Processo C-469/03

Processo penal

contra

Filomeno Mario Miraglia

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Bologna)

«Artigo 54.° da Convenção de aplicação do acordo de Schengen – Princípio non bis in idem – Âmbito de aplicação – Decisão das autoridades judiciárias de um Estado‑Membro de renunciar à promoção de uma acção penal contra uma pessoa exclusivamente em razão da abertura de um processo semelhante noutro Estado‑Membro»

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 10 de Março de 2005 

Sumário do acórdão

União Europeia – Cooperação policial e judiciária em matéria penal – Protocolo que integra o acervo de Schengen – Convenção de aplicação do acordo de Schengen – Princípio ne bis in idem – Âmbito de aplicação – Decisão das autoridades judiciárias de um Estado‑Membro de arquivamento de um processo em razão da abertura de um processo semelhante noutro Estado‑Membro e sem qualquer apreciação de mérito – Exclusão

(Artigo 2.°, primeiro parágrafo, quarto travessão, UE; Convenção de aplicação do acordo de Schengen, artigo 54.°)

O princípio non bis in idem, consagrado no artigo 54.° da Convenção de aplicação do acordo de Schengen, que tem por objectivo evitar que, pelo facto de exercer o seu direito de livre circulação, uma pessoa seja, pelos mesmos factos, alvo de acção penal no território de vários Estados‑Membros, não é aplicável a uma decisão das autoridades judiciárias de um Estado‑Membro que arquiva um processo, após o Ministério Público, sem qualquer apreciação de mérito, ter decidido não instaurar a acção penal com o único fundamento de já ter sido instaurada noutro Estado‑Membro uma acção penal contra o mesmo arguido e pelos mesmos factos. Com efeito, essa decisão não pode constituir uma decisão que julga definitivamente uma pessoa na acepção do referido artigo 54.°

A aplicação deste princípio a uma decisão de arquivamento do processo penal teria o efeito de dificultar, ou mesmo impossibilitar, qualquer hipótese concreta de punir nos Estados‑Membros em causa o comportamento ilícito imputado ao arguido. Uma consequência desta natureza iria manifestamente contra a própria finalidade das disposições do título VI do Tratado da União Europeia, como a enunciada no artigo 2.°, primeiro parágrafo, quarto travessão, UE.

(cf. n.os 30, 33‑35, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
10 de Março de 2005(1)

«Artigo 54.° da Convenção de aplicação do acordo de Schengen – Princípio non bis in idem – Âmbito de aplicação – Decisão das autoridades judiciárias de um Estado‑Membro de renunciar à promoção de uma acção penal contra uma pessoa exclusivamente em razão da abertura de um processo semelhante noutro Estado‑Membro»

No processo C‑469/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 35.° UE, apresentado pelo Tribunale di Bologna (Itália), por decisão de 22 de Setembro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 10 de Novembro de 2003, no processo penal contra

Filomeno Mario Miraglia ,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),,



composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, R. Schintgen (relator) e P. Kūris, juízes,

advogado‑geral: A. Tizzano,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de
15 de Dezembro de 2004,
vistas as observações apresentadas:

em representação de F. M. Miraglia, por N. Trifirò, avvocatessa,

em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Aiello, avvocato dello Stato,

em representação do Governo helénico, por M. Apessos, I. Bakopoulos e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por R. Abraham, G. de Bergues e C. Isidoro, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e J. van Bakel, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por A. Kruse, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. de March e W. Bogensberger, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente



Acórdão



1
O presente pedido de decisão prejudicial respeita à interpretação do artigo 54.° da Convenção de aplicação do acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19, a seguir «CAAS»), assinada em 19 de Junho de 1990 em Schengen (Luxemburgo).

2
Este pedido foi apresentado no quadro de um processo penal promovido contra F. M. Miraglia, suspeito de ter organizado, juntamente com outras pessoas, o transporte para Bolonha de produtos estupefacientes de tipo heroína.


Enquadramento jurídico

A Convenção de aplicação do acordo de Schengen

3
Nos termos do artigo 1.° do protocolo que integra o acervo de Schengen no âmbito da União Europeia, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia pelo Tratado de Amesterdão (a seguir «protocolo»), treze Estados‑Membros, entre os quais o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha e o Reino dos Países Baixos, estão autorizados a instituir entre si uma cooperação reforçada nos domínios abrangidos pelo âmbito de aplicação do acervo de Schengen, tal como está definido no anexo do referido protocolo.

4
Fazem parte do acervo de Schengen assim definido, designadamente, o Acordo entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinado em Schengen em 14 de Junho de 1985 (JO 2000, L 239, p. 13, a seguir «acordo de Schengen»), bem como a CAAS.

