Processo C‑135/03

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino de Espanha

«Incumprimento de Estado – Regulamentação comunitária relativa ao modo de produção biológico de produtos agrícolas e à sua indicação nos produtos agrícolas e nos géneros alimentícios – Legislação nacional que permite a utilização do termo ‘bio’ para produtos não obtidos segundo o modo de produção biológico»

Conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas em 17 de Março de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 14 de Julho de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Acção por incumprimento – Apreciação do mérito pelo Tribunal de Justiça – Situação a tomar em consideração – Situação no termo do prazo fixado no parecer fundamentado

(Artigo 226.° CE)

2.     Agricultura – Política agrícola comum – Modo de produção biológico de produtos agrícolas e sua indicação nos produtos agrícolas e nos géneros alimentícios – Regulamento n.° 2092/91 – Indicações referentes a esse modo de produção – Utilização das referidas indicações ou derivados das mesmas para produtos não obtidos segundo esse modo de produção – Utilização dos termos «biológico» e «bio» em Espanha – Admissibilidade na redacção dada pelo Regulamento n.° 1804/1999

(Regulamento n.° 2092/91 do Conselho, na redacção dada pelo Regulamento n.° 1804/1999, artigo 2.°)

3.     Acção por incumprimento – Prova do incumprimento – Ónus da prova que incumbe à Comissão – Presunções – Inadmissibilidade

(Artigo 226.° CE)

1.     A existência de incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. As alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal.

(cf. n.° 31)

2.     A lista das indicações relativas ao modo de produção biológica que figura no artigo 2.° Regulamento n.° 2092/91, relativo ao modo de produção biológico de produtos agrícolas e à sua indicação nos produtos agrícolas e nos géneros alimentícios, na redacção dada, com vista a incluir a produção animal, pelo Regulamento n.° 1804/1999, não é exaustiva. Daqui decorre que os Estados‑Membros podem, em caso de alteração dos usos em vigor no seu território, introduzir na sua legislação nacional expressões diferentes das que constam nessa lista para fazer referência ao modo de produção biológico.

Uma vez que, no que se refere à língua espanhola, apenas a expressão «ecológico», que engloba o derivado «eco», é mencionada na lista que consta do artigo 2.° do referido regulamento, o Governo espanhol não pode ser censurado por não proibir os produtores de produtos que não são obtidos segundo o modo de produção biológico de utilizar outras expressões, como «biológico» ou «bio». Com efeito, também não decorre da redacção do referido artigo que o derivado «bio» deva, devido ao facto de ser mencionado no artigo 2.° enquanto derivado vulgarmente utilizado, ser especialmente protegido em todos os Estados‑Membros e em todas as línguas, incluindo as línguas em relação às quais são mencionados, na lista que figura no mesmo artigo, termos que não correspondem à expressão francesa «biologique».

(cf. n.os 34‑36)

3.     No âmbito de uma acção por incumprimento, cabe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É a Comissão que deve apresentar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este verifique a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção.

(cf. n.° 41)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de Julho de 2005 (*)

«Incumprimento de Estado – Regulamentação comunitária relativa ao modo de produção biológico de produtos agrícolas e à sua indicação nos produtos agrícolas e nos géneros alimentícios – Legislação nacional que permite a utilização do termo ‘bio’ para produtos não obtidos segundo o modo de produção biológico»

No processo C‑135/03,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 26 Março de 2003,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Berscheid, B. Doherty, F. Jimeno Fernandez e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad e E. Braquehais Conesa, na qualidade de agentes,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, J. N. Cunha Rodrigues, M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Março de 2005,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 17 de Março de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Na petição inicial, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que,

–       ao manter no seu ordenamento interno e nos seus usos a utilização do termo «bio», sozinho ou combinado com outros termos, para produtos que não foram obtidos segundo o modo de produção biológico, violando assim as disposições conjugadas dos artigos 2.° e 5.° do Regulamento (CEE) n.° 2092/91 do Conselho, de 24 de Junho de 1991, relativo ao modo de produção biológico de produtos agrícolas e à sua indicação nos produtos agrícolas e nos géneros alimentícios (JO L 198, p. 1), na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 1935/95 do Conselho, de 22 de Junho de 1995 (JO L 186, p. 1), e, com vista a incluir a produção animal, pelo Regulamento (CE) n.° 1804/1999 do Conselho, de 19 de Julho de 1999 (JO L 222, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 2092/91»),

