Processo C‑240/03 P

Comunità montana della Valnerina

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – FEOGA – Supressão de uma contribuição financeira – Artigo 24.° do Regulamento (CEE) n.° 4253/88 – Princípio da proporcionalidade – Fundamentação – Direitos de defesa – Recurso subordinado – Designação de dois responsáveis pela execução de um projecto – Pedido de reembolso da totalidade da contribuição a um só deles – Poder discricionário da Comissão − Limites objectivos do litígio no Tribunal de Primeira Instância»

Conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas em 3 de Março de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 19 de Janeiro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Coesão económica e social – Intervenções estruturais – Financiamento comunitário – Decisão de supressão de uma contribuição financeira devido a irregularidades – Poderes da Comissão

(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°, n.° 2)

2.     Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Apreciação errada dos factos – Inadmissibilidade – Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova – Exclusão salvo em caso de desvirtuação

(Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo)

3.     Coesão económica e social – Intervenções estruturais – Financiamento comunitário – Decisão de suspensão, de redução e de supressão de uma contribuição financeira devido a irregularidades

(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°, n.° 2)

4.     Coesão económica e social – Intervenções estruturais – Financiamento comunitário – Obrigação de informação que incumbe aos beneficiários de uma contribuição financeira – Alcance

(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°)

5.     Coesão económica e social – Intervenções estruturais – Financiamento comunitário – Obrigações financeiras do beneficiário definidas na decisão de atribuição da contribuição

(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°)

6.     Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Simples repetição dos fundamentos e argumentos submetidos ao Tribunal de Primeira Instância – Inadmissibilidade – Contestação da interpretação ou da aplicação do direito comunitário feita pelo Tribunal de Primeira Instância – Admissibilidade

[Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 112.°, n.° 1, alínea c)]

7.     Coesão económica e social – Intervenções estruturais – Financiamento comunitário – Decisão de supressão de uma contribuição financeira devido a irregularidades – Poder da Comissão de exigir o reembolso da contribuição – Condição

(Regulamento n.° 4253/88 do Conselho, artigo 24.°)

1.     O artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro, na redacção dada pelo Regulamento n.° 2082/93, autoriza a Comissão a pedir a supressão total de uma contribuição financeira comunitária. O facto de limitar as possibilidades da Comissão a uma redução da mencionada contribuição somente em proporção do montante a que se referem as irregularidades verificadas conduziria ao favorecimento da fraude por parte dos requerentes de contribuições financeiras, uma vez que só se arriscariam à perda das somas indevidas.

(cf. n.° 53)

2.     O Tribunal de Primeira Instância é o único competente, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de uma inexactidão material das suas conclusões resultar dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos. A apreciação dos factos não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação dos elementos que lhe foram submetidos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

(cf. n.° 63)

3.     Segundo um princípio fundamental que rege os auxílios comunitários, a Comunidade só pode subvencionar despesas efectivamente realizadas. A imputação a um projecto de despesas que não foram, na realidade, suportadas para a sua realização prejudica gravemente este princípio e pode, portanto, considerar‑se uma irregularidade, na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, na redacção dada pelo Regulamento n.° 2082/93, que autoriza a Comissão a reduzir, suspender ou suprimir uma contribuição financeira quando o exame da acção ou da medida relativamente à qual a contribuição foi atribuída confirmar a existência de uma irregularidade.

(cf. n.° 69)

4.     Assim, para que a Comissão possa exercer um papel de controlo, os beneficiários de contribuições financeiras comunitárias devem poder demonstrar a realidade dos custos imputados a projectos para os quais tais contribuições foram concedidas. Assim, o fornecimento pelos requerentes e beneficiários das referidas contribuições de informações fiáveis é indispensável ao bom funcionamento do sistema de controlo e de prova instituído para verificar se as condições de concessão dessas contribuições estão preenchidas.

Do mesmo modo, as medidas de supressão da contribuição financeira e de repetição do indevido, previstas no artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, na redacção dada pelo Regulamento n.° 2082/93, estão reservadas aos incumprimentos que comprometam a realização do projecto em causa ou comportem uma alteração importante que afecte a natureza e a própria existência desse projecto. Logo, não pode ser sustentado que as sanções previstas pela referida disposição só podem ser aplicadas no caso de a acção financiada não ter sido realizada no todo ou em parte.

Daqui resulta que não basta demonstrar que um projecto foi realizado para justificar a atribuição de uma subvenção específica. O beneficiário do auxílio deve, pelo contrário, fazer a prova de que efectuou as despesas em questão de acordo com as condições fixadas para a concessão da contribuição em causa.

(cf. n.os 76-78)

5.     No sistema de atribuição de contribuições dos fundos estruturais e de fiscalização das acções subvencionadas instituído pelo Regulamento n.° 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, na redacção dada pelo Regulamento n.° 2082/93, a obrigação de respeitar as condições financeiras referidas numa decisão de concessão de uma subvenção comunitária da Comissão constitui, assim como a obrigação de execução material do projecto a que respeita a ajuda, um dos compromissos essenciais do beneficiário e, por esse facto, condiciona a atribuição da contribuição financeira.

(cf. n.° 86)

6.     Não respeita as exigências de fundamentação resultantes dos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo um recurso que se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já alegados no Tribunal de Primeira Instância, incluindo os que se baseavam em factos expressamente julgados não provados por esse órgão jurisdicional. Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reanálise da petição apresentada na primeira instância, o que está fora da competência do Tribunal de Justiça.

Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito comunitário feita pelo Tribunal de Primeira Instância, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas em sede de recurso para o Tribunal de Justiça. Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal de Primeira Instância, o processo de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância ficaria privado de uma parte do seu sentido.

(cf. n.os 105-107)

7.     No âmbito de uma decisão de supressão de uma contribuição dos fundos estruturais com base no artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, na redacção dada pelo Regulamento n.° 2082/93, a Comissão não é obrigada a exigir o reembolso da integralidade da contribuição financeira, mas dispõe de um poder discricionário que lhe permite apreciar se deve ou não exigir esse reembolso e, eventualmente, em que proporção. Atendendo ao princípio da proporcionalidade, a Comissão tem de exercer este poder discricionário de modo que a exigência de reembolso das contribuições não seja desproporcionada em relação às irregularidades. No entanto, a Comissão não tem de se limitar a pedir a restituição apenas das subvenções que se revelaram injustificadas devido às referidas irregularidades. Pelo contrário, a fim de assegurar uma gestão eficaz dos auxílios comunitários e de dissuadir os comportamentos fraudulentos, pode justificar-se o pedido de restituição de subvenções apenas em parte afectadas pelas irregularidades. Importa recordar a este respeito que à violação das obrigações cujo respeito assuma importância fundamental para o bom funcionamento de um sistema comunitário pode ser aplicada a sanção da perda de um direito proporcionado pela regulamentação comunitária, tal como o direito a uma ajuda.

(cf. n.os 140‑143)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de Janeiro de 2006 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – FEOGA – Supressão de uma contribuição financeira – Artigo 24.° do Regulamento (CEE) n.° 4253/88 – Princípio da proporcionalidade – Fundamentação – Direitos de defesa – Recurso subordinado – Designação de dois responsáveis pela execução de um projecto – Pedido de reembolso da totalidade da contribuição a um só deles – Poder discricionário da Comissão − Limites objectivos do litígio no Tribunal de Primeira Instância»

No processo C‑240/03 P,

que tem por objecto um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 28 de Maio de 2003,

Comunità montana della Valnerina, representada por P. De Caterini, E. Cappelli e A. Bandini, avvocati, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Cattabriga e L. Visaggio, na qualidade de agentes, assistidos por A. Dal Ferro, avocatto, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Aiello, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. Malenovský, S. von Bahr, A. Borg Barthet e A. Ó Caoimh (relator), juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 3 de Março de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       No seu recurso, a Comunità montana della Valnerina (a seguir «CMV») pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 13 de Março de 2003, Comunità montana della Valnerina/Comissão (T‑340/00, Colect., p. II‑811, a seguir «acórdão recorrido»), na medida em que julgou parcialmente improcedente o seu recurso de anulação da Decisão C (2000) 2388 da Comissão das Comunidades Europeias, de 14 de Agosto de 2000, que suprime a contribuição financeira do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), secção «Orientação», que lhe tinha sido concedida pela Decisão C (93) 3182 da Comissão, de 10 de Novembro de 1993 (a seguir, respectivamente, «decisão de supressão» e «decisão de concessão»), no quadro de um projecto‑piloto e de demonstração nas áreas silvi‑agro‑alimentares em zonas marginais de colinas (a seguir «projecto»).

I –  Quadro jurídico

2       Em 24 de Junho de 1988, o Conselho das Comunidades Europeias adoptou o Regulamento (CEE) n.° 2052/88, relativo às missões dos fundos com finalidade estrutural, à sua eficácia e à coordenação das suas intervenções, entre si, com as intervenções do Banco Europeu de Investimento e com as dos outros instrumentos financeiros existentes (JO L 185, p. 9).

