CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
ANTONIO TIZZANO
apresentadas em 25 de Maio de 2004(1)



Processo C-12/03 P



Tetra Laval BV
contra
Comissão das Comunidades Europeias



«Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Decisão que declara uma concentração de tipo conglomerado incompatível com o mercado comum – Efeito de alavanca – Extensão da fiscalização jurisdicional – Compromissos de comportamento»





Índice

I –
Quadro jurídico
II –
Matéria de facto e tramitação processual
A operação notificada e o procedimento na Comissão
A decisão impugnada
O acórdão recorrido
O presente recurso e a tramitação processual no Tribunal de Justiça
III –
Análise jurídica
Considerações de ordem geral sobre a admissibilidade dos recursos interpostos de acórdãos do Tribunal de Primeira Instância
Quanto ao fundamento relativo ao nível de prova exigido e à intensidade da fiscalização jurisdicional
Quanto ao fundamento relativo à obrigação de tomar em consideração o carácter ilegal de determinados comportamentos e de atender aos compromissos de natureza puramente comportamental
Quanto ao fundamento relativo à definição dos diversos mercados das máquinas SBM em função da respectiva utilização final
Quanto ao fundamento relativo ao reforço da posição dominante da Tetra no cartão
Quanto ao fundamento relativo à criação da posição dominante da Tetra no que respeita às máquinas SBM
Considerações conclusivas relativamente ao presente recurso
Quanto às despesas
IV –
Conclusão

1.        O presente processo tem por objecto o recurso que a Comissão Europeia interpôs do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão (T‑5/02, Colect., p. II‑4381), que anulou a «Decisão C(2001) 3345 final da Comissão, de 30 de Outubro de 2001, que declara uma concentração incompatível com o mercado comum e com o acordo EEE (processo COMP/M.2416 – Tetra Laval/Sidel)».

I – Quadro jurídico

2.        Como se sabe, para contribuir para a criação de um «regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno» [artigo 3.°, alínea f), do Tratado CEE, que passou, após alteração, a artigo 3.°, alínea g), do Tratado CE, actualmente artigo 3.°, alínea g), CE], o Regulamento do Conselho n.° 4064/89 (a seguir «regulamento das concentrações» ou apenas «regulamento»)  (2) instituiu um controlo das operações de concentração de empresas de dimensão comunitária  (3) . Para o efeito, estabeleceu especificamente que as referidas operações devem ser previamente notificadas à Comissão, que é chamada a pronunciar‑se sobre a sua compatibilidade com o mercado comum.

3.        De acordo com o especificado no artigo 2.°, n.° 1, do regulamento, ao proceder a essa apreciação, «a Comissão terá em conta:

a) A necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efectiva no mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no interior ou no exterior da Comunidade;

b) A posição que as empresas em causa ocupam no mercado e o seu poder económico e financeiro, as possibilidades de escolha de fornecedores e utilizadores, o seu acesso às fontes de abastecimento e aos mercados de escoamento, a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no mercado, a evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em questão, os interesses dos consumidores intermédios e finais, bem como a evolução do progresso técnico e económico, desde que tal evolução seja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à concorrência».

4.        Em seguida, nos outros números do artigo 2.° estabelece‑se:

         por um lado, que «[d]evem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as operações de concentração que não criem ou não reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste» (n.° 2);

         e, por outro, que «[d]evem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste» (n.° 3).

II – Matéria de facto e tramitação processual

A operação notificada e o procedimento na Comissão

5.        Da reconstituição dos factos a que se procedeu no acórdão recorrido, para efeitos do presente processo, resulta o seguinte:

«9
Em 27 de Março de 2001, a Tetra Laval SA, sociedade privada de direito francês e detida a 100% pela Tetra Laval BV, sociedade financeira pertencente ao grupo Tetra Laval (a seguir ‘Tetra’ ou ‘recorrente’), anunciou por conta desta última uma oferta pública de aquisição para todas as acções em circulação da Sidel SA, uma empresa cotada na Bolsa em França. A Tetra Laval SA adquiriu, no mesmo dia, aproximadamente 9,75% do capital da Sidel à Azeo (5,56%) e à direcção da Sidel (4,19%).

[…]

11
Na sequência desta oferta, a Tetra adquiriu aproximadamente 81,3% das acções em circulação da Sidel. Após o encerramento desta oferta, a recorrente adquiriu algumas acções suplementares, de modo que detém, actualmente, cerca de 95,20% das acções e 95,93% dos direitos de voto da Sidel.

12
A Tetra engloba, designadamente, a empresa Tetra Pak que é principalmente activa no domínio das embalagens de cartão para líquidos alimentares, domínio em que Tetra Pak é a empresa preeminente a nível mundial. A Tetra tem igualmente actividades mais limitadas no sector das embalagens em materiais plásticos, principalmente enquanto «conversor» (actividade que consiste em fabricar e fornecer embalagens vazias aos produtores que efectuam eles próprios o enchimento), em especial no sector das embalagens de plástico polietileno de alta densidade (a seguir ‘PEAD’).

13
A Sidel exerce actividades de concepção e de produção de equipamentos e de sistemas de embalagem, designadamente das máquinas ditas ‘Strech Blow Moulding’ (‘estiramento, sopragem e moldagem’, a seguir ‘máquinas SBM’) que são utilizadas na produção de garrafas de plástico polietileno tereftalato (a seguir ‘PET’). Detém uma posição preeminente a nível mundial na produção e no fornecimento de máquinas SBM. Opera igualmente no sector da técnica de tratamento barreira, destinada a tornar o PET compatível com os produtos sensíveis ao gás e à luz, e no sector das máquinas de enchimento para garrafas de PET, assim como, em menor medida, de PEAD.

14
Em 18 de Maio de 2001, a Comissão foi notificada das transacções na sequência das quais a Tetra adquiriu a sua participação na Sidel.

15
É pacífico entre as partes que as transacções (a seguir ‘concentração’ ou ‘operação notificada’) constituem uma aquisição na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do regulamento e que essa concentração tem uma dimensão comunitária na acepção do artigo 1.°, n.° 2, do regulamento.

16
Em 5 de Julho de 2001, a Comissão, tendo considerado que a concentração suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), decidiu dar início ao processo de exame aprofundado previsto pelo artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento.

[…]

19
Em 25 de Setembro de 2001, a recorrente propôs uma série de compromissos, nos termos do artigo 8.°, n.° 2, do regulamento, para sanar os problemas de concorrência identificados na primeira comunicação das acusações.

[…]

21
Em 9 de Outubro de 2001, a recorrente submeteu uma nova série de compromissos definitivos (a seguir ‘compromissos’) substituindo os de 25 de Setembro de 2001.

[…]

24
Por decisão de 30 de Outubro de 2001 [C (2001) 3345 final (processo COMP/M.2416 – Tetra Laval/Sidel), a seguir ‘decisão impugnada’], a Comissão declarou a operação notificada incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do EEE, nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento.

[…]

26
À luz das conclusões a que chegou na decisão impugnada e na sequência de um procedimento administrativo distinto aberto pela transmissão à Tetra, em 19 de Novembro de 2001, de uma comunicação das acusações, a Comissão adoptou, em 30 de Janeiro de 2002, uma decisão que expõe as medidas necessárias para restaurar as condições efectivas de concorrência nos termos do artigo 8.°, n.° 4, do regulamento (processo COMP/M.2416 – Tetra Laval/Sidel).»

A decisão impugnada

6.        Limitando‑nos às passagens essenciais e reservando‑nos a possibilidade de nos debruçarmos mais demoradamente sobre alguns aspectos de maior importância para efeitos do presente processo, a decisão impugnada pode ser brevemente sintetizada da seguinte forma.

7.        Após proceder a uma descrição geral da indústria da embalagem de alimentos líquidos, a Comissão analisou os mercados do produto relevante, começando por analisar a natureza substituível de diversos materiais de embalagem e, consequentemente, entre diversos sistemas de embalagem.

8.        Para efeitos dessa análise, considerou ser útil utilizar uma «segmentação por utilização final» e apreciar assim a natureza substituível dos diversos materiais e sistemas de embalagem relativamente ao líquido a embalar  (4) . Nesta óptica, atendendo a que a Tetra e a Sidel eram sobretudo activas nos segmentos da embalagem de cartão e da PET, a Comissão efectuou a sua análise debruçando‑se principalmente sobre as bebidas que podiam ser embaladas com esses dois materiais (os designados produtos «comuns» ou produtos «sensíveis», ou seja: os «produtos lácteos líquidos» (que no acórdão vêm também referidos como «PLL»  (5) ); os «sumos» e os «néctares» (que na decisão e no acórdão impugnado vêm referidos apenas como «sumos»); as «bebidas não gasosas com aromas de frutas» (que na decisão vêm referidas como «bebidas não gaseificadas com aromas de frutos» e no acórdão também como «BAF»); e as «bebidas de chá ou café prontas a consumir» (que na decisão e no acórdão vêm referidas apenas como «bebidas à base de chá ou café»)  (6) .