–       ao não adoptar as medidas necessárias para prevenir o uso fraudulento desse termo, violando assim as disposições conjugadas dos artigos 2.° e 10.°‑A do Regulamento n.° 2092/91,

–       ao não adoptar medidas para evitar que os consumidores sejam induzidos em erro sobre o modo de produção ou de obtenção dos géneros alimentícios, violando assim o artigo 2.° do referido regulamento, conjugado com o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), i), da Directiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (JO L 109, p. 29), e

–       ao manter no território da Comunidade Autónoma de Navarra, violando essas mesmas disposições, a utilização do termo «bio», sozinho ou combinado com outros termos, para produtos lácteos relativamente aos quais tem sido habitual e continuamente utilizado esse termo, mas que não são obtidos segundo o modo de produção biológico,

o Reino de Espanha violou os referidos regulamento e directiva e, em especial, as disposições supramencionadas desses diplomas.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

2       O Regulamento n.° 2092/91 criou um quadro de normas comunitárias de produção, rotulagem e controlo dos produtos obtidos segundo o modo de produção biológico. Conforme resulta do seu quinto considerando, este regulamento tem por objectivo garantir condições de concorrência leal entre os produtores desses produtos, assegurar a transparência nos diferentes estádios da produção e conduzir a uma maior credibilidade dos referidos produtos aos olhos dos consumidores.

3       O artigo 2.° do referido regulamento prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, considera‑se que um produto ostenta indicações referentes ao modo de produção biológico quando, na rotulagem, na publicidade ou nos documentos comerciais, o produto, os seus ingredientes ou as matérias‑primas para alimentação animal venham caracterizados pelas indicações utilizadas em cada Estado‑Membro, que sugiram ao comprador que o produto, os seus ingredientes ou as matérias‑primas para alimentação animal foram obtidos em conformidade com as regras de produção previstas no artigo 6.° e, em especial, pelos seguintes termos, ou seus derivados vulgarmente utilizados (tais como ‘bio’, ‘eco’, etc.) ou diminutivos, sozinhos ou em combinação, a menos que estes não se apliquem aos produtos agrícolas contidos em géneros alimentícios ou em alimentos para animais ou não tenham de forma evidente qualquer relação com o modo de produção:

–       em espanhol: ecológico,

–       em dinamarquês: økologisk,

–       em alemão: ökologisch, biologisch,

–       em grego: βιολογικό,

–       em inglês: organic,

–       em francês: biologique,

–       em italiano: biologico,

–       em neerlandês: biologisch,

–       em português: biológico,

–       em finlandês: luonnonmukainen,

–       em sueco: ekologisk.»

4       Nos termos do artigo 5.° do mesmo regulamento:

«1.      Na rotulagem ou na publicidade de um produto referido no n.° 1, alínea a), do artigo 1.°, só pode fazer‑se referência ao modo de produção biológico na medida em que:

a)      Essas indicações evidenciem que se trata de um modo de produção agrícola;

b)      O produto tenha sido obtido em conformidade com as normas referidas no artigo 6.°, ou tenha sido importado de um país terceiro no âmbito do regime previsto no artigo 11.°;

c)      Tenha sido produzido ou importado por um operador submetido às medidas de controlo previstas nos artigos 8.° e 9.°;

[…]»

5       O artigo 10.°‑A do Regulamento n.° 2092/91 dispõe:

«1.      Sempre que um Estado‑Membro verificar, num produto proveniente de outro Estado‑Membro que ostente as indicações previstas no artigo 2.º e/ou no anexo V, irregularidades ou infracções relativas à aplicação do presente regulamento, informará desse facto a Comissão e o Estado‑Membro que tiver designado a autoridade de controlo ou aprovado o organismo de controlo.

2.      Compete aos Estados‑Membros tomar as medidas necessárias para evitar a utilização fraudulenta das indicações referidas no artigo 2.º e/ou no anexo V.»