3       Os artigos 14.° a 16.° do Regulamento (CEE) n.° 4253/88 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1988, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro (JO L 374, p. 1), na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2082/93 do Conselho, de 20 de Julho de 1993 (JO L 193, p. 20, a seguir «Regulamento n.° 4253/88»), contêm as disposições relativas à apreciação dos pedidos de contribuição financeira dos fundos estruturais, as condições de elegibilidade para estas contribuições e certas disposições específicas.

4       O Regulamento n.° 4253/88 contém também, no artigo 21.°, as disposições relativas ao pagamento da referida contribuição financeira, no artigo 23.°, as relativas ao controlo financeiro e, no artigo 24.°, as que tratam da redução e da suspensão dessa mesma contribuição.

5       A este respeito, o artigo 24.° desse regulamento dispõe:

«1.      Se a realização de uma acção ou de uma medida parecer não justificar, nem em parte nem na totalidade, a contribuição financeira que lhe foi atribuída, a Comissão procederá a uma análise adequada do caso no âmbito da parceria, solicitando nomeadamente ao Estado‑Membro ou às autoridades por ele designadas para a execução da acção que apresentem as suas observações num determinado prazo.

2.      Após essa análise, a Comissão poderá reduzir ou suspender a contribuição para a acção ou para a medida em causa se a análise confirmar a existência de uma irregularidade ou de uma alteração importante que afecte a natureza ou as condições de execução da acção ou da medida, e para a qual não tenha sido solicitada a aprovação da Comissão.

3.      Qualquer verba que dê lugar a reposição deve ser devolvida à Comissão. As verbas não devolvidas são acrescidas de juros de mora, em conformidade com as disposições do Regulamento Financeiro e segundo as regras a adoptar pela Comissão, de acordo com os processos referidos no título VIII.»

II –  Factos na origem do litígio

6       Os factos na origem do litígio, como resultam dos n.os 7 a 30 do acórdão recorrido, podem ser resumidos como segue.

7       Em Junho de 1993, a CMV apresentou à Comissão um pedido de financiamento do projecto.

8       O objectivo geral do projecto era a realização e a demonstração a título experimental de duas áreas silvi‑agro‑alimentares, uma pela CMV na Valnerina (Itália) e outra pela associação Route des Senteurs (a seguir «RDS») na Drôme provençale (França), com a finalidade de criar e de desenvolver actividades alternativas, como o turismo rural, paralelamente às actividades agrícolas habituais.

9       Nos termos do artigo 1.°, segundo parágrafo, da decisão de concessão, a CMV e a RDS eram as «responsáveis» pelo projecto. Segundo o artigo 2.° dessa decisão, o período de realização do projecto foi fixado em 30 meses, ou seja, de 1 de Outubro de 1993 a 31 de Março de 1996. Nos termos do artigo 3.°, primeiro parágrafo, da referida decisão, o custo total elegível do projecto era de 1 817 117 ecus e a contribuição financeira máxima da Comunidade foi fixada em 908 558 ecus. Segundo o artigo 5.° dessa decisão, quer a CMV quer a RDS eram «destinatários da […] decisão».

10     O anexo I da decisão de concessão continha uma descrição do projecto. No ponto 5 desse anexo, a CMV era designada como a «beneficiária» da contribuição financeira e a RDS como «a outra responsável [pel]o projecto». No ponto 8 desse mesmo anexo figurava um plano financeiro do projecto com uma repartição dos custos atribuídos às diferentes acções do mesmo projecto. Estas acções e os custos a elas correspondentes eram divididos em quatro partes, devendo a CMV e a RDS realizar cada uma as acções previstas em duas dessas quatro partes.

11     O anexo II da decisão de concessão fixava as condições financeiras relativas à concessão da contribuição. Em especial, era precisado no ponto 1 que, se o beneficiário da contribuição financeira pretendesse modificar substancialmente as operações descritas no anexo I, devia informar previamente desse facto a Comissão e obter o seu acordo. Em conformidade com o ponto 2 desse anexo II, o benefício da concessão da contribuição era subordinado à realização de todas as operações indicadas no anexo I da decisão de concessão. Além disso, o ponto 4 do anexo II previa que a contribuição financeira fosse paga directamente à CMV enquanto sua beneficiária, que se devia encarregar de pagar à RDS os montantes a que tinha direito. Segundo o ponto 5 do mesmo anexo, a Comissão era autorizada, para a verificação das informações financeiras relativas às diferentes despesas, a pedir para examinar qualquer documento justificativo original ou a sua cópia autenticada e a proceder a esse exame directamente no local ou a pedir o envio dos documentos em questão. Por força do ponto 6 do anexo II da decisão de concessão, o referido beneficiário devia conservar à disposição da Comissão, durante cinco anos a contar do seu último pagamento, todos os originais dos documentos comprovativos das despesas efectuadas. De acordo com o ponto 7 desse anexo, a Comissão podia, a todo o momento, pedir ao beneficiário da referida contribuição que lhe enviasse relatórios relativos ao estado de adiantamento das obras e/ou aos resultados técnicos obtidos e, segundo o ponto 8 do referido anexo, o mesmo beneficiário devia manter à disposição da Comunidade os resultados obtidos graças à realização do projecto, sem que isso desse origem a pagamentos complementares. Por último, no ponto 10 desse anexo II, era essencialmente determinado que, se uma das condições mencionadas neste anexo não fosse respeitada ou se fossem realizadas acções não previstas no anexo I, a Comissão podia suspender, reduzir ou anular a contribuição e exigir a reposição dos montantes pagos, caso em que o beneficiário tinha a faculdade de apresentar previamente as suas observações num prazo fixado pela Comissão.

12     Em 1993 e em 1995, a Comissão pagou à CMV dois adiantamentos correspondentes a cerca de 40% e 30% da contribuição comunitária do projecto. A CMV pagou, por sua vez, à RDS os montantes correspondentes aos custos das acções do projecto que deviam ser realizadas por esta última.

13     Em Dezembro de 1994 e em Junho de 1997, a CMV enviou à Comissão, respectivamente, um primeiro relatório sobre o estado de adiantamento do projecto e às despesas já efectuadas relativamente a cada uma das acções previstas, assim como um relatório final relativo à execução do projecto. Nesses relatórios, a CMV, nomeadamente, certificou que dispunha das provas de pagamento correspondentes às despesas efectuadas, por um lado, e que as acções já realizadas estavam em conformidade com as descritas no anexo I da decisão de concessão, por outro.

14     Em 12 de Agosto de 1997, a Comissão comunicou à CMV que tinha iniciado uma operação geral de verificação técnica e contabilística de todos os projectos financiados nos termos do artigo 8.° do Regulamento (CEE) n.° 4256/88 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1988, que estabelece disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2052/88 no que respeita ao FEOGA, Secção Orientação (JO L 374, p. 25), na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2085/93 do Conselho, de 20 de Julho de 1993 (JO L 193, p. 44), incluindo o projecto. Convidou a CMV a apresentar, em conformidade com o ponto 5 do anexo II da decisão de concessão, uma lista de todos os documentos comprovativos relativos às despesas elegíveis que tinham sido efectuadas no quadro da execução do projecto, bem como uma cópia autenticada do original de cada um desses comprovativos.

15     Depois de ter recebido certos documentos enviados pela CMV, a Comissão informou‑a, por carta de 6 de Março de 1998, da sua intenção de proceder a um controlo no local relativo à realização do projecto, controlo que decorreu, no que diz respeito à CMV, de 23 a 25 de Março de 1998 e, no que diz respeito à RDS, de 4 a 6 de Maio de 1998.

16     Por ofício de 22 de Março de 1999, a Comissão informou a CMV de que, em conformidade com o artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88, tinha procedido a uma apreciação da contribuição financeira relativa ao projecto e que, demonstrando essa apreciação elementos susceptíveis de constituírem irregularidades, tinha decidido dar início ao processo previsto no mencionado artigo 24.° e no ponto 10 do anexo II da decisão de concessão. Nesse ofício, de que a Comissão enviou cópia à RDS, precisou esses diferentes elementos, especificamente no respeitante às acções que estavam a cargo, por um lado, da CMV e, por outro, da RDS.

17     Pela decisão de supressão, dirigida à República Italiana e à CMV e notificada a esta última em 21 de Agosto de 2000, a Comissão, nos termos do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, suprimiu a contribuição financeira concedida a título do projecto e pediu à CMV o reembolso da totalidade do montante já pago.

18     No nono considerando da decisão de supressão, a Comissão enumerou uma série de irregularidades na acepção do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88. Essas irregularidades eram relativas, por um lado, a acções realizadas pela RDS e, por outro, a acções da CMV.

19     Por cartas de 14 de Setembro e 2 de Outubro de 2000, a CMV pediu à RDS a restituição dos montantes que lhe tinham sido pagos para a realização do projecto. Na sua resposta de 20 de Outubro de 2000 a este pedido, a RDS indicou, essencialmente, que, em sua opinião, a decisão impugnada era injustificada.

