Processo C‑6/03

Deponiezweckverband Eiterköpfe

contra

Land Rheinland‑Pfalz

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Koblenz)

«Ambiente – Deposição de resíduos – Directiva 1999/31/CE – Regulamentação nacional que institui normas mais exigentes – Compatibilidade»

Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas em 30 de Novembro de 2004 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 14 de Abril de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Ambiente – Resíduos – Directiva 1999/31 – Deposição de resíduos – Regulamentação nacional que institui normas mais exigentes – Compatibilidade

(Artigo 176.° CE; Directiva 1999/31 do Conselho, artigo 5.°, n.os 1 e 2)

2.     Ambiente – Medidas de protecção reforçadas – Compatibilidade com o Tratado – Condição – Respeito do princípio da proporcionalidade – Exclusão

(Artigo 176.° CE; Directiva 1999/31 do Conselho)

1.     O artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Directiva 1999/31/CE, relativa à deposição de resíduos em aterros, não se opõe a uma disposição nacional que:

– fixa limites para a admissão da deposição de resíduos biodegradáveis mais reduzidos do que os fixados na directiva, ainda que estes sejam tão reduzidos que impliquem um tratamento mecânico‑biológico ou a incineração desses resíduos antes da sua deposição em aterro,

– fixa prazos mais curtos do que os previstos na directiva para reduzir a quantidade de resíduos depositados,

– se aplica não só aos resíduos biodegradáveis mas também às substâncias orgânicas não biodegradáveis, e

– se aplica não só aos resíduos urbanos mas também aos resíduos que podem ser eliminados como resíduos urbanos.

(cf. n.os 43, 44, 49, 52, 55, 56, disp. 1)

2.     No âmbito da política comunitária do ambiente, desde que uma medida nacional prossiga os mesmos objectivos que uma directiva, a ultrapassagem das exigências mínimas nesta estabelecidas está prevista e é permitida pelo artigo 176.° CE, nas condições nele estatuídas. Consequentemente, o princípio comunitário da proporcionalidade não é aplicável no que se refere às disposições nacionais de protecção reforçadas, adoptadas ao abrigo do artigo 176.° CE e que ultrapassam as exigências mínimas previstas numa directiva comunitária no domínio do ambiente, desde que não estejam em causa outras disposições do Tratado.

(cf. n.os  58, 64, disp. 2)








ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de Abril de 2005 (*)

«Ambiente – Deposição de resíduos – Directiva 1999/31 – Regulamentação nacional que institui normas mais exigentes – Compatibilidade»

No processo C‑6/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, submetido pelo Verwaltungsgericht Koblenz (Alemanha), por decisão de 4 de Dezembro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Janeiro de 2003, no processo

Deponiezweckverband Eiterköpfe

contra

Land Rheinland‑Pfalz,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, N. Colneric, J. N. Cunha Rodrigues (relator), M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e na sequência da audiência de 15 de Setembro de 2004,

vistas as observações escritas apresentadas:

–       em representação da Deponiezweckverband Eiterköpfe, por W. Klett, G. Moesta e A. Oexle, Rechtsanwälte,

–       em representação do Land Rheinland‑Pfalz, por P. Delorme, na qualidade de agente, assistido por D. Sellner, Rechtsanwalt,

–       em representação do Governo alemão, por W.‑D. Plessing, M. Lumma e A. Tiemann, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo austríaco, por E. Riedl e M. Hauer, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por U. Wölker e M. Konstantinidis, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 30 de Novembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial versa sobre a interpretação do artigo 5.° da Directiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de Abril de 1999, relativa à deposição de resíduos em aterros (JO L 182, p. 1, a seguir «directiva»), bem como do artigo 176.° CE e do princípio da proporcionalidade.

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a associação Deponiezweckverband Eiterköpfe (a seguir «Deponiezweckverband») e o Land Rheinland‑Pfalz (Land da Renânia‑Palatinado), relativamente à autorização de exploração de um aterro.

