CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
PHILIPPE LÉGER
apresentadas em 30 de Junho de 2005 1(1)
Processo C‑513/03
Herdeiros de M. E. A. van Hilten‑van der Heijden
contra
Inspecteur van de Belastingdienst/Particulieren/Ondernemingen buitenland te Heerlen
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof te ’s‑Hertogenbosch (Países Baixos)]
«Legislação fiscal – Imposto sucessório – Nacional de um Estado‑Membro residente num país terceiro no momento da sua morte – Lei de um Estado‑Membro nos termos da qual, para efeitos da tributação da sua sucessão, um nacional desse Estado é considerado residente no referido Estado no momento da sua morte, caso esta ocorra, menos de dez anos após a transferência do seu domicílio para o estrangeiro – Livre circulação de capitais – Artigo 73.°‑B do Tratado CE, actual artigo 59.° CE»
1. O presente reenvio prejudicial tem por objecto permitir ao órgão jurisdicional nacional apreciar a compatibilidade, com as normas do Tratado CE relativas à livre circulação de capitais, da disposição do direito sucessório do Reino dos Países Baixos que prevê que um nacional neerlandês que tenha transferido o seu domicílio para fora deste Estado‑Membro seja tratado como se ainda lá residisse, para efeitos da tributação da sua sucessão, se morrer menos de dez anos após ter saído dos Países Baixos.
2. Tem na origem o litígio que opõe os herdeiros de M. E. A. van Hilten‑van der Heijden (2) à administração fiscal neerlandesa acerca do imposto sucessório que esta administração lhes reclama sobre a herança da de cujus.
3. M. E. A. van Hilten, que tinha nacionalidade neerlandesa e residiu nos Países Baixos até 1988, procedeu à transferência do seu domicílio, primeiro para a Bélgica e depois, a partir de 1991, para a Suíça, onde, desde essa data, tinha o seu domicílio fiscal.
4. Faleceu em 22 de Novembro de 1997, ou seja, menos de 10 anos após ter saído dos Países Baixos. Em conformidade com a ficção de domicílio prevista pelo direito sucessório neerlandês, foi considerada residente nos Países Baixos no momento da sua morte, tendo a administração fiscal neerlandesa cobrado aos seus quatro herdeiros imposto sucessório sobre a totalidade da herança que receberam ao abrigo do direito sucessório deste Estado‑Membro.
5. Estes herdeiros interpuseram recurso do indeferimento da sua reclamação pela administração fiscal para o Gerechtshof te ‘s‑Hertogenbosch (Países Baixos). Este órgão jurisdicional considera que a ficção de domicílio prevista pelo direito neerlandês constitui um obstáculo à livre circulação de capitais. Submete ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais destinadas a permitir‑lhe apreciar se esta regulamentação nacional poderia ser justificada pelos artigos do Tratado que autorizam os Estados‑Membros a manter ou a tomar certas medidas que possam restringir o exercício daquela liberdade.
I – Enquadramento jurídico
A – Direito comunitário
6. A livre circulação de capitais foi objecto de reconhecimento progressivo em direito comunitário. Assim, o artigo 67.°, n.° 1, do Tratado CEE (3), diversamente das disposições relativas à livre circulação das mercadorias, pessoas e serviços, só impunha aos Estados‑Membros que liberalizassem os movimentos de capitais «na medida em que tal [fosse] necessário ao bom funcionamento do mercado comum».
7. Foi a Directiva 88/361/CEE do Conselho (4) que instituiu o princípio da livre circulação de capitais no interior da Comunidade, ao estipular, no seu artigo 1.°, a supressão das restrições aos movimentos de capitais entre pessoas residentes nos Estados‑Membros, sem prejuízo das suas outras disposições.
8. Com o objectivo de facilitar esta liberdade de circulação, a Directiva 88/361 incluía, no seu anexo I, uma nomenclatura não exaustiva dos movimentos de capitais. Esta nomenclatura contém treze rubricas, entre as quais a rubrica XI, intitulada «Movimentos de capitais de carácter pessoal», que abrange diversas operações como os donativos, as doações, os dotes e, no ponto D, as sucessões e os legados. Por sua vez, a rubrica XIII, intitulada «Outros movimentos de capitais», abrange, no ponto A, o imposto sucessório.
9. O Tratado da União Europeia substituiu, a partir de 1 de Janeiro de 1994, os artigos do Tratado CE relativos à livre circulação de capitais através, designadamente, dos artigos 73.°‑B a 73.°‑D do Tratado (5), que constituem as disposições aplicáveis ratione temporis no presente processo.
10. O artigo 73.°‑B do Tratado confirma o princípio da livre circulação de capitais estabelecido pela Directiva 88/361 e alarga o seu alcance aos países terceiros, ultrapassando assim o âmbito de aplicação das outras liberdades de circulação. Dispõe no n.° 1:
«No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros.»
11. No entanto, o Tratado introduz derrogações a este princípio nos artigos 73.°‑C e 73.°‑D, cuja interpretação constitui, no essencial, o objecto das questões prejudiciais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.
12. Assim, o artigo 73.°‑C do Tratado autoriza os Estados‑Membros a manter restrições a certos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros. O n.° 1 enuncia:
«O disposto no 73.°‑B não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de Dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou comunitária adoptada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento directo, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais.»
13. O artigo 73.°‑D permite aos Estados‑Membros aplicar ou introduzir certas medidas restritivas a todos os movimentos de capitais, tanto entre Estados‑Membros como entre Estados‑Membros e países terceiros. Estabelece o seguinte:
«1. O disposto no artigo 73.°‑B não prejudica o direito de os Estados‑Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com o presente Tratado.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 73.°‑B»
14. O alcance da derrogação contida no artigo 73.°‑D do Tratado é objecto de uma declaração dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros (6), com a seguinte redacção:
«A Conferência considera que o direito dos Estados‑Membros de aplicarem as disposições pertinentes das suas legislações fiscais a que se refere o n.° 1, alínea a), do artigo 73.°‑D do Tratado que institui a Comunidade Europeia diz apenas respeito às disposições em vigor no final de 1993. Contudo, a presente Declaração só é aplicável aos movimentos de capitais e aos pagamentos entre Estados‑Membros».
15. Dado que o Gerechtshof te ’s‑Hertogenbosch se reportou aos artigos 57.°, n.° 1, CE e 58.°, n.° 3, CE nas suas questões prejudiciais e esta nova numeração dos artigos só é aplicável a partir de 1 de Maio de 1999, data de entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, considerá‑las‑ei como incidindo sobre as disposições idênticas dos artigos 73.°‑C, n.° 1, e 73.°‑D, n.° 3, do Tratado.
B – O direito nacional
16. As disposições aplicáveis ao caso em apreço fazem parte da lei sucessória de 1956 (Successiewet 1956) (7). De acordo com o artigo 1.° da SW, o imposto sucessório devido incide sobre o valor da totalidade dos bens transmitidos, nos termos do direito sucessório neerlandês, por morte de uma pessoa que, no momento da morte, resida nos Países Baixos.