9.        Examinando a interacção entre os dois materiais, a Comissão começou por sublinhar que, embora tenham «sido utilizados para embalar bebidas diferentes»  (7) , o «PET [era] um material adequado para a embalagem de todos os produtos tradicionalmente embalados em cartão»  (8) . Na sequência de uma ampla análise e, em especial, à «luz dos progressos tecnológicos recentes e previsíveis, e das considerações de custos e de marketing», a Comissão chegou em seguida à conclusão de que «a utilização do PET nos segmentos do produto comuns [cresceu] significativamente nos próximos cinco anos»  (9) .

10.      A Comissão afirmou, portanto, «que, embora a substituição entre os [sistemas de embalagem em cartão e em PET] ainda não [possuísse] a eficiência e a rapidez necessárias para efeitos de definição do mercado (ou seja, não [eram] bons substitutos), esta situação [poderia] alterar‑se no futuro». Para além disto, também concluiu que, «dada a sua presença no mesmo sector da embalagem dos alimentos líquidos, os seus segmentos de produto comuns, a sua base de clientes e a crescente utilização de tecnologia asséptica, os dois sistemas de embalagem pertenc[iam] a dois mercados muito próximos»  (10) .

11.      Isto posto, a Comissão considerou «necessário analisar se exist[iam] mercados do produto relevantes para o equipamento específico a cada sistema de embalagem»  (11) .

12.      No termo desta análise, relativamente ao sistema de embalagem em PET  (12) , a Comissão concluiu: i) que «as máquinas SBM de grande capacidade constitu[íam] um mercado distinto do das máquinas SBM de pequena capacidade» e que «[à] luz das características específicas das bebidas ‘sensíveis’ e da capacidade de estabelecimento de discriminações de preço», existiam «mercados relevantes distintos para cada grupo de utilizadores, em função do produto a embalar, sobretudo nos quatro segmentos de bebidas ‘sensíveis’»  (13) ; ii) que as diferentes «tecnologias de barreira para PET constitu[íam] um mercado do produto»  (14) ; iii) que «as máquinas de enchimento asséptico PET e as máquinas de enchimento não asséptico PET pertencem a mercados do produto distintos»  (15) ; iv) e que «os pré‑formados [para a PET] constitu[íam] um mercado do produto distinto»  (16) .

13.      Em contrapartida, relativamente aos sistemas de embalagem em cartão a Comissão concluiu «que exist[iam] quatro mercados do produto distintos: as máquinas de embalagem asséptica em cartão, o cartão asséptico, as máquinas de embalagem não asséptica em cartão e o cartão não asséptico»  (17) .

14.      Esclarecidos estes aspectos quanto aos mercados relevantes do produto, a Comissão passou, em seguida, a examinar rapidamente a dimensão geográfica desses mercados, concluindo que «o mercado geográfico relevante para todos os mercados do produto relevantes supramencionados [era o] EEE»  (18) .

15.      Passando a analisar o impacto concorrencial da operação notificada, a Comissão começou por observar que, anteriormente a essa operação, a Tetra já detinha «uma posição dominante nos mercados das máquinas de embalagem asséptica e do cartão asséptico, e uma posição de liderança nos mercados das máquinas de embalagem não asséptica e do cartão não asséptico»; além disso, ocupava «igualmente uma posição dominante no mercado geral das embalagens em cartão»  (19) . Em contrapartida, anteriormente à operação notificada, a Sidel ocupava «uma posição de liderança no mercado das máquinas SBM de pequena e grande capacidade para todos os segmentos de utilização final e uma posição forte nos mercados dos demais equipamentos de embalagem PET, em especial nos das máquinas de enchimento asséptico, de equipamento secundário e de serviços conexos»  (20) .

16.      Perante estes elementos, a Comissão examinou se a operação notificada implicara a criação ou o reforço de uma ou mais posições dominantes, na acepção do artigo 2.° do regulamento das concentrações

17.      A este respeito, observou, antes do mais, que «[a] operação proposta [tivera] efeitos horizontais directos, na medida em que ambas as partes est[avam] activas em três mercados de produto distintos: máquinas SBM de baixa capacidade, tecnologias de barreira e máquinas de enchimento asséptico PET». Segundo a Comissão, a «a já forte posição da Sidel» ficaria, consequentemente, «imediatamente reforçada pela concentração»  (21) .

18.      De um modo mais especial, relativamente aos «efeitos horizontais» da operação, a Comissão concluiu: i) «que o mercado das máquinas SBM de pequena capacidade ficaria mais concentrado em resultado da operação» e que «[a] Tetra/Sidel [ficaria] a empresa líder em toda a gama de maquinaria SBM, desde as mais simples máquinas de pequena capacidade às máquinas de grande capacidade e às máquinas tecnologicamente mais avançadas»  (22) ; ii) «que a combinação das tecnologias […]das partes [reforçaria] significativamente a posição da entidade resultante da concentração no mercado das tecnologias de barreira», embora «não de forma a garantir‑lhe uma posição dominante»  (23) ; e iii) «que a entidade resultante da concentração deteria uma posição forte no mercado das máquinas de enchimento asséptico PET»  (24) .

19.      Em seguida, a Comissão examinou os «efeitos verticais» da operação, tendo concluído que esta implicara a «integração vertical da Tetra/Sidel em três sistemas de embalagens: cartão, PEAD e PET». Este facto, poderia ter «[gerado] um conflito de interesses com os fabricantes de embalagens independentes, com eventuais efeitos contrários à concorrência». A Comissão, todavia, não concluiu que essas «preocupações verticais resultariam, por si só, na criação de uma posição dominante no mercado do equipamento ou dos pré‑formados PET»  (25) .

20.      A Comissão, tendo chegado a estas conclusões sobre os efeitos «horizontais» e «verticais» da concentração, passou, em seguida, a examinar os possíveis efeitos anticoncorrenciais (ou seja, «de conglomerado» derivantes do facto de a entidade resultante da concentração ter passado a deter uma forte posição em mercados contíguos, como os do cartão e o do fabrico das embalagens em cartão e o do fabrico das embalagens PET. Em seu entender, esta apreciação tornara‑se particularmente necessária devido à estreita conexão existente entre os diversos mercados, decorrente do facto de «o PET [já estar] a tornar‑se uma importante embalagem alternativa e complementar à embalagem de cartão no mercados de produtos ‘sensíveis’, cuja importância continuará a aumentar»  (26) .

21.      Nesta óptica, a Comissão examinou, antes de mais, se a entidade resultante da concentração podia servir‑se do facto de dominar o cartão para adquirir uma posição dominante nos mercados do equipamento das embalagens PET (ou seja, «efeito de alavanca» ou «leveraging»). A este respeito, no seguimento de uma ampla análise, chegou à conclusão de «que, ao associar a empresa dominante na embalagem em cartão, a Tetra, e a empresa líder no equipamento de embalagem PET, a Sidel, a operação proposta criaria uma estrutura de mercado que conferiria à entidade resultante da concentração os incentivos e os meios para transformar a sua posição de liderança no mercado do equipamento de embalagem PET, em especial das máquinas SBM (de pequena e grande capacidade) utilizadas para os segmentos de produtos ‘sensíveis’ numa posição dominante, susceptível de reforçar a posição da entidade resultante da concentração e de ter efeitos anticoncorrenciais no mercado das máquinas SBM»  (27) .

22.      Em seguida, a Comissão apreciou os possíveis efeitos da operação notificada sobre a posição dominante detida pela Tetra no cartão. A este propósito, considerando que «os sistemas de embalagem em cartão e os sistemas de embalagem PET constitu[iam] mercados […] próximos, que exerc[iam] um sobre o outro alguma pressão competitiva», concluiu que «ao eliminar a Sidel e o seu crescente poder concorrencial num mercado muito próximo, a Tetra reforçaria a sua posição no mercado das embalagens em cartão»  (28) .