 Quadro jurídico

 Direito comunitário

3       No quadro da política da Comunidade no domínio do ambiente, o artigo 176.° CE dispõe:

«As medidas de protecção adoptadas por força do artigo 175.° não obstam a que cada Estado‑Membro mantenha ou introduza medidas de protecção reforçadas. Essas medidas devem ser compatíveis com o presente Tratado e serão notificadas à Comissão.»

4       A directiva foi adoptada com base no artigo 130.°‑S, n.° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 175.°, n.° 1, CE).

5       O artigo 1.°, n.° 1, da directiva dispõe:

«A fim de dar cumprimento às exigências da Directiva 75/442/CEE, nomeadamente dos artigos 3.° e 4.°, o objectivo da presente directiva é, com base em requisitos operacionais e técnicos estritos em matéria de resíduos e aterros, prever medidas, processos e orientações que evitem ou reduzam tanto quanto possível os efeitos negativos sobre o ambiente, em especial a poluição das águas de superfície, das águas subterrâneas, do solo e da atmosfera, sobre o ambiente global, incluindo o efeito de estufa, bem como quaisquer riscos para a saúde humana, resultantes da deposição de resíduos em aterros durante todo o ciclo de vida do aterro.»

6       O artigo 2.°, alínea a), da directiva define «resíduos» como qualquer substância ou objecto abrangido pela Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129). Esta define, no artigo 1.°, alínea a), «resíduo» como «qualquer substância ou objecto de que o detentor se desfaz ou tem a obrigação de se desfazer por força das disposições nacionais em vigor».

7       Os «resíduos urbanos» são definidos no artigo 2.°, alínea b), da directiva como «os resíduos provenientes das habitações privadas bem como outros resíduos que, pela sua natureza ou composição, sejam semelhantes aos resíduos provenientes das habitações».

8       Nos termos do artigo 2.°, alínea m), da directiva, entende‑se por «resíduos biodegradáveis» «os resíduos que podem ser sujeitos a decomposição anaeróbia ou aeróbia, como, por exemplo, os resíduos alimentares e de jardim, o papel e o cartão».

9       O artigo 3.°, n.° 1, da directiva dispõe:

«Os Estados‑Membros aplicarão a presente directiva a todos os aterros que correspondam à definição da alínea g) do artigo 2.°»

10     Segundo o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da directiva:

«1.      No prazo máximo de dois anos a contar da data prevista no n.° 1 do artigo 18.°, os Estados‑Membros definirão uma estratégia nacional para a redução dos resíduos biodegradáveis destinados aos aterros e notificarão a Comissão dessa estratégia. Essa estratégia deverá incluir medidas destinadas a alcançar os objectivos estabelecidos no n.° 2, através, designadamente, de reciclagem, compostagem, produção de biogás ou valorização de materiais/energia. No prazo de 30 meses a contar da data mencionada no n.° 1 do artigo 18.°, a Comissão enviará ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório do qual constará uma síntese de todas as estratégias nacionais.

2.      Essa estratégia deverá assegurar o seguinte:

a)      No prazo máximo de cinco anos a contar da data prevista no n.° 1 do artigo 18.°, os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterros devem ser reduzidos para 75% da quantidade total (por peso) de resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995 ou no ano mais recente antes de 1995 para o qual existam dados normalizados do Eurostat;

b)      No prazo máximo de oito anos a contar da data prevista no n.° 1 do artigo 18.°, os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterros devem ser reduzidos para 50% da quantidade total (por peso) de resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995 ou no ano mais recente antes de 1995 para o qual existam dados normalizados do Eurostat;

c)      No prazo máximo de 15 anos a contar da data prevista no n.° 1 do artigo 18.°, os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterros devem ser reduzidos para 35% da quantidade total (em peso) de resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995 ou no ano mais recente antes de 1995 para o qual existam dados normalizados do Eurostat;

[...]»

