Processo C‑189/03

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino dos Países Baixos

«Incumprimento de Estado – Livre prestação de serviços – Restrições – Empresas privadas de segurança»

Sumário do acórdão

Livre prestação de serviços – Restrições – Empresas de segurança e de investigação estabelecidas noutro Estado‑Membro – Obrigação de obter uma autorização para as empresas e os seus dirigentes e um título de legitimação para o seu pessoal – Não tomada em consideração das obrigações previstas pelo Estado‑Membro de estabelecimento – Inadmissibilidade – Justificação – Inexistência

(Artigo 49.° CE)

Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE um Estado‑Membro que adopta disposições:

–        que exigem que as empresas privadas de segurança e de investigação que pretendam prestar serviços no território nacional e os seus dirigentes possuam uma autorização e suportem os custos inerentes a essa autorização, sem tomar em consideração as obrigações a que os prestadores de serviços estrangeiros estão já sujeitos no Estado‑Membro de estabelecimento, e

–        que exigem que o pessoal destas empresas destacado do Estado de estabelecimento para o Estado‑Membro em causa possua um título de legitimação emitido pelas autoridades nacionais, se não forem tidos em conta, para efeitos desta exigência, os controlos a que os prestadores de serviços transfronteiriços já tenham sido submetidos no Estado‑Membro de origem.

Com efeito, tais exigências constituem restrições à livre prestação de serviços que vão para além do necessário para atingir o objectivo pretendido e não podem, por isso, ser justificadas por razões ligadas ao interesse geral.

(cf. n.os 18, 20, 30, 33, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
7 de Outubro de 2004(1)

«Incumprimento de Estado – Livre prestação de serviços – Restrições – Empresas privadas de segurança»

No processo C‑189/03,que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE,entrada em 5 de Maio de 2003,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Patakia e W. Wils, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

Reino dos Países Baixos, representado por H. G. Sevenster, C. Wissels e N. A. J. Bel, na qualidade de agentes,

demandado,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, A. Rosas, S. von Bahr, R. Silva de Lapuerta e K. Lenaerts, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,
secretário: M.‑F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Maio de 2004,vistas as observações apresentadas pelas partes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 22 de Junho de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Na sua petição inicial, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao adoptar, no âmbito da lei relativa às empresas privadas de segurança e de investigação, disposições que exigem que:

independentemente das obrigações a que já esteja submetida no Estado‑Membro de estabelecimento, uma empresa estrangeira que pretenda prestar serviços no território neerlandês possua uma autorização e suporte os custos inerentes a essa autorização;

os dirigentes destas empresas de segurança possuam uma autorização, que implica igualmente custos;

o pessoal destas empresas destacado do Estado‑Membro de estabelecimento para os Países Baixos possua um documento de identificação emitido pelas autoridades neerlandesas;

o pessoal possua um diploma emitido por um organismo neerlandês e os instaladores de dispositivos de alarme sejam submetidos a exigências em matéria de qualificações profissionais que não têm em conta as qualificações obtidas noutro Estado‑Membro,

o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE e das Directivas 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos (JO L 19, p. 16), e 92/51/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa a um segundo sistema geral de reconhecimento das formações profissionais, que completa a Directiva 89/48 (JO L 209, p. 25).


Quadro jurídico

2
A actividade das empresas privadas de segurança e de investigação está regulamentada nos Países Baixos pela Wet particuliere beveiligingsorganisaties en recherchebureaus (lei relativa às empresas privadas de segurança e de investigação), de 24 de Outubro de 1997 (Staatsblad 1997, p. 500, a seguir «Lei de 1997»), pelo Regeling particuliere beveiligingsorganisaties en recherchebureaus (regulamento de execução relativo às empresas privadas de segurança e de investigação), de 3 de Março de 1999 (Stcrt. 1999, p. 60, a seguir «Regulamento de 3 de Março de 1999»), e pela Circulaire particuliere beveiligingsorganisaties en recherchebureaus (circular administrativa relativa às empresas privadas de segurança e de investigação), de 16 de Março de 1999 (Stcrt. 1999, p. 60).

