Processo C‑456/03
Comissão das Comunidades Europeias
contra
República Italiana
«Incumprimento de Estado – Directiva 98/44/CE – Protecção jurídica das invenções biotecnológicas – Admissibilidade – Não transposição – Artigos 3.°, n.° 1, 5.°, n.° 2, 6.°, n.° 2, e 8.° a 12.°»
Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas em 10 de Março de 2005
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 16 de Junho de 2005
Sumário do acórdão
1. Acção por incumprimento – Prova do incumprimento – Ónus da prova que incumbe à Comissão – Presunções – Inadmissibilidade – Desrespeito da obrigação de informação imposta aos Estados‑Membros por uma directiva – Consequências
(Artigos 10.° CE e 226.° CE)
2. Acção por incumprimento – Objecto do litígio – Determinação durante a fase pré‑contenciosa – Modificação posterior num sentido restritivo – Admissibilidade
(Artigo 226.° CE)
3. Aproximação das legislações – Protecção jurídica das invenções biotecnológicas – Directiva 98/44 – Patenteabilidade das invenções que utilizem matéria biológica – Patenteabilidade de elementos isolados do corpo humano ou produzidos de outra forma por um processo técnico – Legislação nacional que se limita a definir as condições da patenteabilidade de qualquer invenção – Inadmissibilidade na falta de consagração jurisprudencial da patenteabilidade das referidas invenções ou dos referidos elementos
(Directiva 98/44 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 3.°, n.° 1, e 5.°, n.° 2)
4. Aproximação das legislações – Protecção jurídica das invenções biotecnológicas – Directiva 98/44 – Não patenteabilidade de certos procedimentos específicos, como a clonagem de seres humanos e as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais – Legislação nacional que se limita a excluir a patenteabilidade das invenções contrárias à ordem pública ou aos bons costumes – Inadmissibilidade
(Directiva 98/44 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 6.°, n.os 1 e 2)
1. Embora no âmbito de uma acção por incumprimento intentada ao abrigo do artigo 226.° CE incumba à Comissão, que deve demonstrar a existência do incumprimento alegado, fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este da existência desse incumprimento, não podendo basear‑se em nenhuma presunção, cabe também aos Estados‑Membros, por força do artigo 10.° CE, facilitar‑lhe o cumprimento da sua missão. É, de resto, para este efeito que um certo número de directivas impõem aos Estados‑Membros uma obrigação de informação.
Na falta de tal informação, a Comissão não tem condições para verificar se um Estado‑Membro aplicou realmente e completamente uma directiva. O incumprimento desta obrigação dos Estados‑Membros, seja por falta total de informação ou por uma informação insuficientemente clara e precisa, pode, por si só, justificar a abertura do procedimento previsto no artigo 226.° CE. O Estado‑Membro em causa não pode então censurar à Comissão a alegada falta de precisão da petição inicial uma vez que esta resulta do comportamento deste Estado.
(cf. n.os 26, 27, 29)
2. O objecto de uma acção por incumprimento intentada nos termos do artigo 226.° CE é delimitado pelo procedimento pré‑contencioso previsto nesta disposição, de forma que a acção deve basear‑se nos mesmos argumentos e fundamentos que o parecer fundamentado. Esta exigência não pode, contudo, ir ao ponto de exigir em todas as circunstâncias uma coincidência perfeita entre o teor das acusações constantes da notificação para cumprir, a parte decisória do parecer fundamentado e a petição inicial da acção, contanto que o objecto do litígio não seja ampliado ou alterado.
É esse o caso se a Comissão, depois de ter censurado a um Estado‑Membro a falta absoluta de transposição de uma directiva, vier depois precisar que a transposição alegada pelo Estado‑Membro pela primeira vez numa fase ulterior do processo é, em qualquer caso, incorrecta ou incompleta no que se refere a algumas disposições da mesma directiva. Com efeito, essa acusação está necessariamente incluída na acusação de falta absoluta de transposição da directiva e tem um carácter subsidiário relativamente a esta última acusação.
(cf. n.os 35, 39, 40)
3. Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.°, n.° 1, e 5.°, n.° 2, da Directiva 98/44, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, o Estado‑Membro que não prevê a patenteabilidade das invenções que usam matéria biológica nem a de elementos isolados do corpo humano ou produzidos de outra forma por um processo técnico, mas se limita a definir, de uma maneira geral, as condições da patenteabilidade de qualquer invenção, sem, de resto, referir nenhuma decisão judicial que tenha especificamente consagrado a patenteabilidade dessas invenções ou desses elementos. Nestas circunstâncias, com efeito, verifica‑se que, apesar do objectivo de clarificação prosseguido pela Directiva 98/44, permanece uma situação de incerteza relativamente à possibilidade de se protegerem as invenções biotecnológicas através do direito do Estado‑Membro em causa.
(cf. n.os 59‑61, 71‑73)
4. Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 98/44, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, Estado‑Membro que não prevê expressamente a não patenteabilidade de certos procedimentos específicos, como a clonagem de seres humanos e as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais, mas se limita, em termos gerais, a excluir a patenteabilidade das invenções cuja exploração seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes e os actos de disposição do corpo humano.
Com efeito, contrariamente ao artigo 6.°, n.° 1, da directiva, que deixa às autoridades administrativas e judiciais dos Estados‑Membros uma larga margem de apreciação relativamente à exclusão da patenteabilidade das invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública e aos bons costumes, o n.° 2 do mesmo artigo não deixa aos Estados‑Membros qualquer margem de apreciação no que se refere à não patenteabilidade dos procedimentos e utilizações nele enumerados, pois esta disposição visa precisamente enquadrar a exclusão prevista no n.° 1.
(cf. n.os 78, 80)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
16 de Junho de 2005 (*)
«Incumprimento de Estado – Directiva 98/44/CE – Protecção jurídica das invenções biotecnológicas – Admissibilidade – Não transposição – Artigos 3.°, n.° 1, 5.°, n.° 2, 6.°, n.° 2, e 8.° a 12.°»
No processo C‑456/03,
que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 27 de Outubro de 2003,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por K. Banks, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por P. Gentili, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: A. Rosas, presidente de secção, J.‑P. Puissochet, S. von Bahr, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh (relator), juízes,
advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,
secretário: R. Grass,
vistos os autos,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 10 de Março de 2005,
profere o presente
Acórdão
1 Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Italiana, não tendo adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas (JO L 213, p. 13, a seguir «directiva»), faltou às obrigações que lhe incumbem por força do artigo 15.° da mesma directiva.
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
2 Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da directiva:
«Os Estados‑Membros devem proteger as invenções biotecnológicas através do direito nacional de patentes. Se necessário, os Estados‑Membros adoptarão o seu direito nacional de patentes de modo a ter em conta o disposto na presente directiva.»
3 Segundo o artigo 3.°, n.° 1, da mesma directiva:
«Para efeitos da presente directiva, são patenteáveis as invenções novas que impliquem uma actividade inventiva e sejam susceptíveis de aplicação industrial, mesmo quando incidam sobre um produto composto de matéria biológica ou que contenha matéria biológica ou sobre um processo que permita produzir, tratar ou utilizar matéria biológica.»