III –  Processo no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

20     Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Novembro de 2000, a CMV interpôs recurso de anulação.

21     A recorrente invocou quatro fundamentos de recurso. O primeiro era relativo à violação dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, uma vez que a Comissão não limitou o seu pedido de reembolso da contribuição aos montantes correspondentes à parte do projecto que, nos termos da decisão de concessão, devia ser realizada pela CMV. O segundo fundamento baseava‑se nos erros cometidos pela Comissão ao declarar as várias irregularidades que afectavam a realização da parte do projecto a cargo da própria CMV e nas violações do dever de fundamentação e dos direitos de defesa. O terceiro fundamento era relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, já que a Comissão pediu o reembolso da totalidade da contribuição concedida para a realização de acções pela CMV. Por fim, no quarto fundamento invocou um desvio de poder. A CMV pediu ao Tribunal de Primeira Instância que anulasse a decisão de supressão e que condenasse a Comissão nas despesas.

22     A República Italiana interveio no processo no Tribunal de Primeira Instância em apoio da CMV.

23     Resulta dos autos no Tribunal de Justiça que, no decurso do processo no Tribunal de Primeira Instância, a RDS entrou em liquidação.

24     No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão de supressão na medida em que a Comissão não limitou o seu pedido de reembolso da contribuição aos montantes correspondentes à parte do projecto que, nos termos da decisão de concessão, devia ser realizada pela própria CMV.

25     O Tribunal de Primeira Instância indicou, a este respeito, que a Comissão tinha efectivamente a faculdade de designar um responsável principal, a quem incumbia restituir, em caso de irregularidade, a totalidade dos montantes pagos. No entanto, segundo este Tribunal, há que ter em conta que uma eventual obrigação de reposição de uma contribuição financeira pode originar consequências graves para as partes envolvidas. Assim, o princípio da segurança jurídica exigia que o direito aplicável à execução do contrato fosse suficientemente claro e preciso a fim de as partes poderem conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e tomar as suas disposições em consequência, ou seja, no presente contexto, chegar a um acordo, antes da concessão da contribuição financeira, sobre os instrumentos adequados de direito privado que permitissem proteger os seus interesses financeiros uma em relação à outra. A decisão de concessão não tinha, contudo, no presente processo, sido formulada de um modo suficientemente claro para que a CMV pudesse considerar‑se a única responsável no que respeita à restituição dos adiantamentos. Por isso, o pedido de restituição da totalidade dos montantes pagos, enviado à CMV, constituía uma violação do princípio da proporcionalidade.

26     O Tribunal de Primeira Instância julgou o recurso improcedente quanto ao mais e condenou cada parte a suportar as suas próprias despesas. Considerou que a Comissão tinha impugnado validamente os documentos comprovativos dos custos apresentados pela CMV e que podia, pois, exigir o reembolso da parte dos adiantamentos pagos a esta última.

IV –  Tramitação no Tribunal de Justiça

27     Em 28 de Maio de 2003, a CMV interpôs um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância no Tribunal de Justiça.

28     Em 22 de Agosto de 2003, a Comissão, na sua resposta, interpôs recurso subordinado.

29     A República Italiana não apresentou observações no âmbito do presente recurso.

V –  Pedidos dos recursos principal e subordinado

30     A CMV conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–       anular o acórdão recorrido, na medida em que confirma a decisão de supressão, decidindo definitivamente a causa e anulando integralmente essa decisão, e

–       condenar a Comissão nas despesas.

31     A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–       negar provimento ao recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância da CMV;

–       por via do recurso subordinado, anular o acórdão recorrido na parte em que anula a decisão de supressão «na medida em que a Comissão não limitou o seu pedido de reembolso da contribuição aos montantes correspondentes à parte do projecto que, nos termos da decisão de concessão, devia ser realizada pela própria [CMV]», e

–       condenar a CMV nas despesas.

VI –  Quanto ao recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância

32     Há que examinar o recurso subordinado antes do recurso principal.

A –  Quanto ao recurso subordinado

33     A Comissão invoca dois fundamentos de recurso.

1.     Quanto ao primeiro fundamento do recurso subordinado

a)     Argumentação das partes

34     Segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância aplicou erradamente o princípio da proporcionalidade num contexto em que a Comissão, nos termos de uma interpretação correcta da decisão de concessão, não dispunha de qualquer poder discricionário. A Comissão considera que, segundo essa decisão, o «beneficiário» da contribuição em causa era a CMV, sendo a RDS, simplesmente, o outro organismo encarregado de executar o projecto. A referida decisão impunha que a Comissão, em certas circunstâncias, recuperasse a totalidade da referida contribuição, exigindo‑a apenas à CMV. Uma tentativa de recuperação junto da RDS teria sido, portanto, ilegal. A análise da decisão de concessão por parte do Tribunal de Primeira Instância está errada porque, ainda que este tenha examinado algumas disposições dessa decisão, analisou cada uma delas isoladamente, quando também era imprescindível um exame global dessas disposições.

35     A CMV considera que o teor das disposições do anexo II da decisão de concessão, consideradas separada ou globalmente, não é susceptível de oferecer às partes interessadas um quadro inequívoco e suficientemente claro das respectivas obrigações e responsabilidades. Por outro lado, não é de todo plausível que a Comissão, nos termos da referida decisão, tenha de agir apenas contra a CMV.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

36     Como o Tribunal de Primeira Instância correctamente indicou no n.° 52 do acórdão recorrido, em caso de concessão de uma contribuição financeira a título de um projecto cuja realização incumbe a várias partes, a regulamentação aplicável não especifica a qual das partes a Comissão pode ou deve pedir o reembolso da referida contribuição no caso de irregularidades cometidas na execução desse projecto por uma ou várias dessas partes.

37     Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância analisou, nos n.os 54 a 64 do acórdão recorrido, se, tendo em conta as consequências graves de uma eventual obrigação de reembolso de uma contribuição financeira pela partes em causa, os termos da decisão de concessão e dos seus anexos eram suficientemente claros e precisos, de modo que a CMV, enquanto operadora prudente e avisada, devesse necessariamente saber que, em caso de irregularidades de execução do projecto, independentemente de serem imputáveis à RDS ou a ela própria, era a única parte financeiramente responsável perante a Comunidade pela totalidade da contribuição concedida.

38     Uma vez que, na sua apreciação dos direitos e obrigações de cada parte resultante da decisão de concessão, o Tribunal de Primeira Instância examinou, de maneira aprofundada, se a Comissão podia pedir, com este fundamento, apenas à CMV o reembolso da contribuição financeira em causa que tinha sido concedida para as acções realizadas por ela e pela RDS, os argumentos da Comissão destinados a demonstrar que esta ou aquela disposição da decisão de concessão teria sido tida em conta de modo insuficiente ou isolado pelo Tribunal não podem ser acolhidos.

39     Com efeito, como a advogada‑geral observou nos n.os 48 e 49 das suas conclusões, o Tribunal de Primeira Instância expõe de maneira convincente, nos n.os 58 a 64 do acórdão recorrido, que a decisão de concessão, no seu conjunto, não é suficientemente clara e precisa para levar a CMV a assumir sozinha a responsabilidade financeira perante a Comunidade em caso de irregularidades na execução do projecto. Resulta destes números do acórdão recorrido, por um lado, que o Tribunal examinou juridicamente todos os argumentos da Comissão relativos à interpretação da decisão de concessão e, por outro, contrariamente ao que a Comissão defende, que examinou as disposições pertinentes do anexo II da decisão de concessão no âmbito de um exame global dessa decisão, anexos incluídos.

40     Tendo em conta o exposto, há, portanto, que rejeitar o primeiro fundamento do recurso subordinado.

2.     Quanto ao segundo fundamento do recurso subordinado

a)     Argumentação das partes

41     A Comissão defende que o Tribunal de Primeira Instância, ao decidir com base numa sanção a uma alegada violação do princípio da proporcionalidade, censurou na realidade uma alegada infracção ao princípio da segurança jurídica cometida aquando da adopção da decisão de concessão. Ultrapassou, pois, os limites objectivos do litígio nele pendente.

42     A CMV afirma que o Tribunal de Primeira Instância de modo algum pretendeu censurar a decisão de concessão.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

43     Importa recordar antes de mais que não podendo o juiz do contencioso comunitário de anulação decidir ultra petita (v. acórdãos de 14 de Dezembro de 1962, Meroni/Alta Autoridade, 46/59 e 47/59, Recueil, pp. 783 e 801, Colect. 1962‑1964, p. 143, e de 28 de Junho de 1972, Jamet/Comissão, 37/71, Recueil, p. 483, Colect., p. 169, n.° 12), a anulação proferida não pode exceder a pedida pelo recorrente (acórdão de 14 de Setembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., C‑310/97 P, Colect., p. I‑5363, n.° 52).