17. O artigo 3.°, n.° 1, da SW, estabelece:
«Um neerlandês que tenha residido nos Países Baixos e que, no período de dez anos após ter deixado os Países Baixos, tenha falecido ou feito uma doação é considerado como tendo residido nos Países Baixos na data do falecimento ou da doação.»
18. Além disso, como resulta implicitamente das indicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e como expõem precisamente o Governo neerlandês e a Comissão das Comunidades Europeias, por um lado, o Reino dos Países Baixos celebrou com diversos Estados convenções bilaterais destinadas a evitar uma dupla tributação em matéria sucessória, em particular a convenção de 1951 com a Confederação suíça (8). Esta convenção inclui, no protocolo a ela anexo, a declaração segundo a qual «o Estado de que o de cujus possuía a nacionalidade no momento da morte pode cobrar o imposto sucessório como se aquele residisse nesse momento também nesse Estado, desde que aí tenha tido efectivamente domicílio nos dez anos anteriores à morte e tivesse essa nacionalidade no momento em que renunciou ao domicílio; neste caso, a parte do imposto que este Estado não teria cobrado se o de cujus não possuísse a nacionalidade do referido Estado no momento da renúncia ao domicílio ou no momento da morte será deduzida ao imposto devido no outro Estado em razão do domicílio.»
19. Por outro lado, quando a situação em causa não está abrangida por uma convenção bilateral, são aplicáveis as disposições do decreto de 1989 que evita a dupla tributação (Besluit ter voorkoming dubbele belasting 1989). Por força do artigo 13.° deste decreto, ao imposto sucessório devido no Reino dos Países Baixos é deduzido o imposto sucessório estrangeiro. Isto implica que, se o imposto sucessório estrangeiro for superior ao imposto neerlandês, este último é reduzido a zero. Caso contrário, a parte devida no Reino dos Países Baixos limita‑se à diferença entre o imposto sucessório devido neste Estado‑Membro e o imposto pago pelos herdeiros no estrangeiro.
II – As questões prejudiciais
20. O órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa segundo a qual, como resulta da referência às «sucessões e legados» na rubrica XI da nomenclatura do anexo I da Directiva 88/361, existe de facto, no caso vertente, um movimento de capitais entre um país terceiro e um Estado‑Membro, no caso vertente, no processo principal.
21. Indica, no entanto, ter dúvidas quanto à questão de saber se uma regulamentação como a do artigo 3.° da SW pode ser abrangida pela excepção prevista no artigo 73.°‑C, n.° 1, do Tratado, tendo especialmente em conta o facto de esta última disposição não incluir as sucessões. Recorda que, segundo o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1995, Sanz de Lera e o. (9), os Estados‑Membros não estão autorizados a alargar o âmbito de aplicação desta disposição.
22. Argumenta, seguidamente, que o artigo 3.° da SW poderia recair no âmbito do artigo 73.°‑D, n.° 1, do Tratado, mas que, de acordo com o n.° 3 desta mesma disposição, esta não pode abranger nem uma discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
23. O órgão jurisdicional de reenvio refere, a este respeito, que, numa decisão proferida em 12 de Dezembro de 2002, considerou que a ficção de domicílio prevista no artigo 3.° da SW restringe ou torna menos atractiva a livre circulação de capitais. Assim, esta ficção constitui um obstáculo à «saída», uma vez que, em caso de saída da «massa» de bens para outro Estado‑Membro, cria uma desvantagem na hipótese de restituição do património aos herdeiros, num prazo de dez anos após a emigração. Assim, sempre que o imposto sucessório ou o imposto sobre as doações forem inferiores no estrangeiro, o Reino dos Países Baixos cobra imposto no referido prazo de dez anos subsequente à emigração de nacionais neerlandeses, sem conceder qualquer reembolso ou dedução relativamente ao que for tributado a mais no estrangeiro a título de imposto sucessório. O artigo 3.° da SW constitui, assim, uma restrição dissimulada às sucessões transfronteiriças, contrária ao direito comunitário.
24. O órgão jurisdicional de reenvio refere que, nessa mesma decisão, também considerou que o artigo 3.° da SW constitui igualmente uma discriminação arbitrária, na medida em que estabelece uma distinção entre os nacionais neerlandeses e os nacionais de outros Estados‑Membros. Com efeito, os primeiros só poderiam fugir à aplicação da referida disposição renunciando à nacionalidade. Além disso, esta disposição não poderia ser justificada por razões imperativas de interesse geral, porque a sua única razão de ser consiste em evitar que os Países Baixos percam imposto sucessório na sequência da saída dos seus nacionais.
25. O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, são proibidas as medidas susceptíveis de impor a uma pessoa que deixa o seu Estado‑Membro um ónus mais pesado do que o que incide sobre as pessoas que aí permanecem. Esta proibição dos obstáculos à saída através da tributação foi reconhecida para cada liberdade de circulação e, no que respeita à livre circulação de capitais, pelo acórdão de 6 de Junho de 2000, Verkooijen (10).
26. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se ainda sobre as consequências a retirar do facto de a de cujus ser uma cidadã da União Europeia e de o Tratado proibir toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. Ora, no caso em apreço, essa discriminação existia porque a sucessão de um nacional neerlandês é sempre tributada mais pesadamente do que a de um nacional de outro Estado‑Membro.
27. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a declaração relativa ao artigo 73.°‑D do Tratado, especialmente a frase segundo a qual a referida declaração só é aplicável aos movimentos de capitais e aos pagamentos entre Estados‑Membros, significa que a legislação aplicável aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e países terceiros não é de todo abrangida pelo artigo 73.°‑D, n.° 1, do Tratado, ou antes que esta disposição continua a abranger a legislação aplicável a esses movimentos de capitais, sem estar limitada à que existia no final de 1993.
28. Tendo em conta estas considerações, o Gerechtshof te ’s‑Hertogenbosch decidiu submeter ao tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O n.° 1 do artigo 3.° da SW é uma restrição permitida na acepção do artigo 57.°, n.° 1, do Tratado CE?
2) O n.° 1 do artigo 3.° da SW é um meio proibido de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais, na acepção do artigo 58.°, n.° 3, do Tratado CE se for aplicável ao movimento de capitais entre um Estado‑Membro e um país terceiro, tendo igualmente em conta a Declaração relativa ao artigo 73.°‑D do Tratado que institui a Comunidade Europeia, adoptada por ocasião da assinatura da Acta final e das declarações das conferências intergovernamentais relativas à União Europeia, de 7 de Fevereiro de 1992?»
III – Análise
A – Quanto ao objecto do reenvio prejudicial
29. Cabe referir que o Gerechtshof te ‘s‑Hertogenbosch não submete ao Tribunal de Justiça qualquer questão relativa à interpretação do artigo 73.°‑B do Tratado, que tenha por objectivo permitir‑lhe apreciar se a regulamentação em litígio constitui ou não uma restrição à livre circulação de capitais na acepção dessa disposição. Tal como resulta da decisão de reenvio, ele considera este ponto adquirido, uma vez que proferiu uma decisão neste sentido em 12 de Dezembro de 2002 (11).