5
Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do protocolo, a partir da data de entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, o acervo de Schengen será imediatamente aplicável aos treze Estados‑Membros a que se refere o artigo 1.° do referido protocolo.

6
Em aplicação do artigo 2.°, n.° 1, segundo parágrafo, segundo período, do protocolo, o Conselho da União Europeia adoptou, em 20 Maio de 1999, a Decisão 1999/436/CE, que determina, nos termos das disposições pertinentes do Tratado que institui a Comunidade Europeia e do Tratado da União Europeia, a base jurídica de cada uma das disposições ou decisões que constituem o acervo de Schengen (JO L 176, p. 17). Resulta do artigo 2.° desta decisão, em conjugação com o anexo A desta, que o Conselho designou os artigos 34.° UE e 31.° UE, que fazem parte do título VI do Tratado da União Europeia, intitulado «Disposições relativas à cooperação policial e judiciária em matéria penal», como bases jurídicas dos artigos 54.° a 58.° da CAAS.

7
Estas últimas disposições formam o capítulo 3, intitulado «Aplicação do princípio ne bis in idem », do título III, por sua vez intitulado «Polícia e segurança». Nos termos do referido artigo 54.°:

«Aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma acção judicial intentada por uma outra parte contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja actualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da parte contratante em que a decisão de condenação foi proferida.»

A Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal

8
O artigo 2.°, alínea b), da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, assinada em Estrasburgo em 20 de Abril de 1959 (a seguir «convenção europeia de auxílio judiciário mútuo»), dispõe o seguinte:

«O auxílio judiciário pode ser recusado:

[…]

b.
Se a parte requerida considerar que o cumprimento do pedido pode atentar contra a sua soberania, segurança, ordem pública ou qualquer outro interesse essencial do seu país.»

9
O Reino dos Países Baixos formulou a seguinte reserva relativamente ao artigo 2.°, alínea b), da convenção europeia de auxílio judiciário mútuo:

«O Governo dos Países Baixos reserva‑se a faculdade de não dar seguimento a um pedido de auxílio judiciário mútuo:

[…]

b.
na medida em que esse pedido respeite a uma acção judicial ou a um processo incompatível com o princípio ‘ non bis in idem’ ;

c.
na medida em que esse pedido respeite a um inquérito sobre factos pelos quais o suspeito seja alvo de uma acção judicial nos Países Baixos.»

A legislação neerlandesa

10
Nos termos do artigo 36.° do Código do Processo Penal neerlandês:

«1.     Quando a acção penal não prossiga, o órgão jurisdicional competente para o conhecimento de mérito no qual o processo tenha corrido em último lugar pode, a pedido do arguido, ordenar o arquivamento do processo.

2.       O órgão jurisdicional pode reservar a sua decisão sobre o pedido por um período determinado se o Ministério Público apresentar elementos que permitam concluir que ainda haverá acções penais.

3.       Antes de tomar uma decisão, o órgão jurisdicional convocará a pessoa directamente interessada de que tem conhecimento a fim de a ouvir a respeito do pedido do arguido.

4.       O despacho será de imediato notificado ao arguido.»

11
O artigo 255.° do mesmo código dispõe:

«1.     Tendo beneficiado da extinção da acção penal, após o despacho de arquivamento do processo lhe ter sido notificado ou após ter sido notificado da inexistência de outras acções penais, sem prejuízo, neste último caso, do artigo 12.°i ou 246.°, o arguido deixa de poder ser sujeito a acção penal pelo mesmo facto, a menos que surjam novas acusações.

2.       Apenas pode haver novas acusações com base em declarações de testemunhas ou do arguido bem como em elementos, documentos e autos que tenham sido conhecidos posteriormente e não tenham sido ainda examinados.

3.       Neste caso, o arguido só pode ser citado para a audiência do Rechtbank no termo de uma instrução preparatória aberta por essas novas acusações […]»

12
Por último, no que respeita aos pedidos de auxílio judiciário mútuo em matéria penal, o artigo 552‑l.° do Código do Processo Penal neerlandês dispõe:

«1.     O pedido não será atendido:

[…]

b.
se, para o efeito, tiver que ser prestada colaboração em acções penais ou no julgamento de processos incompatíveis com o princípio subjacente aos artigos 68.° […] e 255.°, n.° 1, do presente código;

c.
se for formulado para efeitos de um inquérito respeitante a factos pelos quais o arguido esteja sujeito a acção penal nos Países Baixos […]»


O processo principal e a questão prejudicial

13
No quadro de um inquérito levado a cabo em colaboração entre as autoridades italianas e neerlandesas, F. M. Miraglia foi preso em Itália, em 1 de Fevereiro de 2001, em execução de um despacho que ordenou a sua prisão preventiva, proferido pelo juiz dos inquéritos preliminares do Tribunale di Bologna.