4 O artigo 5.° da directiva estabelece:
«1. O corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, bem como a simples descoberta de um dos seus elementos, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, não podem constituir invenções patenteáveis.
2. Qualquer elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural.
3. A aplicação industrial de uma sequência ou de uma sequência parcial de um gene deve ser concretamente exposta no pedido de patente.»
5 O artigo 6.° da mesma directiva estabelece:
«1. As invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes são excluídas da patenteabilidade, não podendo a exploração ser considerada como tal pelo simples facto de ser proibida por disposição legal ou regulamentar.
2. Nos termos do disposto no n.° 1, consideram‑se não patenteáveis, nomeadamente:
a) Os processos de clonagem de seres humanos;
b) Os processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano;
c) As utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais;
d) Os processos de modificação da identidade genética dos animais que lhes possam causar sofrimentos sem utilidade médica substancial para o Homem ou para o animal, bem como os animais obtidos por esses processos.»
6 O capítulo II da directiva é consagrado ao âmbito de protecção conferido por uma patente relativa a uma invenção biotecnológica. Inclui as disposições seguintes:
«Artigo 8.°
1. A protecção conferida por uma patente relativa a uma matéria biológica dotada, em virtude da invenção, de determinadas propriedades abrange qualquer matéria biológica obtida a partir da referida matéria biológica por reprodução ou multiplicação, sob forma idêntica ou diferenciada, e dotada dessas mesmas propriedades.
2. A protecção conferida por uma patente relativa a um processo que permita produzir uma matéria biológica dotada, em virtude da invenção, de determinadas propriedades abrange a matéria biológica obtida por esse processo e qualquer outra matéria biológica obtida a partir da matéria biológica obtida directamente, por reprodução ou multiplicação, sob forma idêntica ou diferenciada, e dotada dessas mesmas propriedades.
Artigo 9.°
A protecção conferida por uma patente a um produto que contenha uma informação genética ou que consista numa informação genética abrange qualquer matéria, sob reserva do disposto no n.° 1 do artigo 5.°, em que o produto esteja incorporado e na qual esteja contida e exerça a sua função.
Artigo 10.°
A protecção referida nos artigos 8.° e 9.° não abrange a matéria biológica obtida por reprodução ou multiplicação de uma matéria biológica colocada no mercado, no território de um Estado‑Membro, pelo titular da patente ou com o seu consentimento se a reprodução ou a multiplicação resultar necessariamente da utilização para a qual a matéria biológica foi colocada no mercado, desde que a matéria obtida não seja em seguida utilizada para outras reproduções ou multiplicações.
Artigo 11.°
1. Em derrogação do disposto nos artigos 8.° e 9.°, a venda ou outra forma de comercialização pelo titular da patente, ou com o seu consentimento, de material de reprodução vegetal a um agricultor, para fins de exploração agrícola, implica a permissão de o agricultor utilizar o produto da sua colheita para proceder, ele próprio, à reprodução ou multiplicação na sua exploração, limitando‑se o âmbito e as regras desta derrogação aos estabelecidos no artigo 14.° do Regulamento (CE) n.° 2100/94.
2. Em derrogação do disposto nos artigos 8.° e 9.°, a venda ou outra forma de comercialização pelo titular da patente, ou com o seu consentimento, de animais de criação ou de outro material de reprodução animal a um agricultor implica a permissão de o agricultor utilizar os animais protegidos para fins agrícolas. Tal permissão inclui a disponibilização do animal ou de outro material de reprodução animal para a prossecução da sua actividade agrícola mas não a venda, tendo em vista uma actividade de reprodução com fins comerciais ou no âmbito da mesma.
3. O âmbito e as regras da derrogação prevista no n.° 2 são regidos pelas leis, disposições regulamentares e práticas nacionais.»
7 Nos termos do artigo 12.° da directiva:
«1. Quando um obtentor não puder obter ou explorar um direito de obtenção vegetal sem infringir uma patente anterior, pode requerer uma licença obrigatória para a exploração não exclusiva da invenção protegida pela patente, na medida em que essa licença seja necessária para explorar a variedade vegetal a proteger, contra o pagamento de remuneração adequada. Os Estados‑Membros devem estabelecer que, quando seja concedida uma licença desse tipo, o titular da patente tem direito a uma licença recíproca, em condições razoáveis, para utilizar a variedade protegida.
2. Quando o titular de uma patente relativa a uma invenção biotecnológica não puder explorá‑la sem infringir um direito de obtenção vegetal anterior sobre uma variedade, pode requerer uma licença obrigatória para a exploração não exclusiva da variedade protegida por esse direito de obtenção, contra o pagamento de remuneração adequada. Os Estados‑Membros devem estabelecer que, quando seja concedida uma licença desse tipo, o titular do direito de obtenção tem direito a uma licença recíproca, em condições razoáveis, para utilizar a invenção protegida.
3. Os requerentes das licenças referidas nos n.os 1 e 2 devem provar que:
a) Se dirigiram em vão ao titular da patente ou do direito de obtenção vegetal para obter uma licença contratual;
b) A variedade vegetal ou a invenção representa um progresso técnico importante de interesse económico considerável relativamente à invenção reivindicada na patente ou à variedade vegetal a proteger.
[…]»
8 Por fim, o artigo 15.° da directiva estabelece:
«1. Os Estados‑Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva, o mais tardar, em 30 de Julho de 2000. Do facto informarão imediatamente a Comissão.
Quando os Estados‑Membros adoptarem essas disposições, estas devem incluir uma referência à presente directiva ou ser acompanhadas dessa referência na publicação oficial. As modalidades dessa referência serão adoptadas pelos Estados‑Membros.
2. Os Estados‑Membros comunicarão à Comissão o texto das disposições de direito interno que adoptem no domínio regido pela presente directiva.»
A legislação nacional
9 O artigo 5.° do Código Civil italiano estabelece:
«Os actos de disposição do próprio corpo são proibidos quando provoquem uma diminuição permanente da integridade física, ou quando, de outra forma, sejam contrários à lei, à ordem pública ou aos bons costumes.»
10 Nos termos do artigo 1.°bis, n.° 1, do Decreto real n.° 1127, de 29 de Junho de 1939 (GURI n.° 189, de 14 de Agosto de 1939, a seguir «Decreto real n.° 1127/39»):
«A patente confere ao seu titular, em especial, os seguintes direitos exclusivos:
a) se a patente tiver por objecto um produto, o direito de proibir a terceiros, salvo a sua autorização, a produção, a utilização, a comercialização, a venda ou a importação do produto em causa para os mesmos fins;
b) se a patente tiver por objecto um processo, o direito de proibir a terceiros, salvo a sua autorização, a aplicação do processo, assim como a utilização, a comercialização, a venda ou a importação, para esses fins, do produto directamente obtido pelo processo em causa.»
11 O artigo 12.° do mesmo decreto estabelece:
«Podem ser objecto de patente as invenções novas que impliquem uma actividade inventiva e que sejam susceptíveis de aplicação industrial.
Não são consideradas invenções, na acepção do parágrafo anterior:
a) as descobertas, as teorias científicas e os modelos matemáticos;
[…]
As disposições do parágrafo anterior só excluem a patenteabilidade dos elementos que nele são mencionados na medida em que o pedido de patente ou a patente tenham por objecto as descobertas, as teorias, os planos, os princípios, os procedimentos e os programas considerados como tais.