30. Embora, em conformidade com jurisprudência constante, caiba ao juiz nacional apreciar, face às especificidades do caso a dirimir, tanto a necessidade de uma questão prejudicial como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça, é também verdade que este tem por missão interpretar todas as disposições do direito comunitário que considere necessárias para decidir sobre o litígio no processo principal (12).
31. No caso em apreço, a análise das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, destinadas a saber se a disposição nacional litigiosa podia ser justificada à luz do disposto nos artigos 73.°‑C, n.° 1, e 73.°‑D, do Tratado, necessita que se determine previamente se a mesma constitui uma restrição à livre circulação de capitais, na acepção do artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado (13). Começarei, pois, por analisar esta questão.
B – Quanto à aplicação do artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado
32. No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio é confrontado com a disposição da regulamentação fiscal neerlandesa ao abrigo da qual o nacional desse Estado‑Membro que deixa o domicílio que aí tinha para se instalar noutro Estado‑Membro ou num país terceiro e que morre menos de dez anos após ter deixado esse domicílio é considerado como tendo mantido esse domicílio nos Países Baixos, para efeitos de imposto sucessório.
33. Resulta também da decisão de reenvio que o imposto sucessório devido por força da legislação neerlandesa é calculado com base no valor de tudo o que é recebido pelos herdeiros, isto é, os bens imóveis, independentemente da sua localização, bem como os bens móveis, as aplicações financeiras e as contas bancárias (14). Finalmente, parece ser dado adquirido, face ao conjunto dos elementos que constam dos autos, que o imposto sucessório pago pelos herdeiros no estrangeiro é deduzido ao imposto devido nos Países Baixos, não só por força de convenções bilaterais como a celebrada pelo Reino dos Países Baixos com a Confederação suíça, como de regulamentação deste Estado‑Membro destinada a evitar a dupla tributação.
34. Como referem o Governo neerlandês e a Comissão nas suas observações escritas (15), a aplicação da ficção de domicílio prevista no artigo 3.° da SW, conjugada com estas disposições, tem por efeito que a sucessão de um nacional neerlandês que transferiu o seu domicílio para outro Estado‑Membro não é tributada mais pesadamente nos Países Baixos do que se tivesse permanecido domiciliado neste Estado‑Membro.
35. Tal regulamentação tem, contudo, por efeito privar este nacional neerlandês, durante dez anos a contar da transferência do seu domicílio para outro Estado, da possibilidade de beneficiar de uma tributação total da sua sucessão eventualmente mais favorável, nos termos da legislação em vigor no seu novo Estado de residência e nos Estados que tributam os bens situados no respectivo território. Assim, no caso em apreço, a regulamentação em litígio tem por consequência que a administração fiscal neerlandesa reclama dos quatro herdeiros da de cujus a quantia de 79 624 NLG, após dedução dos impostos de que são sujeitos passivos na Suíça.
36. A tributação das sucessões pode ser considerada como fazendo parte da fiscalidade directa, a qual continua a ser da competência dos Estados‑Membros. Com efeito, trata‑se de um imposto que, em geral, é cobrado directamente ao contribuinte, tomando em conta a sua situação pessoal no que respeita ao seu laço de parentesco com o de cujus. Em quaisquer circunstâncias, ainda que devesse ser analisado como imposto indirecto na acepção do artigo 99.° do Tratado CE (16), cumpre sublinhar que não foi objecto de medidas de harmonização nos termos desta disposição. Incumbe, pois, aos Estados‑Membros fixar as condições bem como as taxas deste imposto e adoptar as medidas adequadas, se necessário através de negociações entre eles, para evitar a dupla tributação dos seus nacionais. No entanto, é jurisprudência constante que os Estados‑Membros devem exercer a sua competência no âmbito da fiscalidade directa, incluindo quando celebram convenções destinadas a evitar a dupla tributação, no respeito do direito comunitário e, especialmente, das liberdades de circulação que participam na realização do mercado interno (17).
37. No presente processo, sabemos que a de cujus estava domiciliada na Suíça. Além disso, faleceu em 22 de Novembro de 1997, isto é, antes da data de celebração e, a fortiori, de entrada em vigor do acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas (18).
38. Consequentemente, mesmo presumindo que este acordo confere aos nacionais dos Estados signatários direitos que podem invocar perante o seu juiz nacional, há que concluir que não é aplicável no caso em apreço, de modo que a única liberdade de circulação que os herdeiros de M. E. A Van Hilton podem invocar como abrangendo as relações entre os Estados‑Membros e os países terceiros é a liberdade de circulação de capitais (19).
39. É, pois, muito lógico que, no seu reenvio prejudicial, o Gerechtshof te ‘s‑Hertogenbosch trate unicamente as disposições do Tratado relativas a esta liberdade.
40. Trata‑se, pois, de saber se a referida regulamentação constitui uma restrição à livre circulação de capitais, na acepção do artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado. Noutros termos, devemos determinar se este artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro nos termos da qual a sucessão de um nacional deste Estado que transferiu para o estrangeiro o domicílio que aí tinha, há menos de dez anos no momento da morte, é tributada como se esse nacional tivesse permanecido domiciliado no referido Estado‑Membro.
41. Tal como os Governos neerlandês e alemão e a Comissão, penso que o artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado não se opõe a essa regulamentação.
42. Para justificar a minha posição, começarei por precisar a natureza do movimento de capitais sobre o qual incide a regulamentação em litígio e depois indicarei as razões pelas quais, em minha opinião, ela não comporta restrições a esse movimento.
1. Quanto ao movimento de capitais em causa
43. O artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado proíbe as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros. Cumpre, pois, determinar qual o movimento de capitais afectado pela regulamentação litigiosa. Esta questão assume uma importância clara, uma vez que dela depende saber em que medida a regulamentação litigiosa recai no âmbito de aplicação do artigo 73.°‑B do Tratado e que, como indiquei, a única liberdade de circulação com vocação para ser aplicável no presente caso é a livre circulação de capitais.
44. O órgão jurisdicional de reenvio refere que, no caso vertente, existe efectivamente um movimento de capitais, visto que as sucessões são mencionadas pela nomenclatura que consta do anexo I da Directiva 88/361. Considera também que a regulamentação em litígio é contrária à livre circulação de capitais, porque teria como efeito impedir a saída para outro Estado‑Membro da «massa» («de boedel») de bens que vão compor a sucessão (20), uma vez que, segundo ele, em caso de restituição da sucessão num prazo de dez anos após esta transferência, a ficção de domicílio contida na referida regulamentação criaria uma desvantagem.