6       Por outro lado, a Directiva 2000/13, que diz respeito aos géneros alimentícios, prevê, no seu artigo 2.°, n.° 1, o seguinte:

«1.      A rotulagem e as modalidades em que é realizada não podem:

a)      Ser de natureza a induzir em erro o comprador, nomeadamente:

i)      no que respeita às características do género alimentício e, em especial, no que se refere à natureza, identidade, qualidades, composição, quantidade, durabilidade, origem ou proveniência, modo de fabrico ou de obtenção,

[…]»

 Legislação nacional

7       O artigo 3.°, n.° 1, do Real Decreto n.° 1852/1993, de 22 de Outubro de 1993, relativo à produção agrícola biológica e à sua indicação nos produtos agrícolas e nos géneros alimentícios (BOE n.° 283, de 26 de Novembro de 1993, p. 33528), previa inicialmente o seguinte:

«Em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 2092/91, considera‑se, em qualquer caso, que um produto ostenta indicações referentes ao modo de produção biológico quando no rótulo, na publicidade ou nos documentos comerciais o produto ou os seus ingredientes sejam designados pelo termo ‘ecológico’.

Também é possível utilizar, para além de outras indicações específicas susceptíveis de serem aplicadas pelas Comunidades Autónomas, as indicações seguintes: ‘obtenido sin el empleo de productos químicos de síntesis’, ‘biológico’, ‘orgánico’, ‘biodinámico’, e os respectivos nomes compostos, bem como as denominações ‘eco’ e ‘bio’, acompanhadas ou não do nome do produto, dos seus ingredientes ou da sua marca comercial.»

8       O referido decreto foi alterado pelo Real Decreto n.° 506/2001, de 11 de Maio 2001 (BOE n.° 126, de 26 de Maio de 2001, p. 18609). O seu artigo 3.°, n.° 1, prevê doravante:

«Em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 2092/91, na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 1804/1999, considera‑se, em qualquer caso, que um produto ostenta indicações referentes ao modo de produção biológico quando no rótulo, na publicidade ou nos documentos comerciais o produto, os seus ingredientes, ou as matérias‑primas para alimentação animal sejam designados pelo termo ‘ecológico’ ou pelo seu derivado ‘eco’, isolado ou em combinação com o nome do produto, com os seus ingredientes ou com a sua marca comercial.»

9       Segundo os terceiro e quinto parágrafos da exposição de motivos deste real decreto, esta alteração revelou‑se necessária a fim de evitar qualquer ambiguidade relativamente aos termos que, segundo a regulamentação comunitária, estão reservados à produção biológica e de eliminar as confusões que podem daí resultar para os consumidores, tendo em conta a situação real do sector alimentar em Espanha, no qual se tornou corrente a utilização do termo «bio» para designar produtos alimentares que apresentam certas características não relacionadas com o modo de produção biológico.

10     Por outro lado, no que se refere à Comunidade Autónoma de Navarra, o Decreto Regional n.° 617/1999, de 20 de Dezembro de 1999 (BO de Navarra n.° 4, de 10 de Janeiro de 2000), prevê, no seu artigo 2.°, que um produto contém indicações alusivas ao modo de produção biológico se ostentar os termos «ecológico», «obtenido sin el empleo de productos químicos de síntesis», «biológico», «orgánico», «biodinámico» ou os diminutivos «eco» e «bio».

11     O Decreto Regional n.° 212/2000, de 12 de Junho de 2000 (BO de Navarra n.° 83, de 10 de Julho de 2000), aditou ao artigo 1.° do Decreto Regional n.° 617/1999 o seguinte parágrafo:

«O presente regulamento não é aplicável aos produtos lácteos para os quais tenha vindo a ser utilizado de forma habitual e contínua o termo ‘bio’, uma vez que este não tem qualquer relação com o modo de produção biológico.»

12     Segundo a exposição de motivos deste decreto regional, esta alteração tomava em consideração a realidade existente na região de Navarra, onde o termo ‘bio’, que é aplicado aos produtos lácteos, não corresponde geralmente à ideia de produção biológica e ao respectivo modo de produção.