11     O artigo 6.°, alínea a), da directiva especifica que:

«Os Estados‑Membros tomarão medidas para que:

a)      Só sejam depositados em aterros os resíduos que tenham sido tratados. Esta disposição poderá não se aplicar a resíduos inertes cujo tratamento não seja tecnicamente viável, ou a quaisquer outros resíduos cujo tratamento não contribua para os objectivos da presente directiva estabelecidos no artigo 1.° mediante a redução da quantidade de resíduos ou dos perigos para a saúde humana ou o ambiente.»

12     A data fixada no artigo 18.°, n.° 1, da directiva, e que é mencionada no seu artigo 5.°, é 16 de Julho de 2001. Trata‑se da data em que, o mais tardar, os Estados‑Membros eram obrigados a transpor a directiva para o seu direito interno.

 Direito nacional

13     O regulamento relativo à deposição de resíduos urbanos (Verordnung über die umweltverträgliche Ablagerung von Siedlungsabfällen), de 20 de Fevereiro de 2001 (BGBl. 2001 I, p. 305, a seguir «regulamento de 2001»), foi aprovado com vista à transposição da directiva para o direito interno alemão.

14     Os «resíduos urbanos» são definidos no § 2, n.° 1, do regulamento de 2001 como «os resíduos provenientes das habitações privadas bem como os outros resíduos que, pela sua natureza ou composição, sejam semelhantes aos resíduos provenientes dessas habitações».

15     Os «resíduos que podem ser eliminados como resíduos urbanos» são definidos no § 2, n.° 2, do regulamento de 2001 como «resíduos que, pela sua natureza ou composição, podem ser eliminados com ou como os resíduos urbanos, designadamente as lamas residuais provenientes das estações de tratamento das águas residuais urbanas ou de águas residuais que apresentam uma carga de poluição igualmente pouco elevada, as matérias e detritos fecais, os resíduos das estações de tratamento das águas, as lamas provenientes do tratamento das águas, os detritos de obras e os detritos especificamente ligados à produção [...]».

16     O § 3, n.° 3, do referido regulamento dispõe:

«Os resíduos urbanos e os resíduos na acepção do § 2, n.° 2, com excepção dos resíduos tratados por processos mecânico‑biológicos, só podem ser depositados em aterro nos casos em que obedeçam aos critérios de classificação previstos no anexo 1 para as classes de aterros I ou II.»

17     O § 4, n.° 1, do mesmo regulamento dispõe:

«Os resíduos tratados por processos mecânico‑biológicos só podem ser depositados em aterro, nos casos em que:

[...]

os resíduos respeitem os critérios de classificação do anexo 2 [...]»

18     O anexo 1 do regulamento de 2001 prevê que, na classificação dos resíduos de aterros, devem respeitar‑se os seguintes valores:

Número

Parâmetros

Valores de classificação

Classe de aterro I

Classe de aterro II

2

Componente orgânico do resíduo seco da substância original

2.01

Definido como sólido volátil

< = 3% de massa

< = 5% de massa

2.02

Definido como TOC [carbono orgânico total]

< = 1% de massa

< = 3% de massa

4

Critérios de eluato

4.03

TOC

< = 20 mg/l

< = 100 mg/l


19     O anexo 2 do mesmo regulamento dispõe que, na classificação dos resíduos previamente tratados por processos mecânico‑biológicos nos aterros, devem respeitar‑se os valores de referência seguintes:

Número

Parâmetros

Valores de classificação

2

Componente orgânico do resíduo seco da substância original definido como TOC

< = 18% de massa

4

Critérios de eluato

4.03

TOC

< = 250 mg/l

5

Capacidade de decomposição biológica do resíduo seco da substância original definida como actividade respiratória (AT4) ou

< = 5 mg/g

definida como taxa de formação de gases no teste de fermentação (GB21)