45. Deduz‑se destas considerações que o órgão jurisdicional de reenvio considera que os movimentos de capitais que a regulamentação em litígio infringe são, por um lado, a sucessão, isto é, a transmissão do património para os herdeiros, e, por outro, a transferência deste património para outro Estado‑Membro, que, segundo parece, resultaria da transferência, pelo nacional neerlandês, do seu domicílio fiscal para o estrangeiro.
46. O Governo neerlandês entende que, no caso vertente, não há movimento de capitais, porque, segundo a referida disposição, o factor de ligação com o direito neerlandês é o momento da morte, isto é, a abertura da sucessão e o valor do património nesse momento. Nesta fase, ainda não houve movimento de capitais. A Directiva 88/361 é aplicável a todos os actos impostos pela regulamentação efectiva da sucessão entre os herdeiros dos bens e pela eventual partilha, que implicam movimentos de capitais. Mas, no presente caso, mesmo colocando‑nos no momento em que a de cujus deixou os Países Baixos, não houve qualquer acto que se integre na livre circulação de capitais, uma vez que a sua mudança de domicílio não teve qualquer repercussão na composição do seu património.
47. A Comissão, por sua vez, considera que, na medida em que a regulamentação em litígio não estabelece qualquer distinção em função do local onde se situam os bens que compõem a sucessão da de cujus, não há restrição possível à livre circulação de capitais. Segundo esta instituição, tal regulamentação recai antes no âmbito de aplicação da livre circulação de pessoas, designadamente da liberdade de estabelecimento, caso essas liberdades fossem aplicáveis ao caso em apreço.
48. Em minha opinião, a regulamentação em litígio pode recair no âmbito do artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado, na medida em que regula o imposto sucessório dos nacionais neerlandeses que tenham transferido o seu domicílio para o estrangeiro e cuja morte tenha ocorrido no prazo de dez anos após essa transferência. Em contrapartida, tal como as intervenientes supra mencionadas, não creio que a transferência de domicílio para o estrangeiro possa ser considerada, enquanto tal, um movimento de capitais. Baseio esta análise nas considerações seguintes.
49. Embora seja verdade que a noção de «movimento de capitais» não está definida no Tratado, também é verdade que a jurisprudência forneceu um certo número de indicações que permitem delimitar‑lhe os contornos. Em primeiro lugar, no acórdão de 31 de Janeiro de 1984, Luisi e Carbone (21), considerou‑se que os movimentos de capitais são operações financeiras que têm essencialmente por objecto a colocação ou o investimento do montante em causa. Trata‑se, pois, em princípio, de operações financeiras e elas distinguem‑se dos pagamentos correntes na medida em que visam a constituição de activos. Daí poder‑se‑á deduzir que o princípio da livre circulação de capitais estabelecido pelo direito comunitário visa assim permitir que os nacionais comunitários beneficiem das condições mais favoráveis que lhes podem ser oferecidas na Comunidade e nos Estados terceiros para investirem e colocarem os seus capitais.
50. Seguidamente, é jurisprudência constante que a nomenclatura do anexo I da Directiva 88/361 conserva o valor indicativo que tinha para efeitos da definição do conceito de movimentos de capitais referido nesta directiva e que, deste modo, deve ser tomada em consideração no âmbito da interpretação do artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado (22).
51. Quando examinamos as rubricas desta nomenclatura, verificamos que abrangem um certo número de operações que naturalmente nos ocorrem quando pensamos em movimentos financeiros destinados a realizar investimentos, como aquisições de imóveis e de títulos de bolsa ou de valores monetários ou operações em conta corrente junto de estabelecimentos financeiros.
52. No entanto, a referida nomenclatura não se limita a este tipo de operações e às transferência financeiras com elas relacionadas. Como consta da sua parte introdutória, pretende ter um conteúdo muito vasto com o objectivo de não restringir «o alcance do princípio de uma completa liberalização dos movimentos de capitais». De acordo com essa mesma parte introdutória, a nomenclatura abrange o conjunto das operações necessárias à realização dos movimentos de capitais, como a conclusão e a execução da transacção que condiciona a transferência financeira correspondente. Além disso, visa tanto as transacções efectuadas entre duas partes como as efectuadas por uma só pessoa por sua própria conta. Abrange igualmente as operações de liquidação ou de cessão dos activos constituídos.
53. Assim, na rubrica XI, intitulada «Movimentos de capitais de carácter pessoal», a nomenclatura abrange, designadamente, as operações através das quais uma pessoa pode transmitir, total ou parcialmente, o seu património, tanto em vida, através de empréstimos, donativos, doações e dotes, como após a morte, através de sucessões e legados. A transmissão da propriedade de um bem constitui, portanto, um movimento de capitais. Como o Tribunal de Justiça confirmou no seu acórdão de 11 de Dezembro de 2003, Barbier (23), a transmissão de um património por via sucessória é um movimento de capitais na acepção do Tratado.
54. Além disso, não considero que a argumentação do Governo neerlandês segundo a qual o artigo 3.° da SW não implicava, nesta fase, qualquer movimento de capitais possa ser acolhida. Em minha opinião, esta argumentação assenta numa análise parcial ou incompleta da referida disposição. Ao prever a vinculação ao direito sucessório do Reino dos Países Baixos dos nacionais neerlandeses domiciliados no estrangeiro há menos de dez anos no momento da sua morte, esta regulamentação tem também por efeito determinar o montante do imposto sucessório destes nacionais. É precisamente esse o objectivo que prossegue. Tal como resulta das observações do Governo neerlandês, esta regulamentação visa lutar contra uma forma de evasão fiscal que consiste em, na perspectiva da morte, transferir o domicílio para outro Estado.
55. Além disso, salvo erro da minha parte na interpretação da legislação neerlandesa, o imposto sucessório só pode ser exigido aos herdeiros se estes não renunciarem à sucessão em causa. Assim, segundo a apresentação do direito interno feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, o imposto sucessório é calculado com base no valor de tudo o que é recebido (24) nos termos do direito interno. Parece, pois, refutável afirmar que, no caso em apreço, não houve movimento de capitais, quando, se os recorrentes no processo principal contestam dever o imposto que lhes é exigido, é porque receberam a sua parte no património da de cujus. Por conseguinte, houve de facto uma transmissão da propriedade do património da de cujus aos seus herdeiros.
56. Consequentemente, considero que a regulamentação em litígio pode recair no âmbito de aplicação do artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado, na medida em que tem por efeito determinar o imposto sucessório dos nacionais neerlandeses que transferiram o seu domicílio para o estrangeiro e cuja morte ocorreu no prazo de dez anos após esta transferência.
57. Em contrapartida, não creio que a mera transferência de domicílio possa ser analisada, ela também, como um movimento de capitais ou como sendo acompanhada por um movimento simultâneo de capitais, na acepção do artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado. A análise do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual a regulamentação em litígio cria um obstáculo à «saída» da massa de bens destinados a compor a sucessão, quando um nacional neerlandês transfere o seu domicílio para o estrangeiro, equivale a considerar, segundo creio, que a saída deste nacional para o estrangeiro acarreta uma transferência automática do seu património para o Estado onde fixou o seu novo domicílio. Noutros termos, a deslocação do proprietário do património envolve um movimento simultâneo da totalidade desse património. Não considero que esta análise possa ser aceite.