 Fase pré‑contenciosa

13     Durante os trabalhos preparatórios do Real Decreto n.° 506/2001, a Comissão recebeu várias queixas que chamavam a sua atenção para esta alteração legislativa, que era contrária às normas estabelecidas pelo Regulamento n.° 2092/91. Uma vez que este real decreto foi adoptado não obstante a intervenção, junto das autoridades espanholas, dos serviços da Comissão, esta deu início ao processo por incumprimento previsto no artigo 226.°, n.° 1, CE.

14     Após ter dado ao Reino de Espanha oportunidade de apresentar as suas observações, a Comissão emitiu, em 24 de Abril de 2002, um parecer fundamentado, convidando este Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao mesmo no prazo de dois meses a contar da sua notificação. Uma vez que o Governo espanhol não deu cumprimento a este parecer, a Comissão instaurou a presente acção.

 Quanto à acção

 Argumentos das partes

15     Segundo a Comissão, o Real Decreto n.° 506/2001, que reserva apenas o termo «ecológico» e o seu derivado «eco» para o modo de produção biológico e permite, por conseguinte, a utilização do termo «bio» para produtos que não são obtidos segundo este modo de produção, viola os artigos 2.°, 5.° e 10.°‑A do Regulamento n.° 2092/91. O artigo 2.° deste regulamento proíbe claramente que derivados de termos que designam o modo de produção biológico sejam utilizados para produtos que não são obtidos em conformidade com este modo de produção. O termo «bio» é expressamente mencionado neste artigo enquanto exemplo desses derivados. A indicação exclusiva do termo «ecológico», relativamente à língua espanhola, na enumeração dos termos expressos nas diferentes línguas, constante do referido artigo, não é susceptível de alterar esta interpretação. Esta enumeração, introduzida pela expressão «em especial», é apenas exemplificativa e não exaustiva.

16     O contexto e a finalidade do Regulamento n.° 2092/91 confirmam esta interpretação. É, com efeito, inconcebível que, no mercado comum, o termo «bio» seja protegido em certos Estados‑Membros e não o seja noutros.

17     Por outro lado, segundo os usos em vigor no território espanhol e ao contrário do sustentado pelo Governo espanhol, os consumidores atribuem valor idêntico aos termos «ecológico» e «biológico». Esta afirmação é corroborada pela versão anterior do Real Decreto n.° 1852/1993, que previa a possibilidade de utilizar indistintamente quer os termos «biológico» e «bio», por um lado, quer «ecológico» e «eco», por outro, para qualificar os produtos obtidos segundo o modo de produção biológico. O mesmo é válido para a legislação em vigor no território da Comunidade Autónoma de Navarra.

18     Resulta de exemplos concretos que os termos «ecológico» e «biológico» são frequentemente utilizados de forma idêntica em Espanha. Numerosos produtos rotulados de «biológicos» são acondicionados em embalagens que contêm a indicação de que aqueles são obtidos segundo o modo de produção biológico. A imprensa espanhola também utiliza indistintamente estes dois termos.

19     Os serviços da Comissão receberam queixas que denunciavam a existência de utilizações irregulares e fraudulentas do termo «bio» em Espanha. Confrontados com esta situação, os Estados‑Membros são obrigados, por força do artigo 10.°‑A, n.° 2, do Regulamento n.° 2092/91, a tomar as medidas necessárias para pôr termo à mesma. Não tendo o Governo espanhol tomado este tipo de medidas, deve igualmente ser declarada a violação desta disposição.

20     Pelas mesmas razões, a saber, pelo facto de as autoridades espanholas tolerarem utilizações fraudulentas do termo «bio», a Comissão sustenta que deve igualmente ser declarado que estas autoridades violaram o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), i), da Directiva 2000/13. A autorização de comercialização sob o rótulo «biológico» ou «bio» de géneros alimentícios que não são obtidos segundo o modo de produção biológico tem a consequência de induzir os consumidores em erro quanto ao modo de fabrico ou de obtenção dos géneros alimentícios em questão, tanto mais que os produtos verdadeiramente obtidos segundo o modo de produção biológico são geralmente vendidos a um preço consideravelmente mais elevado.