Não são consideradas invenções, na acepção do primeiro parágrafo, os processos de tratamento cirúrgico ou terapêutico do corpo humano ou dos animais nem os processos de diagnóstico aplicados ao corpo humano ou dos animais […]»
12 O artigo 13.° do Decreto real n.° 1127/39 precisa:
«Não são patenteáveis as invenções cuja exploração seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes, não podendo uma invenção ser considerada como tal apenas por ser proibida por uma disposição legal ou administrativa.
Não são igualmente patenteáveis as raças animais e os processos essencialmente biológicos para as obter; esta disposição não se aplica aos processos microbiológicos nem aos produtos obtidos por seu intermédio.»
13 Nos termos do artigo 54.°, n.° 2, do decreto real:
«A licença obrigatória referida no primeiro parágrafo pode igualmente ser concedida
[…]
b) se a invenção protegida pela patente não puder ser utilizada sem infringir os direitos decorrentes de uma patente concedida com base num pedido anterior. Neste caso, a licença pode ser concedida ao titular da patente posterior na medida necessária à exploração da invenção, desde que esta represente, relativamente ao objecto da patente anterior, um progresso técnico importante com um alcance económico considerável. Sem prejuízo do artigo 54.°bis, n.° 5, a licença assim obtida não pode ser cedida separadamente da invenção de que depende. O titular da patente da invenção principal tem direito, por seu turno, à atribuição de uma licença obrigatória em condições razoáveis relativamente à patente da invenção dependente.»
Procedimento pré‑contencioso
14 Após ter verificado que a República Italiana não a tinha informado das disposições legislativas, regulamentares e administrativas que adoptara para dar cumprimento à directiva, e na falta de qualquer outro elemento que lhe permitisse concluir que tais disposições tinham sido adoptadas, a Comissão, em 30 de Novembro de 2000, dirigiu àquele Estado‑Membro uma notificação para cumprir, nos termos do artigo 226.° CE, convidando‑o a apresentar observações no prazo de dois meses.
15 Não tendo recebido resposta no prazo fixado, a Comissão emitiu, em 19 de Dezembro de 2002, um parecer fundamentado no qual concluía que a República Italiana, não tendo adoptado as disposições necessárias para dar cumprimento à directiva, faltou às obrigações que lhe incumbiam por força da referida directiva. A Comissão convidou este Estado‑Membro a adoptar estas disposições no prazo de dois meses a contar da recepção do parecer fundamentado.
16 As autoridades italianas responderam por carta de 6 de Fevereiro de 2003. Posteriormente, por carta de 10 de Julho de 2003, indicaram à Comissão que o processo de elaboração das disposições necessárias para transpor a directiva se encontrava numa fase avançada.
17 Considerando que estes elementos não eram satisfatórios, a Comissão decidiu intentar a presente acção.
Quanto à acção
18 Deve observar‑se, desde logo, que, sem suscitar expressamente uma questão prévia de inadmissibilidade, o Governo italiano invoca vários vícios de ordem processual susceptíveis de afectar a admissibilidade da acção. Devem, por isso, analisar‑se estes vícios relativos à admissibilidade, antes de se conhecer do mérito do pedido.
Quanto à admissibilidade
19 O Governo italiano sustenta que, relativamente ao texto do artigo 1.° da directiva, segundo o qual os Estados‑Membros devem adaptar o seu direito nacional de patentes «se necessário», o que pressupõe um grau já bastante avançado de protecção e de harmonização das legislações nacionais, a Comissão, na sua petição inicial, não podia limitar‑se a constatar a falta de transposição formal da directiva no prazo fixado, cabendo‑lhe fazer prova específica, logo a partir desta fase do processo, de que o direito interno em vigor não era conforme, em todo ou em parte, com a referida directiva. Os elementos avançados sobre este ponto pela Comissão na réplica foram alegados extemporaneamente e, por consequência, não podem ser levados em conta.
20 A Comissão sustenta que o artigo 1.° da directiva não lhe impõe nenhum ónus específico de prova quando censura um Estado‑Membro por não ter tomado medidas de transposição. No caso concreto, no decurso da fase pré‑contenciosa, as autoridades italianas nunca alegaram que o seu direito interno estivesse conforme com a directiva. Pelo contrário, ao indicarem que estava em curso a elaboração de uma lei de transposição, as autoridades italianas admitiram, pelo menos implicitamente, que a transposição da directiva carecia da adopção de disposições particulares.
21 Há que concluir que a argumentação do Governo italiano se traduz em contestar por duas razões a regularidade do processo de incumprimento de Estado iniciado pela Comissão e, portanto, a admissibilidade da presente acção.
22 Com efeito, por um lado, ao alegar que a petição inicial se limita a constatar a falta de transposição da directiva, sem demonstrar de que modo o direito interno em vigor não estava já em conformidade com ela, o Governo italiano acusa a Comissão não apenas de não ter provado a existência do incumprimento mas igualmente de não ter trazido ao Tribunal, na sua petição, os elementos necessários para a apreciação da sua existência. Por outro lado, ao opor‑se a que estes elementos sejam indicados pela primeira vez na réplica, o mesmo governo acusa a Comissão de ter invocado fundamentos extemporaneamente.
23 A título liminar, deve recordar‑se que, segundo a jurisprudência, por força dos artigos 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e 38.°, n.° 1, alínea c), do seu Regulamento de Processo, a petição deve conter, designadamente, uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Por conseguinte, a Comissão deve indicar, nas petições apresentadas nos termos do artigo 226.° CE, as acusações exactas sobre as quais o Tribunal de Justiça se deve pronunciar, bem como, de forma pelo menos sumária, os elementos de direito e de facto em que essas acusações se baseiam (v., nomeadamente, acórdão de 13 de Dezembro de 1990, Comissão/Grécia, C‑347/88, Colect., p. I‑4747, n.° 28).
24 Há, por isso, que concluir que a petição apresentada pela Comissão, em que esta acusa, em substância, a República Italiana de não ter adoptado as medidas necessárias para a transposição da directiva, contém uma exposição clara desta acusação e os elementos de facto e de direito em que se baseia.
25 É certo que, nesta peça processual, a Comissão não procurou demonstrar em que é que o direito italiano em vigor não estava em conformidade com as disposições da directiva.
26 Contudo, deve recordar‑se que, embora no âmbito de uma acção por incumprimento intentada ao abrigo do artigo 226.° CE, incumba de facto à Comissão, que deve demonstrar a existência do incumprimento alegado, fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação por este da existência desse incumprimento, não podendo basear‑se em nenhuma presunção, cabe aos Estados‑Membros, por força do artigo 10.° CE, facilitar‑lhe o cumprimento da sua missão, que consiste, designadamente, nos termos do artigo 211.° CE, em velar pela aplicação das disposições do Tratado CE bem como das medidas tomadas pelas instituições por força deste (v., nomeadamente, acórdãos de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos, 96/81, Recueil, p. 1791, n.os 6 e 7, e de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Países Baixos, C‑408/97, Colect., p. I‑6417, n.os 15 e 16). É para este efeito que o artigo 15.° da directiva, à semelhança de outras directivas, impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de informação.