< = 20 l/kg


20     O regulamento de 2001 entrou em vigor em 1 de Março de 2001. A título de disposições transitórias, o § 6 deste regulamento dispõe que, em determinadas condições, a deposição de resíduos não conformes com os seus critérios pode ser permitida até 31 de Maio de 2005, e o armazenamento dos resíduos conformes em aterros antigos não conformes com as suas exigências pode ser autorizado até 15 de Julho de 2009.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21     A recorrente no processo principal, a Deponiezweckverband, é uma associação entre os Landkreise (circunscrições administrativas) de Mayen‑Koblenz e de Cochem‑Zell e da cidade de Koblenz, que explora o aterro central de Eiterköpfe. Pretende obter do Land Rheinland‑Pfalz, recorrido no processo principal, a autorização para acabar de encher, depois de 31 de Maio de 2005 e até 31 de Dezembro de 2013, o mais tardar, duas parcelas do aterro com resíduos que só foram tratados previamente por processos mecânicos. O Land Rheinland‑Pfalz entende que a regulamentação nacional aplicável não o permite.

22     O Verwaltungsgericht Koblenz, a quem foi submetido o litígio, tem dúvidas quanto à compatibilidade desta regulamentação nacional com o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da directiva, bem como com o princípio comunitário da proporcionalidade. Assim, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 5.°, n.° 1, da directiva relativa aos aterros [...], que contém as disposições comunitárias relativas a uma estratégia para a redução dos resíduos biodegradáveis destinados aos aterros, deve ser entendido no sentido de que medidas adoptadas no quadro do artigo 176.° CE, em derrogação às definidas no artigo 5.°, n.° 2, [dessa directiva], a saber, redução dos resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterros para uma determinada percentagem por peso da totalidade de resíduos urbanos biodegradáveis referentes a um determinado ano civil, podem ser reforçadas por uma disposição nacional adoptada para transpor estas disposições comunitárias, na medida em que resíduos urbanos e resíduos que podem ser eliminados como resíduos urbanos só podem ser depositados em aterros se for respeitado o respectivo critério de classificação ‘componente orgânico do resíduo seco da substância original’ (definido como sólido volátil ou como TOC)?

2) a) Em caso afirmativo, devem as disposições comunitárias do artigo 5.°, n.° 2, da directiva ser compreendidas no sentido de que, para os requisitos que definem, a saber,

–       75% do peso, a partir de 16 de Julho de 2006,

–       50% do peso, a partir de 16 de Julho de 2009, e

–       35% do peso, a partir de 16 de Julho de 2016,

é suficiente uma regulamentação dos Estados‑Membros que, respeitando o princípio comunitário da proporcionalidade, preveja que, para os resíduos urbanos e para os resíduos que possam ser eliminados como resíduos urbanos, a partir de 1 de Junho de 2005, o componente orgânico do resíduo seco da substância original, definido como sólido volátil, deve ser menor ou igual a 18% de massa quando determinada como TOC, devendo a biodegradabilidade do resíduo seco da substância original ser inferior ou igual a 5% de massa, e o definido como TOC deve ser menor ou igual a 3% de massa; os resíduos tratados por processos mecânico‑biológicos só podem, a partir de 1 de Março de 2001, ser depositados em aterros antigos, o mais tardar, até 15 de Julho de 2009, e, no caso particular, também para além dessa data, quando o componente orgânico do resíduo seco da substância original [...], definida como actividade respiratória (AT4), é menor ou igual a 5 mg/g ou, definida como taxa de formação de gases no teste de fermentação (GB21), comporta 20 l/kg ou menos?

2) b) O princípio comunitário da proporcionalidade atribui uma margem de discricionariedade ampla ou restrita da avaliação dos efeitos, no caso de sobreposição de resíduos que não foram previamente tratados com outros que foram previamente tratados através de processos térmicos ou mecânico‑biológicos? Pode retirar‑se do princípio da proporcionalidade que o perigo resultante de resíduos previamente tratados apenas por processos mecânicos pode ser compensado de outro modo, por medidas de segurança com outro alcance?»

 Quanto ao requerimento de reabertura da fase oral

23     Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de Dezembro de 2004, completado por correio de 16 de Fevereiro de 2005, a Deponiezweckverband requereu a reabertura da fase oral, com o propósito de serem tomados em consideração determinados relatórios de peritos.