21     No que se refere, mais particularmente, à legislação em vigor no território da Comunidade Autónoma de Navarra, a Comissão alega que esta reserva correctamente a utilização dos termos «biológico» e «bio» aos produtos obtidos segundo o modo de produção biológico. No entanto, essa legislação prevê indevidamente uma excepção para os produtos lácteos.

22     O Governo espanhol contesta o alegado incumprimento. Conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que a acção instaurada pela Comissão seja julgada improcedente e que esta última seja condenada nas despesas. Segundo esse governo, resulta claramente da redacção do artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91, na versão aplicável ao caso em apreço, que, para designar o modo de produção biológico, deve ser feita referência às indicações linguísticas constantes da lista mencionada neste artigo. Esta lista indica precisamente, para a língua espanhola, o termo «ecológico», e não os termos «biológico» ou «bio». Em Espanha, os produtores são, assim, livres de utilizar os termos «biológico» ou «bio» para produtos que não são obtidos segundo o modo de produção biológico, sem que este uso possa ser qualificado de ilegal ou de fraudulento.

23     Segundo o referido governo, uma vez que não se procedeu à harmonização das indicações em causa a nível comunitário, as diferenças existentes entre as legislações dos Estados‑Membros devem ser aceites. Se os autores do Regulamento n.° 2092/91 tivessem querido que a designação dos produtos obtidos segundo o modo de produção biológico estivesse sujeita a regras idênticas em todos os Estados‑Membros, então deveriam ter imposto o mesmo termo, traduzido nas diferentes línguas comunitárias, a cada um destes Estados. A lista em causa demonstra, no entanto, que não é este o caso.

24     No espírito dos consumidores espanhóis, o termo «bio», que é muito menos conhecido em Espanha do que noutros Estados‑Membros, não faz com efeito referência ao modo de produção biológico, mas é associado antes a produtos, de modo geral, sãos e benéficos para a saúde. Resulta de uma sondagem de opinião, realizada em 1999 em Madrid, que apenas 3% das pessoas interrogadas associam o termo «bio» ao modo de produção biológico, enquanto 86% o associam simplesmente aos produtos lácteos, principalmente ao iogurte. Por conseguinte, não é possível admitir que este termo é utilizado em Espanha para caracterizar o modo de produção biológico.

25     O Governo espanhol contesta, por conseguinte, as acusações relativas à violação dos artigos 2.°, 5.° e 10.°‑A do Regulamento n.° 2092/91 e do artigo 2.° da Directiva 2000/13. Uma vez que decorre da sondagem de opinião invocada que a grande maioria dos consumidores espanhóis não associa o termo «bio» ao modo de produção biológico, a prática em causa não é susceptível de induzir estes últimos em erro.

26     A Comissão contesta a objectividade, a fiabilidade e a pertinência da referida sondagem. Alega que, uma vez que o significado de determinados termos evolui muito rapidamente no sector em causa, um estudo efectuado em 1999 é desprovido de valor para a situação existente em 2002. Do mesmo modo, a sondagem em causa apenas incidiu sobre um número muito reduzido de pessoas e, atendendo às questões colocadas e aos métodos utilizados, não é possível retirar da mesma nenhuma conclusão determinante.

27     Na audiência, o Governo espanhol indicou, em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, que a maioria das Comunidades Autónomas dispõem de legislações regionais idênticas à que está em vigor no território da Comunidade Autónoma de Navarra, admitindo indistintamente, além de «ecológico» e «eco», vários outros termos para qualificar os produtos obtidos segundo o modo de produção biológico, entre os quais se incluem frequentemente os termos «biológico» e «bio».

28     Do mesmo modo, as partes expressaram‑se na audiência acerca da eventual relevância, para a resolução do litígio, da versão do Regulamento n.º 2092/91, na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 392/2004 do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2004 (JO L 65, p. 1), e pelo Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 346).

29     Com efeito, o Regulamento n.° 392/2004 aditou, ao artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91, a indicação de que os termos enumerados neste artigo nas diferentes línguas «são considerados como indicações referentes ao modo de produção biológico em toda a Comunidade e em todas as línguas comunitárias». Esta versão do referido artigo 2.° é, nomeadamente, objecto do processo de reenvio prejudicial no qual foi hoje proferido o acórdão Comité Andaluz de Agricultura Ecológica (C‑107/04, ainda não publicado na Colectânea).