23.      Por último, a Comissão debruçou‑se sobre a questão de saber se o domínio da entidade resultante da concentração nos mercados dos equipamentos de embalagem em cartão e em PET podia conduzir a um reforço da sua posição dominante. A este respeito, considerou ser «provável que, através da concentração, a posição [dessa entidade] nos sectores de produtos ‘sensíveis’ marginalizaria os concorrentes e levantaria entraves à entrada de novos operadores, reforçando, deste modo, a sua dominância nos mercados relevantes do equipamento de embalagem de cartão e do equipamento de embalagem PET, em especial das máquinas SBM utilizadas para produtos ‘sensíveis’»  (29) .

24.      Concluída essa apreciação sobre o impacto concorrencial da operação notificada, a Comissão passou, em seguida, a apreciar os compromissos propostos pela Tetra, que consistiram: i) na «alienação das actividades da Tetra no domínio das máquinas SBM»; ii) na «alienação das actividades da Tetra no domínio dos pré‑formados»; iii) na «manutenção da Sidel e da Tetra enquanto empresas distintas» e no «respeito de medidas de correcção em matéria de conduta impostas previamente ao abrigo do artigo 82.° do Tratado»; e iv) no «licenciamento das actividades da Sidel no domínio das máquinas SBM para venda a clientes embaladores de produtos ‘sensíveis’ e a fabricantes de embalagens»  (30) .

25.      Contudo, na sequência de uma rápida análise desses compromissos, a Comissão considerou que eram «insuficientes para eliminar as principais preocupações em matéria de concorrência identificadas nos mercados do equipamento de embalagem PET e da embalagem em cartão», e isto na medida em que as «alienações terão um impacto mínimo na posição da entidade resultante da concentração». O licenciamento, para além de ser «insuficiente para eliminar as [suas] preocupações […] em matéria de concorrência, […] não se afigura uma opção viável, podendo mesmo introduzir mecanismos complexos no mercado, que tenham como resultado uma regulação artificial»; e «os dois compromissos em matéria de conduta são considerados insuficientes, por si só, para eliminar as preocupações suscitadas pela estrutura que o mercado apresentaria após a concentração»  (31) .

26.      Assim, a Comissão concluiu «que, dada a inviabilidade dos compromissos propostos e o facto de estes serem globalmente insuficientes para dissipar as preocupações em matéria de concorrência suscitadas pela operação», estes não eram «suficientes para eliminar as preocupações em matéria de concorrência identificadas, pelo que não pod[iam] servir de base a uma decisão de autorização»  (32) .

27.     À luz das considerações que acabei de sinteticamente expor, a Comissão chegou, portanto, à conclusão de «que a concentração notificada criaria uma posição dominante no mercado do equipamento de embalagem PET [, em especial das SBM utilizadas para produtos ‘sensíveis’] e [do equipamento de embalagens assépticas em cartão e] de cartão asséptico no EEE, em resultado da qual a concorrência efectiva seria significativamente entravada no mercado comum e no EEE»  (33) . Tendo considerado que os compromissos propostos pela Tetra não eram suficientes para sanar a situação, a Comissão, consequentemente, declarou a concentração «incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE»  (34) .

O acórdão recorrido

28.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Janeiro de 2002, a Tetra impugnou a decisão da Comissão. Dando provimento a esse recurso, por acórdão de 25 de Outubro de 2002, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão impugnada.

29.      Limitando‑nos aqui igualmente às suas passagens essenciais e reservando‑nos a possibilidade de nos debruçarmos mais demoradamente sobre alguns aspectos, o referido acórdão pode ser brevemente sintetizado da seguinte forma.

30.      Após ter julgado improcedente o fundamento de recurso «assente em violação do direito de acesso ao processo»  (35) , o Tribunal de Primeira Instância – para efeitos do que mais directamente nos importa – deteve‑se: i) sobre o «fundamento assente em inexistência de efeitos anticoncorrenciais horizontais e verticais da concentração alterada»  (36) ; ii) sobre o «fundamento assente em inexistência de efeito de conglomerado previsível».

31.      Quanto ao fundamento relativo aos efeitos «horizontais» e «verticais» da concentração, começou por observar «que, embora a Comissão não baseie a decisão impugnada nesses efeitos […], o facto é que os teve em conta em apoio da sua conclusão segundo a qual a concentração alterada deve ser proibida»  (37) .

32.      Esclarecido este aspecto, o Tribunal de Primeira Instância observou que, atendendo aos compromissos propostos pela Tetra, «os efeitos horizontais desfavoráveis da concentração a que a Comissão se refere na decisão impugnada são mínimos, se não quase inexistentes, nos diversos mercados dos equipamentos de embalagem PET em questão». Com base nestes elementos, concluiu «que a Comissão, na medida em que se apoia nos efeitos horizontais da concentração alterada de modo a defender a sua conclusão quanto à criação de uma posição dominante nos referidos mercados do PET a favor da nova entidade, através do exercício de um efeito de alavanca, cometeu um erro manifesto de apreciação»  (38) .

33.      Do mesmo modo, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que «não foi demonstrado que a concentração alterada ocasionaria efeitos verticais importantes ou pelo menos significativos nos mercados de equipamentos de embalagem PET». Nestas circunstâncias, em seu entender, havia que «concluir que a Comissão, na medida em que se apoia nos efeitos verticais da concentração alterada de modo a sustentar a sua conclusão quanto à criação de uma posição dominante nos referidos mercados PET a favor da nova entidade através do exercício do efeito de alavanca, cometeu um erro manifesto de apreciação»  (39) .

34.      Segundo o Tribunal de Primeira Instância, todavia, os «erros manifestos de apreciação» que a Comissão cometeu «ao apoiar‑se nos efeitos horizontais e verticais da concentração alterada, de modo a sustentar a sua análise relativa à criação de uma posição dominante nos mercados do PET» «não implicam a anulação da decisão impugnada, dado que o efeito de conglomerado avançado pela Comissão pode bastar, por si só, para justificar a referida decisão»  (40) .

35.      Examinando agora o «fundamento assente em inexistência de efeito de conglomerado previsível», o Tribunal de Primeira Instância passou a «examinar sucessivamente os três pilares do raciocínio da Comissão relativos ao efeito de alavanca, à eliminação da concorrência potencial e ao efeito geral de reforço da posição concorrencial da nova entidade»  (41) .

36.      Começando pelo primeiro desses pilares, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que, como a própria Comissão reconheceu, «o exercício pela Tetra de um efeito de alavanca através dos comportamentos [referidos na decisão]  (42) poderia ser constitutivo de abuso da posição dominante preexistente que a Tetra detém nos mercados do cartão asséptico»  (43) . Nesta situação, segundo o Tribunal de Primeira Instância, a Comissão deveria «apreciar se, apesar da proibição destes comportamentos, é no entanto verosímil que a entidade resultante da operação se comportará de tal maneira ou se, pelo contrário, o carácter ilegal do comportamento e/ou o risco de detecção de tal comportamento torna essa estratégia pouco provável. No quadro de tal apreciação, embora seja apropriado ter em conta as incitações à adopção de comportamentos anticoncorrenciais, como os que resultam no caso vertente para a Tetra das vantagens comerciais previsíveis nos mercados dos equipamentos PET […] a Comissão também deve examinar em que medida as referidas incitações seriam reduzidas, ou até mesmo eliminadas, devido à ilegalidade dos comportamentos em questão, da probabilidade da sua detecção, da sua punição pelas autoridades competentes, tanto a nível comunitário como nacional, e das sanções pecuniárias que daí poderiam resultar»  (44) .

37.      Considerando, portanto, que «a Comissão [não tinha] efectuado tal apreciação na decisão impugnada», o Tribunal de Primeira Instância afirmou que, na medida em que «a apreciação da Comissão se baseia na possibilidade, ou mesmo na probabilidade, da adopção pela Tetra de tal comportamento nos mercados dos cartões assépticos», as conclusões dessa instituição devem ser afastadas  (45) .

38.      Do mesmo modo, o Tribunal de Primeira Instância considerou que «a circunstância de a recorrente ter proposto […] compromissos relativos ao seu comportamento futuro é também um elemento que a Comissão devia necessariamente ter tido em conta para apreciar se era verosímil que a nova entidade se comportará de uma maneira que torne possível a criação de uma posição dominante num ou em vários mercados dos equipamentos PET». Todavia, «não resulta da decisão impugnada que a Comissão tomou em consideração as implicações dos referidos compromissos na sua análise relativa à criação no futuro de tal posição através do exercício do efeito de alavanca previsto»  (46) .