27 A informação que os Estados‑Membros estão obrigados a prestar à Comissão deve ser clara e precisa. Deve indicar sem ambiguidade através de que medidas legislativas, regulamentares e administrativas o Estado‑Membro considera ter cumprido as diferentes obrigações que a directiva lhe impõe. Na falta de tal informação, a Comissão não tem condições para verificar se o Estado‑Membro aplicou realmente e completamente a directiva. O incumprimento desta obrigação dos Estados‑Membros, seja por falta total de informação ou por uma informação insuficientemente clara e precisa, pode, por si só, justificar, a abertura do procedimento previsto no artigo 226.° CE com vista à declaração deste incumprimento (acórdão de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 8).
28 Ora, no caso concreto, não se contesta que o Governo italiano não só não respondeu à notificação para cumprir que a Comissão lhe enviou como, na sua resposta ao parecer fundamentado, não indicou que a directiva devia ser considerada transposta pelo direito interno em vigor. Bem pelo contrário, tendo aquele governo informado a Comissão, quer na sua resposta ao parecer fundamentado quer na sua carta ulterior de 10 de Julho de 2003, do facto de que as disposições necessárias à transposição da directiva estavam prestes a ser adoptadas, deu implícita, mas seguramente, a entender à Comissão que o direito interno em vigor, na falta de adopção de medidas especiais, não era o adequado para assegurar a transposição correcta e completa da referida directiva.
29 Nestas condições, o Governo italiano não pode censurar à Comissão o facto de ela se ter limitado, na sua petição inicial, a constatar a falta de transposição da directiva no prazo fixado, sem procurar demonstrar de que modo as disposições do seu direito interno em vigor não eram conformes com as disposições da referida directiva. Com efeito, a alegada falta de precisão da petição inicial resulta, como o advogado‑geral afirmou no n.° 43 das suas conclusões, do próprio comportamento deste governo no decurso do procedimento pré‑contencioso (v., neste sentido, acórdão de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 17).
30 Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de o artigo 1.°, n.° 1, da directiva prever que os Estados‑Membros adaptem o seu direito nacional de patentes, «se necessário», para ter em conta o disposto na mesma. Com efeito, se este artigo permite aos referidos Estados‑Membros garantir, quanto ao mérito, a transposição da directiva por normas do seu direito interno em vigor, ele não os dispensa em caso algum da obrigação formal de informar a Comissão da existência destas normas, a fim de que a Comissão fique em condições de apreciar a sua conformidade com a directiva.
31 Por consequência, o presente argumento do Governo italiano deve ser rejeitado. Mas visto que, para além disso, a argumentação da República Italiana visa contestar a existência do incumprimento alegado, tal argumentação deve ser apreciada de mérito.
32 Em segundo lugar, no que se refere à admissibilidade dos argumentos alegados na réplica para demonstrar a não conformidade do direito interno em vigor com determinadas disposições da directiva, deve recordar‑se que foi só na contestação que o Governo italiano alegou que o direito interno em vigor era conforme com a directiva.
33 Nestas condições, a Comissão não poderia ser censurada por só ter respondido a estes argumentos na réplica, uma vez que a Comissão tem o direito, como já declarou o Tribunal de Justiça, de introduzir precisões nos seus pedidos para ter em conta as informações prestadas pelos Estados‑Membros na contestação (acórdão de 22 de Junho de 1993, Comissão/Dinamarca, C‑243/89, Colect., p. I‑3353, n.° 20). A este respeito, deve igualmente constatar‑se que o artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo prevê expressamente que as partes têm o direito de deduzir novos fundamentos no decurso da instância para levarem em conta elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.
34 Por consequência, o Governo italiano não pode censurar a Comissão por esta ter apresentado, na réplica, argumentos que não constavam da petição inicial.
35 Deve contudo recordar‑se que, segundo jurisprudência constante, o objecto de uma acção por incumprimento intentada nos termos do artigo 226.° CE é delimitado pelo procedimento pré‑contencioso previsto nesta disposição, de forma que a acção deve basear‑se nos mesmos argumentos e fundamentos que o parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdãos de 20 de Março de 1997, Comissão/Alemanha, C‑96/95, Colect., p. I‑1653, n.° 23; de 15 de Janeiro de 2002, Comissão/Itália, C‑439/99, Colect., p. I‑305, n.° 11; e de 20 de Junho de 2002, Comissão/Alemanha, C‑287/00, Colect., p. I‑5811, n.° 18).
36 Segundo a jurisprudência, o procedimento pré‑contencioso tem por objectivo dar ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de, por um lado, dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário e de, por outro, apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão (v. acórdãos de 21 de Setembro de 1999, Comissão/Irlanda, C‑392/96, Colect., p. I‑5901, n.° 51; Comissão/Itália, já referido, n.° 10; e de 29 de Abril de 2004, Comissão/Portugal, C‑117/02, Colect., p. I‑5517, n.° 53).
37 A regularidade desse procedimento constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado não apenas para a protecção dos direitos do Estado‑Membro em causa mas igualmente para assegurar que o eventual processo contencioso tenha por objecto um litígio claramente definido (v. acórdãos de 13 de Dezembro de 2001, Comissão/França, C‑1/00, Colect., p. I‑9989, n.° 53, e de 20 de Junho de 2002, Comissão/Alemanha, já referido, n.° 17).
38 No caso concreto, há que concluir que, como sustenta o Governo italiano, ao acusá‑lo, no decurso do procedimento pré‑contencioso, de não ter adoptado as disposições necessárias para dar cumprimento à directiva, a Comissão censurava, em substância, a República Italiana, pela falta absoluta de transposição desta directiva. Em contrapartida, com os argumentos apresentados na réplica relativamente ao direito interno em vigor, a Comissão sustenta que este Estado‑Membro não procedeu à transposição de algumas disposições da directiva, o que exige uma análise pormenorizada do direito interno em vigor a fim de verificar quais destas disposições não foram completa ou correctamente transpostas.
39 Contudo, deve recordar‑se que a exigência segundo a qual o objecto da acção intentada ao abrigo do artigo 226.° CE deve ser delimitado pelo procedimento pré‑contencioso previsto nesta disposição não pode ir ao ponto de exigir em todas as circunstâncias uma coincidência perfeita entre o teor das acusações constantes da notificação para cumprir, a parte decisória do parecer fundamentado e a petição inicial da acção, contanto que o objecto do litígio não seja ampliado ou alterado (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Setembro de 1997, Comissão/Itália, C‑279/94, Colect., p. I‑4743, n.° 25, e de 11 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, C‑139/00, Colect., p. I‑6407, n.° 19).
40 Ora, é esse o caso se a Comissão, como no processo em apreço, depois de ter censurado a um Estado‑Membro a falta absoluta de transposição de uma directiva, vier depois precisar, na réplica, que a transposição alegada pelo Estado‑Membro pela primeira vez na sua contestação era, em qualquer caso, incorrecta ou incompleta no que se refere a algumas disposições da mesma directiva. Com efeito, essa acusação está necessariamente incluída na acusação de falta absoluta de transposição da directiva e tem um carácter subsidiário relativamente a esta última acusação (v., neste sentido, acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.° 55).
