 da decisão recorrida indicar que a referência à tarifa internacional nessa nota interna não é uma «confissão» da Maia, mas apenas a reprodução do conteúdo da carta da Haladjian de 22 de Abril de 1993.
149 Essa interpretação está errada dado que, mesmo admitindo que a autora da nota interna de 30 de Abril de 1993 mais não faz do que citar a carta da Haladjian de 22 de Abril de 1993, não é menos verdade que a referida nota afirma que esse facto se verifica, que a Haladjian pode demonstrá‑lo e que o facto da Caterpillar poder vir a conhecê‑lo a preocupa. Assim, esta nota demonstra não só que a discriminação de que a Haladjian é vitima é real mas também que a Maia receava que a Caterpillar soubesse que ela vendia a preços competitivos para outros Estados‑Membros [«avrà certamente ‘material’ che puo ‘inchiodarci e avvalorare la sua affermazione dell’ultima lettera’ (noi vendiamo usando il listino Internazionale a clienti EEC)»].
150 Por outro lado, a recorrente afirma que, em Maio de 1994, teve conhecimento de propostas feitas pela Maia a um utilizador inglês (a seguir «C.») a preços bem mais vantajosos do que os que lhe tinham sido propostos pela Maia – as diferenças variavam, consoante as peças, entre 90% e 160%. Nessa altura, a Haladjian recebeu também uma proposta de um revendedor italiano (a seguir «M.») que se abastecia na Maia e que estava em condições de propor à Haladjian preços inferiores aos que esta podia obter directamente na Maia.
151 Em quarto lugar, a recorrente alega que decorre das considerações precedentes que a Comissão cometeu um erro de direito ao não reconhecer a existência de práticas concertadas entre a Caterpillar e a Maia. Com efeito, o raciocínio da Comissão assenta no carácter anormal da encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 e no facto de a Haladjian não ter demonstrado que esta encomenda foi precedida de outras encomendas semelhantes. Ora, para determinar se existem restrições de concorrência no caso de uma encomenda intracomunitária, é irrelevante fazer referência aos motivos subjectivos da transacção ou à existência ou não de anteriores transacções semelhantes.
152 A Comissão contesta a tese da recorrente, ao recordar que resulta da decisão recorrida que os contactos havidos entre a Caterpillar e a Maia, na sequência da encomenda de 24 de Fevereiro de 1993, não demonstram a existência de uma alegada regra não escrita proibindo os revendedores de efectuarem exportações na zona CE/EFTA, mas que se explicam pelo contexto particular em que se insere esta encomenda. Além disso, nada prova que a Maia não fixou livremente o preço de venda dessa transacção, incluindo o desconto de 10% concedido à Haladjian. A Comissão critica também o carácter suficientemente probatório dos documentos relativos às propostas feitas pela Maia a C. e à proposta feita à Haladjian por M.
153 Por outro lado, a Caterpillar salienta que a Maia decidiu contactar a Caterpillar e a Bergerat por sua iniciativa pessoal e que a sua resposta foi apenas propor que a Haladjian recebesse o mesmo tratamento que os outros compradores de peças sobresselentes, isto é, utilizando a lista de preços de venda a retalho.
Apreciação do Tribunal
154 Nenhum dos argumentos apresentados pela recorrente permite caracterizar um erro manifesto de apreciação da Comissão. No caso em apreço, a recorrente limita‑se a criticar o conteúdo dos diferentes documentos citados e analisados pela Comissão no que respeita ao tratamento da encomenda de 24 de Fevereiro de 1993, sem apresentar elementos susceptíveis de pôr em causa as conclusões da decisão recorrida quanto a este ponto, ou seja, por um lado, a apreciação de que a concertação entre a Maia e a Caterpillar relativamente ao tratamento desta encomenda não constitui uma restrição de concorrência na acepção do artigo 81.° CE e, por outro, a apreciação segundo a qual a proposta de preço apresentada pela Maia à Haladjian – a tarifa nacional italiana com um desconto de 10% – foi feita com total autonomia, apesar da sugestão da Caterpillar de aplicar a tarifa nacional italiana.
155 Com efeito, segundo a decisão recorrida, a concertação entre a Maia e a Caterpillar a propósito da resposta a dar à encomenda da Haladjian, que decorre designadamente da nota interna da Maia de 20 de Abril de 1993 dirigida à Caterpillar em 23 de Abril de 1993, explica‑se pelo contexto em que esta encomenda se insere e pelo facto de a referida encomenda precisar que houve conversações entre a Haladjian e a Caterpillar relativamente a certos aspectos, a saber, as cartas de autorização dos clientes da Haladjian.
156 Ora, importa recordar que, no passado, as vendas da Maia à Haladjian se efectuavam através de uma rede em que intervinham a ICBO em Itália e a Schmidt nos Estados Unidos. Acresce que, na sequência do inquérito feito pela Caterpillar, a Maia decidiu pôr termo a esta forma de aprovisionamento para evitar a rescisão do seu contrato de distribuição, com que a Caterpillar a tinha ameaçado (v. carta dirigida pelo Sr. A. à Schmidt, de 30 de Março de 1993, anexo 29 da petição). Nestas condições, a decisão recorrida não está manifestamente errada quando imputa à vontade da Maia não perder o benefício do seu contrato de distribuição o facto de a mesma pedir conselhos à Caterpillar sobre a maneira como devia responder à encomenda de 24 de Fevereiro de 1993. Este comportamento explica‑se também pelo conteúdo da referida encomenda, que fazia alusão a contactos com a Caterpillar e a autorizações de compras assinadas por utilizadores franceses, apesar desses contactos e autorizações não serem necessários no domínio das vendas intracomunitárias de Itália para França. Por conseguinte, a Maia pôde legitimamente ter sentido necessidade de contactar a Caterpillar para saber mais acerca desta matéria.
157 Consequentemente, a decisão recorrida não comete um erro manifesto de apreciação quando conclui que a concertação entre a Maia e a Caterpillar se justificava por razões conjunturais que não permitem fazer prova bastante da existência de um entrave às vendas intracomunitárias dos revendedores.
