Processo C‑461/03

Gaston Schul Douane‑expediteur BV

contra

Minister van Landbouw, Natuur en Voedselkwaliteit

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo

College van Beroep voor het bedrijfsleven)

«Artigo 234.° CE – Obrigação de o órgão jurisdicional nacional submeter uma questão prejudicial – Invalidade de uma disposição comunitária – Açúcar – Direito de importação adicional – Regulamento (CE) n.° 1423/95 – Artigo 4.°»

Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas em 30 de Junho de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de Dezembro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Questões prejudiciais – Apreciação de validade – Declaração de invalidade de disposições comunitárias comparáveis às que já foram declaradas inválidas pelo Tribunal de Justiça – Incompetência dos órgãos jurisdicionais nacionais – Obrigação de reenvio

(Artigos 230.° CE, 234.°, terceiro parágrafo, CE e 241.° CE)

2.     Agricultura – Organização comum de mercado – Açúcar – Trocas comerciais com países terceiros – Direitos adicionais de importação – Determinação com base no preço de importação CIF – Obrigação de o importador apresentar um pedido – Determinação com base no preço representativo – Invalidade

(Regulamento n.° 1423/95 da Comissão, artigos 1.°, n.° 2, e 4.°, n.os 1 e 2)

1.     O artigo 234.°, terceiro parágrafo, CE impõe ao órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno que submeta ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à validade de disposições de um regulamento, mesmo quando a invalidade de disposições coincidentes de outro regulamento análogo já foi declarada pelo Tribunal de Justiça. Com efeito, os órgãos jurisdicionais nacionais não têm competência para declarar por si próprios a invalidade dos actos das instituições comunitárias.

Embora, sob determinadas condições, no caso de medidas provisórias, possam impor‑se alterações à regra segundo a qual os órgãos jurisdicionais nacionais não têm competência para declarar por si próprios a invalidade dos actos comunitários, a posição adoptada no acórdão Cilfit e o. relativamente a questões de interpretação não se pode aplicar a questões relativas à validade de actos comunitários.

Esta solução é imposta, em primeiro lugar, pela exigência de uniformidade na aplicação do direito comunitário. Esta exigência é especialmente imperiosa quando está em causa a validade de um acto comunitário. As divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros quanto à validade dos actos comunitários seriam susceptíveis de comprometer a própria unidade da ordem jurídica comunitária e de prejudicar a exigência fundamental da segurança jurídica.

Em segundo lugar, é imposta pela necessária coerência do sistema de protecção jurisdicional instituído pelo Tratado. Com efeito, o reenvio prejudicial para apreciação da validade constitui, do mesmo modo que o recurso de anulação, uma modalidade de fiscalização da legalidade dos actos comunitários. O Tratado, através dos artigos 230.° CE e 241.° CE, por um lado, e do artigo 234.° CE, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos actos das instituições, confiando‑a ao juiz comunitário.

(cf. n.os 17‑19, 21, 22, 25, disp. 1)

2.     O artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95, que estabelece as regras de aplicação relativas à importação dos produtos do sector do açúcar, excluindo o melaço, é inválido na medida em que prevê que o direito adicional é, em princípio, estabelecido com base no preço representativo previsto no artigo 2.°, n.° 1, desse regulamento e que esse direito só é estabelecido com base no preço de importação CIF da remessa em causa se o importador fizer um pedido nesse sentido.

(cf. n.° 32, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de Dezembro de 2005 (*)

«Artigo 234.° CE – Obrigação de o órgão jurisdicional nacional submeter uma questão prejudicial – Invalidade de uma disposição comunitária – Açúcar – Direito de importação adicional – Regulamento (CE) n.° 1423/95 – Artigo 4.°»

No processo C‑461/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Países Baixos), por decisão de 24 de Outubro de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 4 de Novembro de 2003, no processo

Gaston Schul Douane‑expediteur BV

contra

Minister van Landbouw, Natuur en Voedselkwaliteit,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e J. Malenovský, presidentes de secção, N. Colneric (relatora), S. von Bahr, J. N. Cunha Rodrigues, R. Silva de Lapuerta, K. Lenaerts, G. Arestis, A. Borg Barthet e M. Ilešič, juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e N. A. J. Bel, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por T. van Rijn e M. van Beek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de Junho de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 234.° CE, bem como a validade do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.° 1423/95 da Comissão, de 23 de Junho de 1995, que estabelece as regras de aplicação relativas à importação dos produtos do sector do açúcar, excluindo o melaço (JO L 141, p. 16).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Gaston Schul Douane‑expediteur BV (a seguir «Gaston Schul») e o Minister van Landbouw, Natuur en Voedselkwaliteit (a seguir «Ministério da Agricultura»), a respeito da importação de açúcar de cana.