41 A este respeito, deve observar‑se que, no caso em apreço, o procedimento pré‑contencioso atingiu o seu objectivo de protecção dos direitos do Estado‑Membro em causa. Com efeito, a República Italiana teve a possibilidade de cumprir as suas obrigações decorrentes da directiva, porquanto, como demonstram a sua resposta ao parecer fundamentado e a sua carta posterior de 10 de Julho de 2003, informou a Comissão sobre o desenvolvimento do processo de elaboração da legislação prevista para este fim. Além disso, a República Italiana teve a possibilidade de, no quadro desta fase do processo, demonstrar que o seu direito interno em vigor estava em conformidade com as exigências da directiva, mesmo que tenha entendido não fazer uso dessa faculdade no caso em apreço (v., neste sentido, acórdão de 28 de Março de 1985, Comissão/Itália, 274/83, Recueil, p. 1077, n.° 20).
42 Por consequência, o Governo italiano não pode acusar a Comissão de ter ampliado ou modificado o objecto da acção, tal como delimitado pelo procedimento pré‑contencioso.
43 Tendo em conta estas considerações, devem ser rejeitados, na sua totalidade, os argumentos do Governo italiano relativamente à inadmissibilidade da acção.
Quanto ao mérito
44 A Comissão acusa a República Italiana, no pedido formulado na petição inicial, de não ter adoptado as disposições necessárias para dar cumprimento à directiva. Na réplica, respondendo aos argumentos do Governo italiano sobre este ponto, a Comissão acrescentou, «para ser exaustiva», que o direito interno em vigor não está, em qualquer caso, em conformidade com a directiva, designadamente porque não assegura a transposição adequada dos artigos 3.°, n.° 1, 5.°, n.° 2, 6.°, n.° 2, e 8.° a 12.° da directiva.
45 O referido governo admite que a lei que transpôs a directiva não foi adoptada no prazo fixado, pois o processo legislativo está ainda em curso. Considera, contudo, que, não tendo a Comissão feito prova, na petição inicial, da não conformidade do direito interno em vigor com a directiva, a acção deve ser julgada improcedente. Em qualquer caso, o Governo italiano considera que o seu direito interno das patentes está conforme com a directiva.
46 A título liminar, deve recordar‑se que, e tal não foi contestado, contrariamente à obrigação que lhe incumbe por força dos artigos 10.° CE e 15.° da directiva, o Governo italiano não informou a Comissão, quer no decurso do prazo de transposição quer no decurso do procedimento pré‑contencioso, das medidas de direito interno com as quais considerava ter procedido à transposição da directiva. Pelos motivos referidos no n.° 30, supra, é irrelevante, a este respeito, que a transposição alegada não tivesse de ser feita em virtude da conformidade do direito interno em vigor com a directiva.
47 Contudo, não tendo a presente acção por objecto o incumprimento do dever de informação, mas da obrigação de pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva, o simples facto de a República Italiana não ter informado a Comissão de que, segundo ela, a referida directiva já estava transposta pelo direito interno em vigor não é suficiente, contrariamente ao que parece sugerir a Comissão, para demonstrar o incumprimento alegado.
48 A este respeito, na medida em que as disposições de direito interno invocadas pelo Governo italiano estavam em vigor à data da expiração do prazo fixado no parecer fundamentado, elas devem ser levadas em conta pelo Tribunal de Justiça para apreciar a existência do incumprimento (v., neste sentido, acórdão de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos, C‑152/98, Colect., p. I‑3463, n.° 21).
49 Assim, tendo em conta o objecto da acção e para a apreciar de mérito, deve proceder‑se a uma comparação das disposições da directiva com as medidas legislativas, regulamentares e administrativas nacionais através das quais a República Italiana considera ter aplicado a referida directiva, para verificar se elas constituem uma transposição suficiente da mesma.
50 A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, os Estados‑Membros destinatários de uma directiva têm a obrigação de adoptar, na sua ordem jurídica interna, todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia da mesma, em conformidade com o objectivo por ela prosseguido (v., designadamente, acórdãos de 7 de Maio de 2002, Comissão/Suécia, C‑478/99, Colect., p. I‑4147, n.° 15, e de 26 de Junho de 2003, Comissão/França, C‑233/00, Colect., p. I‑6625, n.° 75).
51 Embora seja indispensável que a situação jurídica decorrente das medidas nacionais de transposição seja suficientemente precisa e clara para permitir aos particulares em causa conhecer a extensão dos seus direitos e obrigações, não deixa de ser verdade que, segundo os próprios termos do artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, os Estados‑Membros têm a faculdade de escolher a forma e os meios para aplicarem as directivas, que permitam assegurar o melhor possível o objectivo por aquelas prosseguido, decorrendo desta disposição que a transposição de uma directiva para o direito interno não exige necessariamente que todos os Estados‑Membros tenham de tomar uma iniciativa legislativa. Por isso, o Tribunal de Justiça tem decidido reiteradamente que nem sempre é exigida a reprodução formal das disposições de uma directiva numa norma legal expressa e específica, podendo o contexto jurídico geral ser suficiente para a execução de uma directiva, em função do conteúdo desta. Em especial, a existência de princípios gerais de direito constitucional ou administrativo pode tornar supérflua a transposição através de medidas legislativas ou regulamentares específicas, com a condição, porém, de que esses princípios garantam efectivamente a plena aplicação da directiva pela Administração nacional e de que, caso a disposição em causa da directiva vise criar direitos a favor dos particulares, a situação jurídica decorrente desses princípios seja suficientemente precisa e clara e que os seus beneficiários fiquem em condições de tomar conhecimento da plenitude dos seus direitos e, sendo esse o caso, de os invocarem nos órgãos jurisdicionais nacionais (v., designadamente, acórdãos de 23 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha, 29/84, Recueil, p. 1661, n.os 22 e 23, e de 26 de Junho de 2003, Comissão/França, já referido, n.° 76).
52 Por consequência, importa, em cada caso concreto, determinar a natureza da disposição prevista pela directiva, à qual se refere a acção por incumprimento, a fim de avaliar a amplitude da obrigação de transposição que incumbe aos Estados‑Membros (acórdão de 26 de Junho de 2003, Comissão/França, n.° 77).
53 É à luz destas considerações que se devem apreciar as diferentes acusações formuladas pela Comissão para demonstrar a transposição incompleta ou incorrecta da directiva.
Quanto à acusação relativa à violação do artigo 3.°, n.° 1, da directiva
54 A Comissão alega que a legislação italiana, em particular o artigo 12.° do Decreto real n.° 1127/39, não inclui nenhuma disposição sobre a possibilidade de se registar uma patente de uma invenção cujo objecto seja um produto composto por matéria biológica ou que a contenha.
55 Segundo o Governo italiano, o conceito de «invenção industrial» consagrado no artigo 12.° do Decreto real n.° 1127/39, tal como interpretado pela jurisprudência nacional, é porém suficientemente amplo para abranger as matérias biológicas.