158 Relativamente ao carácter autónomo da proposta feita pela Maia – ou seja, a tarifa nacional italiana com um desconto de 10% –, há que salientar que a decisão recorrida não está manifestamente errada quando indica que, embora tenha sido, pelo menos parcialmente, sugerida pela Caterpillar, que propunha à Maia que respondesse à Haladjian com base na tarifa nacional italiana, esta proposta foi feita com total autonomia, como resulta da indicação «se estivermos de acordo», inscrita na nota interna da Maia de 20 de Abril de 1993, que refere o conteúdo das indicações dadas por telefone por um representante da Caterpillar à Maia a respeito da encomenda da Haladjian. Além disso, o desconto de 10% foi proposto por iniciativa própria da Maia. Esse desconto ilustra assim o princípio geral, exposto na decisão recorrida, segundo o qual o distribuidor é livre de propor o preço que entender aos revendedores. Nos termos do sistema CES, o referido distribuidor deve simplesmente procurar respeitar as regras aplicáveis às vendas interzonas, o que não parece ser aqui o caso, pois a encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 invocava as cartas de autorização comunicadas por utilizadores franceses.
159 Consequentemente, a decisão recorrida não enferma de erro manifesto de apreciação quando conclui que a proposta da Maia à Haladjian foi feita com total autonomia por esse distribuidor e não teve por efeito restringir as vendas intracomunitárias dos revendedores.
160 Além disso, apesar das suas alegações nesse sentido, a recorrente continua sem demonstrar que a proposta da Maia a discriminava ou, mais genericamente, que era restritiva de concorrência. Em concreto, importa referir que a Comissão não podia chegar a essa conclusão com base nos elementos que lhe foram comunicados, ou seja, a referência à tarifa internacional na carta do Sr. A. para a Schmidt, de 30 de Março de 1993 (o «‘Consumer price’ em dólares»), e na nota interna da Maia, de 30 de Abril de 1993, uma vez que a transacção em causa não estava abrangida pelo sistema CES e que, em qualquer caso, foi efectuada à margem de qualquer intervenção demonstrada da Caterpillar quanto a esse aspecto.
161 No que se refere às propostas feitas pela Maia a um utilizador inglês C., em 26 de Janeiro e 21 de Fevereiro de 1994, a preços muito mais vantajosos do que os propostos à Haladjian pela Maia em 8 de Abril de 1993, assinale‑se que essas propostas foram feitas em liras italianas e não em dólares e que um período de dez e onze meses as separam da proposta feita à Haladjian pela Maia e isto num momento em que a lira italiana esteve sujeita a importantes flutuações monetárias. Na ausência de elementos susceptíveis de demonstrar que uma encomenda da Haladjian feita naquela época teria sido tratada de forma diferente da que foi feita pelo utilizador inglês, a Comissão não cometeu portanto nenhum erro manifesto de apreciação ao indicar que a Haladjian não demonstrou ter sido objecto de uma discriminação tarifária por parte da Maia e, em qualquer caso, que esta discriminação era imputável à Caterpillar.
162 Da mesma forma, no que se refere à proposta feita à Haladjian por um revendedor italiano M., que se abastecia junto da Maia e estava em condições de propor à Haladjian preços inferiores aos que ela podia obter directamente da Maia, importa igualmente referir que esta proposta não é, enquanto tal, suficientemente probatória para demonstrar a discriminação tarifária alegada pela recorrente. Com efeito, nada nesta proposta, apresentada em dólares, deixa transparecer que o revendedor italiano comprou as peças à Maia, como pretende a recorrente. Portanto, não sendo possível estabelecer uma comparação válida com a proposta da Maia à Haladjian, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao afirmar que a Haladjian não demonstrou ter sido objecto de uma discriminação tarifária por parte da Maia e, em qualquer caso, que esta discriminação era imputável à Caterpillar.
163 Por outro lado, as críticas da recorrente à alegada chantagem exercida sobre a Maia não são relevantes, uma vez que a ameaça de apresentar uma denúncia à Comissão por prática de preços discriminatórios resulta claramente da carta da Haladjian de 22 de Abril de 1993, que recusa a proposta da Maia e solicita o benefício do «Consumer price» em dólares. A este respeito, a cronologia dos acontecimentos que a recorrente invoca para refutar a existência dessa chantagem contradiz as suas alegações, na medida em que é ela própria que, na carta de 22 de Abril de 1993, ameaça efectuar essa denúncia às autoridades comunitárias para demonstrar o seu descontentamento com as condições tarifárias propostas pela Maia em 8 de Abril de 1993. De igual modo, o argumento da recorrente relativo às vendas em África não é pertinente, uma vez que não tem incidência na argumentação desenvolvida na decisão recorrida sobre a encomenda da Haladjian e a resposta que lhe foi dada pela Maia.
164 Decorre das considerações precedentes que as acusações da recorrente respeitantes aos documentos relativos à encomenda de 24 de Fevereiro de 1993 devem ser rejeitadas.
6. Conclusão
165 Resulta de tudo o que precede que a recorrente não apresentou elementos susceptíveis de pôr em causa as apreciações da decisão recorrida relativas à aplicabilidade do artigo 81.° CE.
166 No que diz respeito, em especial, à apreciação relativa à incidência do sistema CES sobre as vendas efectuadas no interior da zona CE/EFTA, importa referir que nenhum elemento apresentado pela recorrente põe em causa a conclusão a que chegou a Comissão na sequência do exame da denúncia, ou seja, que «não ficou demonstrada a existência de qualquer restrição de concorrência destinada a impedir ou a tornar mais difícil o comércio de peças sobresselentes no interior desta zona» (decisão recorrida, ponto 7.1, p. 22, terceiro parágrafo).