30     Enquanto a Comissão sustenta que esta última alteração do artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91 possui um mero valor declaratório do conteúdo implícito da versão anterior desta disposição, o Governo espanhol alega que se trata de uma alteração substancial que não pode, todavia, ter relevância para a presente acção por incumprimento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

31     A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a existência de incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdãos de 16 de Janeiro de 2003, Comissão/Reino Unido, C‑63/02, Colect., p. I‑821, n.° 11, e de 14 de Abril de 2005, Comissão/Alemanha, C‑341/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33). As alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal (v., nomeadamente, acórdão de 18 de Novembro de 2004, Comissão/Irlanda, C‑482/03, não publicado na Colectânea, n.° 11).

32     Dado que o parecer fundamentado da Comissão data de 24 de Abril de 2002 e que foi concedido ao Reino de Espanha um prazo de dois meses, há que apreciar a existência do alegado incumprimento à luz do Regulamento n.° 2092/91 e não à da versão deste resultante do Regulamento n.° 392/2004.

33     O artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91 refere‑se, relativamente à rotulagem, à publicidade e aos documentos comerciais dos produtos obtidos segundo o modo de produção biológico, às «indicações utilizadas em cada Estado‑Membro que sugiram ao comprador que o produto […] [foi obtido] em conformidade com as regras de produção [biológica]» e, «em especial», aos «termos ou [aos] seus derivados vulgarmente utilizados» que constam de uma lista que enuncia, para cada uma das onze línguas oficiais da Comunidade então em vigor, uma ou duas expressões. Desta lista, relativamente a cinco das onze línguas, consta uma única expressão correspondente ao termo francês «biologique». Para três outras línguas, é mencionada uma única expressão correspondente ao termo francês «écologique». Relativamente à língua alemã, são referidas indistintamente duas expressões que correspondem a estes dois termos, e para cada uma das duas línguas restantes é mencionada outra expressão.

34     Esta lista, que é introduzida pelos termos «em especial», não possui carácter exaustivo. Daqui resulta que os Estados‑Membros podem, em caso de alteração dos usos em vigor no seu território, introduzir na sua legislação nacional expressões diferentes das que constam da referida lista para fazer referência ao modo de produção biológico.

35     Na versão aplicável à presente acção por incumprimento, a redacção do artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91 é inequívoca a este respeito. Uma vez que, no que se refere à língua espanhola, apenas a expressão «ecológico», que engloba o derivado «eco», é mencionada na lista que consta deste artigo, o Governo espanhol não pode ser censurado por não proibir os produtores de produtos que não são obtidos segundo o modo de produção biológico de utilizar outras expressões, como, no caso em apreço, «biológico» ou «bio».

36     Contrariamente ao que a Comissão sustenta, também não decorre da redacção do referido artigo 2.° que o derivado «bio» deve, devido ao facto de ser mencionado no referido artigo enquanto derivado vulgarmente utilizado, ser especialmente protegido em todos os Estados‑Membros e em todas as línguas, incluindo as línguas em relação às quais são mencionados, na lista que figura no mesmo artigo, termos que não correspondem à expressão francesa «biologique». Como já foi observado, era o caso na época dos factos no que diz respeito a cinco dos quinze Estados‑Membros. Com efeito, a referência aos derivados «‘bio’, ‘eco’, etc.» no artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91 não é susceptível de justificar a atribuição de um tratamento particular apenas ao termo «bio».

37     Embora possa parecer desejável, tendo em conta a importância crescente do mercado dos produtos obtidos segundo o modo de produção biológico a nível comunitário, prever a harmonização das indicações relativas a estes produtos, compete ao legislador comunitário reagir a esta necessidade. A alteração do artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91 pelo Regulamento n.° 392/2004 demonstra esta evolução. Como resulta do acórdão Comité Andaluz de Agricultura Ecológica, já referido, a versão do referido artigo 2.° resultante desta alteração deve efectivamente ser interpretada no sentido de que as expressões dele constantes devem ser protegidas em todas as línguas oficiais da Comunidade.