44     Ora, resulta dos n.os 55 a 65 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância se limitou a verificar se a decisão de concessão era suficientemente clara e precisa, de modo a que a CMV devesse necessariamente saber que, em caso de irregularidades na execução do projecto, independentemente de serem imputáveis à RDS ou a si própria, seria a única parte financeiramente responsável perante a Comunidade pela totalidade da contribuição financeira concedida.

45     Assim, no n.° 65 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considera que a decisão de supressão, que exige apenas à CMV o reembolso integral da referida contribuição, independentemente da investigação do responsável efectivo e material das irregularidades verificadas na realização do projecto, constitui uma medida desproporcionada em relação aos inconvenientes causados à CMV pelo pedido de reembolso da totalidade da contribuição já concedida.

46     Daí resulta que o Tribunal de Primeira Instância não examinou a legalidade da decisão de concessão; o que fez foi analisar a referida decisão a fim de determinar se a Comissão podia exigir apenas à CMV o reembolso integral da contribuição em questão. Assim sendo, o Tribunal não ultrapassou, contrariamente ao que alega a Comissão, os limites objectivos do litígio nele pendente.

47     Tendo em conta o exposto, há, portanto, que afastar o segundo fundamento do recurso subordinado.

48     Assim, perante todas as considerações que precedem, há que negar provimento ao recurso subordinado da Comissão.

B –  Quanto ao recurso principal

49     A CMV invoca cinco fundamentos de recurso. Segundo os termos desse recurso, o primeiro fundamento é relativo a uma omissão de pronúncia sobre um dos fundamentos do recurso no Tribunal de Primeira Instância. O segundo fundamento baseia‑se na violação e na aplicação errada do princípio da proporcionalidade e no absurdo intrínseco ao acórdão recorrido. O terceiro fundamento é relativo à violação e à aplicação errada do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 e da decisão de concessão, a uma falta de fundamentação e a um absurdo intrínseco ao referido acórdão. O quarto fundamento baseia‑se na existência de vícios de procedimento que inquinaram os controlos efectuados pela Comissão e numa violação dos direitos de defesa quanto a este ponto. Por fim, o quinto fundamento é relativo à violação e aplicação errada do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88 e à violação do princípio da proporcionalidade.

50     Para efeitos do recurso principal, há que examinar em primeiro lugar o terceiro fundamento da CMV. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considera oportuno examinar conjuntamente o primeiro e o segundo fundamento. Em seguida, há que examinar separadamente o quarto e o quinto fundamento.

1.     Quanto ao terceiro fundamento do recurso principal

51     Com o seu terceiro fundamento, a CMV defende que o Tribunal de Primeira Instância, aquando do exame das acusações da Comissão contra a CMV na decisão de supressão, se baseou numa interpretação errada e excessiva do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, ao ignorar o critério da «graduação da sanção». Por cada uma destas acusações, a CMV censura ao Tribunal uma fundamentação errada do acórdão recorrido.

52     A Comissão considera que os argumentos apresentados pela CMV em apoio dos seus fundamentos dizem respeito à apreciação de elementos de facto e que são, portanto, inadmissíveis. Na medida em que a CMV invoca uma desproporção entre a sanção aplicada e a gravidade das irregularidades imputadas, a Comissão considera que essa alegação se inscreve no âmbito do quinto fundamento do recurso principal.

53     Tendo em vista o exame dos argumentos da CMV sobre as acusações específicas da Comissão na decisão de supressão, importa, antes de mais, notar que o Tribunal de Justiça já declarou, em resposta a um argumento relativo ao princípio da graduação das medidas, que o artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88 autoriza a Comissão a pedir a supressão total de uma contribuição financeira comunitária e que o facto de limitar as possibilidades da Comissão a uma redução da mencionada contribuição somente em proporção do montante a que se referem as irregularidades verificadas conduziria ao favorecimento da fraude por parte dos requerentes de contribuições financeiras, uma vez que só se arriscariam à perda das somas indevidas (v., neste sentido, acórdão de 24 de Janeiro de 2002, Conserve Italia/Comissão, C‑500/99 P, Colect., p. I‑867, n.os 74, 88 e 89).

a)     Quanto aos argumentos relativos à realização de um filme pela sociedade Romana Video

54     O nono considerando, sexto travessão, da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«[A CMV] imputou e declarou ter pago, à sociedade Romana Video, 98 255 000 [libras italianas] (ITL) (50 672 ECU) pela realização de um vídeo no quadro do projecto. No momento do controlo (25 e 26 de Março de 1998), estavam ainda por pagar 49 000 000 ITL. [A CMV] declarou que esse montante não seria pago pois era o preço de venda dos direitos sobre o vídeo à sociedade realizadora. [A CMV] apresentou uma despesa superior em 49 000 000 ITL à despesa efectivamente efectuada.»

55     No n.° 77 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância indicou que a contribuição financeira concedida era destinada a financiar uma determinada percentagem das despesas realmente suportadas pelas partes pela realização do projecto.

56     No número seguinte, o Tribunal de Primeira Instância recordou que é ponto assente que a CMV celebrara um contrato com a sociedade Romana Video nos termos do qual encarregou esta sociedade da realização de um filme sobre a Valnerina em contrapartida da quantia imputada ao projecto, ou seja, cerca de 98 milhões de ITL, mas que, todavia, apenas pagou a essa sociedade 49 milhões de ITL dado que, nesse mesmo contrato, revendeu a essa mesma sociedade os direitos de comercialização desse produto por 49 milhões de ITL.

57     O Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 79 do acórdão recorrido, que a CMV apenas suportou, efectivamente, para a realização dessa acção específica prevista pelo projecto, uma despesa real igual a cerca de metade das despesas imputadas ao projecto. Com efeito, segundo o referido acórdão, a Comissão podia validamente considerar que, devido à simultaneidade das transacções e à compensação efectuada entre a CMV e a sociedade Romana Video no decurso da execução do projecto, em vez de ter tirado um benefício do resultado obtido graças a essa contribuição, a CMV apenas pagou, para a realização dessa acção do projecto, a quantia resultante dessa compensação.

58     O Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 80 e 81 do acórdão recorrido, que a imputação ao projecto de despesas que, afinal de contas, a CMV não efectuou para a sua realização podia ser considerada uma irregularidade, na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

59     A CMV considera, no entanto, que podia deduzir a totalidade das despesas em causa e revender posteriormente os direitos sobre o filme em questão.

60     A Comissão defende, pelo contrário, que qualquer beneficiário de uma subvenção comunitária deve justificar as despesas recuperáveis. A CMV não o fez no que respeita à produção do referido filme.

61     Há que observar antes de mais que, como também considerou o Tribunal de Primeira Instância no n.° 79 do acórdão recorrido, a CMV considera acertadamente que nem o Regulamento n.° 4253/88 nem a decisão de concessão proíbem expressamente ao beneficiário de uma contribuição financeira beneficiar dos resultados obtidos graças a essa contribuição.

62     Todavia, como notou a advogada‑geral no n.° 70 das suas conclusões, só pode ser reconhecido como benefício não imputável nas despesas apresentadas o relativo a uma venda em condições de mercado e não uma mera operação fictícia, que visa apenas aumentar as despesas.

63     Há que reconhecer que a questão de saber se a venda à Romana Video dos direitos de comercialização do filme em causa consubstanciou uma venda real ou uma transacção fictícia constitui uma apreciação de facto. Ora, resulta de jurisprudência constante que só o Tribunal de Primeira Instância é competente, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de uma inexactidão material das suas conclusões resultar dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos. A apreciação dos factos não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação dos elementos que lhe foram submetidos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, C‑390/95 P, Colect., p. I‑769, n.° 29, e de 15 de Junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, C‑237/98 P, Colect., p. I‑4549, n.° 35).

64     Importa recordar a este respeito que a CMV não invocou uma desvirtuação dos elementos de facto. Logo, esta questão não pode ser sujeita à apreciação do Tribunal de Justiça no âmbito deste recurso.

65     Em contrapartida, como a advogada‑geral indicou no n.° 72 das suas conclusões, o Tribunal de Justiça pode analisar se o Tribunal de Primeira Instância violou o seu dever de fundamentação. A argumentação da CMV parece destinada a demonstrar que a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância é contraditória, na medida em que este órgão jurisdicional reconhece a possibilidade de beneficiar dos resultados obtidos graças à contribuição, mas, não obstante, concorda com a Comissão em que a venda dos direitos sobre o filme deve ser entendida como uma redução dos custos.

66     A este propósito, há que observar que o Tribunal de Primeira Instância explica, no n.° 79 do acórdão recorrido, que a Comissão podia validamente concluir que, devido à simultaneidade das transacções e à compensação efectuada entre a CMV e a sociedade Romana Video no próprio decurso da execução do projecto, a CMV apenas suportou, para a realização do filme por essa sociedade, um custo real igual a cerca de metade das despesas imputadas ao projecto.