3
Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Lei de 1997, é proibida a actividade das empresas privadas de segurança e de investigação, sem autorização concedida pelo ministro competente. O n.° 2 deste artigo dispõe ainda:

«O ministro pode estabelecer derrogações a esta proibição às empresas de segurança e de investigação, caso as actividades não se encontrem, pela sua natureza, sujeitas ao regime previsto nos artigos 6.° a 10.° Esta derrogação pode ser subordinada a determinadas condições.»

4
Por força do artigo 7.°, n.° 1, desta lei, a contratação de pessoal dirigente pelas empresas privadas de segurança depende igualmente de uma autorização do ministro competente.

5
O artigo 9.°, n.° 8, da referida lei exige que as empresas privadas de segurança e de investigação se assegurem de que, no exercício das respectivas actividades, o seu pessoal se encontre munido de um título de legitimação («legitimatiebewijs») conforme modelo aprovado pelo ministro competente. Este documento atesta, como resulta das disposições combinadas do artigo 7.°, n.° 2, da Lei de 1997 e do artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento de 3 de Março de 1999, que a empresa em causa recebeu a autorização administrativa necessária para a contratação da pessoa portadora do título.

6
Por último, nos termos do artigo 8.° desta lei, o ministro competente também estabelece, em relação a determinadas categorias, exigências de formação do pessoal das empresas privadas de segurança ou de investigação. Estas apenas podem confiar o exercício das suas funções a pessoas que cumpram as exigências de formação aplicáveis. O n.° 2 deste artigo determina:

«O ministro competente pode estabelecer derrogações a este regime.»

7
As disposições do artigo 8.° da Lei de 1997 são designadamente concretizadas pelos artigos 5.° e 11.° do Regulamento de 3 de Março de 1999. Nos termos deste artigo 5.°, n.° 1, as empresas privadas de segurança apenas podem confiar funções de vigilância a pessoas que possuam um diploma específico, o diploma Algemeen Beveiligingsmedewerker, que é emitido por duas instituições neerlandesas, a Stichting Vakexamens voor de Particuliere Beveiligingsorganisaties e a Stichting Ecabo. O n.° 5 deste mesmo artigo reconhece uma série de outros diplomas como equivalentes a este, todos igualmente emitidos por instituições neerlandesas.

8
O referido regulamento prevê, além disso, no seu artigo 11.°, n.° 1, que as empresas de segurança apenas podem confiar a instalação e a manutenção de dispositivos de alarme a pessoas titulares de um diploma reconhecido pelo ministro competente. O n.° 2 desta disposição enumera um total de quatro diplomas assim reconhecidos, todos emitidos por instituições neerlandesas.


Fase pré‑contenciosa

9
Considerando que as exigências resultantes da regulamentação nacional em causa são contrárias ao artigo 49.° CE e às Directivas 89/48 e 92/51, a Comissão intentou a presente acção por incumprimento.

10
Após ter notificado o Reino dos Países Baixos para apresentar as suas observações, a Comissão elaborou, em 11 de Dezembro de 2001, um parecer fundamentado convidando este Estado‑Membro a adoptar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento, no prazo de dois meses a contar da notificação. Não tendo o Governo neerlandês dado sequência a este parecer, a Comissão decidiu propor a presente acção.


Quanto à acção

11
Em apoio da sua acção, a Comissão fez, no início, quatro acusações relativas às condições impostas pelo Reino dos Países Baixos para o exercício de uma actividade de segurança privada neste Estado‑Membro.

12
Essas acusações eram baseadas respectivamente:

na incompatibilidade com o artigo 49.° CE da condição que impunha às empresas privadas de segurança e de investigação domiciliadas noutro Estado‑Membro de obtenção de autorização prévia, com custos, das autoridades neerlandesas, independentemente das obrigações a que estas empresas estavam já sujeitas no seu Estado de origem;

na incompatibilidade com o artigo 49.° CE da condição que exige uma autorização similar para os dirigentes destas empresas;

na incompatibilidade com o artigo 49.° CE da condição que impõe ao pessoal a posse de um título de legitimação («legitimatiebewijs») emitido, mediante pagamento de um montante em dinheiro, pelas autoridades neerlandesas, sem ser tomado em consideração o facto de os interessados serem também titulares de um bilhete de identidade ou de um passaporte emitidos pelo Estado‑Membro de que são originários;

na incompatibilidade com o artigo 49.° CE e com as Directivas 89/48 e 92/51 da condição que impõe que os membros do pessoal destas empresas sejam titulares de um diploma emitido por uma instituição neerlandesa e de que os instaladores de dispositivos de alarme possuam qualificações especiais, sem serem tidas em conta as já obtidas no Estado de origem.