14
F. M. Miraglia era acusado de ter organizado, juntamente com outras pessoas, o transporte, dos Países Baixos para Bolonha, de 20,16 kg de produtos estupefacientes de tipo heroína, crime previsto e punido pelos artigos 110.° do Código Penal italiano e 80.° do Decreto n.° 309/90 do Presidente da República.

15
Em 22 de Janeiro de 2002, o juiz de instrução do Tribunale di Bologna decidiu levar F. M. Miraglia a julgamento pelo referido crime e substituir a sua prisão preventiva por uma medida de obrigação de permanência na habitação. Seguidamente, o Tribunale di Bologna substituiu a obrigação de permanência na habitação pela obrigação de permanência em Mondragone (Itália) e, por último, revogou todas as medidas de coacção, pelo que o arguido se encontra actualmente em liberdade.

16
Paralelamente, e pelos mesmos factos, as autoridades judiciárias neerlandesas promoveram um processo penal contra F. M. Miraglia pelo facto de ter transportado cerca de 30 kg de heroína dos Países Baixos para Itália.

17
Pela imputação desses factos, F. M. Miraglia foi preso pelas autoridades neerlandesas em 18 de Dezembro de 2000 e libertado em 28 de Dezembro de 2000. Em 17 de Janeiro de 2001, o Gerechtshof te Amsterdam (Países Baixos) negou provimento ao recurso, interposto pelo Ministério Público, do despacho do Rechtbank te Amsterdam (Países Baixos) que indeferiu a promoção da manutenção da prisão preventiva.

18
O processo penal contra o arguido foi arquivado em 13 de Fevereiro de 2001, sem que este tenha sido condenado a qualquer pena ou outra sanção. No quadro deste processo, o Procurador da Rainha neerlandês decidiu não instaurar uma acção penal contra o arguido. Resulta dos autos que esta decisão foi tomada com o fundamento de ter sido instaurada uma acção penal, pelos mesmos factos, em Itália.

19
Por despacho de 9 de Novembro de 2001, o Rechtbank te Amsterdam indemnizou o arguido em razão do prejuízo por ele sofrido em virtude do período de prisão preventiva que havia cumprido e das despesas efectuadas com honorários de advogados.

20
Por carta de 7 de Novembro de 2002, o Ministério Público junto do Rechtbank te Amsterdam rejeitou o pedido de auxílio judiciário proveniente do Ministério Público junto do Tribunale di Bologna baseando‑se na reserva formulada pelo Reino dos Países Baixos relativa ao artigo 2.°, alínea b), da convenção europeia de auxílio judiciário mútuo, uma vez que o Rechtbank «arquivou o processo sem aplicar qualquer pena».

21
Em 10 de Abril de 2003, o Ministério Público italiano dirigiu às autoridades judiciárias neerlandesas um pedido de informações acerca do resultado do processo penal promovido contra F. M. Miraglia e da forma de resolução desse processo, a fim de apreciar a pertinência do mesmo à luz do artigo 54.° da CAAS.

22
Por nota de 18 de Abril de 2003, o Ministério Público neerlandês informou o seu homólogo italiano da suspensão das acções penais contra F. M. Miraglia, sem contudo fornecer indicações consideradas suficientes pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre a medida adoptada e seu conteúdo. O Ministério Público neerlandês referiu que se tratava de «uma decisão final de um juiz» que proibia, nos termos do artigo 255.° do Código do Processo Penal neerlandês, qualquer acção penal pelos mesmos factos e qualquer cooperação judiciária com autoridades estrangeiras, a menos que existissem provas novas contra F. M. Miraglia. As autoridades judiciárias neerlandesas acrescentaram que o artigo 54.° da CAAS impedia que fosse dado seguimento a qualquer pedido de cooperação judiciária apresentado pelo Estado italiano.

23
Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as autoridades neerlandesas decidiram não instaurar qualquer acção penal contra F. M. Miraglia, uma vez que, entretanto, já havia sido promovido contra ele, pelos mesmos factos, uma acção penal em Itália. Esta apreciação explicar‑se‑ia pela aplicação, «a título preventivo», do princípio non bis in idem.

24
Ora, no entender do Tribunale di Bologna, essa interpretação do artigo 54.° da CAAS é errada, uma vez que priva os dois Estados em causa da possibilidade concreta de fazerem com que as responsabilidades do arguido sejam efectivamente examinadas.

25
Efectivamente, interpretado dessa forma, o artigo 54.° da CAAS impediria simultaneamente as autoridades neerlandesas de submeterem F. M. Miraglia a uma acção penal, visto estar a decorrer um processo pelos mesmos factos em Itália, e as autoridades italianas de apreciarem a responsabilidade penal do arguido.