67     Esta declaração clara e inequívoca, efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, está, portanto, suficientemente fundamentada. Contrariamente ao que defende a CMV, não resulta da existência de uma possibilidade de transacção comercial lícita que a que realizou tenha efectivamente constituído tal transacção.

68     A CMV afirma também que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro ao considerar, no n.° 81 do acórdão recorrido, que a imputação de despesas não correspondentes à realidade deve ser considerada uma violação grave das condições de concessão da contribuição financeira em causa, bem como da obrigação de lealdade que incumbe ao beneficiário dessa contribuição e pode, consequentemente, ser considerada uma irregularidade, na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88. A este respeito, a CMV salienta que as disposições do artigo 3.°, segundo parágrafo, da decisão de concessão, citadas no n.° 76 do acórdão recorrido, prevêem que, «[n]os casos em que o montante das despesas efectivamente efectuadas ocasionar uma redução das despesas elegíveis relativamente às previsões originais, o auxílio será reduzido proporcionalmente no momento do pagamento do saldo». Segundo a CMV, ainda que o custo do filme fosse inferior ao montante inicialmente previsto, o artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 não seria aplicável, sendo esta situação inteiramente regulada pelas disposições da decisão de concessão.

69     A este propósito, há que notar que, contrariamente ao que defende a CMV, o simples facto de o artigo 3.°, segundo parágrafo, da decisão de concessão prever situações em que as despesas efectivamente efectuadas são inferiores às previsões originais não implica que uma transacção fictícia, cujo objectivo é aumentar os custos de um projecto, não constitui uma irregularidade, na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88. Com efeito, segundo um princípio fundamental que rege os auxílios comunitários, a Comunidade só pode, como indicou a advogada‑geral no n.° 77 das suas conclusões, comparticipar despesas efectivamente realizadas (v., neste sentido, em matéria de apuramento de contas, acórdãos de 6 de Outubro de 1993, Itália/Comissão, C‑55/91, Colect., p. I‑4813, n.° 67; de 28 de Outubro de 1999, Itália/Comissão, C‑253/97, Colect., p. I‑7529, n.° 6; de 7 de Outubro de 2004, Espanha/Comissão, C‑153/01, Colect., p. I‑9009, n.° 66; e de 15 de Setembro de 2005, Irlanda/Comissão, C‑199/03, Colect., p. I‑0000, n.° 26). A imputação a um projecto de despesas que não foram, na realidade, suportadas para a sua realização prejudica gravemente este princípio e pode, portanto, considerar‑se uma irregularidade, na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88. O artigo 3.°, segundo parágrafo, da decisão de concessão prevê um mecanismo que permite determinar o montante das despesas elegíveis no caso de se revelarem inferiores às previsões originais, mas não contempla a situação em que são imputadas despesas cuja realidade não é demonstrada.

70     Há, pois, que rejeitar os argumentos da CMV sobre a realização de um filme pela sociedade Romana Video.

b)     Quanto aos argumentos relativos às despesas de pessoal

71     O nono considerando, sétimo travessão, da decisão de supressão tem a seguinte redacção:

«[A CMV] imputou ao projecto 202 540 668 ITL (104 445 ECU) que representam o custo relativo ao trabalho de cinco pessoas pela parte do projecto ‘informação turística’. Em relação a [estas] despesas, [a CMV] não apresentou documentos justificativos (contratos de trabalho, descrição pormenorizada das actividades realizadas).»

72     Por outro lado, segundo o nono considerando, nono travessão, da decisão de supressão:

«[A CMV] declarou o montante de 152 340 512 ITL (78 566 ECU) relativo a despesas de pessoal ligadas às ‘actividades que não a informação turística’. [N]ão apresentou documentos que possam demonstrar a realidade das prestações e sua ligação directa com o projecto.»

73     A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância indicou, no n.° 89 do acórdão recorrido, que o ponto 3 do anexo II da decisão de concessão dispõe que «as despesas de pessoal [...] devem estar directamente relacionadas com a execução da acção e ser adequadas». No n.° 95 desse acórdão, o Tribunal concluiu que a Comissão não cometeu nenhum erro ao considerar que a CMV não lhe tinha apresentado os documentos comprovativos susceptíveis de provar que as despesas de pessoal imputadas ao projecto estavam directamente ligadas com a sua execução e eram adequadas.

74     A CMV considera ter fornecido documentos comprovativos suficientes sob a forma de quadros, indicando o nome das pessoas interessadas, uma avaliação do tempo consagrado por elas ao projecto, o seu salário e as despesas daí resultantes para a execução do projecto. Além disso, o simples facto de o projecto ter sido realizado constitui, em sua opinião, uma demonstração das referidas despesas.

75     A este propósito, a Comissão invoca o n.° 94 do acórdão recorrido, segundo o qual a CMV deve demonstrar, além da correcta execução material do projecto tal como aprovado pela Comissão na decisão de concessão, que qualquer elemento da contribuição comunitária corresponde a uma prestação efectiva que era indispensável para a realização deste projecto.

76     Em primeiro lugar, como foi afirmado no n.° 69 do presente acórdão, a Comunidade só pode subvencionar despesas efectivamente efectuadas. Assim, para que a Comissão possa exercer um papel de controlo, os beneficiários de contribuições financeiras comunitárias devem poder demonstrar a realidade dos custos imputados a projectos para os quais tais contribuições foram concedidas. Assim, como o Tribunal de Justiça já declarou, o fornecimento pelos requerentes e beneficiários das referidas contribuições de informações fiáveis é indispensável ao bom funcionamento do sistema de controlo e de prova instituído para verificar se as condições de concessão dessas contribuições estão preenchidas (v. despacho de 25 de Novembro de 2004, Vela e Tecnagrind/Comissão, C‑18/03 P, não publicado na Colectânea, n.° 135).

77     Em segundo lugar, o argumento da CMV segundo o qual o simples facto de o projecto ter sido realizado constitui uma demonstração das despesas em causa não pode ser acolhido. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que as medidas de supressão da contribuição financeira e de repetição do indevido, previstas no artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88, estão reservadas aos incumprimentos que comprometam a realização do projecto em causa ou comportem uma alteração importante que afecte a natureza e a própria existência desse projecto (v., neste sentido, despacho Vela e Tecnagrind/Comissão, já referido, n.os 129 a 134). Logo, o Tribunal de Primeira Instância teve razão ao considerar, no n.° 94 do acórdão recorrido, que não pode ser sustentado que as sanções previstas pela referida disposição só podem ser aplicadas no caso de a acção financiada não ter sido realizada no todo ou em parte.

78     Resulta do exposto que não basta demonstrar que um projecto foi realizado para justificar a atribuição de uma subvenção específica. O beneficiário do auxílio deve, pelo contrário, fazer a prova de que efectuou as despesas de pessoal, de acordo com as condições fixadas para a concessão da contribuição em causa.

79     O facto de saber se os documentos comprovativos relativos às despesas de pessoal são suficientes face a estas exigências respeita, no entanto, à apreciação dos factos, que, pelas razões expostas no n.° 63 do presente acórdão, não pode ser submetida ao Tribunal de Justiça em sede de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância.

80     Quanto à observância do dever de fundamentação, basta notar que, nos n.os 91 a 93 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância indicou que os documentos fornecidos pela CMV não bastavam para demonstrar que as despesas de pessoal estavam relacionadas com o projecto e também não permitiam apreciar o seu carácter adequado. Tal afirmação fundamenta juridicamente as razões pelas quais o Tribunal considerou que as despesas de pessoal não tinham sido acompanhadas de comprovativos suficientes.

81     Logo, há que rejeitar os argumentos da CMV sobre as despesas de pessoal.

c)     Quanto aos argumentos relativos às despesas gerais

82     O nono considerando, décimo travessão, da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«[A CMV] imputou ao projecto 31 500 000 ITL (26 302 ECU) correspondentes às despesas gerais (locação de dois escritórios, aquecimento, electricidade, água e limpeza). Esta imputação não pôde ser comprovada por nenhum tipo de documento.»

83     No n.° 105 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância precisou a este respeito que a irregularidade verificada pela Comissão em matéria de despesas gerais apenas dizia respeito às despesas relativas à utilização, pelo projecto, de instalações que a recorrente já ocupava antes da concessão da contribuição em causa. No n.° 106 desse acórdão, o Tribunal, após ter recordado que a contribuição concedida era destinada a financiar uma determinada percentagem das despesas realmente suportadas pelas partes em causa para a realização do projecto, afirmou que, para evitar práticas fraudulentas, a Comissão podia validamente considerar que as despesas gerais, como as imputadas no caso em apreço pela CMV, não estavam realmente ligadas à realização do projecto mas constituíam despesas que o beneficiário deveria de qualquer modo suportar devido à sua actividade habitual, e independentemente da realização desse projecto. O Tribunal de Primeira Instância decidiu, por conseguinte, no n.° 107 do referido acórdão, que a Comissão não cometeu um erro ao considerar que a imputação dessas despesas constituía uma irregularidade na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

84     A CMV afirma, quanto a este ponto, que o Tribunal de Primeira Instância se limitou a fazer sua uma suposição da Comissão, quando deveria ter exigido que se demonstrasse que essas despesas não tinham sido efectuadas. Segundo a CMV, os n.os 106 e 107 do acórdão recorrido significam que simples desconfianças da Comissão podem constituir as irregularidades na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

85     Importa, contudo, observar que a CMV esquece, assim, que tinha, pelas razões expostas no n.° 76 do presente acórdão, de demonstrar que as despesas imputadas estavam relacionadas com a execução do projecto e que eram adequadas ao mesmo.