56 A este respeito, deve recordar‑se que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da directiva, são patenteáveis as invenções novas que impliquem uma actividade inventiva e que sejam susceptíveis de aplicação industrial, mesmo quando incidam sobre um produto composto de matéria biológica ou que contenha matéria biológica, ou sobre um processo que permita produzir, tratar ou utilizar matéria biológica.
57 Decorre da própria letra da referida disposição que ela consagra um direito preciso à patenteabilidade das invenções que utilizem matéria biológica, impondo aos Estados‑Membros, como resulta do terceiro e do oitavo considerando da directiva, que o direito nacional das patentes seja adaptado ou completado, a fim de assegurar uma protecção eficaz e harmonizada das invenções biotecnológicas para preservar e incentivar os investimentos nesse domínio.
58 A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, ao obrigar os Estados‑Membros a proteger as invenções biotecnológicas através do seu direito nacional de patentes, a directiva tem efectivamente por objecto evitar que a unicidade do mercado interno seja prejudicada, o que poderia acontecer caso os Estados‑Membros decidissem unilateralmente atribuir ou recusar a referida protecção (acórdão de 9 de Outubro de 2001, Países Baixos/Parlamento e Conselho, C‑377/98, Colect., p. I‑7079, n.° 18). Ao fazê‑lo, a directiva visa, como resulta dos seus quarto a sexto considerandos, clarificar a protecção jurídica das invenções biotecnológicas num contexto caracterizado por divergências entre as legislações e práticas nacionais, com o risco de se acentuarem, designadamente, devido a interpretações jurisprudenciais nacionais.
59 Ora, no presente caso, não se contesta que o direito italiano das patentes não prevê expressamente a patenteabilidade das invenções que usam matéria biológica, limitando‑se o artigo 12.° do Decreto real n.° 1127/39, invocado pelo Governo italiano, a definir, de uma maneira geral, as condições da patenteabilidade de qualquer invenção.
60 Além disso, embora o Governo italiano alegue que os órgãos jurisdicionais nacionais interpretam de forma ampla o conceito de «invenção» consagrado no direito interno das patentes, não apresentou nenhuma decisão judicial que tenha consagrado a patenteabilidade de invenções que usem matéria biológica.
61 Nestas circunstâncias, verifica‑se que, apesar do objectivo de clarificação prosseguido pela directiva, permanece uma situação de incerteza relativamente à possibilidade de se protegerem as invenções biotecnológicas através do direito italiano das patentes.
62 Por consequência, deve concluir‑se que a acusação da Comissão relativa à violação do artigo 3.°, n.° 1, da directiva é procedente.
Quanto à acusação relativa à violação do artigo 5.°, n.° 2, da directiva
63 A Comissão alega que a legislação italiana não prevê a possibilidade de se patentear um elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico.
64 O Governo italiano considera que o artigo 13.° do Decreto real n.° 1127/39 é conforme com o artigo 5.°, n.° 2, da directiva. Aliás, segundo o Governo italiano, o único elemento normativo desta disposição consta da última parte da frase, segundo a qual uma sequência de um gene «pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural». Ora, tendo em conta o conceito amplo de «invenção» adoptado pela jurisprudência nacional, nunca foi excluída a patenteabilidade de uma reprodução artificial de um elemento presente na natureza.
65 A este respeito, deve recordar‑se que, por força do mesmo artigo 5.°, n.° 2, um elemento isolado do corpo humano ou produzido de outra forma por um processo técnico, incluindo a sequência ou a sequência parcial de um gene, pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura desse elemento seja idêntica à de um elemento natural.
66 Como declarou a este propósito o Tribunal de Justiça, os elementos do corpo humano não são, em si mesmos, patenteáveis e a sua descoberta não pode ser objecto de protecção. Só podem ser objecto de um pedido de patente as invenções que associem um elemento natural a um processo técnico que o permita isolar ou produzir com vista a uma aplicação industrial (acórdão Países Baixos/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 72).
67 Assim, como é referido nos vigésimo e vigésimo primeiro considerandos da directiva, um elemento isolado do corpo humano pode fazer parte de um produto susceptível de obter a protecção de uma patente, mas não pode, no seu ambiente natural, ser objecto de qualquer apropriação (acórdão Países Baixos/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 73).
68 Esta distinção aplica‑se no caso de trabalhos sobre a sequência ou a sequência parcial de genes humanos. O resultado destes trabalhos não pode levar à atribuição de uma patente, a não ser que o pedido seja acompanhado, por um lado, de uma descrição do método original de sequenciação que permitiu a invenção e, por outro lado, de uma exposição da aplicação industrial que constitui a finalidade dos trabalhos, como está previsto no artigo 5.°, n.° 3, da directiva. Na falta da referida aplicação, estamos não na presença de uma invenção, mas perante a descoberta de uma sequência de ADN que, enquanto tal, não é patenteável (acórdão Países Baixos/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 74).
69 Nestes termos, a protecção assegurada pela directiva refere‑se unicamente ao resultado de um trabalho inventivo, científico e técnico, e não abrange os dados biológicos existentes no estado natural no ser humano, a não ser na medida necessária à realização e à exploração de uma aplicação industrial particular (acórdão Países Baixos/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 75).
70 Daqui resulta que o artigo 5.°, n.° 2, da directiva visa conceder direitos precisos no que se refere à patenteabilidade de elementos do corpo humano. A este respeito, mesmo que esta disposição preveja a simples possibilidade de patenteabilidade, ela impõe aos Estados‑Membros, tal como decorre dos décimo sétimo a vigésimo considerandos da directiva, a obrigação de prever que o seu direito nacional das patentes não exclua a patenteabilidade de elementos isolados do corpo humano, a fim de encorajar a investigação com vista a obter e isolar tais elementos preciosos para a produção de medicamentos.
71 Ora, no caso concreto, é forçoso constatar que o direito italiano das patentes não prevê qualquer possibilidade de elementos isolados do corpo humano constituírem uma invenção patenteável. Em especial, contrariamente ao que sustenta o Governo italiano, o artigo 13.° do Decreto real n.° 1127/39 não inclui nenhuma disposição neste sentido.
72 Além disso, embora o referido governo alegue que os órgãos jurisdicionais nacionais fazem uma interpretação ampla do conceito de «invenção» do direito interno das marcas, não invoca nenhuma decisão judicial que tenha admitido a possibilidade de patentear elementos isolados do corpo humano.
73 Nestas circunstâncias, verifica‑se que, apesar do objectivo de clarificação prosseguido pela directiva, permanece um estado de incerteza quanto à possibilidade de proteger tais elementos pelo direito italiano das patentes.
74 Por consequência, há que constatar que a acusação da Comissão relativa à violação do artigo 5.°, n.° 2, da directiva é procedente.
Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 6.°, n.° 2, da directiva
75 A Comissão observa que a legislação italiana, em especial o artigo 13.° do Decreto real n.° 1127/39, não estabelece a não patenteabilidade de certos procedimentos específicos, como a clonagem de seres humanos e as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais. Quanto à Lei n.° 40, de 19 de Fevereiro de 2004, relativa à procriação medicamente assistida (GURI n.° 45, de 24 de Fevereiro de 2004, a seguir «Lei n.° 40/2004»), que proíbe as actividades materiais relativas aos embriões, não se refere à patenteabilidade das invenções.