24     Nos termos do n.° 62 das conclusões do advogado‑geral, «faltam os dados imprescindíveis para levar a cabo uma apreciação criteriosa» e, de acordo com a nota 35 destas mesmas conclusões, «[d]os autos não constam os relatórios técnicos [...]». Contudo, a Deponiezweckverband alega que o processo nacional contém cinco relatórios de peritos, precisamente, com as informações a que se refere o advogado‑geral. A reabertura da fase oral é indicada para os tomar em consideração.

25     O Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou por proposta do advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral, em conformidade com o artigo 61.° do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v. acórdãos de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, Colect., p. I‑1577, n.° 42, e de 14 de Dezembro de 2004, Arnold André, C‑434/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 27). No entanto, no caso vertente, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões colocadas. Por conseguinte, há que indeferir o requerimento de reabertura da fase oral.

 Quanto às questões prejudiciais

26     Importa tratar conjuntamente as questões 1 e 2 a), na medida em que incidem sobre a interpretação da directiva à luz do artigo 176.° CE. Devem também ser tratadas conjuntamente as questões 2 a) e 2 b), na medida em que se referem ao princípio comunitário da proporcionalidade.

 Observação prévia

27     A título liminar, importa lembrar que a regulamentação comunitária no domínio do ambiente não pretende alcançar uma harmonização completa. Embora o artigo 174.° CE mencione determinados objectivos comunitários a atingir, o artigo 176.° CE prevê a possibilidade de os Estados‑Membros adoptarem medidas reforçadas de protecção (acórdão de 22 de Junho de 2000, Fornasar e o., C‑318/98, Colect., p. I‑4785, n.° 46). O artigo 176.° CE sujeita tais medidas unicamente à condição de serem compatíveis com o Tratado e de serem notificadas à Comissão.

28     Nos termos do artigo 174.°, n.° 2, CE, a política da Comunidade no domínio do ambiente terá por objectivo atingir um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear‑se‑á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor‑pagador.

29     A directiva foi adoptada com base no artigo 130.°‑S, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 175.°, n.° 1, CE) e, portanto, com vista a realizar os objectivos previstos no artigo 174.° CE.

30     Resulta do nono considerando e do artigo 1.°, n.° 1, da directiva que esta pretende prosseguir e precisar os objectivos da Directiva 75/442, prevendo medidas no sentido de evitar ou reduzir tanto quanto possível os efeitos negativos da deposição de resíduos no ambiente.

31     Por força do artigo 5.°, n.° 1, da directiva, os Estados‑Membros definirão as estratégias nacionais para a redução dos resíduos biodegradáveis destinados aos aterros. Nos termos dessa mesma disposição, essas estratégias nacionais deverão incluir medidas destinadas a alcançar os objectivos estabelecidos no n.° 2 do artigo 5.° da directiva. Esta última disposição refere que as ditas estratégias nacionais devem prever a redução da quantidade de resíduos destinados a aterros para determinadas percentagens antes de determinadas datas. Resulta claramente da redacção e da sistemática destas disposições que as mesmas fixam uma redução mínima a alcançar pelos Estados‑Membros e que não se opõem à adopção de medidas mais exigentes por estes.

32     Daí resulta que o artigo 176.° CE e a directiva prevêem a possibilidade de os Estados‑Membros adoptarem medidas de protecção mais exigentes, ultrapassando os minima fixados na directiva [v., neste sentido, a propósito da Directiva 91/689/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991, relativa aos resíduos perigosos (JO L 377, p. 20), acórdão Fornasar e o., já referido, n.° 46].

 Quanto à primeira questão

33     Na primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da directiva, interpretado à luz do artigo 176.° CE, obsta a disposições nacionais que impõem exigências mais estritas do que as da directiva em matéria de deposição de resíduos. A questão visa quatro tipos de exigências previstas na regulamentação nacional. Importa apreciá‑las sucessivamente.