167 Do mesmo modo, no que respeita à apreciação relativa à incidência do sistema CES nas vendas interzonas efectuadas entre os Estados Unidos e a zona CE/EFTA, nenhum documento apresentado pela recorrente é susceptível de pôr em causa a conclusão a que a Comissão chegou no termo do procedimento administrativo, segundo a qual o sistema CES não isola o mercado comunitário, proibindo nesse espaço a concorrência de peças sobresselentes importadas dos Estados Unidos a preços inferiores aos preços europeus e também não afecta o comércio intracomunitário dessas peças sobresselentes (decisão recorrida, ponto 7.2, p. 25, primeiro e segundo travessões). A este respeito, há que recordar que, para justificar a aplicação das regras de concorrência a um acordo relativo a produtos adquiridos nos Estados Unidos para serem vendidos na Comunidade, esse mesmo acordo deve, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir que se preveja, com um grau suficiente de probabilidade, a sua influência mais do que insignificante na concorrência na Comunidade e no comércio entre Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão Javico, já referido, n.os 16 e 18). O simples facto de um comportamento provocar certos efeitos, quaisquer que eles sejam, na economia da Comunidade não constitui em si um elo suficientemente estreito para justificar a competência comunitária. Para poder ser tido em consideração, é necessário que esse efeito seja substancial, isto é, sensível e não negligenciável.
168 Consequentemente, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.
D – Quanto ao segundo fundamento, relativo ao raciocínio seguido pela decisão recorrida no que respeita à aplicabilidade do artigo 82.° CE
1. Quanto ao conteúdo da denúncia
169 A recorrente sustenta que a decisão recorrida está errada quando afirma no ponto 8 que a denúncia não invocava violação do artigo 82.° CE.
170 O Tribunal observa que, relativamente à alegação de uma violação do artigo 82.° CE, a denúncia se limitava a indicar, na sua parte final, que o comportamento da Caterpillar «podia ser considerado um abuso de posição dominante proibido pelo artigo [82.°] CE» e que a Haladjian estava ao dispor da Comissão para a ajudar a caracterizar o mercado relevante, a posição dominante da Caterpillar e o abuso desta posição dominante, se a Comissão considerasse necessário investigar esta matéria. Por outro lado, há que salientar que, nas suas observações relativas à carta artigo 6.°, a recorrente reconheceu quanto a este ponto que, se é verdade que na denúncia não aprofundou as suas alegações a respeito da violação do artigo 82.° CE, foi porque estava – e continuava – convencida de que os comportamentos censurados à Caterpillar eram proibidos pelo artigo 81.° CE. Assim, na ausência de qualquer indicação na denúncia que permitisse compreender em que é que o comportamento da Caterpillar podia constituir um abuso de posição dominante, é sem razão que a recorrente censura a decisão recorrida por afirmar que a sua denúncia não invocava violação do artigo 82.° CE.
2. Quanto às alegações expostas na nota recapitulativa de 11 de Agosto de 2000
171 A decisão recorrida refere, no ponto 8, que apenas na nota recapitulativa de 11 de Agosto de 2000 a Haladjian invocou explicitamente, embora de forma genérica e sem apresentar provas, alegações relativas às infracções ao artigo 82.° CE, as quais se limitam a enumerar certas práticas abusivas mencionadas nesta disposição. No entanto, mesmo admitindo que a Caterpillar dispõe de uma posição dominante no mercado das peças sobresselentes, essas acusações são rejeitadas na decisão recorrida.
a) Quanto à alegada imposição de preços de transacção não equitativos
172 No que respeita à primeira alegação de violação do artigo 82.° CE relativa à imposição de preços de transacção não equitativos, a decisão recorrida indica que essa alegação não pode ser acolhida uma vez que a Caterpillar não impõe nenhum preço e que os seus distribuidores são livres de propor aos revendedores e aos utilizadores os preços que entendem praticar (decisão recorrida, ponto 8, segundo parágrafo).
173 A recorrente afirma que esta apreciação está errada, tendo em conta as pressões exercidas, em 1993, pela Caterpillar sobre a Maia. Além disso, a questão essencial aqui é saber se o facto de a Caterpillar aumentar em 10% o preço de venda aos distribuidores americanos das peças sobresselentes que são exportadas para a Europa e de não permitir ao revendedor europeu que se abastece nos Estados Unidos beneficiar de descontos quantitativos constitui um preço não equitativo. A este respeito, a recorrente afirma que, mesmo admitindo que um sobrecusto possa ser considerado uma «indemnização» ao distribuidor europeu para cujo território os produtos são exportados, a penalização do distribuidor americano que exporta para a Europa vai muito além desse objectivo. Por outro lado, a decisão recorrida não tem em conta as informações comunicadas pela recorrente durante o procedimento administrativo relativas à discriminação sofrida pelo utilizador europeu que compra nos Estados Unidos directamente ou por intermédio de um revendedor europeu, pagando em dólares ao preço do mercado, em comparação com os distribuidores europeus que compram na Bélgica em divisas europeias a um preço que implica necessariamente um valor do dólar inferior ao seu valor real. Esta ajuda concedida pela Caterpillar aos seus distribuidores europeus falseia o jogo do mercado na medida em que lhes permite fazer face às importações provenientes dos Estados Unidos.
174 Antes de mais e a título genérico, o Tribunal observa que as alegações de violação do artigo 82.° CE, referidas pela primeira vez pela recorrente na nota recapitulativa de 11 de Agosto de 2000, se limitam a afirmar que a Caterpillar impunha à Haladjian e aos outros revendedores europeus condições de venda desfavoráveis e discriminatórias e que, por conseguinte, «o comportamento da [Caterpillar] constituía um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE, manifestado, designadamente, na imposição de preços de transacção não equitativos, na limitação da distribuição em prejuízo dos consumidores e na aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais no caso de prestações equivalentes, todas elas infracções previstas no artigo 82.° CE». Assim sendo, a recorrente limita‑se a invocar a existência formal de violações do artigo 82.° CE sem fundamentar esta alegação em argumentos adequados ao caso concreto e sem fornecer o mais pequeno elemento de prova em apoio dessa afirmação.