76 O Governo italiano considera, por seu lado, que o artigo 13.° da Lei n.° 40/2004, lido em conjugação com o artigo 13.° do Decreto real n.° 1127/39, constitui uma aplicação suficiente dos princípios enunciados no artigo 6.°, n.° 2, da directiva, na medida em que essa lei qualifica a clonagem humana e a modificação da identidade genética do ser humano como práticas contrárias à ordem pública e aos bons costumes e, por conseguinte, exclui a sua patenteabilidade. Além disso, segundo o Governo italiano, o artigo 5.° do Código Civil estabelece a proibição dos actos de disposição do corpo humano, de forma que eventuais procedimentos com vista a modificar a identidade genética de um ser humano não podem beneficiar da protecção de uma patente no direito italiano.
77 Deve recordar‑se que, por força do artigo 6.°, n.° 2, da directiva, não são patenteáveis, nomeadamente, os processos de clonagem de seres humanos, os processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano, as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais, os processos de modificação da identidade genética dos animais que lhes possam causar sofrimentos sem utilidade médica substancial para o Homem ou para o animal, bem como os animais obtidos por esses processos.
78 Deve observar‑se que, contrariamente ao artigo 6.°, n.° 1, da directiva, que deixa às autoridades administrativas e judiciais dos Estados‑Membros uma larga margem de apreciação relativamente à exclusão da patenteabilidade das invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública e aos bons costumes, o n.° 2 do mesmo artigo não deixa aos Estados‑Membros qualquer margem de apreciação no que se refere à não patenteabilidade dos procedimentos e utilizações nele enumerados, pois esta disposição visa precisamente enquadrar a exclusão prevista no n.° 1 (v., neste sentido, acórdão Países Baixos/Parlamento e Conselho, já referido, n.os 37 a 39). A este respeito, resulta do quadragésimo considerando da directiva que a patenteabilidade dos processos de clonagem dos seres humanos deve ser excluída «inequivocamente», existindo um consenso na Comunidade sobre esta questão.
79 Daqui resulta que, ao excluir expressamente a patenteabilidade dos processos e utilizações nele citados, o artigo 6.°, n.° 2, da directiva pretende atribuir direitos precisos sobre esta questão.
80 Ora, deve concluir‑se que nem o artigo 13.° do Decreto real n.° 1127/39 nem o artigo 5.° do Código Civil prevêem expressamente que os processos e utilizações enumerados no artigo 6.°, n.° 2, da directiva não sejam patenteáveis, limitando‑se estas disposições, em termos gerais, a excluir, respectivamente, a patenteabilidade das invenções cuja exploração seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes e os actos de disposição do corpo humano.
81 Nestas circunstâncias, verifica‑se que, apesar do objectivo de clarificação prosseguido pela directiva, permanece um estado de incerteza quanto à patenteabilidade dos processos e utilizações em causa.
82 Esta incerteza constitui tanto mais uma violação da directiva quanto o seu artigo 6.°, n.° 1, precisa que a exploração comercial de uma invenção não pode ser considerada contrária à ordem pública e aos bons costumes pelo simples facto de ser proibida por uma disposição legal ou regulamentar. Como justamente observou o advogado‑geral no n.° 55 das suas conclusões, esta precisão deve ser interpretada no sentido de que exige a incorporação expressa do princípio da não patenteabilidade dos processos comerciais que impliquem intervenções em embriões humanos.
83 Quanto às disposições da Lei n.° 40/2004, é sabido que esta lei foi aprovada depois do prazo fixado no parecer fundamentado. Ora, segundo jurisprudência constante, no quadro de um procedimento instaurado em aplicação do artigo 226.° CE, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não podendo ser levadas em conta pelo Tribunal de Justiça as alterações posteriormente ocorridas (v., designadamente, acórdãos de 3 de Julho de 2001, Comissão/Bélgica, C‑378/98, Colect., p. I‑5107, n.° 25, e de 5 de Junho de 2003, Comissão/Grécia, C‑352/02, Colect., p. I‑5651, n.° 8).
84 Assim, deve concluir‑se que a acusação da Comissão relativa à violação do artigo 6.°, n.° 2, da directiva é procedente.
Quanto à acusação relativa à violação dos artigos 8.° a 11.° da directiva
85 A Comissão alega que a legislação italiana não inclui nenhuma disposição sobre o alcance da protecção conferida por uma patente de uma invenção biotecnológica, o que viola os artigos 8.° a 11.° da directiva.
86 O Governo italiano alega porém que o artigo 1.°bis do Decreto real n.° 1127/39 prevê uma protecção conferida pela patente tão ampla quanto a das citadas disposições da directiva, uma vez que estas se limitam a estender a protecção conferida pela patente de uma invenção biotecnológica às matérias resultantes directamente da aplicação do processo patenteado.
87 A este respeito, deve constatar‑se que os referidos artigos 8.° a 11.° visam manifestamente atribuir direitos precisos, uma vez que definem o âmbito da protecção conferida pelas patentes relativas às invenções biológicas.
88 Ora, no caso vertente, não prevendo o direito italiano das marcas, de forma explícita, a patenteabilidade das invenções biológicas, é indiscutível que tão‑pouco contém disposições que precisem o alcance da protecção conferida por uma patente relativa a esse tipo de invenção.
89 No que se refere ao artigo 1.°bis do Decreto real n.° 1127/39, deve constatar‑se que esta disposição se limita a definir, de uma maneira geral, os direitos conferidos pelas patentes sobre qualquer produto ou processo. Em contrapartida, esta disposição não menciona, contrariamente ao que está previsto nos artigos 8.° e 9.° da directiva, o alcance dos direitos conferidos especificamente pelos diferentes tipos de patentes previstos por estas disposições, ou seja, as patentes relativas à matéria biológica, as patentes relativas a um processo que permite produzir uma matéria biológica e as patentes relativas a um produto que contém uma informação genética ou que consiste nessa informação.
90 Assim, embora seja exacto, como sustenta o Governo italiano, que o artigo 1.°bis, n.° 1, alínea b), do Decreto real n.° 1127/39 prevê que uma patente sobre um processo confere ao seu titular o direito de proibir a terceiros a utilização do produto directamente obtido através desse processo, é forçoso concluir que esta disposição não prevê, como exige o artigo 8.°, n.° 2, da directiva, que a protecção conferida por uma patente relativa a um processo que permite produzir uma matéria biológica dotada, em virtude da invenção, de determinadas propriedades se estenda à matéria biológica directamente obtida por esse processo e a qualquer outra matéria biológica obtida por reprodução ou multiplicação, sob forma idêntica ou diferente, e dotada destas mesmas propriedades.
91 Além disso, o direito italiano das patentes não prevê, contrariamente às disposições dos artigos 8.°, n.° 1, e 9.° da directiva, que a protecção conferida por uma patente relativa à matéria biológica, por um lado, e por uma patente relativa a um produto que contenha uma informação genética ou que consista nessa informação, por outro, se estenda, respectivamente, a qualquer matéria biológica obtida a partir dessa matéria biológica por reprodução ou multiplicação e a qualquer matéria em que o produto esteja incorporado e em que a informação genética exerça a sua função.