39.      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que ao «examinar se a Comissão baseou a sua análise prospectiva da probabilidade de um efeito de alavanca a partir dos mercados do cartão asséptico, bem como das consequências […] em provas suficientemente sólidas» se devia «ter em conta apenas os comportamentos que, pelo menos verosimilmente, não são ilegais»  (47) .

40.      Isto posto, e continuando a sua análise, o Tribunal de Primeira Instância afirmou que «a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar que a nova entidade teria a possibilidade de exercer um efeito de alavanca»  (48) . Em especial, segundo o Tribunal de Primeira Instância, a referida instituição «demonstrou suficientemente que o sector do PET conhecerá um crescimento previsível que tornará possível o efeito de alavanca anunciado»  (49) .

41.      Como, no entanto, da referida decisão resultava «que a incitação a que a nova entidade exerça um efeito de alavanca depende, em larga medida, do nível previsto do crescimento dos mercados do PET», o Tribunal de Primeira Instância considerou necessário examinar se, como afirmado pela recorrente, «o volume previsível dos produtos sensíveis embalados em PET até 2005, em relação ao futuro volume total dos produtos embalados em PET, torna improvável, ou pelo menos reduz de forma significativa, a referida incitação»  (50) .

42.      No termo desse exame, concluiu que «as previsões de crescimento anunciadas pela Comissão na decisão impugnada no que respeita aos PLL e os sumos não são suficientemente demonstradas. É verdade que é provável um certo crescimento nesses segmentos, sobretudo para os produtos topo de gama, mas não existem provas convincentes da importância desse crescimento»  (51) . Segundo o Tribunal de Primeira Instância, todavia, tendo em conta «o facto de que a utilização do PET aumentará provavelmente até 2005, mesmo de uma maneira menos nítida que a prevista pela Comissão, não é impossível a incitação exercer um efeito de alavanca»  (52) .

43.      Tendo em atenção o que precede, o Tribunal de Primeira Instância passou a «examinar por que modos tal efeito de alavanca pode ser exercido pela nova entidade»  (53) . A este propósito, considerou que, limitando a análise «àqueles [modos] que, pelo menos provavelmente, não constituem um abuso de posição dominante nos mercados do cartão asséptico»  (54) , e tendo em conta os compromissos propostos pela Tetra, se devia necessariamente concluir «que as possibilidades de a nova entidade exercer um efeito de alavanca são bastante circunscritas»  (55) . Este facto devia, portanto, ser tido em consideração no «exame das consequências previsíveis de um eventual recurso por esta a um tal comportamento»  (56) .

44.      Debruçando‑se, portanto, sobre o exame das referidas consequências, o Tribunal de Primeira Instância considerou que importava «distinguir os diversos mercados dos equipamentos PET dos mercados, específicos, das máquinas SBM»  (57) .

45.      Relativamente aos primeiros, após uma cuidadosa análise mercado a mercado, o Tribunal de Primeira Instância concluiu «que a decisão impugnada não fornece elementos de prova suficientemente convincentes para demonstrar que, na sequência de um efeito de alavanca exercido a partir dos mercados do cartão asséptico, se verificaria a criação, em favor da nova entidade até 2005, de uma posição dominante nos mercados da técnica de tratamento barreira, das máquinas de enchimento asséptico e não asséptico, dos sistemas de fecho de garrafas de plástico e dos equipamentos auxiliares»  (58) .

46.      No que respeita aos mercados das máquinas SBM, igualmente após uma análise cuidadosa, o Tribunal de Primeira Instância concluiu:

         que «[c]om base nos elementos fornecidos na decisão impugnada, a Comissão cometeu assim um erro, por um lado, ao declarar que as máquinas SBM são ‘na sua maioria genéricas’ […] e, por outro, ao distingui‑las segundo a sua utilização final». Além disso, «a decisão impugnada não fornece elementos suficientes para justificar a definição de submercados distintos entre as máquinas SBM segundo a sua utilização final», razão pela qual «os únicos submercados a considerar são os das máquinas de fraca e de forte capacidade»  (59) ;

         que, «quanto às máquinas SBM de fraca capacidade, [a Comissão,] na medida em que […] prevê a provável criação até 2005 de uma posição dominante neste mercado, na sequência do exercício de um efeito de alavanca, cometeu um erro manifesto de apreciação»  (60) ;

         e que «em relação ao mercado de máquinas SBM de forte capacidade, os elementos em que a Comissão se apoiou não justificam a sua conclusão segundo a qual tanto os concorrentes da nova entidade como os conversores seriam marginalizados, até 2005, através do exercício por esta nova entidade de um efeito de alavanca em relação aos actuais clientes dos mercados de cartão da Tetra que, durante este período, pretendam mudar total ou parcialmente para a utilização do PET em matéria de acondicionamento de produtos sensíveis»  (61) .

47.      Extraindo uma «[c]onclusão geral sobre o exercício do efeito de alavanca», o Tribunal de Primeira Instância, consequentemente, afirmou «que ao apoiar‑se nas consequências de um efeito de alavanca exercido pela nova entidade de modo a defender a sua conclusão quanto à criação até 2005 de uma posição dominante nos mercados dos equipamentos de embalagem PET, em especial nos mercados das máquinas SBM de fraca e forte capacidade utilizadas para os produtos sensíveis, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação»  (62) .

48.      Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que «[n]ão estando preenchidas as condições exigidas pelo artigo 2.°, n.° 3, do regulamento no que respeita ao efeito de alavanca previsto pela Comissão, há que examinar se estas condições estão preenchidas no que respeita ao segundo pilar do raciocínio da Comissão relativo aos mercados do cartão»  (63) .

49.      Procedendo, portanto, a esse exame, o Tribunal de Primeira Instância observou, antes de mais, que a Comissão não «cometeu nenhum erro ao examinar o significado de uma redução da concorrência potencial proveniente dos mercados dos equipamentos PET nos mercados do cartão. No entanto, incumbe‑lhe demonstrar que uma tal redução, se existir, seria susceptível de reforçar a posição dominante da Tetra face aos seus concorrentes nos mercados do cartão asséptico»  (64) .

50.      A este respeito, após ter examinado a apreciação efectuada pela Comissão, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que «os elementos invocados na decisão impugnada não demonstram suficientemente que os efeitos da concentração alterada na posição ocupada pela Tetra, principalmente nos mercados do cartão asséptico, eliminando a Sidel como potencial concorrente, sejam tais que as condições do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento estariam preenchidas». Em seu entender, de facto, «não foi demonstrado que a posição da nova entidade seria reforçada face aos seus concorrentes no mercado do cartão»  (65) .

51.      Por último, passando ao «terceiro pilar» do raciocínio da Comissão, relativo ao efeito geral de reforço da posição concorrencial da nova entidade no sector da embalagem de produtos sensíveis, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a declarar que «estes efeitos da operação notificada não podem ser considerados separadamente da análise da decisão impugnada relativa aos dois primeiros pilares do raciocínio da Comissão. Uma vez que a análise relativa a estes dois pilares está ferida de erros manifestos de apreciação […], o terceiro pilar deve também ser julgado improcedente, sem que deva ser examinado em detalhe»  (66) .

52.      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que «a decisão impugnada não demonstra de modo suficiente que a concentração alterada teria efeitos de conglomerado anticoncorrenciais significativos». Em seu entender, era, portanto, de «[concluir] que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao proibir a concentração alterada com base nos elementos evocados na decisão impugnada relativos ao efeito de conglomerado previsto»  (67) .

53.      Apresentando uma «conclusão global» sobre o recurso, o Tribunal de Primeira Instância afirmou, por conseguinte, que «os fundamentos assentes na inexistência de efeitos concorrenciais horizontais, verticais e de conglomerado devem ser declarados procedentes, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos» e que, «[p]or conseguinte, a decisão impugnada é anulada»  (68) .

O presente recurso e a tramitação processual no Tribunal de Justiça

54.      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Janeiro de 2003, a Comissão recorreu do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, pedindo a sua anulação. A este recurso opôs‑se naturalmente a Tetra, apresentando a sua contestação nos termos do artigo 115.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

55.      Através da sua contestação, para além de pedir que fosse negado provimento ao recurso, a Tetra – a título de diligências de instrução nos termos do artigo 45.°, n.° 2, do Regulamento de Processo – pediu que fosse apresentada a versão francesa do referido requerimento de recurso (cujo texto original é em inglês, que foi a língua do processo no Tribunal de Primeira Instância e, por conseguinte, também será a do presente processo). Contudo, este pedido de diligência de instrução foi indeferido pelo Tribunal de Justiça por despacho de 24 de Julho de 2003.