 Quadro jurídico

3       Nos termos do artigo 234.° CE:

«O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial:

a)      Sobre a interpretação do presente Tratado;

b)      Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade e pelo BCE;

c)      Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.»

4       O acordo sobre a agricultura constante do anexo 1A do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (a seguir «OMC») e aprovado em nome da Comunidade pelo artigo 1.°, n.° 1, primeiro travessão, da Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986‑1994) (JO L 336, p. 1), dispõe, no artigo 5.°, n.os 1, alínea b), e 5:

«1.      Não obstante o disposto no n.° 1, alínea b), do artigo II do GATT de 1994, qualquer membro pode recorrer ao disposto nos n.os 4 e 5 [...] se:

a)      [...]

b)      O preço a que as importações desse produto podem entrar no território aduaneiro do membro [da OMC] que outorga a concessão, determinado com base no preço de importação CIF da expedição em causa, expresso em moeda nacional, for inferior a um preço de desencadeamento igual ao preço de referência médio do produto em questão para o período de 1986 a 1988 [...].

[...]

5.      O direito adicional imposto a título do n.° 1, alínea b), será fixado de acordo com a seguinte tabela:

[...]»

5       O artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 1785/81 do Conselho, de 30 de Junho de 1981, que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 177, p. 4; EE 03 F22 p. 80), na versão alterada pelo Regulamento (CE) n.° 3290/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativo às adaptações e medidas transitórias necessárias no sector da agricultura para a execução dos acordos concluídos no âmbito das negociações comerciais multilaterais do «Uruguay Round» (JO L 349, p. 105, a seguir «regulamento de base»), dispõe que «[o]s preços de importação a ter em conta com vista à imposição de um direito de importação adicional serão determinados com base nos preços de importação CIF da remessa em causa» e que «[p]ara este efeito, os preços de importação CIF são verificados com base nos preços representativos do produto em questão no mercado mundial ou no mercado comunitário de importação do produto».

6       A Comissão das Comunidades Europeias adoptou o Regulamento n.° 1423/95 para estabelecer as regras de aplicação do regulamento de base. Nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95:

«1.      Na ausência do pedido referido no n.° 2 ou quando o preço CIF na importação da expedição em causa referido no n.° 2 for inferior ao preço representativo em causa fixado pela Comissão, o preço CIF na importação da expedição em causa a tomar em consideração para a aplicação de um direito adicional é o preço representativo referido no n.° 2 ou no n.° 3 do artigo 1.°

2.      O importador, a seu pedido a apresentar, aquando da aceitação da declaração de importação à autoridade competente do Estado‑Membro de importação, pode ser sujeito da aplicação, para efeitos do estabelecimento do direito adicional, conforme o caso, do preço CIF na importação da expedição em causa do açúcar branco ou do açúcar bruto convertido numa qualidade‑tipo tal como definida, respectivamente, no artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 793/72 e no artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 431/68, ou do preço equivalente do produto do código NC 1702 90 99, quando o citado preço CIF for superior ao preço representativo aplicável referido no n.° 2 ou no n.° 3 do artigo 1.°

O preço CIF na importação da expedição em causa é convertido em preço do açúcar da qualidade‑tipo mediante um ajustamento em aplicação das disposições pertinentes do artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 784/68.

Neste caso, a aplicação do preço CIF na importação da expedição em causa utilizado para o estabelecimento do direito adicional está subordinada à apresentação, pelo interessado, às autoridades competentes do Estado‑Membro de importação, de pelo menos os seguintes comprovativos:

–       o contrato de compra ou qualquer outro comprovativo equivalente,

–       o contrato de seguro,

–       a factura,

–       o contrato de transporte (se for caso disso),

–       o certificado de origem, e

–       em caso de transporte marítimo, o conhecimento,

dentro dos trinta dias seguintes ao da aceitação da declaração de importação.