175 No que se refere à primeira alegação da Haladjian, assinale‑se que a recorrente não contesta que a Caterpillar concede aos seus distribuidores, nomeadamente aos distribuidores americanos, total liberdade para determinarem o preço de revenda das peças sobresselentes aos seus clientes, como a Haladjian. A recorrente limita‑se aqui a retomar argumentos que já foram respondidos ou afirmações que não são corroboradas por elementos de prova suficientes.
176 Assim, relativamente às alegadas pressões exercidas pela Caterpillar sobre a Maia em 1993, o exame dos contactos estabelecidos entre estas duas empresas a propósito da encomenda de 24 de Fevereiro de 1993, efectuado no âmbito do primeiro fundamento, permite concluir que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao indicar que esses contactos se explicavam pelo contexto especial em que esta encomenda ocorreu (v. n.os 155 e 156 supra). Pelas mesmas razões, esses contactos não permitem concluir, com base em elementos de prova suficientes, a existência de alegados preços de transacção não equitativos invocada pela Haladjian. O mesmo acontece com a possibilidade de um revendedor europeu obter descontos quantitativos dos distribuidores americanos da Caterpillar, na medida em que esta questão já foi analisada no âmbito do primeiro fundamento e não permite identificar, no caso em apreço, a existência de uma eventual restrição de concorrência (v. n.° 62 supra).
177 Por outro lado, a afirmação da recorrente segundo a qual o aumento de 10% do preço praticado pela Caterpillar aos seus distribuidores americanos nas encomendas de peças sobresselentes destinadas a serem exportadas para a zona CE/EFTA vai além das necessidades específicas do sistema CES não foi acompanhada por nenhuma prova relativa ao carácter desproporcionado ou não justificado desta medida. Essa afirmação não pode assim bastar para pôr em causa as razões objectivas da diferença de preços praticada pela Caterpillar com os seus distribuidores americanos no caso de vendas para exportação referidas na decisão recorrida, isto é, no essencial, a necessidade de preservar a qualidade e a integridade da sua rede europeia de distribuição.
178 Do mesmo modo, os dados relativos à evolução dos preços praticados em França pela Bergerat e obtidos nos Estados Unidos pela Haladjian em 1992 e em 2000, comunicados durante o procedimento administrativo em anexo à nota recapitulativa de 11 de Agosto de 2000 e apresentados pela recorrente como prova da sua discriminação face aos distribuidores europeus da Caterpillar, na medida em que tinha de pagar as suas aquisições nos Estados Unidos em dólares, enquanto os distribuidores europeus podem comprar na Europa à Caterpillar Overseas pagando numa moeda europeia indexada ao valor do dólar, o que lhes é favorável, não são suficientes para pôr em causa a apreciação da decisão recorrida relativa à alegada imposição de preços de transacção não equitativos. Com efeito, essas diferenças de preço verificadas pela Haladjian podem ser perfeitamente explicadas, por um lado, pela valorização do dólar face às moedas europeias no período de 1992/2000 e, por outro, pelas próprias necessidades da rede de distribuição da Caterpillar, na medida em que a Caterpillar pode decidir, à luz da sua política comercial, evitar que os seus distribuidores europeus sofram de forma directa os efeitos da flutuação dos mercados monetários. Além disso e sobretudo, a situação dos revendedores europeus não pode ser equiparada à dos distribuidores europeus da Caterpillar, dado que os primeiros não estão sujeitos às obrigações contratuais que recaem sobre os segundos.
179 Por conseguinte, a recorrente não demonstrou a existência de um erro manifesto de apreciação da Comissão relativamente à análise da sua alegação sobre a existência de uma violação do artigo 82.° CE decorrente da imposição de preços de transacção não equitativos pela Caterpillar.
b) Quanto à alegada limitação da distribuição em prejuízo dos consumidores
180 No que se refere à segunda alegação de violação do artigo 82.° CE, relativa à limitação da distribuição em prejuízo dos consumidores, a decisão recorrida refere que esta afirmação não tem fundamento, uma vez que os utilizadores podem abastecer‑se sem dificuldade em qualquer parte do Mundo e que os revendedores podem abastecer‑se noutras zonas geográficas, desde que indiquem a identidade dos utilizadores da zona geográfica de destino das peças encomendadas (decisão recorrida, ponto 8, segundo parágrafo).
181 A recorrente critica esta apreciação, salientando que a mesma não tem em conta a lentidão e a rigidez do sistema CES, o qual exige informações que vão além do necessário. Do mesmo modo, o facto de o revendedor europeu não poder fazer stocks nos Estados Unidos, onde as peças sobresselentes são mais baratas, mesmo por conta de um utilizador identificado, tem por efeito limitar as possibilidades de abastecimento dos utilizadores europeus. A este respeito, a recorrente invoca as declarações de Janeiro e de Fevereiro de 1993 de dois dos seus clientes, que desejavam que ela pudesse gerir um stock importante de peças sobresselentes.
182 O Tribunal observa que resulta da análise dos argumentos apresentados no âmbito do primeiro fundamento que nenhum destes argumentos permite concluir que as encomendas feitas por utilizadores europeus que utilizam a Haladjian como mandatária no quadro do sistema CES não foram satisfeitas (v. n.os 74 a 77 supra). A distribuição não está assim limitada em detrimento dos utilizadores, como afirma a recorrente.
183 Além disso, importa também ter em consideração o facto de que a vontade, perfeitamente legítima, dos utilizadores europeus poderem beneficiar de peças sobresselentes compradas nos Estados Unidos, onde são mais baratas, deve ser apreciada à luz da política de comercialização da Caterpillar – admitida pela Comissão –, que pretende limitar essas vendas interzonas para privilegiar os seus distribuidores europeus, os quais, para estarem presentes no mercado e oferecerem a totalidade dos servidos pretendidos pela Caterpillar, como a venda de equipamentos de construção, devem suportar custos que não suportam os revendedores europeus que se abastecem nos Estados Unidos por conta dos utilizadores europeus. Os argumentos apresentados pela recorrente não permitem assim pôr em causa esta situação, que pondera os interesses das diferentes partes em causa, apesar da vontade expressa por dois clientes da Haladjian que desejariam maximizar as suas possibilidades de abastecimento sem, no entanto, terem em conta os interesses próprios da Caterpillar e da sua rede de distribuição.