56.      Tendo sido autorizada pelo presidente do Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 117.° do Regulamento de Processo, a Comissão apresentou uma réplica, a que se seguiu a tréplica da Tetra. Além disso, as partes responderam por escrito a uma questão que lhes foi colocada pelo Tribunal de Justiça e, posteriormente, foram ouvidas em audiência de 27 de Janeiro de 2004.

III – Análise jurídica

57.      Em apoio do seu recurso, a Comissão apresenta cinco fundamentos:

i)       erro de direito no que respeita ao nível de prova exigido e à intensidade da fiscalização jurisdicional;

ii)     erro de direito e, especialmente, violação dos artigos 2.° e 8.°, n.° 2, do regulamento das concentrações, que consistiu em exigir à Comissão que tome em consideração o carácter ilegal de determinados comportamentos e os compromissos de natureza puramente comportamental;

iii)   erro de direito decorrente do facto de não ter confirmado a definição dos diferentes mercados das máquinas SBM em função das respectivas utilizações finais;

iv)     violação do artigo 2.° do regulamento, distorção dos factos e não tomada em consideração dos argumentos da Comissão na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não confirmou a conclusão da Comissão no que respeita ao reforço da posição dominante da Tetra no mercado do cartão;

v)       erro de direito decorrente do facto de não ter confirmado a conclusão da Comissão no que toca à criação da posição dominante da Tetra relativamente às máquinas SBM.

58.      Após algumas considerações de ordem geral sobre a admissibilidade do recurso interposto do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, estes fundamentos serão analisados pela ordem por que foram apresentados pela Comissão.

Considerações de ordem geral sobre a admissibilidade dos recursos interpostos de acórdãos do Tribunal de Primeira Instância

59.      Atendendo a que a Tetra contesta a admissibilidade de grande parte dos fundamentos do recurso da Comissão, importa, antes de passar à sua análise, recordar sucintamente que, nos termos do artigo 225.° CE e do artigo 51.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, os recursos dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância estão «limitado[s] às questões de direito».

60.      Daqui decorre, segundo jurisprudência constante, que só o Tribunal de Primeira Instância «tem competência, por um lado, para apurar a matéria de facto, excepto em casos nos quais a inexactidão material das suas conclusões resulte dos documentos dos autos que lhe foram apresentados, e, por outro, para a apreciação dessa matéria de facto. Quando o Tribunal de Primeira Instância tenha conhecido ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer, por força do artigo 168.°‑A do Tratado [actual artigo 225.° CE], a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância […]. O Tribunal de Justiça não tem, portanto, competência para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento de tais factos. Com efeito, tendo as provas sido obtidas regularmente, tendo as normas e princípios gerais de direito em matéria de prova sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos […]. Assim, esta apreciação não constitui, excepto em caso de desnaturação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, ao controlo do Tribunal de Justiça»  (69) .

61.      Por conseguinte, é apenas nos estritos limites indicados na referida jurisprudência consolidada que os diversos fundamentos do recurso podem ser apreciados pelo Tribunal de Justiça.

Quanto ao fundamento relativo ao nível de prova exigido e à intensidade da fiscalização jurisdicional

62.      Através do primeiro fundamento de recurso, que essencialmente se articula em duas partes, a Comissão, em primeiro lugar, critica genericamente a intensidade da fiscalização jurisdicional a que o Tribunal de Primeira Instância procedeu e o nível de prova que exige para que seja possível proibir uma concentração e, em segundo lugar, fornece um «exemplo concreto» dos erros cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância, contestando o tipo de controlo que este efectuou relativamente às suas apreciações sobre o crescimento previsível do PET. Por razões de clareza, estes dois aspectos serão adiante analisados separadamente.

a)       Críticas genéricas da Comissão

63.      As críticas genéricas formuladas pela Comissão dizem antes de mais respeito à intensidade da fiscalização jurisdicional efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no que toca ao conjunto das apreciações económicas constantes da decisão impugnada.

64.      Em especial, contesta o facto de o Tribunal de Primeira Instância não se ter limitado a verificar se a Comissão cometeu um «erro manifesto de apreciação» e, portanto, se os elementos de facto em que baseou a sua apreciação estavam correctos, se as conclusões que extraiu desses factos não foram manifestamente incorrectas ou contraditórias e se todos os elementos relevantes foram tomados em consideração.

65.      Segundo a instituição recorrente, o Tribunal de Primeira Instância, em vez de se limitar a verificar esses aspectos, exerceu um controlo muito mais incisivo, que o levou a verificar se as conclusões da Comissão assentavam em provas ou elementos «convincentes»  (70) . Assim, foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância efectuou um tipo de fiscalização que, tomada à letra, teria obrigado a Comissão a convencê‑lo das conclusões a que tinha chegado e, consequentemente, teria permitido a esse órgão jurisdicional analisar o mérito das questões e substituir o ponto de vista da Comissão pela sua própria perspectiva. No entender daquela, além disso, o Tribunal de Primeira Instância efectuou, no caso vertente, um controlo muito mais severo do que aquele a que o Tribunal de Justiça procedeu no acórdão Kali & Salz  (71) , também sobre questões de concentração, em que este Tribunal apenas verificou se as conclusões da Comissão se baseavam em elementos «suficientemente significativos e coerentes» (na versão inglesa do acórdão, a que se refere o recurso da Comissão, o Tribunal de Justiça fala de «sufficiently cogent and consistent body of evidence»  (72) .

66.      Em seguida, a Comissão contesta o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter considerado que, como «a posição dominante prevista só se concretizaria após algum lapso de tempo», «a análise prospectiva [da Comissão] deve, sem prejuízo da sua margem de apreciação, ser especialmente plausível »  (73) . De facto, esta perspectiva, segundo a Comissão, restringe excessivamente a margem de discricionariedade de que a Comissão dispõe para proceder a análises económicas complexas, obrigando‑a a basear‑se apenas em dados e elementos que se prestem a uma única e inequívoca interpretação.

67.      Por último, contesta o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter considerado que, para impedir uma concertação do tipo conglomerado, a Comissão se deve basear em elementos que demonstrem que, « com toda a probabilidade », a concentração produzirá os efeitos anticoncorrenciais previstos  (74) . Dessa forma, porém, o Tribunal de Primeira Instância deixa muito poucas possibilidades para a proibição desse tipo de concentração e introduz um nível probatório diferente conforme se trate de decisões de proibição ou de autorização. Por conseguinte, a interpretação do Tribunal de Primeira Instância contraria o artigo 2.°, n. os  2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89, que fixa critérios absolutamente simétricos para efeitos da declaração da compatibilidade ou incompatibilidade de uma concentração com o mercado comum  (75) .

68.      A estas críticas, a Tetra responde alegando, fundamentalmente, que os argumentos da Comissão não são determinantes, na medida em que se centram numa discussão de natureza semântica sobre a terminologia utilizada pelo Tribunal de Primeira Instância, em vez de analisarem, concretamente, o tipo de fiscalização jurisdicional efectuada por aquele Tribunal. De qualquer modo, segundo a Tetra, as críticas da Comissão não atingem o alvo, pois as expressões utilizadas pelo Tribunal de Primeira Instância, mesmo atendendo às diversas versões linguísticas, não se afastam substancialmente das empregues pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kali & Salz e pela Comissão nas suas decisões.

69.      No entender da Tetra, além disso, independentemente das expressões utilizadas, o Tribunal de Primeira Instância respeitou substancialmente a margem de discricionariedade de que dispõe a Comissão ao proceder a análises económicas complexas. Tal como o Tribunal de Justiça no acórdão Kali & Salz, apenas verificou se a Comissão assumira o ónus de prova que lhe cabia relativamente à verificação dos requisitos previstos no artigo 2.°, n.° 3, do regulamento das concentrações.

70.      Em seguida, quanto ao argumento da Comissão relativo ao carácter perfeitamente simétrico dos requisitos previstos nos n. os  2 e 3 do referido artigo, a Tetra sustenta que, se não conseguir demonstrar o preenchimento dos requisitos a que se refere o artigo 2.°, n.° 3, a Comissão deve aprovar a concentração, sem que seja necessário, ulteriormente, provar que esses requisitos não se encontram satisfeitos. De facto, se assim não fosse, incumbiria às empresas interessadas, injustificadamente, provar que a operação notificada não é incompatível com o mercado comum.