O Estado‑Membro em causa pode exigir quaisquer outras informações ou documentos de apoio àquele pedido.

O direito adicional em causa fixado pela Comissão aplica‑se a partir da realização do pedido.

Contudo, a diferença entre o direito adicional em causa fixado pela Comissão e o direito adicional estabelecido com base no preço CIF na importação da expedição em causa dará origem a pedido do interessado à constituição, pelo mesmo, de uma garantia em aplicação do artigo 248.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão.

Essa garantia será liberada imediatamente após a aceitação do pedido pela autoridade competente do Estado‑Membro de importação com base nas provas apresentadas pelo interessado.

A autoridade competente do Estado‑Membro rejeitará o pedido se considerar que os comprovativos apresentados não contêm uma justificação suficiente.

Se o pedido não for aceite pela referida autoridade, a garantia será executada.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7       Em 6 de Maio de 1998, a Gaston Schul declarou a importação de 20 000 kg de açúcar de cana bruto proveniente do Brasil ao preço CIF de 31 916 NLG. O montante do direito de importação devido, tal como foi comunicado em 13 de Maio de 1998 pelos serviços aduaneiros, com a menção «verificação efectuada sem correcção», era de 20 983,70 NLG. Em 4 de Agosto de 1998, o inspector do Serviço dos Impostos e das Alfândegas do distrito de Roosendaal, em representação do Ministério da Agricultura, dirigiu à Gaston Schul um aviso de liquidação notificando‑a para pagar a soma de 4 968,30 NLG a título de «direito nivelador agrícola». Esse direito nivelador foi calculado do seguinte modo: 20 000 kg a multiplicar por 24,841182 NLG (11,11 ecus), a título de direito de importação adicional, e a dividir por 100 kg. Depois de uma reclamação improcedente desse aviso de liquidação, a Gaston Schul interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

8       Esse tribunal verifica, em primeiro lugar, que o artigo 15.° do regulamento de base, que estabelece o regime dos direitos adicionais no sector do açúcar, é idêntico ao artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 2777/75 do Conselho, de 29 de Outubro de 1975, que estabelece uma organização comum de mercado no sector da carne de aves de capoeira (JO L 282, p. 77; EE 03 F9 p. 151), na versão alterada pelo Regulamento n.° 3290/94, tendo essas duas disposições sido, na sua versão actual, adoptadas no mesmo dia.

9       Nesse sector da carne de aves de capoeira e dos ovos, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 13 de Dezembro de 2001, Kloosterboer Rotterdam (C‑317/99, Colect., p. I‑9863), declarou inválido o artigo 3.°, n.os 1 e 3, do Regulamento (CE) n.° 1484/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, que estabelece as normas de execução do regime relativo à aplicação dos direitos adicionais de importação, que fixa os direitos adicionais de importação nos sectores da carne de aves de capoeira e dos ovos, bem como para a ovalbumina, e que revoga o Regulamento n.° 163/67/CEE (JO L 145, p. 47), na medida em que dispõe que o direito adicional nele referido é, em princípio, estabelecido com base no preço representativo previsto no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1484/95 e que esse direito só é estabelecido com base no preço de importação CIF da remessa em causa se o importador fizer um pedido nesse sentido. Segundo esse acórdão, a Comissão ultrapassou os limites do seu poder de execução.

10     O órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 3.°, n.os 1 e 3, do referido regulamento, declarado inválido pelo Tribunal de Justiça, é, nos aspectos tomados em consideração pelo mesmo Tribunal, idêntico às disposições do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95. Em ambos os casos, está em causa um regulamento de base que dispõe, em conformidade com o artigo 5.° do acordo sobre a agricultura, constante do anexo 1A do acordo que institui a OMC, que o direito de importação adicional é calculado com base no preço CIF, quando, num regulamento de aplicação da Comissão, o cálculo desse direito adicional com base no preço representativo é erigido em regra geral.

11     O artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95 é, por conseguinte, incompatível com o artigo 15.° do regulamento de base.

12     Ora, remetendo para o acórdão de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost (314/85, Colect., p. 4199), o órgão jurisdicional de reenvio conclui que compete ao Tribunal de Justiça, e só a ele, pronunciar‑se sobre a invalidade dos actos das instituições comunitárias.