184 Consequentemente, a recorrente não conseguiu demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação da Comissão relativamente ao exame da sua alegação sobre a existência de uma violação do artigo 82.° CE decorrente da limitação da distribuição pela Caterpillar em prejuízo dos consumidores.
c) Quanto à alegada aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais a prestações equivalentes
185 No que se refere à terceira alegação de violação do artigo 82.° CE, relativa à aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais a prestações equivalentes, a decisão recorrida afirma que a autora da denúncia não fornece nenhuma prova destinada a demonstrar que é discriminada face aos outros revendedores. Pelo contrário, o sistema CES trata todos os revendedores europeus da mesma maneira.
186 A recorrente alega que a questão relevante, aqui, não é a discriminação que sofre face aos outros revendedores europeus, mas sim a discriminação de que é alvo relativamente aos outros compradores europeus – distribuidores, revendedores e utilizadores –, no caso de quantidades comparáveis. Portanto, o facto de o sistema CES só aceitar os revendedores europeus, como a Haladjian, na condição de actuarem como mandatários de utilizadores finais equivale a impor‑lhes condições que não se justificam objectivamente e que têm como único objectivo diminuir as possibilidades de uma oferta alternativa.
187 O Tribunal observa que, também aqui, a recorrente não pode reivindicar o mesmo tratamento comercial que é conferido pela Caterpillar aos seus distribuidores europeus, na medida em que esses distribuidores estão sujeitos a obrigações contratuais que não recaem sobre a Haladjian. Esta categoria de compradores distingue‑se por isso dos revendedores e utilizadores que não estão vinculados a essas obrigações.
188 Consequentemente, a recorrente não demonstrou a existência de um erro manifesto de apreciação da Comissão no que respeita ao exame da sua alegação sobre a existência de uma violação do artigo 82.° CE decorrente da aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais a prestações equivalentes.
3. Quanto às outras acusações da recorrente
189 A recorrente critica a decisão recorrida na medida em que ignora totalmente as outras práticas da Caterpillar, que se inserem numa política que visa a sua exclusão sistemática, pelo facto de ser a única concorrente dos distribuidores europeus que se mantém na Europa. Essas práticas, executadas na sua maioria pela Caterpillar com a Bergerat, consistem na vigilância dos seus abastecimentos, nas «fugas» do sistema CES que permitem à Bergerat desviar os seus clientes, na transferência do «profit credit» para a Bergerat, que permite a esta empresa conhecer o montante das aquisições efectuadas nos Estados Unidos pela Haladjian por conta dos seus clientes franceses, e nas manobras destinadas a desconsiderar as suas actividades e as dos revendedores em geral, ao deixar subentender que a qualidade e a autenticidade das peças que vendem não estão garantidas.
190 O Tribunal observa que estas acusações, designadamente as que dizem respeito às acções imputáveis à Bergerat, não foram invocadas pela recorrente durante o procedimento administrativo como alegações de violação do artigo 82.° CE. Não pode assim censurar‑se a decisão recorrida por não as ter analisado sob este prisma.
4. Conclusão
191 Resulta das considerações precedentes que os argumentos apresentados pela recorrente relativos ao raciocínio seguido pela decisão recorrida no que respeita à aplicabilidade do artigo 82.° CE não permitem pôr em causa a apreciação dos elementos de facto e de direito efectuada neste âmbito pela Comissão. Consequentemente, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.
E – Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação de regras processuais
1. Quanto à acusação relativa à duração não razoável do processo
192 A recorrente constata que o procedimento administrativo durou quase dez anos, desde a apresentação da denúncia até à decisão de rejeição, e sustenta que essa duração não é razoável. Com efeito, a instrução foi demasiado longa na medida em que decorreram sete anos desde a apresentação da denúncia em Outubro de 1993 até Setembro de 2000, data em que os serviços da Comissão a informaram oralmente da sua intenção de arquivar essa denúncia. Do mesmo modo, a partir de Outubro de 2000, a recorrente teve de proceder a diversas diligências, entre as quais uma acção por omissão, para obter a carta artigo 6.° e a decisão final. Por outro lado, a duração não razoável do procedimento administrativo influenciou o conteúdo dos autos, impedindo a recorrente de recolher elementos de prova suplementares relativos aos preços à medida que o sistema CES ia sendo aplicado.
193 Antes de mais, o Tribunal recorda que, na hipótese da decisão recorrida ser uma decisão de rejeição da denúncia, um prazo eventualmente excessivo para o tratamento da queixa, não pode, em princípio, ter incidência no próprio conteúdo da decisão final adoptada pela Comissão. Com efeito, este prazo não pode, excepto em situações excepcionais, alterar os elementos de fundo que, conforme os casos, demonstram a existência ou não de uma infracção às regras de concorrência, ou que justificam que a Comissão não proceda a uma instrução (despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2000, SGA/Comissão, C‑39/00 P, Colect., p. I‑11201, n.° 44). Assim, no caso de rejeição de uma denúncia, a duração da sua instrução não prejudica, em princípio, o autor da denúncia.
194 Além disso, no caso em apreço, a recorrente não demonstra de forma relevante em que é que os elementos de fundo tidos em conta na decisão recorrida são susceptíveis de ter sido afectados ou alterados pela duração do procedimento administrativo.
195 Por outro lado, há que referir que o respeito, pela Comissão, de um prazo razoável para a adopção de decisões na sequência dos procedimentos administrativos em matéria de política de concorrência constitui uma aplicação do princípio da boa administração (v., no que respeita ao domínio de rejeição de denúncias, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão, C‑282/95 P, Colect., p. I‑1503, n.os 37 e 38). A razoabilidade da duração desse procedimento aprecia‑se em função das circunstâncias próprias de cada processo e, nomeadamente, do contexto em que se inscreve, das diferentes etapas processuais seguidas pela Comissão, da complexidade do processo, bem como da importância que reveste para as diferentes partes interessadas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.° 57).