71.      Quanto a mim, considero, como a Tetra, que o Tribunal de Justiça não pode limitar‑se a proceder a uma apreciação puramente formal, de tipo linguístico ou lexical, para apurar se o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao efectuar uma fiscalização jurisdicional demasiado severa ou ao exigir um nível de prova demasiado elevado no que toca às decisões de proibição de concentrações. Em contrapartida, considero que o Tribunal de Justiça se deve debruçar sobre a substância do problema, examinado concretamente se, para além do aspecto formal, o Tribunal de Primeira Instância exerceu, efectivamente, uma fiscalização contrária às disposições comunitárias pertinentes e incompatível com a função jurisdicional específica que lhe foi confiada pelo Tratado.

72.      Ao efectuar esse exame, importa ter sobretudo presente que, com base no sistema delineado pelo Regulamento n.° 4064/89, a Comissão deve proibir as concentrações – independentemente do tipo – quando chegue à conclusão de que conduzem à criação ou ao reforço de uma posição dominante, de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste (artigo 2.°, n.° 3, do regulamento).

73.      Todavia, é óbvio que a opinião da Comissão sobre a criação ou o reforço de uma posição dominante desse tipo não comporta uma mera apreciação de facto, relativa à verificação, ou não, da materialidade de determinados requisitos. Com efeito, para além dessa verificação, essa opinião envolve uma apreciação técnica complexa, que não se funda na aplicação de regras científicas exactas, mas sim em critérios e princípios subjectivos como os critérios económicos. Mais concretamente a Comissão deve efectuar um prognóstico complexo sobre os efeitos da concentração ao nível da estrutura e das dinâmicas concorrenciais dos mercados em questão, tendo em atenção inúmeros factores, em contínua evolução, que podem afectar a futura evolução da procura e da oferta nesses mercados.

74.      Assim, não se pode pretender que, para proibir uma operação de concentração, a Comissão declare de forma absoluta que a referida operação levaria à criação ou ao reforço de uma posição dominante, que impediria, de forma significativa, a existência de uma concorrência efectiva no mercado comum, ou em parte substancial deste. Para este efeito, parece‑me, pelo contrário, suficiente que, com base em elementos sólidos, obtidos ao longo de uma instrução aprofundada e escrupulosa, e utilizando as suas competências técnicas, a Comissão chegue à conclusão de que a operação notificada muito provavelmente conduziria à criação ou ao reforço da referida posição dominante. Se não chegasse a essa conclusão, a Comissão deveria, pelo contrário, autorizar a operação.

75.      Diversamente do que a Comissão considerou, penso que a aplicação do referido teste não contraria o carácter perfeitamente simétrico dos pressupostos jurídicos previstos no artigo 2.°, n. os  2 e 3, do regulamento para a declaração da compatibilidade ou incompatibilidade das concentrações com o mercado comum.

76.      Com efeito, considero que a simetria entre esses requisitos não pode ser absoluta pois entre os casos em que as operações notificadas muito provavelmente criariam ou reforçariam uma posição dominante, na acepção do artigo 2.°, e aqueles em que as referidas operações muito provavelmente não criariam ou reforçariam uma tal posição existe, por assim dizer, uma «zona de sombra»: ou seja, uma zona em que se situam os casos relativamente aos quais é particularmente difícil prever os efeitos das operações notificadas, não sendo, por isso, possível alcançar uma clara certeza quanto ao facto de a probabilidade da criação ou ao reforço de uma posição dominante ser significativamente superior ou inferior à da não criação ou reforço de tal posição. O sistema do Regulamento n.° 4064/89 deve, portanto, necessariamente prever um critério para a solução destes casos de qualificação duvidosa ou difícil.

77.      Ora, creio que, nestes casos, a solução mais correcta será indiscutivelmente autorizar as operações notificadas.

78.      Neste sentido parece‑me militar o artigo 10.°, n.° 6, do regulamento, que estabelece que, se a Comissão, dentro dos prazos fixados, não tomar qualquer decisão sobre uma operação de concentração notificada, «considera‑se que a operação de concentração é declarada compatível com o mercado comum».

79.      Ao estabelecer que a operação deve considerar‑se autorizada quando a Comissão sobre ela não se tenha atempadamente pronunciado, o legislador comunitário revela, efectivamente, considerar que, quando não haja certezas quanto à compatibilidade, ou não, dessa operação com o mercado comum, o interesse que deve primar é o das empresas que pretendam realizar a concentração. Por outras palavras, para estes casos, considerou‑se preferível correr o risco de autorizar uma operação incompatível com o mercado comum do que o de impedir uma operação compatível e restringir assim, injustificadamente, a livre iniciativa económica das partes.

80.      O mesmo deveria acontecer, em meu entender, relativamente aos casos que integram a «zona cinzenta» supra‑referida, que também se caracterizam pela substancial incerteza quanto à compatibilidade, ou não, das operações notificadas com o mercado comum.

81.      Que, nesses casos, se autorizem as operações notificadas, parece‑me, de resto, justificar‑se também pelo facto de, embora pudessem conduzir à criação ou ao reforço de uma posição dominante, na acepção do artigo 2.° do regulamento, a Comissão e as autoridades nacionais competentes poderiam, todavia, limitar as distorções da concorrência, utilizando ex post os poderes que lhes são conferidos pelo artigo 86.° do Tratado.

82.      Por conseguinte, esclarecido este aspecto no que respeita à apreciação que a Comissão deve efectuar, podemos passar ao problema dos limites da fiscalização jurisdicional.

83.      A este respeito, começo por observar que, segundo jurisprudência assente, «a fiscalização que os órgãos jurisdicionais comunitários exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão limita‑se necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder»  (76) .

84.      No que especificamente respeita ao Regulamento n.° 4064/89, no já referido acórdão Kali & Salz o Tribunal de Justiça teve a oportunidade de esclarecer que «as regras materiais do regulamento, em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão certo poder discricionário, designadamente, no que respeita às apreciações de ordem económica. […] Consequentemente, o controlo, pelo órgão jurisdicional comunitário, do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuado tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações»  (77) .

85.      Desta jurisprudência resulta, portanto, que o órgão jurisdicional comunitário, para além de, obviamente, dever controlar o respeito das normas jurídicas, em especial das normas processuais e das relativas à obrigação de fundamentação, efectua uma fiscalização diversa conforme se trate de verificar a correcção do apuramento dos factos ou das apreciações económicas da Comissão.

86.      Relativamente ao apuramento dos factos, a fiscalização é claramente mais intensa, na medida em que se trata de verificar de forma objectiva a exactidão da materialidade de determinados elementos e a correcção das deduções efectuadas para verificar se determinados factos conhecidos permitem demonstrar a existência de outros factos a averiguar. Em contrapartida, no que respeita às apreciações económicas complexas efectuadas pela Comissão, a fiscalização do órgão jurisdicional comunitário é necessariamente mais restrita, na medida em que deve respeitar o amplo poder discricionário inerente a esse tipo de apreciação e não pode substituir o ponto de vista do órgão a quem institucionalmente cabem essas apreciações pela sua própria perspectiva.

87.      Todavia, o facto de a Comissão dispor de um amplo poder discricionário para apreciar a compatibilidade, ou não, de uma concentração com o mercado comum não implica que essa instituição não deva fundar a sua apreciação em elementos sólidos apurados ao longo de uma instrução profunda e escrupulosa e que não seja obrigada a fundamentar de forma completa a sua decisão, deixando transparecer os diversos percursos lógicos que a sustentam. De resto, a própria Comissão reconheceu, no seu recurso, ser obrigada a examinar atentamente o mercado relevante; a basear a sua apreciação em elementos que reflictam a realidade dos factos, que não sejam claramente insignificantes e que suportem as conclusões que daí se retiram, e com base num raciocínio congruente; e a tomar em consideração todos os elementos relevantes.

88.      Como igualmente resulta da perspectiva adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kali & Salz, estas obrigações da Comissão permitem que o juiz comunitário proceda a uma fiscalização adequada. Embora sem se debruçar sobre o mérito da apreciação efectuada pela Comissão, o órgão jurisdicional comunitário pode, em especial, verificar a exactidão dos dados de facto em que se fundam essas apreciações e das deduções efectuadas nessa sede  (78) ; se a Comissão procedeu a uma instrução profunda e escrupulosa, em especial se diligentemente procurou apurar todos os factos e, adequadamente, os tomou em consideração  (79) ; e se o percurso lógico do raciocínio desenvolvido pela Comissão para concluir pela compatibilidade, ou não, de uma concentração com o mercado comum responde a critérios de lógica e coerência  (80) .