13     Considera todavia que a questão de saber se poderia assim não ser num litígio nacional como o do processo principal, em que se coloca uma questão quanto à validade de disposições que coincidem com outras disposições de direito comunitário que o Tribunal de Justiça já declarou inválidas por decisão proferida sobre uma questão prejudicial, como no acórdão Kloosterboer Rotterdam, já referido, exige uma interpretação do artigo 234.°, terceiro parágrafo, CE.

14     Foi nestas condições que o College van Beroep voor het bedrijfsleven decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um órgão jurisdicional, na acepção do artigo 234.°, terceiro parágrafo, CE, está obrigado nos termos desta disposição a submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial, como aquela que é a seguir colocada e referente à validade das disposições de um regulamento, quando a invalidade de disposições coincidentes de outro regulamento análogo já foi declarada pelo Tribunal de Justiça, ou podem as disposições anteriormente referidas ser deixadas sem aplicação tendo em conta a extraordinária coincidência com as disposições anteriormente declaradas inválidas?

2)      O artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento […] n.° 1423/95 […] é inválido na medida em que estabelece que o direito adicional é, em princípio, estabelecido com base no preço representativo previsto no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento […] n.° 1423/95 e que esse direito só é estabelecido com base no preço de importação CIF da remessa em causa se o importador fizer um pedido nesse sentido?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

15     Na primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 234.°, terceiro parágrafo, CE impõe a um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno que submeta ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à validade das disposições de um regulamento, mesmo quando a invalidade de disposições coincidentes de outro regulamento análogo já foi declarada pelo Tribunal de Justiça.

16     Relativamente às questões de interpretação, resulta do acórdão de 6 de Outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, Recueil, p. 3415, n.° 21), que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno é obrigado, quando lhe é colocada uma questão de direito comunitário, a cumprir o seu dever de reenvio sempre que uma questão de direito comunitário nele seja suscitada, a menos que conclua que a questão não é pertinente, que a disposição comunitária em causa foi já objecto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correcta aplicação do direito comunitário se impõe com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável (v., igualmente, acórdão de 15 de Setembro de 2005, Intermodal Transports, C‑495/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33).

17     Em contrapartida, resulta do n.° 20 do acórdão Foto‑Frost, já referido, que os órgãos jurisdicionais nacionais não têm competência para declarar por si próprios a invalidade dos actos das instituições comunitárias.

18     Sob determinadas condições, no caso de medidas provisórias, podem impor‑se alterações à regra segundo a qual os órgãos jurisdicionais nacionais não têm competência para declarar por si próprios a invalidade dos actos comunitários [acórdão Foto‑Frost, já referido, n.° 19; v. igualmente, a este respeito, acórdãos de 24 de Maio de 1977, Hoffmann‑La Roche, 107/76, Colect., p. 334, n.° 6; de 27 de Outubro de 1982, Morson e Jhanjan, 35/82 e 36/82, Recueil, p. 3723, n.° 8; de 21 de Fevereiro de 1991, Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest, C‑143/88 e C‑92/89, Colect., p. I‑415, n.os 21 e 33, e de 9 de Novembro de 1995, Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (I), C‑465/93, Colect., p. I‑3761, n.os 30, 33 e 51].

19     Pelo contrário, a posição adoptada no acórdão Cilfit e o., já referido, relativamente a questões de interpretação não se pode aplicar a questões relativas à validade de actos comunitários.

20     A título preliminar, há que observar que, mesmo em casos que possam, à primeira vista, parecer semelhantes, é possível que um exame aprofundado revele que uma disposição cuja validade está em causa não pode ser comparada a uma disposição já declarada inválida, devido, designadamente, a um diferente contexto jurídico ou, eventualmente, factual.

21     As competências conferidas ao Tribunal de Justiça pelo artigo 234.° CE visam essencialmente garantir uma aplicação uniforme do direito comunitário pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Esta exigência de uniformidade é especialmente imperiosa quando está em causa a validade de um acto comunitário. Divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros quanto à validade dos actos comunitários seriam susceptíveis de comprometer a própria unidade da ordem jurídica comunitária e de prejudicar a exigência fundamental da segurança jurídica (acórdão Foto‑Frost, já referido, n.° 15).