86     A obrigação de respeitar as condições financeiras referidas numa decisão de concessão constitui, assim como a obrigação de execução material do projecto em causa, um dos compromissos essenciais do beneficiário e, por esse facto, condiciona a atribuição da contribuição financeira (v., neste sentido, despacho Vela e Tecnagrind/Comissão, já referido, n.° 135).

87     De onde resulta que o Tribunal de Primeira Instância, tendo entendido que a Comissão podia considerar que as despesas gerais em causa não estavam realmente ligadas à realização do projecto – verificação de elementos de facto que não pode ser submetida à apreciação do Tribunal de Justiça no âmbito do presente recurso –, decidiu acertadamente que a imputação dessas despesas constituía uma irregularidade na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

88     Logo, há que rejeitar os argumentos da CMV sobre as despesas gerais.

d)     Quanto aos argumentos relativos às despesas de consultadoria

89     No nono considerando, oitavo travessão, da decisão recorrida, a Comissão indicou o seguinte:

«[A CMV] imputou ao projecto 85 000 000 ITL (43 837 ECU) correspondentes às despesas de consultadoria [do gabinete de consultadoria] Mauro Brozzi e Associati S.A.S. Essa despesa não foi apoiada por documentos justificativos que permitam provar a realidade e a natureza exacta das prestações fornecidas.»

90     No n.° 117 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou que a CMV não tinha demonstrado que a Comissão cometera um erro ao considerar que as despesas de consultadoria em causa não tinham sido demonstradas por documentos que permitissem provar a realidade e a natureza exacta das prestações fornecidas. O Tribunal daí concluiu que a Comissão tinha, deste modo e correctamente, declarado a existência de uma irregularidade na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

91     A CMV invoca a falta de fundamentação do acórdão recorrido quanto a este ponto. Em sua opinião, resulta de um contrato assinado entre a CMV e o gabinete de Mauro Brozzi e Associati S.A.S. que quatro quintos das prestações previstas foram incontestavelmente fornecidas.

92     A este respeito, há que observar que a CMV não fornece ao Tribunal de Justiça elementos susceptíveis de demonstrar uma violação do dever de fundamentação. Com efeito, ao abrigo de um argumento retirado de uma alegada violação deste dever, pede no essencial uma nova apreciação dos factos, quando o Tribunal de Justiça, pelas razões expostas no n.° 63 do presente acórdão, não é competente para o fazer no âmbito de um recurso.

93     Logo, importa rejeitar os argumentos da CMV sobre as referidas despesas de consultadoria.

e)     Quanto aos argumentos relativos ao sistema de irrigação

94     No nono considerando, décimo primeiro travessão, da decisão de supressão, a Comissão indicou o seguinte:

«[N]o âmbito da acção ‘cultura de espelta e de trufas’, a [decisão de concessão] previu a realização d[e] investimentos relativos ao melhoramento dos sistemas de irrigação para a cultura das trufas, no montante de 41 258 ECU. Esses investimentos não foram realizados e não foi fornecida à Comissão nenhuma explicação a este respeito.»

95     Nos n.os 126 a 129 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou a este respeito que a CMV não tinha apresentado documentos comprovativos das despesas correspondentes a tais investimentos, antes de concluir que a Comissão não cometera um erro ao considerar que a CMV não tinha demonstrado que os referidos investimentos tinham sido efectivamente realizados.

96     A CMV defende que o Tribunal de Primeira Instância não teve em consideração uma peritagem apresentada em apoio do seu recurso. Por outro lado, o Tribunal não a podia censurar por não conseguir demonstrar, depois de vários anos, as despesas efectuadas para a realização de uma operação de irrigação de urgência por terceiros em Verões marcados por uma grande seca.

97     Resulta do n.° 129 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância baseou a sua apreciação a este propósito na conclusão segundo a qual «a Comissão não comete[ra] um erro ao considerar que a [CMV] não tinha demonstrado que os investimentos previstos quanto ao sistema de irrigação [tinham sido] efectivamente realizados». Ora, segundo o n.° 76 do presente acórdão, só são elegíveis as despesas devidamente demonstradas. É pacífico que a CMV não apresentou documentos comprovativos correspondentes a esses investimentos. Quanto à alegada dificuldade em as apresentar, há que remeter para o n.° 6 do anexo II da decisão de concessão, nos termos do qual o beneficiário da contribuição financeira em causa deve conservar todos os documentos comprovativos e tê‑los à disposição da Comissão. Como a advogada‑geral correctamente indicou no n.° 91 das suas conclusões, se a CMV não dispunha dos documentos comprovativos necessários, não devia ter imputado essas despesas.

98     No que respeita à peritagem apresentada no Tribunal de Primeira Instância, resulta do n.° 121 do acórdão recorrido que a mesma apenas trata da questão de saber se os termos «sistemas de irrigação de reserva», utilizados no quadro deste projecto específico, deviam ser entendidos no sentido indicado pela CMV no Tribunal e se as correspondentes despesas eram adequadas, tendo em conta os preços normalmente praticados pelas intervenções realizadas no quadro do FEOGA. Ora, como indicou a advogada‑geral no n.° 90 das suas conclusões, o Tribunal de Primeira Instância não respondeu, no n.° 129 do referido acórdão, à questão de saber quais as operações que, nos termos da decisão de concessão, deviam ter sido realizadas.

99     Logo, há que rejeitar os argumentos da CMV sobre o sistema de irrigação.

100   Tendo em conta o exposto, importa, portanto, considerar improcedente o terceiro fundamento do recurso principal.

2.     Quanto ao primeiro e ao segundo fundamento do recurso principal

a)     Argumentação das partes

101   No seu primeiro fundamento, a CMV parece defender que, ao limitar o seu exame ao ponto de saber se a Comissão lhe podia exigir o reembolso integral da contribuição financeira em causa, o Tribunal de Primeira Instância não apreciou o risco de desproporção e de discriminação resultante, em sua opinião, da «imputação» que lhe é feita das irregularidades eventualmente cometidas pela RDS, não estando ela em condições de responder às acusações formuladas contra esta última e representando as irregularidades a si própria imputadas apenas 29% dos custos do projecto.

102   No segundo fundamento, a CMV defende que uma vez que o Tribunal de Primeira Instância tinha admitido a natureza desproporcionada do pedido de reembolso da totalidade da referida contribuição apenas à própria CMV, deveria ter anulado integralmente, e não só em parte, a decisão de supressão e considerado ex novo a sua posição apenas à luz das irregularidades que lhe eram pessoalmente imputadas.

103   A Comissão considera que o primeiro fundamento deve ser julgado inadmissível, quer por falta de clareza, quer por falta de interesse da CMV em o suscitar. A título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar admissível e procedente o primeiro fundamento, a Comissão pede‑lhe que conheça de mérito e que rejeite a argumentação invocada pela CMV.

104   No que concerne ao segundo fundamento, a Comissão recorda que o Tribunal de Primeira Instância expressamente considerou legítima a supressão total da contribuição financeira e se limitou a repartir a obrigação de restituição de uma maneira diferente da adoptada na decisão de supressão. Socorreu‑se, a este propósito, dos princípios gerais da economia processual e da economia da administração para defender que este fundamento é improcedente porque, em caso de anulação integral da referida decisão, teria sido necessário adoptar uma nova decisão retomando o essencial do conteúdo da decisão de supressão.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

i)     Quanto à admissibilidade do primeiro fundamento do recurso principal

105   A título liminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, resulta dos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v., nomeadamente, acórdãos de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 34; de 8 de Janeiro de 2002, França/Monsanto e Comissão, C‑248/99 P, Colect., p. I‑1, n.° 68; e de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, Colect., p. I‑2125, n.° 15).

106   Assim, não respeita as exigências de fundamentação resultantes dessas disposições um recurso que se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já alegados no Tribunal de Primeira Instância, incluindo os que se baseavam em factos expressamente julgados não provados por esse órgão jurisdicional (v., nomeadamente, despacho de 25 de Março de 1998, FFSA e o./Comissão, C‑174/97 P, Colect., p. I‑1303, n.° 24, e acórdão Interporc/Comissão, já referido, n.° 16). Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reanálise da petição apresentada na primeira instância, o que está fora da competência do Tribunal de Justiça (v. despacho de 26 de Setembro de 1994, X/Comissão, C‑26/94 P, Colect., p. I‑4379, n.° 13, e acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, já referido, n.° 35).