34     Em primeiro lugar, o artigo 5.°, n.° 2, da directiva dispõe que, o mais tardar em 2016, a quantidade de resíduos urbanos biodegradáveis depositados deve ser reduzida progressivamente para 35% (por peso) da quantidade total de tais resíduos produzidos em 1995. Comparativamente, o regulamento de 2001, designadamente os §§ 3, n.° 3, e 4, n.° 1, e os seus anexos 1 e 2, fixam limiares mais baixos para as quantidades orgânicas restantes nos resíduos destinados a deposição.

35     Para definir os valores‑limite que impõe, este regulamento utiliza, designadamente, os critérios de sólido volátil e de carbono orgânico total (TOC), enquanto o artigo 5.°, n.° 2, da directiva utiliza o critério da percentagem por peso.

36     Importa realçar, a este propósito, que a utilização de um método de medida como o TOC ou o sólido volátil não é um fim em si mesmo, à semelhança dos objectivos previstos no artigo 5.°, n.° 2, da directiva, mas simplesmente um meio para alcançar esses objectivos.

37     Os Estados‑Membros podem escolher os meios para alcançar os objectivos fixados no artigo 5.°, n.° 2, da directiva, e critérios de medida como os que figuram no regulamento de 2001 estão em conformidade com o prescrito na directiva.

38     Quanto aos limiares fixados para as quantidades orgânicas restantes nos resíduos destinados a aterros, é claro que uma medida nacional como a visada no processo principal prossegue o mesmo objectivo que a directiva e, designadamente, a redução da poluição da água e do ar, ao reduzir a deposição de resíduos biodegradáveis em aterros.

39     Para atingir esses limiares, o regulamento de 2001 exige que os resíduos biodegradáveis tenham um tratamento prévio antes da sua deposição nos aterros. No caso de resíduos tratados por processos mecânico‑biológicos, este tratamento implica processos como a trituração, a triagem, a compostagem e a fermentação. Para os outros resíduos, é utilizado um tratamento térmico, no caso, a incineração.

40     Todas estas formas de tratamento estão em conformidade com a directiva. O seu artigo 6.°, alínea a), impõe aos Estados‑Membros a adopção de medidas para que só sejam depositados em aterros os resíduos que tenham sido tratados. O tratamento é definido, no artigo 2.°, alínea h), da directiva, como «os processos físicos, térmicos, químicos ou biológicos, incluindo a separação, que alteram as características dos resíduos de forma a reduzir o seu volume ou perigosidade, a facilitar a sua manipulação ou a melhorar a sua valorização». Daí resulta, em especial, que a directiva prevê o tratamento térmico dos resíduos de forma a reduzir a sua perigosidade.

41     Resulta do que antecede que os limiares e os critérios que figuram numa disposição nacional como a visada no processo principal prosseguem a mesma orientação de protecção ambiental da directiva. Na medida em que tal regulamentação imponha exigências mais rígidas que as desta directiva, constitui uma medida de protecção reforçada na acepção do artigo 176.° CE.

42     Em segundo lugar, o artigo 5.°, n.° 2, da directiva dispõe que os Estados‑Membros devem reduzir a quantidade de resíduos considerados, em três fases que terminam, no prazo máximo, em 2006, 2009 e 2016. O regulamento de 2001 impõe prazos mais curtos, a saber, até 31 de Maio de 2005, o mais tardar.

43     A utilização da expressão «no prazo máximo», no artigo 5.°, n.° 2, bem como no artigo 18.° da directiva, indica que os Estados‑Membros têm a liberdade de optar por prazos mais curtos, se o entenderem necessário (v., neste sentido, a propósito da expressão «pelo menos», acórdão de 22 de Junho de 1993, Gallaher e o., C‑11/92, Colect., p. I‑3545, n.° 20).

44     Se um Estado‑Membro opta, neste quadro, por fixar prazos mais curtos que os da directiva, trata‑se de uma medida de protecção reforçada na acepção do artigo 176.° CE.