196 No caso vertente, a duração do procedimento explica‑se pela complexidade dos factos que põem em causa a política mundial e europeia de comercialização de uma empresa importante e pela necessidade de examinar as numerosas alegações e anexos documentais apresentados pela recorrente. Assim, em complemento da denúncia, apresentada em 18 de Outubro de 1993, que ocorreu no âmbito de um procedimento iniciado previamente pela Comissão contra a Caterpillar na sequência do envio, em 12 de Maio de 1993, de uma comunicação de acusações, a recorrente enviou diversas cartas à Comissão, em Abril e Maio de 1994, em Agosto de 1995, em Maio e Agosto de 1997, em Novembro e Dezembro de 1997 e em Agosto de 2000, para lhe comunicar novos elementos ou para comentar o estado do procedimento. Da mesma forma, na sequência da carta artigo 6.°, dirigida à recorrente em 19 de Julho de 2001, esta apresentou extensas observações em 22 de Outubro de 2001, as quais deviam ser examinadas pela Comissão antes de adoptar a decisão recorrida em 1 de Abril de 2003.
197 Consequentemente, a acusação relativa à duração não razoável do procedimento administrativo deve ser rejeitada.
2. Quanto às acusações relativas à falta de diligência e de imparcialidade no exame da denúncia e à falta de fundamentação da decisão recorrida
198 A recorrente sustenta que a Comissão deu provas de falta de diligência e de imparcialidade ao rejeitar a sua denúncia sem sequer examinar a situação do mercado relevante, e isso apesar de dispor de informações quanto a este ponto, a saber, um quadro anexo à denúncia que apresentava a diminuição das vendas da Haladjian entre 1989 e 1992 e que foi actualizado em 1999, bem como dados relativos aos produtos vendidos e aos preços praticados por diversos distribuidores na Europa e nos Estados Unidos, que foram comunicados pela Haladjian ou pelos distribuidores. Por outro lado, a recorrente alega que a Comissão devia explicar na decisão recorrida as razões pelas quais decidiu rejeitar a denúncia, apesar de durante sete anos lhe ter dado indicações em sentido contrário. A este respeito, a recorrente afirma que, por carta de 13 de Abril de 1995, a Comissão lhe tinha indicado que determinadas peças do processo tinham «especial importância» ou que uma carta do Sr. Van Miert, de 15 de Junho de 1999, na altura membro da Comissão encarregado da concorrência, levava a pensar que ia ser enviada uma comunicação de acusações à Caterpillar.
199 O Tribunal observa que a Comissão não está obrigada, na fundamentação das decisões que é levada a adoptar para garantir a aplicação das regras de concorrência, a tomar posição sobre todos os argumentos que os interessados invocam em apoio do seu pedido. Basta que exponha os factos e as considerações jurídicas que se revestem de uma importância essencial na economia da decisão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Julho de 1998, ITT Promedia/Comissão, T‑111/96, Colect., p. II‑2937, n.° 131).
200 A este respeito, no que se refere à alegação segundo a qual a Comissão não examinou a situação do mercado relevante, há que referir que a decisão recorrida define, no ponto 4, o mercado em causa, tanto no que respeita aos produtos envolvidos, isto é, os equipamentos de construção e as suas peças sobresselentes, como à dimensão geográfica do referido mercado. Além disso, a decisão recorrida expõe claramente os factos e as considerações jurídicas que justificam a rejeição da denúncia relativamente às alegações de violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE. Não se pode portanto censurar a Comissão por não se ter referido durante o processo administrativo ou na decisão recorrida a documentos em relação aos quais a recorrente não demonstra o carácter essencial.
201 Por outro lado, importa salientar que a carta da Comissão de 13 de Abril de 1995 se limitava a perguntar à recorrente quais eram, entre os documentos do processo com especial importância, os que podiam ser confidenciais face à Caterpillar e que, enquanto tais, não podiam ser comunicados a esta empresa. Da mesma forma, a carta de 15 de Junho de 1999 enviada à recorrente pelo membro da Comissão Sr. Van Miert limitava‑se a indicar que, «na sequência do recente acórdão no processo Javico, [os seus] serviços [estavam] prestes a concluir os procedimentos de consulta prévia ao envio de uma nova comunicação de acusações» e que a autora da denúncia devia no entanto entender «que [lhe era] impossível, nesta fase, antecipar o resultado dessa consulta». Estes documentos não permitem, portanto, demonstrar que, durante sete anos, a Comissão forneceu à recorrente indicações que lhe permitiram pensar que tinha decidido aplicar uma sanção à Caterpillar à luz dos artigos 81.° CE e 82.° CE, em vez de rejeitar a denúncia, e esses documentos não tinham que ser examinados no âmbito da decisão final.
202 Consequentemente, as acusações relativas à falta de diligência e de imparcialidade no exame da denúncia e à falta de fundamentação da decisão recorrida devem ser rejeitadas.