13
Na audiência, a Comissão declarou desistir da parte da acção relativa à quarta acusação, mantendo as três primeiras. O alegado incumprimento deve, portanto, ser apreciado unicamente na óptica do artigo 49.° CE.

Quanto às primeira e segunda acusações

Argumentos das partes

14
A Comissão sustenta que, embora a protecção dos destinatários de serviços possa eventualmente justificar determinadas restrições à livre prestação de serviços neste sector, a obrigação imposta, por um lado, às empresas em causa com sede noutro Estado‑Membro e que pretendam prestar serviços nos Países Baixos e, por outro, aos seus dirigentes, de possuírem uma autorização prévia, não constitui, contudo, uma medida adequada. Em especial, a regulamentação em causa não tem em consideração as obrigações a que os prestadores de serviços estrangeiros estão já sujeitos no Estado‑Membro em que estão estabelecidos (v. acórdão de 9 de Março de 2000, Comissão/Bélgica, C‑355/98, Colect., p. I‑1221) e implica custos complementares injustificados (v. acórdão de 9 de Agosto de 1994, Vander Elst, C‑43/93, Colect., p. I‑3803).

15
O Governo neerlandês contesta o incumprimento quanto a estes pontos. Embora admitindo que as condições e exigências invocadas pela Comissão são susceptíveis de constituir obstáculos à livre prestação de serviços, alega que as mesmas são justificadas pelo interesse geral e, em especial, pela necessidade de proteger os destinatários dos serviços em causa e os cidadãos contra abusos eventuais que as empresas privadas de segurança e de investigação podem cometer. Estas medidas constituem meios adequados e proporcionais à protecção dessas pessoas contra práticas ilegais e desonestas. Neste contexto, é particularmente importante examinar as intenções e os antecedentes do pessoal dirigente das empresas de segurança e de investigação, sem o que o inquérito sobre a fiabilidade das próprias empresas tem apenas um escasso valor. Por outro lado, os custos ligados à concessão das diferentes autorizações e certificados não são excessivos.

16
Embora a regulamentação neerlandesa não contenha qualquer disposição especial que mencione expressamente de que modo importa tomar em consideração as qualificações que uma empresa privada de segurança ou os seus dirigentes adquiriram no Estado‑Membro em que estão estabelecidos, ela permite contudo, no âmbito de um pedido de autorização ministerial, como o previsto no artigo 2.°, n.° 2, da Lei de 1997, tê‑las em consideração. Na ausência de harmonização, a nível comunitário, das obrigações impostas às empresas em causa, é, na prática, muito difícil determinar em que medida as obrigações divergentes impostas pelos diferentes Estados‑Membros são equivalentes às exigências resultantes da regulamentação neerlandesa.

Apreciação do Tribunal de Justiça

17
Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma regulamentação nacional que sujeite a realização de determinadas prestações de serviços no território nacional por uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro à concessão de uma autorização administrativa constitui uma restrição à livre prestação de serviços na acepção do artigo 49.° CE (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Vander Elst, n.° 15, e Comissão/Bélgica, n.° 35).

18
Quanto a regulamentações análogas à visada na primeira acusação da Comissão, e perante argumentos de defesa semelhantes aos do Governo neerlandês, o Tribunal de Justiça declarou que tal restrição não pode ser justificada uma vez que, ao excluir que se atenda às obrigações a que o prestador de serviços transfronteiriço já está sujeito no Estado‑Membro em que está estabelecido, excede, de qualquer modo, o que é necessário para alcançar o objectivo pretendido, que é o de garantir um controlo rigoroso das referidas actividades (acórdãos Comissão/Bélgica, já referido, n.os 36 a 38, e de 29 de Abril de 2004, Comissão/Portugal, C‑171/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 60). A mesma conclusão se impõe no que toca à regulamentação visada na segunda acusação da Comissão, a saber, a condição que exige a obtenção de uma autorização para os dirigentes das empresas em causa.