58. Os movimentos de capitais, tal como são descritos na nomenclatura, abrangem, como vimos, os investimentos efectuados no território nacional por um não residente ou no estrangeiro por um residente, ou as operações que lhe estão associadas. Devem, pois, ser acompanhados por um movimento financeiro. Ora, a transferência de domicílio de um Estado‑Membro para outro não constitui, em si, um movimento financeiro. Se examinarmos o património da de cujus tal como era constituído no momento da transferência do seu domicílio para fora dos Países Baixos, incluía imóveis situados tanto neste Estado‑Membro como na Bélgica ou na Suíça, aplicações em títulos cotados nos Países Baixos, na Alemanha, na Suíça e nos Estados Unidos, bem como contas bancárias abertas em agências neerlandesas e belgas de instituições bancárias estabelecidas na Comunidade Europeia (25). Não me parece exacto dizer que este património foi transferido para a Suíça ao mesmo tempo que a de cujus transferiu o seu domicílio para este Estado. A consistência deste património, tanto no que respeita à localização dos imóveis como à composição da sua carteira de títulos e à localização das suas contas nas diversas instituições bancárias, não foi modificada apenas pela simples mudança de domicílio. Consequentemente, no momento da transferência pela de cujus do seu domicílio para a Bélgica e, posteriormente, para a Suíça, não houve, em razão apenas dessa transferência, qualquer movimento de capitais.
59. Em consequência, o único movimento de capitais que se pode constatar no presente caso limita‑se, em minha opinião, à transmissão, por via sucessória, do património da de cujus aos seus herdeiros.
60. Finalmente, nesta fase da análise, não é necessário apreciar a questão de saber se este movimento de capitais apresenta carácter transfronteiriço pois, como veremos, a regulamentação em litígio não comporta restrições à livre circulação de capitais.
2. Quanto à inexistência de restrições
61. O artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado assume um conteúdo muito vasto, visto que, recorde‑se, abrange «todas as restrições» aos movimentos de capitais. Tal como resulta da jurisprudência, são também proibidas não só as restrições directas, isto é, as disposições nacionais que proíbem o investimento previsto (26) ou que o submetem a um regime de autorização prévia (27), mas também as medidas que apenas são susceptíveis de dissuadir os beneficiários da livre circulação assim instituída pelo Tratado de usar as prerrogativas que ela lhes confere (28). É também dado assente que, como as outras liberdades de circulação garantidas pelo Tratado, a livre circulação de capitais proíbe não só as medidas discriminatórias, isto é, as medidas adoptadas por um Estado‑Membro aplicáveis unicamente aos investidores nacionais de outro Estado‑Membro (29), mas também as que são susceptíveis de dissuadir os seus próprios nacionais ou residentes de fazerem investimentos noutros Estados‑Membros (30).
62. No acórdão Barbier, já referido, o Tribunal de Justiça forneceu indicações que permitem compreender em que medida uma regulamentação fiscal nacional em matéria de imposto sucessório é susceptível de constituir um obstáculo à livre circulação de capitais. Considerou que, apesar de ser pago pelos herdeiros, o imposto sucessório constitui um elemento que é tomado em consideração por qualquer interessado na sua decisão de realizar um investimento.
63. Este processo respeitava a disposições do direito neerlandês que reservavam um tratamento diferente, no plano do imposto sucessório ou dos impostos com ele relacionados, aos bens imóveis situados nos Países Baixos, consoante o de cujus residisse ou não nesse Estado. Em conformidade com estas disposições, na avaliação da sucessão para efeitos do cálculo da matéria colectável do imposto, só era possível deduzir o valor dos bens imóveis cuja propriedade económica tinha sido cedida a outra pessoa jurídica quando o de cujus residia nos Países Baixos, estando essa possibilidade excluída se este não tivesse a qualidade de residente (31).
64. O Tribunal de Justiça considerou que estas disposições constituíam uma restrição à livre circulação de capitais pelas razões seguintes: por um lado, eram susceptíveis de dissuadir a aquisição de bens imóveis situados no Estado‑Membro em causa, bem como a alienação da propriedade económica desses bens a outras pessoas por um residente de outro Estado‑Membro; por outro lado, tinham por efeito diminuir o valor da sucessão de um residente de um Estado‑Membro diverso daquele em que esses bens se situam.
65. No caso em apreço, é dado assente que, contrariamente à regulamentação em causa no processo Barbier, já referido, a regulamentação em litígio não prevê, para os nacionais neerlandeses que tenham transferido o seu domicílio para o estrangeiro, condições de tributação diferentes das aplicáveis aos que permanecem nos Países Baixos, no que respeita aos bens situados neste Estado. Como vimos, tem por efeito tributar o conjunto dos bens que compõem a sucessão dos nacionais neerlandeses que tenham transferido o seu domicílio fiscal para o estrangeiro, há menos de dez anos no momento da sua morte, como se tivessem conservado o seu domicílio nos Países Baixos. Também não estabelece condições de tributação diferentes em função da localização dos bens imóveis do de cujus ou da sede dos organismos em que investiu os seus capitais. É, pois, diferente da que estava em causa no processo Verkooijen, já referido, mencionado na decisão de reenvio, segundo a qual a isenção de imposto sobre o rendimento, que incidia sobre os dividendos pagos a pessoas singulares, estava subordinada à condição de estes dividendos serem pagos por sociedades com sede social no Estado‑Membro em causa.
66. Na inexistência destas distinções na regulamentação em litígio, não vejo, consequentemente, de que modo esta poderia dissuadir um nacional neerlandês de realizar investimentos a partir dos Países Baixos noutros Estados ou nos Países Baixos a partir de outros Estados. Assim, em minha opinião, uma regulamentação desta natureza não contém qualquer restrição à livre circulação de capitais na acepção do artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado.
67. Não me parece que as razões que levaram o órgão jurisdicional de reenvio à conclusão oposta devam pôr em causa a minha análise. O Gerechtshof te ‘s‑Hertogenbosch considerou que a referida regulamentação era contrária a esta disposição do Tratado porque, por um lado, constituía um «obstáculo à saída» da massa de bens destinados a constituir o activo da sucessão e, por outro, tinha carácter discriminatório em prejuízo dos nacionais neerlandeses. Não creio que estes argumentos possam ser acolhidos.