3. Quanto à acusação relativa à violação do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98
203 A recorrente sustenta que a Comissão violou o artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98, nos termos do qual, quando a Comissão considerar que, face aos elementos ao seu dispor, não se justifica dar seguimento ao pedido ou agir com base na denúncia, informará o autor da denúncia dos respectivos motivos e fixará uma data até à qual o autor da denúncia pode apresentar, por escrito, observações. No caso em apreço, a Comissão não lhe permitiu apresentar observações sobre os motivos de rejeição da denúncia. Assim, a decisão recorrida censura a recorrente por não ter apresentado determinado número de provas, nomeadamente no que se refere à veracidade das compras à Maia ao «Consumer price» em dólares antes de 14 de Fevereiro de 1993 ou ao facto de as encomendas feitas à Maia se destinarem a França e não a África, sem lhe dar a possibilidade de se pronunciar sobre estas questões nas suas observações relativas à carta artigo 6.°
204 No entanto, o Tribunal observa que a carta artigo 6.° indicava que, depois de ter analisado os diferentes documentos obtidos no âmbito do procedimento administrativo, a Comissão chegara à conclusão de que «nesta fase[,] os elementos recolhidos não permit[iam] dar seguimento [ao] pedido». No que se refere, em especial, aos documentos relativos à Maia, a carta artigo 6.° indicava nomeadamente o seguinte:
«A ICBO e a Schmidt obtêm da Maia peças a preços (‘Consumer price’ em dólares ou ‘tarifa internacional’ em dólares) diferentes – e aparentemente muito mais baixos – dos da tarifa italiana, simulando que as peças se destinam aos Estados Unidos, país para o qual, devido aos preços muito mais baixos do que os praticados na Europa, as exportações aos preços correntes europeus não são normalmente rentáveis. Essas peças destinam‑se na realidade à Haladjian [...] para as suas actividades comerciais em África e em França.»
205 É em resposta a esta exposição do raciocínio que a Comissão pretendia seguir que a Haladjian alegou, sem fornecer elementos de prova a este respeito, que as peças sobresselentes adquiridas por intermédio da ICBO e da Schmidt se destinavam a França e que a Maia não ousava fornecer abertamente a Haladjian devido à ameaça de rescisão do seu contrato pela Caterpillar. Assim, a recorrente não se pode admirar que a decisão recorrida responda às suas observações, referindo que a Haladjian nunca demonstrou ter beneficiado da tarifa internacional da Maia e que também não demonstrou que as vendas efectuadas por intermédio da ICBO e da Schmidt tinham como destino final a França e não a África.
206 Consequentemente, a acusação relativa à violação do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98 deve ser rejeitada.
4. Quanto às acusações relativas à violação do direito de acesso ao processo
207 A recorrente recorda que, por carta de 23 de Outubro de 2001, pediu ao conselheiro‑auditor uma cópia de dois documentos referidos na carta artigo 6.°, a saber, informações sobre os preços que tinham sido fornecidos por determinados distribuidores europeus da Caterpillar (v. carta artigo 6.°, ponto 5.1) e documentos na posse da Comissão provenientes da Leverton [v. carta artigo 6.°, ponto 7.1, alínea d)]. Por carta de 10 de Dezembro de 2001, o conselheiro‑auditor, por um lado, respondeu que os dados relativos aos preços praticados pela Caterpillar com os seus diferentes distribuidores são confidenciais, ao mesmo tempo que sublinhou que, visto a rejeição da denúncia não se basear em níveis específicos de preços, o conhecimento desses documentos não era indispensável para a autora da denúncia. O conselheiro‑auditor precisou, por outro lado, que o documento da Leverton não comunicado proibia a esta última utilizar a sua filial americana para se abastecer à margem do sistema CES. Daí o conselheiro‑auditor concluiu que este documento não era relevante para a rejeição da denúncia.
208 No entanto, a recorrente alega que, contrariamente ao que o conselheiro‑auditor afirmou, um documento relativo à forma como a Caterpillar aplica o sistema CES à filial americana de um distribuidor europeu era efectivamente relevante para o desenrolar do processo, na medida em que permitia analisar os efeitos do sistema CES sobre a concorrência na Comunidade. Por outro lado, a recorrente indica que, apesar de a carta artigo 6.° expor determinados dados sobre os preços praticados pela Caterpillar aos seus distribuidores, não existe nenhuma consideração sobre este aspecto na decisão recorrida. Essas informações eram, contudo, relevantes para determinar o conteúdo da política de preços da Caterpillar face aos seus distribuidores. Assim, é útil verificar se existe uma relação entre as reduções orientadas propostas em 1993 pela Bergerat a certos clientes da Haladjian e os preços praticados, nesse período, pela Caterpillar a esse distribuidor, ou mais genericamente, se os preços praticados pela Caterpillar aos seus distribuidores se afastam substancialmente do preço dos distribuidores americanos e, no caso afirmativo, por que razões.
209 Por outro lado, a recorrente observa que a decisão recorrida não tem em consideração o facto de um empregado da Maia ter reconhecido, no âmbito do procedimento administrativo, que a Caterpillar lhe suprimiria os descontos caso vendesse à Haladjian.
210 Por todos estes motivos, a recorrente pede ao Tribunal que tome todas as medidas úteis no sentido de verificar que o processo da Comissão não inclui elementos que esta não tenha tomado em conta ou que tenha analisado incorrectamente, com o objectivo de verificar se a decisão se baseia realmente em factos exactos e se não contém erros manifestos de apreciação a acrescentar aos que a recorrente pôde revelar. Ao fazer este pedido, a recorrente está consciente que, enquanto autora da denúncia, não dispõe de um direito de acesso ao processo tão lato quanto o das empresas postas em causa. Também não pretende desvendar segredos de negócios. Por isso, sugere ao Tribunal que ordene que lhe seja comunicado directamente o processo ou, pelo menos, todos os documentos que julgue úteis, tendo em conta a necessidade de afastar todas as incertezas quanto à solução do litígio.
211 O Tribunal observa que os argumentos apresentados pela recorrente no âmbito da acusação relativa à violação do direito de acesso ao processo não põem de forma alguma em causa a apreciação do conselheiro‑auditor segundo a qual o conteúdo dos documentos em causa lhe estava vedado por questões de confidencialidade relacionadas com o segredo dos negócios. Deste modo, no caso em apreço, não houve violação do direito de acesso ao processo.