19
Quanto ao argumento do Governo neerlandês baseado na existência de uma prática administrativa que toma em consideração, no âmbito do artigo 2.°, n.° 2, da Lei de 1997, as obrigações previstas pelo Estado‑Membro de origem, importa observar que o Governo neerlandês não pôde demonstrar a existência desta prática com suficiente precisão. Em todo o caso, de acordo com jurisprudência constante, simples práticas administrativas, por natureza modificáveis à vontade da Administração e desprovidas de publicidade adequada, não podem ser consideradas como constituindo execução válida das obrigações impostas pelo Tratado CE (v., designadamente, acórdão de 9 de Março de 2000, Comissão/Itália, C‑358/98, Colect., p. I‑1255, n.° 17).

20
Daí decorre que a condição de autorização prévia imposta às empresas privadas de segurança e de investigação e aos seus dirigentes, tal como prevista pela legislação neerlandesa em vigor, não pode ser justificada por razões ligadas ao interesse geral, na medida em que não sejam tidas em consideração as obrigações a que estas empresas e estas pessoas estão já sujeitas no Estado‑Membro de que são originárias.

21
Nestas condições, procedem as duas primeiras acusações da Comissão.

Quanto à terceira acusação

Argumentos das partes

22
A Comissão sustenta que a obrigação imposta aos membros do pessoal das empresas privadas de segurança e de investigação domiciliados noutro Estado‑Membro de estarem na posse de um título de legitimação emitido pelas autoridades neerlandesas representa também um obstáculo à livre prestação de serviços por estas empresas. Esta condição é desproporcionada, uma vez que o pessoal destacado deve, de qualquer modo, possuir um bilhete de identidade ou um passaporte emitidos pelo Estado‑Membro de que é originário (v. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 40).

23
Por outro lado, as autoridades neerlandesas aplicam esta obrigação em termos genéricos, sem terem em consideração controlos prévios já realizados no Estado‑Membro de origem.

24
O Governo neerlandês alega que esta obrigação constitui uma garantia importante para assegurar a qualidade e a fiabilidade dos serviços fornecidos pelas empresas em causa. Esta garantia é sobretudo importante para os cidadãos que são confrontados com intervenções dos membros do pessoal destas empresas. O título de legitimação indica, além da identidade do seu possuidor, que este é competente para exercer as actividades de segurança e de investigação no território neerlandês, enquanto um passaporte ou um bilhete de identidade não dão qualquer indicação sobre as qualificações do interessado. Por conseguinte, apenas o título de legitimação constitui um meio adequado e proporcionado para proteger os cidadãos contra eventuais intervenções ilegais.

25
Em todo o caso, a obtenção de uma derrogação ministerial é igualmente possível, nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da Lei de 1997.

26
Por outro lado, os montantes exigidos para emissão do título de legitimação servem unicamente para cobrir as despesas e não são excessivos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

27
A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a obrigação imposta a qualquer membro do pessoal de uma empresa privada de segurança e de investigação de possuir um bilhete de identidade, emitido pelas autoridades do Estado‑Membro em que é realizada a prestação de serviços, também deve ser considerada uma restrição à livre prestação de serviços, na medida em que as formalidades que a obtenção desse bilhete de identidade implica podem tornar mais onerosa a prestação de serviços transfronteiriços (v. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 39).

28
Quanto a uma justificação eventual desta medida por razões baseadas na necessidade de proteger os cidadãos, como as invocadas pelo Governo neerlandês, a Comissão observou correctamente que os membros do pessoal das empresas em causa, que se deslocam para outro Estado‑Membro, devem, em qualquer caso, estar na posse de um bilhete de identidade ou de um passaporte, sendo estes documentos suficientes para permitir certificar a sua identidade (v. acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 40).