45     Em terceiro lugar, o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da directiva refere‑se unicamente aos resíduos biodegradáveis. Por seu lado, o regulamento de 2001 visa não só os resíduos biodegradáveis mas também os resíduos orgânicos não biodegradáveis.

46     Embora o artigo 5.° da directiva diga respeito especificamente a uma estratégia de redução dos resíduos biodegradáveis depositados em aterros, é manifesto que a directiva, no seu conjunto, visa os resíduos na acepção ampla, como definidos no artigo 2.°, alínea a).

47     Por um lado, a directiva prevê, no seu artigo 1.°, n.° 1, requisitos operacionais e técnicos estritos em matéria de resíduos e aterros, sem restrição do tipo de resíduo ou de aterro. Por outro lado, o artigo 3.°, n.° 1, da mesma prevê que os Estados‑Membros apliquem esta a todos os aterros, conceito definido no artigo 2.°, alínea g), como «uma instalação de eliminação [...]», sem qualquer limitação no que se refere ao tipo de resíduos visados nesta disposição.

48     É neste âmbito que o anexo II, n.° 2, sexto parágrafo, da directiva especifica que os critérios relativos à admissão de resíduos num aterro podem compreender limitações relativas à quantidade de matéria orgânica nos resíduos.

49     Daí resulta que uma disposição nacional, como a mencionada no n.° 45 do presente acórdão, que, com o objectivo de autorizar a deposição de resíduos em aterros, alarga restrições não apenas às substâncias biodegradáveis mas também ao conjunto das substâncias orgânicas, prossegue os mesmos objectivos da directiva. Uma vez que tal medida visa uma gama de substâncias mais ampla que a que figura no artigo 5.° da directiva, trata‑se de uma medida de protecção reforçada na acepção do artigo 176.° CE.

50     Em quarto lugar, o artigo 5.°, n.° 2, da directiva visa os resíduos urbanos. O regulamento de 2001 visa não só os resíduos urbanos mas também, nos termos dos §§ 2, n.° 2, e 3, n.° 3, os resíduos que podem ser eliminados com ou como resíduos urbanos, designadamente, as lamas provenientes do tratamento das águas, os resíduos de obras e os resíduos ligados à produção.

51     Embora seja verdade que o artigo 5.°, n.° 2, da directiva apenas visa os resíduos urbanos, a estratégia nacional no sentido de reduzir os resíduos biodegradáveis depositados, prevista no n.° 1 deste artigo, engloba todos os resíduos na acepção da definição que figura no artigo 2.°, alínea a), desta directiva. Do mesmo modo, a obrigação imposta aos Estados‑Membros, no artigo 6.°, alínea a), da directiva, de adoptarem todas as medidas para que só sejam depositados em aterros os resíduos que tenham sido tratados, é válida tanto para os resíduos urbanos como para os resíduos não urbanos. Além disso, resulta do artigo 1.°, n.° 1, da directiva que esta, no seu conjunto, visa a redução dos resíduos depositados em aterros, sem distinguir os resíduos urbanos dos outros.

52     Daí resulta que uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, que pretende a redução dos resíduos depositados em aterros e que se aplica a outros resíduos além dos resíduos urbanos, é compatível com a directiva e constitui uma medida de protecção reforçada na acepção do artigo 176.° CE.

53     Resulta do exposto que, no que toca a cada um dos quatro casos examinados, a medida nacional considerada está em conformidade com a directiva, interpretada à luz do artigo 176.° CE.

54     O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se essas medidas, consideradas conjuntamente, podem ser entendidas como contrárias à directiva.

55     Quanto a esta questão, há que considerar que, estando cada uma das quatro medidas nacionais em conformidade com o direito comunitário, não há que as considerar em conjunto contrárias a esse mesmo direito comunitário. Isto também acontece se os limites fixados pela disposição nacional para a admissão de depósitos de resíduos biodegradáveis em aterros forem tão reduzidos que implicam um tratamento mecânico‑biológico ou a incineração desses resíduos antes da sua deposição em aterro.