107   Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito comunitário feita pelo Tribunal de Primeira Instância, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas em sede de recurso para o Tribunal de Justiça (v. acórdão de 13 de Julho de 2000, Salzgitter/Comissão, C‑210/98 P, Colect., p. I‑5843, n.° 43). Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal de Primeira Instância, o processo de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância ficaria privado de uma parte do seu sentido (v., nomeadamente, despacho de 10 de Maio de 2001, FNAB e o./Conselho, C‑345/00 P, Colect., p. I‑3811, n.os 30 e 31, bem como acórdãos de 16 de Maio de 2002, ARAP e o./Comissão, C‑321/99 P, Colect., p. I‑4287, n.° 49, e Interporc/Comissão, já referido, n.° 17).

108   No caso em apreço, a Comissão defende que o primeiro fundamento do recurso é manifestamente inadmissível por não ser conforme às exigências mínimas de clareza e precisão. Segundo a Comissão, o primeiro fundamento pode ser interpretado, pelo menos, de duas maneiras diferentes.

109   A este respeito, importa observar, por um lado, que o primeiro fundamento, considerado globalmente, se destina a pôr em causa a apreciação do Tribunal de Primeira Instância sobre as questões de direito que lhe foram submetidas no âmbito do primeiro fundamento em primeira instância e, por outro, que a CMV indica de modo preciso certos elementos criticados do acórdão recorrido.

110   É certo que os argumentos avançados pela CMV em apoio do seu primeiro fundamento no Tribunal de Justiça não estão isentos de ambiguidade quando tomados isoladamente. No entanto, lidos em conjugação com o segundo fundamento do recurso principal, os argumentos que sustentam o primeiro fundamento são suficientemente claros para satisfazer as exigências colocadas nos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

111   Com efeito, nos seus dois primeiros fundamentos, a CMV defende, no essencial, que a sanção severa que lhe foi aplicada, que consistiu na supressão integral da contribuição financeira em causa, o foi em razão de irregularidades imputáveis à RDS e que, portanto, por um lado, a decisão de supressão deveria ter sido anulada na totalidade devido ao facto de lhe ter sido imputada erradamente a responsabilidade por partes do projecto cuja realização incumbia à RDS e, por outro, a posição da CMV devia ser considerada de novo apenas à luz das irregularidades que lhe eram pessoalmente imputadas.

112   Assim, a CMV invoca uma argumentação em duas etapas: o primeiro fundamento destina‑se a demonstrar que o Tribunal de Primeira Instância não apreciou a eventualidade de lhe ter sido aplicada uma sanção cuja severidade assentava em parte em irregularidades imputadas à RDS, enquanto o segundo fundamento se destina a demonstrar a existência de uma desproporção entre, por um lado, as irregularidades que lhe são imputadas e, por outro, a severidade da sanção que a supressão total da contribuição financeira representa, baseada em grande parte em irregularidades imputadas à RDS, relativas a cerca de 70% dos custos em causa e sobre as quais a CMV não pôde apresentar uma resposta.

113   O primeiro fundamento do recurso principal não é, pois, inadmissível por falta de clareza e precisão.

114   A Comissão alega também, na sua defesa, uma falta de interesse da CMV em invocar uma alegada omissão de pronúncia sobre um fundamento suscitado em primeira instância, tendo o Tribunal de Primeira Instância, através do acórdão recorrido, acolhido no essencial o referido fundamento e, deste modo, reduzido consideravelmente o montante da sanção financeira aplicada à CMV.

115   Quanto a este ponto, basta indicar que, segundo a interpretação a dar ao primeiro fundamento do recurso, como exposta nos n.os 111 e 112 do presente acórdão, este primeiro fundamento se destina efectivamente à anulação integral da decisão de supressão, e não à sua anulação parcial. De onde resulta que, contrariamente ao que defende a Comissão, a CMV tem interesse em invocar este fundamento.

116   A questão prévia de admissibilidade relativa à falta de interesse da CMV em invocar o primeiro fundamento do recurso principal é, logo, improcedente.

117   Nestas condições, há que declarar que, não sendo procedente nenhuma das questões prévias de admissibilidade alegadas contra o primeiro fundamento do recurso principal, este fundamento é admissível.

ii)  Quanto à procedência do primeiro e do segundo fundamento do recurso principal

118   Resulta dos articulados da CMV que o seu primeiro e o segundo fundamento, expostos nos n.os 111 e 112 do presente acórdão, se baseiam na premissa de que a decisão através da qual se pediu à CMV que reembolsasse a totalidade da contribuição financeira foi influenciada pelas irregularidades imputadas apenas à RDS, pelo que, com o acórdão recorrido, ao não anular a decisão de supressão na íntegra, o Tribunal de Primeira Instância permitiu que continuassem imputadas de maneira injustificada à CMV irregularidades da exclusiva responsabilidade da RDS.

119   Contudo, importa observar que a CMV não tem assim em conta o raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância nem as consequências do acórdão recorrido.

120   Efectivamente, há que recordar, antes de mais, que o Tribunal de Primeira Instância, aquando do exame do primeiro fundamento perante ele suscitado, decidiu que, tendo em conta as graves consequências para a CMV de um pedido de reembolso da totalidade da contribuição em causa e a falta de clareza e precisão da decisão de concessão, a Comissão, ao pedir apenas à CMV o reembolso da totalidade da referida contribuição, tinha violado o princípio da proporcionalidade. No entanto, de modo nenhum sugeriu, no âmbito da sua apreciação do referido fundamento ou em qualquer outro ponto do acórdão recorrido, que esse pedido teria sido influenciado pelo comportamento da RDS.

121   Pelo contrário, no âmbito do segundo fundamento perante si invocado, nomeadamente nos n.os 80, 81, 95 a 97, 107, 117, 129 e 130 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou especificamente que cada uma das críticas formuladas contra a CMV na decisão de supressão constituía uma irregularidade na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88. Ora, a própria CMV nunca defendeu que a RDS estivesse implicada numa dessas irregularidades.

122   Além disso, nos n.os 142 a 149 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou acertadamente, como resulta dos n.os 53 e 77 do presente acórdão, que, tendo em conta tais irregularidades, a Comissão podia suprimir a contribuição financeira em causa na medida em que estivesse relacionada com as partes do projecto da responsabilidade da CMV.

123   Nestas condições, e tendo em conta o princípio da economia processual, o Tribunal de Primeira Instância podia anular a decisão de supressão unicamente na medida em que a Comissão não tivesse limitado o seu pedido de reembolso dessa contribuição aos montantes correspondentes à parte do projecto atribuída à CMV. Efectivamente, no caso de uma anulação total da decisão de supressão, a Comissão deveria ter adoptado, relativamente à CMV, uma nova decisão que retomasse no essencial o conteúdo da decisão de supressão sobre as partes do projecto da sua responsabilidade.

124   Não há que decidir, portanto, sobre a questão de saber se a CMV estava em condições de responder às acusações formuladas contra a RDS, não tendo esta questão, de qualquer modo, relevância para a apreciação dos presentes fundamentos. De resto, trata‑se de uma apreciação de elementos de facto que, pelas razões expostas no n.° 63 do presente acórdão, não é da competência do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância.

125   A argumentação da CMV só pode, portanto, ser rejeitada.

126   Tendo em conta o exposto, há, pois, que considerar improcedentes o primeiro e o segundo fundamento do recurso principal.

3.     Quanto ao quarto fundamento do recurso principal

a)     Argumentação das partes

127   No seu quarto fundamento, a CMV defende que o Tribunal de Primeira Instância, aquando do exame da terceira parte do segundo fundamento perante si suscitado, não interpretou correctamente a argumentação relativa a uma violação dos direitos de defesa. Precisa que essa argumentação não dizia respeito à possibilidade geral de justificar os seus actos, mas, mais especificamente, às modalidades de execução pela Comissão de uma inspecção no local. Em particular, esta operação de controlo não tinha, erradamente, sido objecto de uma acta e não foi, na ocasião, elaborada uma lista dos documentos fotocopiados. A CMV nota a este respeito que, a fim de que sejam respeitados os direitos das pessoas sujeitas ao controlo, tal operação deve decorrer conforme ao princípio do contraditório e ser objecto de um relatório preciso.