89.      Contudo, as regras relativas à repartição de competências entre a Comissão e o tribunal comunitário, que estão na base do sistema jurisdicional comunitário, não permitem que o referido tribunal as ultrapasse e, em especial – como já referi – que se debruce sobre o mérito das apreciações económicas complexas a que a Comissão procedeu e que substitua o ponto de vista dessa instituição pela sua própria perspectiva.

90.      Genericamente esclarecido este aspecto, há que concretamente examinar se o Tribunal de Primeira Instância efectivamente cometeu um erro de direito ao efectuar uma fiscalização jurisdicional demasiado severa ou ao exigir um nível de prova demasiado elevado no que toca às decisões de proibição das concentrações (v., supra , n.° 71).

b)       O «exemplo concreto» dos erros cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância

91.      Após ter formulado as críticas de carácter geral que acabámos de referir, a Comissão, na segunda parte do primeiro fundamento, propõe‑se fornecer um «exemplo concreto» dos erros cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância. Nesta parte do fundamento, para além de contestar as diversas passagens do acórdão recorrido em que o Tribunal de Primeira Instância terá excedido os limites da fiscalização jurisdicional, a Comissão formula, em seguida, outras críticas concisas relativamente a erros de diversos tipos que o Tribunal de Primeira Instância terá cometido quando procedeu às suas próprias apreciações.

92.      Através de uma primeira crítica, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância excedeu os limites da fiscalização jurisdicional ao rejeitar a sua conclusão sobre um crescimento previsível do PET para a embalagem de leite de longa duração (UHT) até atingir 1% desse segmento de mercado. Em especial, segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância negou ilegalmente e sem qualquer fundamento a conclusão a que essa instituição havia chegado, declarando apenas «que não se pode aceitar que a utilização do PET conhecerá um verdadeiro crescimento para o leite UHT e, por conseguinte, para aproximadamente metade do mercado dos PLL» (na versão inglesa do acórdão, a que se refere o recurso da Comissão, a posição do Tribunal de Primeira Instância é ainda mais clara: «The Court finds that the use of PET will not actually increase for UHT milk and, consequently, for approximately half of the LDP market»  (81) .

93.      A crítica parece‑me ter acertado no alvo. Com efeito, concordo com a Comissão quando afirma que com essa afirmação lapidar (sobretudo se se considerar o texto do acórdão na língua de processo) o Tribunal de Primeira Instância substituiu erradamente o ponto de vista da Comissão pela sua própria perspectiva, formulando uma previsão própria e autónoma sobre a futura evolução do mercado.

94.      Diversamente do que a Tetra sustenta, a afirmação lapidar do Tribunal de Primeira Instância não contém qualquer crítica à lógica, à coerência ou à congruência do raciocínio desenvolvido pela Comissão com base nos elementos disponíveis. Esta afirmação é, pelo contrário, claramente demonstrativa de que o Tribunal de Primeira Instância tomou directamente em consideração os referidos elementos para chegar à sua conclusão clara de que o PET não conheceria um verdadeiro crescimento no que respeita à embalagem de leite UHT e, consequentemente, para aproximadamente metade do mercado dos PLL. Ao proceder deste modo, o Tribunal de Primeira Instância excedeu, obviamente, os limites das suas atribuições de fiscalização jurisdicional (v., supra, n. os  82 a 89).

95.      Igualmente procedentes parecem‑me as críticas da Comissão relativas à apreciação do Tribunal de Primeira Instância sobre as suas previsões de crescimento do PET no que toca às embalagens de leite fresco (até alcançarem entre 10% e 15%) e de leite aromatizado e das bebidas à base de leite (até alcançarem 25%).

96.      A este respeito, compartilho com a Comissão a opinião de que a conclusão de que as «estimativas de crescimento que daí retirou […] não são, com efeito, muito convincentes»  (82) padece de uma incompleta ou errada apreciação dos elementos pertinentes e, consequentemente, está incorrectamente fundamentada.

97.      Com efeito, como justificadamente observou a Comissão, ao justificar essa conclusão:

i)       o Tribunal de Primeira Instância nem sequer referiu o amplo estudo de mercado efectuado pela Comissão, do qual resultava que os operadores do sector previam níveis de crescimento ainda superiores àqueles que a Comissão acabou por considerar  (83) . A este propósito, é evidente que, diversamente do que a Tetra sustentou, o simples facto de a Comissão ter feito previsões mais prudentes não pode, de modo algum, justificar a não ponderação de um dos elementos que essa instituição tomou em consideração para chegar à sua própria conclusão;

ii)     o Tribunal de Primeira Instância parece ter desvirtuado o conteúdo de um dos estudos analisados na decisão (e, a seu pedido, junto aos autos  (84) ), quando, analisando o crescimento previsível de PET, afirmou que, «no que respeita à embalagem asséptica, o relatório Warrick considera que apenas haverá um crescimento mínimo para o leite aromatizado, ou seja, 1%, e um ligeiro recuo para as outras bebidas à base de leite»  (85) . Desta passagem parece, efectivamente, resultar que as previsões do referido relatório Warrick se referem ao crescimento de PET no que respeita à embalagem do leite aromatizado e das outras bebidas à base de leite, quando da simples leitura do documento resulta claramente (o que, de resto, não é contestado pela Tetra) que as referidas previsões se referiam apenas ao volume dos produtos em questão que fora embalado, independentemente do material utilizado;

iii)   o Tribunal de Primeira Instância não formulou críticas sérias a propósito do raciocínio da Comissão, antes se tendo limitado a observar: que «o relatório PCI, o único estudo independente que se concentra no mercado do PLL, prevê um crescimento na sequência do qual a utilização do PET atingirá 9,2% do mercado para o leite fresco não aromatizado em 2005» (isto é, uma percentagem não muito diferente da prevista pela Comissão); que «no que respeita à embalagem asséptica, o relatório Warrick considera que apenas haverá um crescimento mínimo para o leite aromatizado, ou seja, 1%, e um ligeiro recuo para as outras bebidas à base de leite» (o que considerámos ser um desvio pois essas previsões não se referiam ao crescimento do PET), enquanto «o relatório Pictet não apresenta previsões específicas relativas aos PLL»; e que «do relatório PCI resulta que só a previsão de uma parte de mercado para o PET de 25% para as outras bebidas à base de leite […] é fundada numa base relativamente sólida percentagem que corresponde exactamente à prevista pela Comissão)  (86) . Como facilmente se pode concluir, estas observações sintéticas relativas aos estudos «independentes»  (87) não explicam adequadamente porque é que, no entender do Tribunal de Primeira Instância, as previsões da Comissão não eram «muito convincentes», especialmente se se tiver presente que essas previsões – baseadas numa série de elementos – já eram mais prudentes dos que as resultantes do estudo de mercado efectuado pela própria Comissão.

98.      Também me parece inadequadamente fundamentada a afirmação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual «[m]ais geralmente, a decisão impugnada não explica de modo adequado como é que o PET pode ultrapassar o PEAD como principal material concorrencial para o cartão, sobretudo no importante sector da embalagem de leite fresco, até 2005»  (88) .

99.      Como a Comissão justamente sublinhou, o Tribunal de Primeira Instância chegou a essa conclusão sem de algum modo criticar, e, na verdade, sem mesmo mencionar, as apreciações que essa instituição havia efectuado – com base nos resultados do seu estudo de mercado e nas indicações decorrentes dos estudos independentes – relativamente às vantagens concorrenciais do PET relativamente ao PEAD  (89) .

100.    Em seguida, o facto de o Tribunal de Primeira Instância se ter especialmente referido às embalagens de leite fresco suscita a dúvida de que tenha tomado em consideração as referidas apreciações, pois da decisão impugnada resulta que esse produto era um dos relativamente aos quais o PET apresentava maiores vantagens concorrenciais relativamente ao PEAD. Com efeito, indicava‑se claramente, na decisão, que «[a] investigação [o estudo] de mercado da Comissão confirmou a sugestão da PCI de que o PET apresenta vantagens comerciais em relação ao PEAD, sobretudo em matéria de visibilidade»  (90) : especialmente para produtos, como o leite fresco, relativamente aos quais não seja necessária uma barreira à luz  (91) . Como a Comissão observou, a não tomada em consideração dessas apreciações parece ser confirmada pelo acórdão, na parte relativa às possíveis consequências do «leveraging», onde, substituindo erradamente as apreciações da Comissão pelas suas próprias, afirmou lapidarmente que «o leite fresco não é um produto para o qual as vantagens em matéria de comercialização de que goza o PET tenham uma importância especial»  (92) .