212 Por outro lado, para criticar a apreciação do conselheiro‑auditor segundo a qual o conhecimento dos documentos em causa não era de forma alguma indispensável para compreender as razões pelas quais a denúncia da Haladjian foi rejeitada, a recorrente limita‑se a indicar de forma puramente hipotética e prospectiva qual podia ser o interesse da Comissão em examinar a política de preços da Caterpillar face aos seus distribuidores. A este respeito, importa recordar que, na sequência de uma denúncia por violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, a Comissão não está obrigada a instaurar um processo para verificar a existência das referidas violações, mas apenas a examinar atentamente os elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento pelo autor da denúncia para apreciar se esses elementos revelam um comportamento susceptível de falsear a concorrência no interior do mercado comum e afectar o comércio entre os Estados‑Membros (v. n.os 26 a 28 supra). Não se pode portanto acusar a Comissão de não ter analisado em pormenor, na decisão recorrida, a política de preços da Caterpillar face aos seus distribuidores, uma vez que esta decisão expõe de forma suficiente, do ponto de vista jurídico, as razões pelas quais as alegações de violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE invocadas pela Haladjian devem ser rejeitadas.
213 O Tribunal não considera portanto necessário adoptar medidas de instrução para ordenar à Comissão que apresente todos os documentos úteis à solução do litígio em resposta ao pedido da recorrente nesse sentido.
214 Por último, assinale‑se que, para pedir a anulação da decisão recorrida, a recorrente não pode referir pela primeira vez, na fase do processo jurisdicional, o facto de, na sua opinião, durante uma reunião no gabinete do membro da Comissão Sr. Van Miert, em 29 de Junho de 1998, um dos participantes ter indicado que «durante uma inspecção, um responsável da Maia reconheceu [por escrito] que, se a Caterpillar soubesse que ele vendia à Haladjian, os seus descontos [seriam] suprimidos». Com efeito, mesmo admitindo que se tenha verificado, o que não decorre dos autos, este facto não seria suficiente, enquanto tal, para pôr em causa a decisão recorrida, uma vez que esta indica que a Caterpillar tinha ameaçado a Maia, antes de Fevereiro de 1993, de rescindir o seu contrato de distribuição se se provasse que contornava as regras do sistema CES efectuando vendas interzonas sem respeitar as regras aplicáveis. O comentário do responsável da Maia acima referido poderia portanto incluir‑se perfeitamente no âmbito da ameaça feita pela Caterpillar, denunciada pela carta anónima de Fevereiro de 1990, de rescindir o contrato com a Maia se esta continuasse a vender à rede ICBO/Schmidt.
215 Consequentemente, as acusações relativas à violação do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98 devem ser rejeitadas.
216 Decorre das considerações que precedem que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.
217 Nestas condições, o recurso deve ser julgado improcedente na sua totalidade.
Quanto às despesas
218 Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e tendo a Comissão, em conformidade com as suas conclusões, pedido a condenação da recorrente nas despesas, há que condenar esta última a suportar as suas despesas assim como as incorridas pela Comissão e pelas intervenientes.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)
decide:
1) É negado provimento ao recurso.
2) A recorrente suportará as suas próprias despesas assim como as da Comissão e das intervenientes.
García‑Valdecasas |
Cooke |
Trstenjak |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2006.
O secretário |
O presidente |
E. Coulon |
R. García‑Valdecasas |
Índice
Matéria de facto
A – Sociedades em causa
B – Procedimentos administrativos
1. Procedimento iniciado pela Comissão contra a Caterpillar
2. Procedimento adoptado na sequência da denúncia da Haladjian
Tramitação processual e pedidos das partes
Questão de direito
A – Observações preliminares relativas ao alcance das obrigações que incumbem à Comissão durante a instrução de uma denúncia por violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE
B – Apresentação geral do «sistema CES», das acusações da Haladjian e da decisão recorrida
1. Descrição do sistema CES
2. Exposição das acusações da Haladjian
3. Decisão recorrida e recurso da Haladjian
C – Quanto ao primeiro fundamento, relativo à existência de erros manifestos de apreciação dos factos e de erros de direito no que respeita à aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE
1. Quanto às acusações relativas ao sistema CES
a) Quanto à incidência da restrição das vendas interzonas
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal
b) Quanto à acusação relativa à lista dos revendedores interzonas
c) Quanto à acusação relativa à fiscalização do destino das vendas interzonas
d) Quanto à acusação relativa ao atraso na atribuição dos códigos CES
2. Quanto às acusações relativas à carta de 15 de Dezembro de 1982 da Caterpillar aos seus distribuidores europeus
3. Quanto às acusações relativas aos documentos respeitantes à Bergerat e às propostas feitas pela Bergerat a clientes da Haladjian
a) Quanto à acusação relativa à carta de 19 de Julho de 1990 da Caterpillar à Bergerat
Decisão recorrida
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal
b) Quanto às acusações relativas às propostas feitas pela Bergerat a clientes da Haladjian
Decisão recorrida
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal
4. Quanto às acusações relativas aos documentos respeitantes à Leverton
a) Decisão recorrida
b) Argumentos das partes
c) Apreciação do Tribunal
5. Quanto às acusações relativas aos documentos respeitantes à Maia
a) Quanto aos documentos relativos à rede Maia/ICBO/Schmidt
Decisão recorrida [pontos 6.3 e 7.1, alínea c)]
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal
b) Quanto aos documentos relativos à encomenda de 24 de Fevereiro de 1993
Decisão recorrida
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal
6. Conclusão
D – Quanto ao segundo fundamento, relativo ao raciocínio seguido pela decisão recorrida no que respeita à aplicabilidade do artigo 82.° CE
1. Quanto ao conteúdo da denúncia
2. Quanto às alegações expostas na nota recapitulativa de 11 de Agosto de 2000
a) Quanto à alegada imposição de preços de transacção não equitativos
b) Quanto à alegada limitação da distribuição em prejuízo dos consumidores
c) Quanto à alegada aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais a prestações equivalentes
3. Quanto às outras acusações da recorrente
4. Conclusão
E – Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação de regras processuais
1. Quanto à acusação relativa à duração não razoável do processo
2. Quanto às acusações relativas à falta de diligência e de imparcialidade no exame da denúncia e à falta de fundamentação da decisão recorrida
3. Quanto à acusação relativa à violação do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98
4. Quanto às acusações relativas à violação do direito de acesso ao processo
Quanto às despesas
* Língua do processo: francês.