68. Em primeiro lugar, no que respeita à existência de um «obstáculo à saída», como anteriormente vimos, o único movimento de capitais abrangido pela regulamentação em litígio é a transmissão do património da de cujus aos seus herdeiros por via sucessória. A transferência de domicílio não constitui, em si mesma, um movimento de capitais. Consequentemente, se, como refere o órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação em litígio continha um «obstáculo à saída» no momento da transferência de domicílio, este obstáculo não afectava a saída da massa de bens destinados a compor a sucessão, mas a da própria pessoa. Como refere a Comissão, em semelhante situação, a incompatibilidade da regulamentação em litígio com o direito comunitário não devia ser declarada à luz das normas do Tratado relativas à livre circulação de capitais, únicas aplicáveis no caso vertente. Só poderia sê‑lo à luz da liberdade de circulação das pessoas ou, sendo caso disso, do direito de permanência noutro Estado‑Membro, conferido pelo estatuto de cidadão da União Europeia, em conformidade com o artigo 8.°‑A do Tratado CE (32), o que, no caso vertente, pressupunha que M. E. A. van Hilten, no momento da morte, não estivesse instalada na Suíça mas noutro Estado‑Membro.
69. No entanto, ainda que fosse esse o caso, não creio que a regulamentação em litígio pudesse ser apreciada como um obstáculo ao exercício do direito dos nacionais neerlandeses desempenharem uma actividade económica noutro Estado‑Membro, ou do direito de aí permanecerem, que o estatuto de cidadão da União lhes confere.
70. Como vimos, os recorrentes no processo principal e o órgão jurisdicional de reenvio acusam a regulamentação em litígio é, na realidade, de privar os nacionais neerlandeses que transferem o seu domicílio para o estrangeiro, da possibilidade de beneficiarem de uma tributação total da sua sucessão eventualmente mais favorável, nos termos da legislação em vigor neste novo Estado de residência e nos Estados que tributam os bens situados no seu território, caso morram num prazo de dez anos após essa transferência. De facto, sabemos que esta regulamentação tem por efeito aplicar a estes nacionais o mesmo tratamento que se tivessem permanecido nos Países Baixos (33).
71. A regulamentação em litígio é, pois, consentânea com as exigências actuais do direito comunitário, tal como decorrem da jurisprudência invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Segundo esta jurisprudência, os Estados‑Membros não devem aplicar aos seus nacionais que utilizam as liberdades de circulação conferidas pelo direito comunitário um tratamento menos favorável do que aquele de que beneficiariam se não tivessem feito uso dessas liberdades. Em matéria fiscal, os Estados‑Membros ficam assim impedidos de aplicar aos contribuintes que vão exercer uma actividade económica noutro Estado‑Membro, tanto a título de trabalho assalariado como a título independente, para aí efectuarem prestações de serviços ou ainda no âmbito da liberdade de estabelecimento, um tratamento desvantajoso relativamente ao que teriam se tivessem exercido as suas actividades no território nacional (34). Esta jurisprudência pode ser transposta para a situação dos nacionais de um Estado‑Membro que exercem os direitos de circulação e de permanência noutro Estado‑Membro que lhes confere o seu estatuto de cidadão da União (35).
72. No entanto, no seu estado actual, o direito comunitário não exige que o Estado‑Membro de origem atribua aos seus nacionais que exercem deste modo as liberdades de circulação e de permanência conferidas pelo Tratado um tratamento mais vantajoso do que aquele que teriam se tivessem permanecido no território nacional (36). No caso em apreço, ao assegurar através de convenções bilaterais ou da sua própria legislação que o imposto sucessório estrangeiro é deduzido ao imposto que lhe é devido, o Reino dos Países Baixos respeita, em meu entender, a sua obrigação de fazer com que os seus nacionais que transferem o domicílio para outro Estado‑Membro no âmbito do exercício de uma liberdade de circulação ou do direito de permanecer noutro Estado‑Membro na qualidade de cidadãos da União não sejam desfavorecidos relativamente aos que permaneceram no território nacional.
73. Em conformidade com esta jurisprudência, também não creio que a regulamentação neerlandesa possa ser acusada de não prever o reembolso do excedente de imposto sucessório que pode ser devido quando o montante do imposto devido no estrangeiro exceder o que é exigível nos Países Baixos. Embora, em tal caso, a transferência de domicílio possa efectivamente assumir um carácter desvantajoso, esta desvantagem deve‑se, em primeiro lugar, à falta de harmonização das legislações nacionais em matéria de imposto sucessório. Tendo em conta esta falta de harmonização, o Tratado não pode garantir a um cidadão da União que a transferência das suas actividades ou simplesmente do seu domicílio para um Estado‑Membro diferente daquele em que antes residia seja perfeitamente neutra em matéria de tributação (37).
74. Assim, o facto de os nacionais neerlandeses que tenham transferido o seu domicílio para o estrangeiro há menos de dez anos no momento da sua morte verem a sua sucessão ser tributada nos Países Baixos como se tivessem continuado domiciliados neste Estado não pode ser considerado um obstáculo ao seu exercício das liberdades de circulação e de permanência que lhes são conferidas pelo Tratado.
75. Em seguida, no entender do órgão jurisdicional de reenvio, o carácter discriminatório da regulamentação em litígio resulta do facto de esta apenas ser aplicável aos nacionais neerlandeses. Assim, estes seriam prejudicados relativamente aos nacionais de outros Estados‑Membros que também tenham estado domiciliados nos Países Baixos e posteriormente transferido o seu domicílio para o estrangeiro. Haveria, assim, uma discriminação em razão da nacionalidade, contrária ao artigo 6.° do Tratado CE (38) e ao artigo 8.°‑A do Tratado, uma vez que os nacionais neerlandeses são cidadãos da União, como os nacionais dos outros Estados‑Membros, estando este estatuto vocacionado para ser o seu estatuto fundamental. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a jurisprudência relativa à noção de discriminação no âmbito dos artigos 6.° e 8.°‑A do Tratado deveria ser transposta no âmbito da aplicação do artigo 73.°‑B do Tratado, que constitui uma expressão particular do princípio de não discriminação.
76. À semelhança dos Governos neerlandês e alemão, bem como da Comissão, não creio que esta tese possa ter acolhimento. Como vimos, a fiscalidade directa continua a ser da competência dos Estados‑Membros. Assim, estes conservam o poder de definir os critérios de repartição, entre si, do poder de tributação, com o objectivo de eliminar a dupla tributação (39), desde que respeitem o direito comunitário. Considerou‑se que, na falta de medidas de unificação ou harmonização da competência dos Estados‑Membros com o objectivo de eliminar entre si a dupla tributação, o critério da nacionalidade pode ser admitido como critério de conexão fiscal sem assumir, por isso, carácter discriminatório (40). Esta jurisprudência está vocacionada para ser aplicada no quadro específico da tributação das sucessões, que também recai no âmbito de competência dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade directa e não foi objecto de medidas de unificação ou de harmonização a fim de eliminar a dupla tributação.
77. Tendo em conta estes elementos, o Reino dos Países Baixos tem o direito de adoptar normas aplicáveis aos seus próprios nacionais no que respeita à tributação da sua sucessão, incluindo quando estes nacionais saem do território nacional, desde que exerça esse direito no respeito do direito comunitário, isto é, como acima referi, desde que não infrinja as disposições do Tratado relativas às liberdades de circulação e de permanência no território dos outros Estados‑Membros.