22     A possibilidade de o juiz nacional se pronunciar sobre a invalidade de um acto comunitário também não é conciliável com a necessária coerência do sistema de protecção jurisdicional instituído pelo Tratado CE. Importa recordar, a este respeito, que o reenvio prejudicial para apreciação da validade constitui, do mesmo modo que o recurso de anulação, uma modalidade de fiscalização da legalidade dos actos comunitários. O Tratado, através dos artigos 230.° CE e 241.° CE, por um lado, e do artigo 234.° CE, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos actos das instituições, confiando‑a ao juiz comunitário (v. acórdãos de 23 de Abril de 1986, Partido Ecologista «Os Verdes»/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339, n.° 23; Foto‑Frost, já referido, n.° 16, e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 40).

23     Não pode ser invocada uma diminuição da duração do processo para justificar uma violação da competência exclusiva do juiz comunitário para se pronunciar sobre a validade do direito comunitário.

24     Há, além disso, que salientar que é o juiz comunitário que está em melhor posição para se pronunciar sobre a validade dos actos comunitários. Com efeito, as instituições comunitárias cujos actos são postos em causa têm, nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, o direito de intervir perante o Tribunal para defenderem a validade desses actos. Além disso, o Tribunal pode pedir às instituições comunitárias que não sejam partes no processo todas as informações que considere necessárias à apreciação da causa, ao abrigo do segundo parágrafo do artigo 24.° do mesmo Estatuto (v. acórdão Foto‑Frost, já referido, n.° 18).

25     Resulta das considerações precedentes que há que responder à primeira questão que o artigo 234.°, terceiro parágrafo, CE impõe ao órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno que submeta ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à validade de disposições de um regulamento, mesmo quando a invalidade de disposições coincidentes de outro regulamento análogo já foi declarada pelo Tribunal de Justiça.

 Quanto à segunda questão

26     Na segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95 é inválido na medida em que prevê que o direito adicional é, em princípio, estabelecido com base no preço representativo previsto no artigo 2.°, n.° 1, desse mesmo regulamento e que esse direito só é estabelecido com base no preço de importação CIF da remessa em causa se o importador fizer um pedido nesse sentido.

27     Resulta claramente da letra do artigo 15.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do regulamento de base que só o preço de importação CIF da remessa em causa pode servir de base para o estabelecimento de um direito adicional.

28     A aplicação dessa regra não está sujeita a nenhum pressuposto e não comporta nenhuma excepção.

29     O artigo 15.°, n.° 3, segundo parágrafo, do regulamento de base prevê, de modo inequívoco, que o preço representativo para o produto em questão só é levado em conta para efeitos da verificação da exactidão do preço de importação CIF.

30     Em contrapartida, o artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95 sujeita a tomada em consideração do preço de importação CIF para a fixação do direito adicional ao pressuposto de o importador apresentar um pedido formal nesse sentido, instruído com determinados documentos comprovativos, e impõe em todos os outros casos a tomada em consideração do preço representativo, que é assim erigido em regra geral.

31     Na medida em que o artigo 15.°, n.° 3, do regulamento de base não prevê nenhuma excepção à regra do estabelecimento do direito adicional com base no preço de importação CIF, o artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95 é contrário a essa disposição.

32     Assim sendo, há que responder à segunda questão que o artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95 é inválido na medida em que prevê que o direito adicional é, em princípio, estabelecido com base no preço representativo previsto no artigo 2.°, n.° 1, desse regulamento e que esse direito só é estabelecido com base no preço de importação CIF da remessa em causa se o importador fizer um pedido nesse sentido.

 Quanto às despesas

33     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 234.°, terceiro parágrafo, CE impõe ao órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno que submeta ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à validade de disposições de um regulamento, mesmo quando a invalidade de disposições coincidentes de outro regulamento análogo já foi declarada pelo Tribunal de Justiça.

2)      O artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1423/95 da Comissão, de 23 de Junho de 1995, que estabelece as regras de aplicação relativas à importação dos produtos do sector do açúcar, excluindo o melaço, é inválido na medida em que prevê que o direito adicional é, em princípio, estabelecido com base no preço representativo previsto no artigo 2.°, n.° 1, desse regulamento e que esse direito só é estabelecido com base no preço de importação CIF da remessa em causa se o importador fizer um pedido nesse sentido.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.