128   A Comissão observa que os seus controladores não tinham de redigir uma acta no local e que, no caso em apreço, o referido controlo decorreu com contraditório. Segundo esta instituição, foi à luz destas circunstâncias que o Tribunal de Primeira Instância declarou, no n.° 138 do acórdão recorrido, que os direitos de defesa tinham sido respeitados.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

129   Como o Tribunal de Primeira Instância indicou no n.° 136 do acórdão recorrido, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o respeito pelos direitos de defesa, em qualquer processo iniciado contra alguém e susceptível de culminar num acto que afecte os seus interesses, constitui um princípio fundamental de direito comunitário e deve ser garantido, mesmo na falta de regulamentação específica. Este princípio exige que os destinatários de decisões que afectem de modo sensível os seus interesses sejam colocados em condições de dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista (v., por exemplo, acórdãos de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C‑32/95 P, Colect., p. I‑5373, n.° 21; de 21 de Setembro de 2000, Mediocurso/Comissão, C‑462/98 P, Colect., p. I‑7183, n.° 36; e de 9 de Junho de 2005, Espanha/Comissão, C‑278/02, Colect., p. I‑5093, n.° 37).

130   Há que notar que nem o princípio do respeito pelos direitos de defesa nem o Regulamento n.° 4253/88 impõem a apresentação à CMV, aquando da inspecção no local, de um relatório ou de uma lista dos documentos fotocopiados por ocasião desse controlo, desde que a CMV tenha podido contestar, sendo caso disso refutando‑as, as acusações da Comissão, posteriormente ao referido controlo.

131   Assim, o Tribunal de Primeira Instância agiu correctamente ao examinar, nos n.os 134 a 138, sem insistir nas modalidades de execução da referida visita, se a possibilidade dada à CMV de apresentar o seu ponto de vista antes da adopção da decisão recorrida cumpria as exigências do princípio do respeito pelos direitos de defesa.

132   No n.° 134 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância indicou que a CMV tinha assinalado a não elaboração de um relatório das actividades e das reuniões efectuadas pelos agentes da Comissão e, em especial, a não elaboração de uma lista dos documentos fotocopiados nessas ocasiões.

133   O Tribunal de Primeira Instância considerou, no entanto, nos n.os 137 e 138 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha permitido à CMV, de modo suficiente, demonstrar a boa execução das acções previstas pelo projecto que devia realizar através da apresentação dos documentos comprovativos que era obrigada, em conformidade com a decisão de concessão, a colocar à disposição da Comissão.

134   Esta conclusão constitui uma apreciação de elementos de facto que, pelas razões expostas no n.° 63 do presente acórdão, não pode ser sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância.

135   Tendo em conta o exposto, há, pois, que rejeitar o quarto fundamento do recurso principal.

4.     Quanto ao quinto fundamento do recurso principal

a)     Argumentação das partes

136   No seu quinto fundamento, a CMV afirma que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da proporcionalidade ao considerar improcedente o seu fundamento baseado na existência de uma contradição entre, por um lado, a natureza das irregularidades imputadas e o facto de o objectivo do financiamento ter sido atingido e, por outro, a gravidade da sanção que consistiu na supressão total da contribuição financeira em causa.

137   Em apoio deste fundamento, a CMV afirma que não está demonstrado que tenha imputado ao projecto despesas injustificadas. Além disso, sublinha que não tinha intenção fraudulenta e que não forneceu qualquer informação errada. Por fim, defende que apenas lhe pode ser censurado o facto de não ter justificado em pormenor o emprego dos seus próprios técnicos para fins do projecto.

138   A Comissão considera que este fundamento é inadmissível, não tendo a CMV acrescentado nada à argumentação já invocada no Tribunal de Primeira Instância. Quanto ao mérito, esta instituição afirma a título subsidiário que, tendo em conta o contexto factual evidenciado pelo acórdão recorrido, a conclusão do Tribunal está de acordo quanto a este ponto com a jurisprudência em vigor.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

139   Com este fundamento, a CMV põe em causa a interpretação e aplicação do princípio da proporcionalidade feita pelo Tribunal de Primeira Instância. Assim, pelas razões expostas no n.° 107 do presente acórdão, e contrariamente ao que defende a Comissão, o referido fundamento é admissível no âmbito deste recurso.

140   Como a advogada‑geral indicou no n.° 97 das suas conclusões, resulta do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88, disposição em que assenta a decisão de supressão, que a Comissão não é obrigada a exigir o reembolso da integralidade da contribuição financeira, mas dispõe de um poder discricionário que lhe permite apreciar se deve ou não exigir esse reembolso e, eventualmente, em que proporção (v. também, neste sentido, acórdão Irlanda/Comissão, já referido, n.os 27 e 30). Atendendo ao princípio da proporcionalidade, a Comissão tem de exercer este poder discricionário de modo que a exigência de reembolso das contribuições não seja desproporcionada em relação às irregularidades.

141   No entanto, a Comissão não tem de se limitar a pedir a restituição apenas das subvenções que se revelaram injustificadas devido às referidas irregularidades.

142   Pelo contrário, a fim de assegurar uma gestão eficaz dos auxílios comunitários e de dissuadir os comportamentos fraudulentos, pode justificar-se o pedido de restituição de subvenções apenas em parte afectadas pelas irregularidades.

143   Importa recordar a este respeito que à violação das obrigações cujo respeito assuma importância fundamental para o bom funcionamento de um sistema comunitário pode ser aplicada a sanção da perda de um direito proporcionado pela regulamentação comunitária, tal como o direito a uma ajuda (acórdão de 12 de Outubro de 1995, Cereol Italia, C‑104/94, Colect., p. I‑2983, n.° 24).

144   O Tribunal de Justiça também decidiu que é indispensável para o bom funcionamento do sistema que permite o controlo da utilização adequada dos fundos comunitários que os requerentes de contribuições financeiras forneçam à Comissão informações fiáveis insusceptíveis de a induzir em erro. Só a possibilidade de uma irregularidade ser sancionada, não pela redução da contribuição no montante correspondente a essa irregularidade mas pela supressão completa da contribuição, produz o efeito dissuasivo necessário à boa gestão dos recursos do FEOGA (acórdão Conserve Italia/Comissão, já referido, n.os 100 e 101).

145   Por outro lado, resulta das considerações expostas no n.° 77 do presente acórdão que o facto de o objectivo pretendido pelo financiamento concedido ter sido atingido não implica por si só que a sanção que consistiu na supressão total de uma contribuição financeira seja desproporcionada.

146   De onde se conclui que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ao decidir que a execução da política dos auxílios comunitários justifica que a imputação das despesas seja sujeita a condições formais estritas e que as irregularidades verificadas a este respeito justificam o pedido de restituição dos montantes pagos para a parte do projecto da responsabilidade da CMV.

147   É certo que, tal como foi resumido no n.° 137 do presente acórdão, a CMV defende que a existência de despesas injustificadas não está demonstrada, que não tinha intenção fraudulenta e que apenas lhe pode ser censurado o facto de não ter fornecido suficientes documentos justificativos.

148   No entanto, estes argumentos dizem respeito a elementos de facto. Uma vez que o Tribunal de Primeira Instância teve em consideração, de uma maneira exaustiva, os factores adequados para apreciar o carácter proporcionado da supressão integral da contribuição em causa, os argumentos invocados pela CMV para demonstrar que este ou aquele factor foi tido em conta de modo insuficiente pelo Tribunal são inadmissíveis no âmbito do presente recurso.

149   Mesmo admitindo que, ao salientar que não forneceu informações inexactas nem dissimulou informações, se possa considerar que a CMV afirma que o Regulamento n.° 4253/88, à luz do princípio da proporcionalidade, implica a obrigação de a Comissão demonstrar uma qualquer intenção fraudulenta da sua parte, ou que este princípio exige a limitação da possibilidade de supressão integral de uma contribuição financeira unicamente nos casos de violações dolosas das condições financeiras, tais argumentos não podem ser acolhidos.

150   Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a noção de irregularidade, na acepção do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4253/88, não implica a obrigação de a Comissão demonstrar uma qualquer intenção fraudulenta por parte do beneficiário (v. despacho de 16 de Dezembro de 2004, APOL e AIPO/Comissão, C‑222/03 P, não publicado na Colectânea, n.° 58). Além disso, o princípio da proporcionalidade também não exige que se limite a possibilidade de supressão de uma contribuição apenas aos casos de violações dolosas das condições financeiras. Por outro lado, limitar esta possibilidade somente aos casos de violações dolosas estabelecidas corria o risco de constituir um convite às irregularidades (v., neste sentido, despachos de 22 de Março de 2004, Sgaravatti Mediterranea/Comissão, C‑455/02 P, não publicado na Colectânea, n.os 39 a 42, e APOL e AIPO/Comissão, já referido, n.° 59).

151   Tendo em conta o exposto, há que rejeitar o quinto fundamento do recurso principal.

152   Nestas condições, deve ser negado provimento ao recurso principal, assim como ao recurso subordinado.

VII –  Quanto às despesas

153   Nos termos do artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do seu artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da CMV e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas relativas ao processo principal. Tendo a CMV pedido a condenação da Comissão nas despesas do recurso subordinado e tendo esta sido vencida, há que condená‑la na despesas relativas a esse recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso principal e ao recurso subordinado.

2)      A Comunità montana della Valnerina é condenada nas despesas relativas ao recurso principal.

3)      A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas relativas ao recurso subordinado.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.