92 Além disso, o artigo 1.°bis do Decreto real n.° 1127/93 não inclui nenhuma das restrições e derrogações previstas nos artigos 10.° e 11.° da directiva.
93 Nestas circunstâncias, verifica‑se que, apesar do objectivo de clarificação prosseguido pela directiva, permanece um estado de incerteza quanto ao âmbito exacto da protecção conferida por uma patente relativa a uma invenção biológica.
94 Por isso, deve constatar‑se que a acusação da Comissão relativa à violação dos artigos 8.° a 11.° da directiva é procedente.
Quanto à acusação relativa à violação do artigo 12.° da directiva
95 A Comissão sustenta que o artigo 54.° do Decreto real n.° 1127/39, que prevê a concessão de licenças obrigatórias, não toma em consideração os casos em que exista uma relação de dependência entre uma patente de uma invenção biotecnológica e um regime de protecção das obtenções vegetais.
96 O Governo italiano, por seu lado, salienta que, na hipótese referida no artigo 12.° da directiva, as autoridades italianas não dispõem, na prática, não obstante o emprego da expressão «pode ser concedido» no referido artigo 54.°, de nenhuma margem de apreciação e estão obrigadas a conceder a licença obrigatória pedida.
97 Deve recordar‑se que, por força do artigo 12.° da directiva, pode ser pedida uma licença obrigatória não exclusiva pelo titular de um direito de obtenção vegetal relativamente a uma patente anterior, por um lado, e pelo titular de uma patente relativa a uma invenção biotecnológica sobre um direito de obtenção vegetal anterior, por outro, quando a exploração dos seus direitos, respectivamente, de obtenção vegetal e de patente, afecte esses direitos anteriores.
98 É manifesto que essa disposição, que prevê a concessão de uma licença obrigatória para a exploração de uma invenção protegida por uma patente ou por um direito de obtenção vegetal, visa conferir direitos precisos a esse respeito.
99 Ora, é forçoso concluir que, embora o artigo 54.°, n.° 2, do Decreto real n.° 1127/39 preveja a concessão de uma licença obrigatória quando a invenção protegida por uma patente não puder ser utilizada sem afectar os direitos decorrentes de uma patente anterior, não prevê, à semelhança do que exigem as disposições do artigo 12.°, n.os 1 e 2, da directiva, a concessão dessa licença em caso de dependência entre uma patente de uma invenção biotecnológica e um direito de obtenção vegetal. Além disso, o mesmo artigo 54.°, n.° 2, não impõe ao requerente da licença obrigatória o pagamento de uma remuneração adequada, como exigem os n.os 1 e 2 do referido artigo 12.°, nem a obrigação de se terem dirigido, sem êxito, ao titular da patente ou do direito de obtenção vegetal para obterem uma licença contratual, como prevê o n.° 3 do mesmo artigo.
100 Nestas condições, há que concluir que a acusação da Comissão relativa à violação do artigo 12.° da directiva é procedente.
Quanto à acusação relativa à não transposição das outras disposições da directiva
101 Deve salientar‑se que, apesar das acusações específicas suscitadas pela Comissão na réplica, relativas à violação pela República Italiana de algumas disposições da directiva, a Comissão não modificou o objecto inicial do seu pedido, que visa, em substância, obter a declaração de que o Estado‑Membro não transpôs a directiva na sua totalidade.
102 Ora, a este respeito, deve recordar‑se que, segundo a jurisprudência, no quadro de uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado, sem se poder basear em presunções (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, de 25 de Março de 1982, Comissão/Países Baixos, n.° 6; de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Países Baixos, n.° 15; e Comissão/Portugal, n.° 80).
103 Por conseguinte, a partir do momento em que o Governo italiano alegou na contestação que o seu direito interno em vigor era conforme com a directiva, cabia à Comissão, para demonstrar a falta absoluta de transposição da directiva, fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para a apreciação, por este, da existência de tal incumprimento.
104 É forçoso, todavia, constatar que, na réplica, a Comissão só fornece esses elementos no que se refere aos artigos 3.°, n.° 1, 5.°, n.° 2, 6.°, n.° 2, e 8.° a 12.° da directiva, que foram objecto das acusações acima analisadas, mas não no que se refere ao conjunto das outras disposições da mesma.
105 Ora, contrariamente ao que parece sugerir a Comissão, a simples circunstância de algumas disposições da directiva, invocadas a título de exemplo, não poderem ser consideradas como tendo sido correctamente transpostas pelo direito interno em vigor não significa que as outras disposições desta directiva não possam, por seu lado, ser consideradas como tendo sido correctamente transpostas pelo mesmo direito interno.
106 Nestas condições, não tendo a Comissão fornecido nenhum elemento de prova a esse respeito, deve julgar‑se improcedente o pedido de declaração do incumprimento da República Italiana por falta absoluta de transposição da directiva.
107 Por todo o exposto, deve declarar‑se que, não tendo adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento aos artigos 3.°, n.° 1, 5.°, n.° 2, 6.°, n.° 2, e 8.° a 12.° da directiva, a República Italiana faltou às obrigações que lhe incumbem por força do artigo 15.° da mesma.
108 Julga‑se a acção improcedente quanto ao restante.
Quanto às despesas
109 Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.
110 Segundo o artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma suporte as suas próprias despesas. Contudo, nos termos do segundo parágrafo deste artigo, o Tribunal pode igualmente condenar a parte, mesmo vencedora, a pagar à outra parte as despesas em que a tenha feito incorrer e que o Tribunal considere inúteis ou vexatórias.
111 No caso vertente, deve salientar‑se que a Comissão foi parcialmente vencida na parte em que pedia a declaração de que a República Italiana não transpôs, em absoluto, a directiva.
112 Nestas condições, não tendo a República Italiana pedido a condenação da Comissão nas despesas, deve ser condenada a suportar as suas próprias despesas.
113 No que se refere às despesas da Comissão, deve constatar‑se que, tendo‑se a República Italiana recusado a prestar todas as informações úteis relativamente às disposições do direito interno através das quais considerava ter cumprido as diferentes obrigações que lhe são impostas pela directiva, a Comissão não deve ser penalizada por ter intentado uma acção por incumprimento para obter a declaração da falta absoluta de transposição, em vez de transposição incompleta ou incorrecta de algumas disposições da directiva.
114 Por outro lado, deve observar‑se que, ao não permitir à Comissão analisar a conformidade do direito interno com as disposições da directiva no decurso do procedimento pré‑contencioso, a República Italiana obrigou‑a igualmente a empregar recursos para esse fim no âmbito do processo contencioso, frustrando assim, como justamente salientou o advogado‑geral no n.° 67 das suas conclusões, o desenrolar normal do processo, através de uma estratégia processual esquiva.
115 Em consequência, a República Italiana deve ser condenada no pagamento da totalidade das despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:
1) Não tendo adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento aos artigos 3.°, n.° 1, 5.°, n.° 2, 6.°, n.° 2, e 8.° a 12.° da Directiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, a República Italiana faltou às obrigações que lhe incumbem por força do artigo 15.° da mesma.
2) Na parte restante, a acção é julgada improcedente.
3) A República Italiana é condenada na totalidade das despesas.
Assinaturas
* Língua do processo: italiano.