56     Cabe, por conseguinte, responder à primeira questão que o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da directiva não se opõe a uma disposição nacional que:

–       fixa limites para a admissão da deposição de resíduos biodegradáveis mais reduzidos do que os fixados na directiva, ainda que estes sejam tão reduzidos que impliquem um tratamento mecânico‑biológico ou a incineração desses resíduos antes da sua deposição em aterro,

–       fixa prazos mais curtos do que os previstos na directiva para reduzir a quantidade de resíduos depositados,

–       se aplica não só aos resíduos biodegradáveis mas também às substâncias orgânicas não biodegradáveis, e

–       se aplica não só aos resíduos urbanos mas também aos resíduos que podem ser eliminados como resíduos urbanos.

 Quanto à segunda questão

57     Na segunda questão, o órgão jurisdicional nacional interroga o Tribunal de Justiça, no essencial, quanto à conformidade das disposições nacionais como as do processo principal com o princípio comunitário da proporcionalidade.

58     Para responder a esta questão, importa recordar que, no âmbito da política comunitária do ambiente, desde que uma medida nacional prossiga os mesmos objectivos que uma directiva, a ultrapassagem das exigências mínimas nesta estabelecidas está prevista e é permitida pelo artigo 176.° CE, nas condições nele estatuídas.

59     O artigo 176.° CE autoriza os Estados‑Membros a manter ou a adoptar medidas de protecção reforçadas desde que sejam compatíveis com o Tratado e notificadas à Comissão.

60     Como resulta da resposta dada à primeira questão, disposições nacionais como aquelas a respeito das quais o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça constituem medidas de protecção reforçadas na acepção do artigo 176.° CE.

61     Resulta da sistemática do artigo 176.° CE que, ao adoptar medidas mais rígidas, os Estados‑Membros exercem sempre uma competência regulamentada pelo direito comunitário, uma vez que aquelas devem, em qualquer caso, ser compatíveis com o Tratado. Contudo, é da competência dos Estados‑Membros a definição do alcance da protecção a atingir.

62     Neste contexto, na medida em que se trata de assegurar a aplicação de exigências mínimas previstas na directiva, o princípio comunitário da proporcionalidade exige que as medidas nacionais sejam adequadas e necessárias em relação aos objectivos prosseguidos.

63     Ao invés, e desde que não estejam em causa outras disposições do Tratado, este princípio já não se aplica no que se refere às medidas nacionais de protecção reforçadas, adoptadas por força do artigo 176.° CE e que ultrapassam as exigências mínimas previstas na directiva.

64     Por conseguinte, é de responder à segunda questão que o princípio comunitário da proporcionalidade não é aplicável no que se refere às disposições nacionais de protecção reforçadas, adoptadas ao abrigo do artigo 176.° CE e que ultrapassam as exigências mínimas previstas numa directiva comunitária no domínio do ambiente, desde que não estejam em causa outras disposições do Tratado.

 Quanto às despesas

65     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Directiva 1999/31/CE do Conselho, de 26 de Abril de 1999, relativa à deposição de resíduos em aterros, não se opõe a uma disposição nacional que:

–       fixa limites para a admissão da deposição de resíduos biodegradáveis mais reduzidos do que os fixados na directiva, ainda que estes sejam tão reduzidos que impliquem um tratamento mecânico‑biológico ou a incineração desses resíduos antes da sua deposição em aterro,

–       fixa prazos mais curtos do que os previstos na directiva para reduzir a quantidade de resíduos depositados,

–       se aplica não só aos resíduos biodegradáveis mas também às substâncias orgânicas não biodegradáveis, e

–       se aplica não só aos resíduos urbanos mas também aos resíduos que podem ser eliminados como resíduos urbanos.

2)      O princípio comunitário da proporcionalidade não é aplicável no que se refere às disposições nacionais de protecção reforçadas, adoptadas ao abrigo do artigo 176.° CE e que ultrapassam as exigências mínimas previstas numa directiva comunitária no domínio do ambiente, desde que não estejam em causa outras disposições do Tratado.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.