29
Alega ainda o Governo neerlandês que, além da função de identificação da pessoa em causa, o referido título desempenha igualmente uma função de legitimação na medida em que certifica o âmbito de qualificações deste. Com efeito, não é impossível que, neste aspecto, a posse de tal título constitua medida adequada para reforçar a confiança dos cidadãos no pessoal das empresas privadas de segurança e de investigação.

30
É certo que, a este propósito, embora o título de legitimação se destine a atestar as qualificações e a honorabilidade profissional dos membros do pessoal das empresas de segurança e de investigação provenientes doutros Estados‑Membros que prestam serviços nos Países Baixos, esta exigência constitui uma restrição que vai para além do necessário para atingir o objectivo pretendido, tendo em conta os controlos ou verificações já efectuados no Estado‑Membro de origem e que atestam as referidas qualificações e honorabilidade (v., neste sentido, acórdão Comissão/Portugal, já referido, n.° 66).

31
No que toca à derrogação ministerial invocada pelo Governo neerlandês a este propósito, basta verificar, como a advogada‑geral observou nos n.os 54 a 58 das suas conclusões, que não resulta expressamente do artigo 8.°, n.° 2, da Lei de 1997 que a possibilidade de derrogação, deixada à discricionariedade da Administração, se aplica também e em todos os casos ao reconhecimento, no âmbito da emissão do título de legitimação em causa, de qualificações profissionais adquiridas noutros Estados‑Membros. O facto de exigir a posse desse título não pode, portanto, ser justificado por esta razão.

32
Daqui resulta que a terceira acusação feita pela Comissão é igualmente procedente, dado não serem tomados em conta, para a exigência em causa, os controlos a que os prestadores de serviços transfronteiriços estão já sujeitos no Estado‑Membro de origem.

33
Atento tudo o que precede, cabe, portanto, declarar que, ao adoptar, no quadro da Lei de 1997, disposições que exigem que:

independentemente das obrigações a que já esteja submetida no Estado‑Membro do estabelecimento, uma empresa estrangeira que pretenda prestar serviços no território neerlandês e os seus dirigentes possuam uma autorização e suportem os custos inerentes a essa autorização;

o pessoal destas empresas destacado do Estado de estabelecimento para os Países Baixos possua um título de legitimação emitido pelas autoridades neerlandesas, se não forem tidos em conta, para efeitos desta exigência, os controlos a que os prestadores de serviços transfronteiriços já tenham sido submetidos no Estado‑Membro de origem,

o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE.


Quanto às despesas

34
Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino dos Países Baixos e tendo este sido vencido no essencial dos seus fundamentos, no quadro das três primeiras acusações feitas pela Comissão, há que condená‑lo nas despesas. No que concerne à quarta acusação, a que a Comissão renunciou na audiência, as partes não formularam qualquer pedido quanto às despesas. Cabe portanto, e nesta medida, aplicar o artigo 69.°, n.° 5, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, por força do qual cada parte suporta as próprias despesas. Daí resulta que o Reino dos Países Baixos deve ser condenado em três quartos das despesas da Comissão e decidir que, quanto ao mais, cada parte suporte as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)
Ao adoptar, no quadro da lei relativa às empresas privadas de segurança e de investigação, de 24 de Outubro de 1997, disposições que exigem que:

independentemente das obrigações a que já esteja submetida no Estado‑Membro de estabelecimento, uma empresa estrangeira que pretenda prestar serviços no território neerlandês e os seus dirigentes possuam uma autorização e suportem os custos inerentes a essa autorização;

o pessoal destas empresas destacado do Estado de estabelecimento para os Países Baixos possua um título de legitimação emitido pelas autoridades neerlandesas, se não forem tidos em conta, para efeitos desta exigência, os controlos a que os prestadores de serviços transfronteiriços já tenham sido submetidos no Estado‑Membro de origem,

o Reino dos Países Baixos não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 49.° CE.

2)
O Reino dos Países Baixos é condenado em três quartos das despesas da Comissão das Comunidades Europeias. Quanto ao mais, cada parte suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas.


1
Língua do processo: neerlandês.