78. Não creio que a cidadania da União e a interpretação, feita pelo Tribunal de Justiça, dos direitos conferidos por aquela sejam susceptíveis de pôr em causa esta competência de um Estado‑Membro e os limites que nela são fixados. É certo que, tal como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros e reforça a proibição das discriminações, uma vez que permite que estes nacionais que se encontrem na mesma situação obtenham, no domínio de aplicação ratione materiae do Tratado, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das excepções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico (41).
79. No entanto, este estatuto não se substitui à nacionalidade dos Estados‑Membros. Sendo a posse desta uma condição sine qua non da qualidade de cidadão da União, esta qualidade comum a todos os cidadãos da União não faz desaparecer a ligação específica de cada um deles com o Estado‑Membro de que é nacional. Por outro lado, esta qualidade de cidadão da União só pode conferir os direitos que lhe estão associados, tal como são enumerados pelo Tratado. No estado actual do direito comunitário, o estatuto de cidadão da União impõe aos Estados‑Membros, relativamente aos seus próprios nacionais, os mesmos limites em matéria de fiscalidade directa do que os que resultam das liberdades de circulação que constam do Tratado. Este estatuto obriga‑os, assim, a não aplicar aos seus nacionais que exerçam as liberdades de circulação e de permanência que lhes são conferidas pelo artigo 8.°‑A do Tratado um tratamento menos favorável do que aquele que teriam se não tivessem exercido essas liberdades.
80. Como vimos anteriormente, o estatuto de cidadão da União não leva a que se reconheça aos nacionais neerlandeses que tenham transferido o seu domicílio para outro Estado‑Membro o direito de ver a sua sucessão tributada apenas nos termos da lei eventualmente mais favorável do seu novo Estado de residência.
81. Consequentemente, a cidadania da União não põe em causa o poder do Reino dos Países Baixos fixar os critérios de vinculação à sua legislação interna em matéria de tributação das sucessões. A circunstância de a regulamentação em litígio só ser aplicável aos nacionais neerlandeses que tenham estado domiciliados nos Países Baixos e não aos nacionais de outros Estados‑Membros que também tiveram domicílio nos Países Baixos não constitui, pois, uma discriminação em razão da nacionalidade, na acepção do artigo 6.° do Tratado.
82. Por último, também se admitiu que, no quadro do exercício da sua soberania no domínio fiscal, não deixava de ser razoável que os Estados‑Membros se inspirassem na prática internacional e no modelo de convenção elaborado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) (42). Refira‑se que a regulamentação neerlandesa corresponde ao sistema descrito nos comentários relativos aos artigos do modelo de convenção de dupla tributação sobre as sucessões e doações, de 1982, redigidos pelo comité dos assuntos fiscais da OCDE (43).
83. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que se responda ao órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro nos termos da qual a sucessão de um nacional desse Estado que tenha transferido para o estrangeiro o domicílio que aí possuía há menos de dez anos no momento da morte é tributado como se tivesse permanecido domiciliado no referido Estado.
84. Na medida em que a regulamentação em litígio não constitui, em minha opinião, uma restrição aos movimentos de capitais, não é pertinente a questão de saber se pode ser justificada nos termos do disposto nos artigos 73.°‑C e 73.°‑D do Tratado. Estas questões não são úteis para a resolução do litígio no processo principal. Penso pois que não é necessário analisar as questões prejudiciais colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.
IV – Conclusão
85. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões apresentadas pelo Gerechtshof te ‘s‑Hertogenbosch (Países Baixos):
«O artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 56.°, n.° 1, CE) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro nos termos da qual a sucessão de um nacional desse Estado que tenha transferido para o estrangeiro o domicílio que aí possuía há menos de dez anos no momento da sua morte é tributado como se tivesse permanecido domiciliado no referido Estado.»
1 – Língua original: francês.
2 – A seguir «M. E. A. van Hilten».
3 – Que passou a artigo 67.°, n.° 1, do Tratado CE e foi revogado pelo Tratado de Amesterdão.
4 – Directiva de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado (JO L 178, p. 5).
5 – Respectivamente, actuais artigos 56.° CE a 58.° CE.
6 – Tratado da União Europeia – Declaração relativa ao artigo 73.°‑D do Tratado que institui a Comunidade Europeia, anexo à Acta Final do Tratado da União Europeia (JO 1992, C 191, p. 99).
7 – Stbl. 1956, p. 362, a seguir «SW».
8 – Convenção entre a Confederação Suíça e o Reino dos Países Baixos para evitar a dupla tributação no âmbito do imposto sucessório, assinada em Haia, em 12 de Novembro de 1951, e respectivo protocolo (Trb. 1951, 149, e 1952, 34).
9 – C‑163/94, C‑165/94 e C‑250/94, Colect., p. I‑4821, n.° 44.
10 – C‑35/98, Colect., p. I‑4071.
11 – Nas suas observações escritas, o Governo neerlandês refere que o Staatssecretaris van Financïen interpôs recurso desta decisão para o Hoge Raad der Nederlanden e que sugeriu a este órgão jurisdicional que, se necessário, procedesse a um reenvio prejudicial (n.° 33 das observações escritas).
12 – Acórdãos de 18 de Março de 1993, Viessmann (C‑280/91, Colect., p. I‑971, n.° 17), e de 8 de Fevereiro de 2001, Lange (C‑350/99, Colect., p. I‑1061, n.os 20 a 25).
13 – V., para aplicações comparáveis, acórdãos de 6 de Maio de 2003, Libertel (C‑104/01, Colect., p. I‑3793, n.° 22), e de 1 de Março de 2005 (ainda não publicado na Colectânea, n.° 23).
14 – No presente caso, a sucessão inclui bens imóveis situados nos Países Baixos, na Bélgica e na Suíça, aplicações financeiras cotadas em Estados‑Membros e em Estados terceiros e saldos credores de contas bancárias abertas em agências nos Países Baixos e na Bélgica.
15 – Observações escritas do Governo neerlandês, n.° 29, e observações escritas da Comissão, n.° 21.
16 – Actual artigo 93.° CE.
17 – V., designadamente, acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker (C‑279/93, Colect., p. I‑225, n.° 21), e Verkooijen, já referido (n.° 32, bem como jurisprudência nele citada). No que respeita à obrigação de os Estados‑Membros respeitarem o direito comunitário quando celebram convenções destinadas a evitar a dupla tributação, v. acórdão de 12 de Dezembro de 2002, De Groot (C‑385/00, Colect., p. I‑11819, n.° 94).
18 – JO 2000, L 114, p. 6. Este acordo foi celebrado em 21 de Junho de 1999 e entrou em vigor em 1 de Junho de 2002. Tem por objectivo realizar a livre circulação de pessoas entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação suíça, por outro, apoiando‑se nas disposições vigentes na Comunidade Europeia.