38     A referida alteração não pode, no entanto, ter influência sobre o quadro legislativo anterior, à luz do qual a presente acção por incumprimento deve ser apreciada. Com efeito, a adopção de uma nova versão do artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91 permite presumir a vontade do legislador modificar este artigo e não a de o deixar inalterado. Se essa vontade não existisse, a adopção da alteração legislativa em causa não teria sido necessária.

39     Em último lugar, a Comissão não pode sustentar que o Reino de Espanha era obrigado a reservar não só a utilização da expressão «ecológico» e do seu derivado «eco», mas também a do termo «bio» para os produtos obtidos segundo o modo de produção biológico, devido a uma utilização deste termo em Espanha que teria conduzido os consumidores espanhóis a considerar, apesar de tudo, o mencionado termo uma referência ao modo de produção biológico.

40     É verdade, como sustenta a Comissão, que o conteúdo da legislação nacional anterior à alteração resultante do Real Decreto n.° 506/2001 e a legislação em vigor no território da Comunidade Autónoma de Navarra fornecem indícios importantes neste sentido. O mesmo é válido para as informações que o Governo espanhol forneceu na audiência em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, segundo as quais, em muitas outras regiões, a utilização dos termos «biológico» ou «bio» parece estar reservada aos produtos obtidos em conformidade com o modo de produção biológico. Por outro lado, as dúvidas expressas pela Comissão em oposição à sondagem de opinião invocada pelo Governo espanhol também não são, à primeira vista, desprovidas de pertinência.

41     No entanto, deve recordar‑se que é jurisprudência assente que, no âmbito do processo por incumprimento, cabe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado. É a Comissão que deve apresentar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este verifique a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção (v., nomeadamente, acórdãos de 29 de Abril de 2004, Comissão/Áustria, C‑194/01, Colect., p. I‑4579, n.° 34, e Comissão/Alemanha, já referido, n.° 35). No caso em apreço, a Comissão, além das indicações acima mencionadas relativas a uma determinada utilização dos termos «biológico» e «bio» no mercado espanhol, não demonstrou que, neste mercado, esses termos sugerem geralmente aos compradores espanhóis que os produtos em questão são obtidos segundo o modo de produção biológico. Embora, a este respeito, as dúvidas expressas pela Comissão da sondagem de opinião invocada pelo Governo espanhol não sejam desprovidas de pertinência, não é menos verdade que a Comissão não apresentou nenhum elemento que demonstrasse que, em Espanha, no momento do termo do prazo concedido no parecer fundamentado, a utilização dos termos «biológico» ou «bio» para designar produtos obtidos segundo o modo de produção biológico era tão frequente que o consumidor espanhol associava estes termos ao modo de produção biológico. Assim, a Comissão não pôde refutar a afirmação constante na exposição dos fundamentos do Real Decreto n.° 506/2001, segundo a qual, quando da adopção deste último, a utilização do termo «bio» se tinha tornado corrente em Espanha para designar produtos alimentares que apresentavam certas características que não tinham qualquer relação com o modo de produção biológico.

42     Uma vez que não é possível concluir que não foram tidas em conta as obrigações que decorrem do artigo 2.° do Regulamento n.° 2092/91, na sua versão aplicável à presente acção, também não é, por conseguinte, possível considerar demonstrada a violação dos artigos 5.° e 10.°‑A do referido regulamento e do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), i), da Directiva 2000/13, a qual depende da inobservância daquelas obrigações.

43     No que se refere, por outro lado, ao incumprimento resultante, segundo a Comissão, da utilização do termo «bio» no território da Comunidade Autónoma de Navarra, basta observar que o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça no que se refere ao Real Decreto n.° 506/2001 é igualmente válido para a legislação regional aplicável no território da Comunidade Autónoma de Navarra. Em consequência, também não é possível concluir que existe qualquer incumprimento a este respeito.

44     Nestas condições, a acção deve ser julgada totalmente improcedente.

 Quanto às despesas

45     Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino de Espanha pedido a condenação da Comissão nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.