26
O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, mesmo na hipótese de, ao invés das autoridades neerlandesas, não concluir pela existência de uma situação em que seja aplicável o princípio non bis in idem e de, assim, decidir a prossecução do processo, seria obrigado a apreciar a responsabilidade de F. M. Miraglia sem a importante contribuição que representam os elementos de prova recolhidos pelas autoridades neerlandesas e sem o auxílio judiciário das mesmas autoridades.

27
Foi nestas condições que o Tribunale di Bologna decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve aplicar‑se o artigo 54.° da [CAAS] no caso de a decisão judiciária adoptada no primeiro Estado consistir numa decisão de renúncia à instauração da acção penal, sem qualquer juízo sobre os factos e apenas assente no pressuposto de que já foi instaurada uma acção judicial noutro Estado‑Membro?»


Quanto à questão prejudicial

28
Com a sua questão, o órgão jurisdicional pergunta, no essencial, se o princípio non bis in idem , consagrado no artigo 54.° da CAAS, é aplicável a uma decisão das autoridades judiciárias de um Estado‑Membro que arquiva um processo, após o Ministério Público, sem qualquer apreciação de mérito, ter decidido não instaurar a acção penal com o único fundamento de já ter sido instaurada noutro Estado‑Membro uma acção penal contra o mesmo arguido pelos mesmos factos.

29
Resulta do próprio conteúdo do artigo 54.° da CAAS que ninguém pode ser submetido a uma acção judicial num Estado‑Membro em virtude dos mesmos factos pelos quais já foi «definitivamente julgado» noutro Estado‑Membro.

30
Ora, uma decisão judicial, como a que está em causa no processo principal, proferida após o Ministério Público ter decidido não instaurar a acção penal com o único fundamento de já ter sido instaurada uma acção penal contra o mesmo arguido, pelos mesmos factos, noutro Estado‑Membro, sem levar a cabo qualquer apreciação de mérito, não pode constituir uma decisão que julga definitivamente essa pessoa na acepção do artigo 54.° da CAAS.

31
Esta interpretação do referido artigo 54.° da CAAS impõe‑se tanto mais quanto é a única que faz prevalecer o objecto e a finalidade desta disposição sobre aspectos processuais, de resto variáveis consoante os Estados‑Membros em causa, e que garante uma aplicação útil deste artigo.

32
Com efeito, é dado assente que o artigo 54.° da CAAS tem por objectivo evitar que, pelo facto de exercer o seu direito de livre circulação, uma pessoa seja, pelos mesmos factos, alvo de acção penal no território de vários Estados‑Membros (acórdão de 11 de Fevereiro de 2003, Gözütok e Brügge, C‑187/01 e C‑385/01, Colect., p. I‑1345, n.° 38).

33
Ora, a aplicação deste artigo a uma decisão de arquivar o processo penal, como a que está em causa no processo principal, teria o efeito de dificultar, ou mesmo impossibilitar, qualquer hipótese concreta de punir nos Estados‑Membros em causa o comportamento ilícito imputado ao arguido.

34
Por um lado, a referida decisão de arquivamento terá sido adoptada pelas autoridades judiciárias de um Estado‑Membro sem qualquer apreciação do comportamento ilícito imputado ao arguido. Por outro lado, a abertura de um processo penal pelos mesmos factos noutro Estado‑Membro ficaria comprometida quando foi precisamente a instauração dessa acção penal que justificou a renúncia à acção penal por parte do Ministério Público do primeiro Estado‑Membro. Uma consequência desta natureza iria manifestamente contra a própria finalidade das disposições do título VI do Tratado da União Europeia, como a enunciada no artigo 2.°, primeiro parágrafo, quarto travessão, UE, a saber, «a manutenção e o desenvolvimento da União enquanto espaço de liberdade, de segurança e de justiça, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de […] prevenção e combate à criminalidade».

35
Consequentemente, deve responder‑se à questão colocada que o princípio non bis in idem, consagrado no artigo 54.° da CAAS, não é aplicável a uma decisão das autoridades judiciárias de um Estado‑Membro que arquiva um processo, após o Ministério Público, sem qualquer apreciação de mérito, ter decidido não instaurar a acção penal com o único fundamento de já ter sido instaurada noutro Estado‑Membro uma acção penal contra o mesmo arguido e pelos mesmos factos.


Quanto às despesas

36
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O princípio non bis in idem , consagrado no artigo 54.° da Convenção de aplicação do acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em 19 de Junho de 1990 em Schengen, não é aplicável a uma decisão das autoridades judiciárias de um Estado‑Membro que arquiva um processo, após o Ministério Público, sem qualquer apreciação de mérito, ter decidido não instaurar a acção penal com o único fundamento de já ter sido instaurada noutro Estado‑Membro uma acção penal contra o mesmo arguido e pelos mesmos factos.

Assinaturas


1
Língua do processo: italiano.