19 – A este respeito, cabe recordar aqui que o disposto no artigo 73.°‑B, n.° 1, do Tratado tem efeito directo, incluindo no que diz respeito às relações com os países terceiros (acórdão Sanz de Lera e o., já referido, n.° 48).
20 – V. decisão de reenvio, n.° 4.7.
21 – 286/82 e 26/83, Recueil, p. 377, n.° 21.
22 – Acórdãos de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer (C‑222/97, Colect., p. I‑1661, n.° 21); de 11 de Janeiro de 2001, Stefan (C‑464/98, Colect., p. I‑173, n.° 5), e de 5 de Março de 2002, Reisch e o. (C‑515/99, C‑519/99 a C‑524/99 e C‑526/99 a C‑540/99, Colect., p. I‑2157, n.° 30).
23 – C‑364/01, Colect., p. I‑15013, n.° 58.
24 – Sublinhado meu.
25 – Decisão de reenvio, n.° 2.5.
26 – V., a propósito de uma medida nacional que lança um empréstimo público e exclui os residentes no território do Estado‑Membro em causa da possibilidade de o subscreverem, acórdão de 26 de Setembro de 2000, Comissão/Bélgica (C‑478/98, Colect., p. I‑7587, n.° 19), e, no que respeita a medidas nacionais de privatização que proíbem os nacionais de outros Estados‑Membros de adquirirem, nas sociedades privatizadas, acções que excedam um montante determinado, acórdão de 4 de Junho de 2002, Comissão/Portugal (C‑367/98, Colect., p. I‑4731, n.os 40 a 42).
27 – V., no que respeita a uma regulamentação nacional que submete a um regime de autorização prévia investimentos directos estrangeiros, acórdão de 14 de Março de 2000, Église de scientologie (C‑54/99, Colect., p. I‑1335, n.° 14), e a aquisição de bens imóveis, acórdãos de 1 de Junho de 1999, Konle (C‑302/97, Colect., p. I‑3099, n.° 39), e Reisch e o., já referido (n.° 32).
28 – V., a propósito de uma medida nacional que subordina a concessão de uma bonificação de juros de um empréstimo subscrito para a construção ou beneficiação de uma habitação aos mutuários que tenham contraído o empréstimo numa instituição de crédito estabelecida no Estado‑Membro, acórdão de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson (C‑484/93, Colect., p. I‑3955, n.° 10), e de uma regulamentação de um Estado‑Membro que submete a imposto de selo os empréstimos celebrados sem redacção de um documento escrito apenas quando estes são celebrados fora do território nacional, acórdão de 14 de Outubro de 1999, Sandoz (C‑439/97, Colect., p. I‑7041, n.° 31).
29 – V. acórdão Konle, já referido (n.° 23), a propósito da legislação de um Estado‑Membro que apenas isenta os nacionais desse Estado da obrigação de obterem uma autorização para aí adquirirem um terreno e, no mesmo sentido, acórdão de 13 de Julho de 2000, Albore (C‑423/98, Colect., p. I‑5965, n.° 16). V. também acórdãos, já referidos, Église de scientologie (n.° 14) e Comissão/Portugal (n.os 40 a 42).
30 – V., designadamente, acórdãos, já referidos, Svensson e Gustavsson (n.° 10), Sandoz (n.° 19) e Comissão/Bélgica (n.° 18).
31 – Em 1970, H. Barbier, nacional neerlandês, tinha deixado o seu domicílio nos Países Baixos para se instalar na Bélgica. Entre 1970 e 1988, enquanto residia na Bélgica, adquiriu bens imóveis nos Países Baixos. Em 1988, cedeu a respectiva propriedade, dita «económica», a empresas privadas neerlandesas que controlava. Para o cálculo do imposto sucessório, a administração fiscal tomou em consideração o valor de conjunto destes imóveis.
32 – Que passou, após alteração, a artigo 18.° CE.
33 – Vimos que a aplicação do artigo 3.° da SW, em conjugação com a convenção celebrada pelo Reino dos Países Baixos e a Confederação Suíça ou a regulamentação neerlandesa em matéria de dupla tributação, tem por consequência que o montante do imposto devido no Reino dos Países Baixos sobre a sucessão destes nacionais neerlandeses é idêntico ao que teria sido se tivessem conservado o seu domicílio neste Estado‑Membro.
34 – V., como exemplo recente de um obstáculo à «saída» em matéria fiscal, acórdão de 11 de Março de 2004, De Lasteyrie du Saillant (C‑9/02, Colect., p. I‑2409, n.° 45), a propósito de uma regulamentação nacional que submete os contribuintes que queiram transferir o seu domicílio para fora do Estado‑Membro em causa ao pagamento de uma tributação das mais‑valias ainda não realizadas de certos valores imobiliários.
35 – V., neste sentido, acórdãos de 29 de Abril de 2004, Pusa (C‑224/02, Colect., p. I‑5763, n.os 18 a 20), e de 15 de Julho de 2004, Lindfors (C‑365/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35).
36 – Esta afirmação em nada diminui a obrigação do Estado de estabelecimento ou de permanência de atribuir a estes nacionais as mesmas vantagens que aos seus próprios nacionais, caso se encontrem na mesma situação.
37 – V., neste sentido, acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly (C‑336/96, Colect., p. I‑2793, n.° 47) e Lindfors, já referido (n.° 34).
38 – Que passou, após alteração, a artigo 12.° CE.
39 – Acórdão Gilly, já referido (n.° 30).
40 – Idem.
41 – V., designadamente, acórdãos de 20 de Setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, Colect., p. I‑6193, n.° 31); de 11 de Julho de 2002, D’Hoop (C‑224/98, Colect., p. I‑6191, n.° 28); de 2 de Outubro de 2003, Garcia Avello (C‑148/02, Colect., p. I‑11613, n.os 22 e 23), e Pusa, já referido (n.° 16).
42 – Acórdão Gilly, já referido (n.° 31).
43 – Resulta destes comentários que o sistema segundo o qual Estados, com o objectivo de evitar que alguns dos seus nacionais, na perspectiva da morte, transfiram o domicílio para outro Estado com o único objectivo de evitar o imposto sucessório do seu Estado de origem, estipulam a tributação da totalidade da sucessão dos seus nacionais, ainda que estes estejam domiciliados no estrangeiro, mostra‑se justificada com o objectivo de evitar a evasão fiscal. É, no entanto, necessário estabelecer um prazo máximo de dez anos entre a transferência de domicílio para o estrangeiro e a morte. Além disso, num caso desses, o Estado que cobra imposto ao abrigo da nacionalidade deve atribuir sobre o imposto que calcula um desagravamento do imposto cobrado no Estado onde o de cujus fixou a sua residência e nos Estados que tributam os bens que se encontrem no seu território (Modelo de convenção de dupla tributação sobre as sucessões e doações, OCDE, Paris, 1983, comentários dos artigos 4.°, 7.°, 9.°‑A e 9.°‑B).