101.    Além disso, acrescento que a conclusão do Tribunal de Primeira Instância sobre a fundamentação da decisão não encontra justificação válida na afirmação posterior de que «a Comissão não contesta nem os números globais relativos à utilização do PEAD, de 17,3% para os PLL, fornecidos pela Canadean para o ano 2000 […] nem a previsão [também da Canadean] segundo a qual os mesmos poderão atingir 19,5% até 2005»  (93) .

102.    De facto, concordo com a Comissão quando afirma que o Tribunal de Primeira Instância referiu o estudo da Canadean (encomendado pela Tetra) sem atender ao facto de que a Comissão tinha esclarecido que, de um modo geral, não considerava que se pudesse atender às previsões desse estudo. O Tribunal de Primeira Instância devia, pelo contrário, ter tido em conta as críticas da Comissão, segundo as quais: por um lado, foi erradamente que esse estudo «utilizou um modelo que considera o crescimento anterior um indicador do crescimento futuro e ignora os futuros progressos tecnológicos, em especial a tecnologia de barreira»; e, por outro, considerando «que a decisão de embalar produtos em PET é imposta pelos consumidores, um estudo [como o da Canadean] que não tem em conta os pontos de vista dos consumidores não é especialmente credível»  (94) .

103.    Isto posto, considero, portanto, que as diversas críticas formuladas pela Comissão a respeito da apreciação do crescimento previsível do PET relativamente às embalagens dos produtos lácteos líquidos devem ser acolhidas.

104.    Em contrapartida, não acredito que a crítica relativa à apreciação do crescimento previsível do PET relativamente às embalagens dos sumos devam ser acolhidas.

105.    Com esta crítica, a Comissão contesta sobretudo o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter afirmado que, embora «[t]endo ela própria admitido que o crescimento em questão dizia principalmente respeito a uma passagem do vidro para o PET, não procede a nenhuma análise do mercado do vidro»  (95) . Ao proceder deste modo, o Tribunal de Primeira Instância ignorou, segundo a Comissão, elementos importantes relativos ao declínio do vidro no que respeita à embalagem de produtos que não sejam de grande qualidade («non‑premium products»), em que a Comissão se baseou na decisão impugnada, e que examinou mais detalhadamente na contestação. Esta forma de actuar, segundo a Comissão, confirma a errada tendência do Tribunal de Primeira Instância para não atender a inúmeros elementos não indicados na decisão impugnada, mas referidos na contestação em apoio das considerações necessariamente mais gerais contidas na decisão.

106.    A este respeito, todavia, devo concordar com a Tetra quando afirma que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro ao afirmar que a Comissão não efectuou uma análise do mercado do vidro, pois, para além de algumas vagas e fugidias referências, não existem traços de tal análise na decisão. Contrariamente ao sustentado pela Comissão, essa lacuna de instrução com que o Tribunal de Primeira Instância deparou não podia ser sanada através de indicações posteriores fornecidas na contestação, pois os elementos e as apreciações em que se baseava a decisão deviam estar claramente indicados nesse acto e não podiam ser posteriormente apresentados, no quadro do processo no Tribunal de Primeira Instância  (96) .

107.    Por último, parece‑me procedente a última crítica da Comissão, em que esta acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter tomado em consideração «o custo mais elevado [do PET] em relação ao cartão» quando apreciou a possibilidade de, por efeito do «leveraging», os clientes da Tetra do sector leiteiro abandonarem o cartão pelo PET  (97) .

108.    Com efeito, compartilho com a Comissão da opinião de que na decisão impugnada não se chegou a uma conclusão clara acerca da questão já debatida da diferença de custo entre o PET e o cartão e que, consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância não podia apreciar o mérito da referida análise económica complexa, acabando por declarar que o PET tinha um custo mais elevado do que o cartão.

109.    A este respeito, diversamente do que a Tetra sustenta e do que foi afirmado numa passagem posterior do acórdão recorrido  (98) , não penso que a Comissão tenha implicitamente aceite o resultado do estudo Warrick, segundo o qual, relativamente à embalagem asséptica, o PET era 30% a 40% mais caro do que o cartão. Após ter recordado as conclusões desse estudo, a Comissão afirmou, efectivamente, que o seu «[estudo] […] não forneceu uma ideia clara dos custos relativos dos sistemas de embalagem de PET e de cartão» pois os sujeitos interrogados tinham dado respostas contraditórias  (99) . Parece‑me, portanto, evidente que esta afirmação, embora não permita pôr em causa os resultados do estudo Warrick, também não permite considerar que a Comissão implicitamente os confirmou.

110.    De resto, não penso ser possível detectar, como a Tetra pretende, uma confirmação do custo mais elevado do PET na afirmação da Comissão segundo a qual alguns clientes «considerariam a possibilidade de mudar do cartão para o PET se os preços do cartão aumentassem significativamente, na ordem dos 20% ou mais»  (100) . Esta afirmação, com efeito, limita‑se a relatar o ponto de vista de alguns clientes interpelados pela Comissão no âmbito do seu estudo de mercado: estudo que, como se viu, «não forneceu uma ideia clara dos custos relativos dos sistemas de embalagem de PET e de cartão».

111.    Assim sendo, parece‑me claro que embora o Tribunal de Primeira Instância pudesse, eventualmente, ter declarado a existência de uma lacuna na instrução da Comissão ou ter criticado a lógica, a coerência ou a congruência do seu raciocínio, não lhe era possível proceder a uma apreciação autónoma dos dados que se encontravam na posse dessa instituição para chegar à conclusão de que o PET tinha um «custo mais elevado […] relativamente ao cartão».

c)       Conclusões sobre o primeiro fundamento de recurso

112.   À luz do conjunto das considerações expostas, considero, portanto, que o primeiro fundamento de recurso é parcialmente procedente e que, em especial, devem ser acolhidas as críticas da Comissão quanto ao crescimento previsível do PET relativamente às embalagens dos produtos lácteos líquidos e à diferença de custo entre o PET e o cartão.

Quanto ao fundamento relativo à obrigação de tomar em consideração o carácter ilegal de determinados comportamentos e de atender aos compromissos de natureza puramente comportamental

113.    Através do segundo fundamento de recurso, a Comissão critica algumas apreciações de carácter geral efectuadas pelo Tribunal de Primeira Instância relativamente ao «leveraging» (v., supra , n. os  36 a 39), contestando o facto de o referido Tribunal lhe ter pedido que tomasse em consideração, como possíveis desincentivos dessa prática: i) o carácter ilegal de determinados comportamentos inerentes a essa prática, que terão comportado um abuso de posição dominante  (101) ; ii) os compromissos puramente comportamentais propostos pela Tetra, que consistiam na simples promessa de não adoptar comportamentos abusivos.

114.    Relativamente ao primeiro aspecto, a Comissão recorda que o Regulamento n.° 4064/89 estabeleceu um controlo ex ante das operações de concentração, com o objectivo de prevenir modificações estruturais do mercado que possam implicar comportamentos abusivos. Quando uma empresa dominante num determinado mercado adquire uma empresa que opera num segundo mercado contíguo ao primeiro, essa operação deve ser proibida se a entidade resultante da concentração possuir meios e tiver incentivos para adoptar comportamentos abusivos que lhe permitam afastar os seus concorrentes do segundo mercado  (102) . Portanto, ao pedir à Comissão que determinasse se os incentivos económicos para abusar da posição dominante detida pela entidade resultante da concentração podiam ser contrabalançados através de desincentivos decorrentes da ilegalidade do abuso, o Tribunal de Primeira Instância acolheu uma interpretação errada do artigo 2.° do regulamento.

115.    Além disso, segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância, devido a outra errada interpretação dessa disposição, foi induzido a afirmar que «há […] que distinguir entre, por um lado, uma situação em que uma concentração com um efeito de conglomerado altera imediatamente as condições de concorrência no segundo mercado e conduz à criação ou ao reforço de uma posição dominante neste devido à posição dominante já detida no primeiro mercado e, por outro, uma situação em que a criação ou o reforço de uma posição dominante no segundo mercado não resulta imediatamente da concentração mas só se produzirá, nesta hipótese, após algum tempo e resultará dos comportamentos adoptados pela nova entidade no primeiro mercado onde detém já uma posição dominante. Neste último caso, não é a própria estrutura resultante da operação de concentração que cria ou reforça uma posição dominante, na acepção do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, mas sim os futuros comportamentos em questão»  (103) . Com efeito, no entender da Comissão, mesmo neste último caso, diversamente do que afirmou o Tribunal de Primeira Instância, é a concentração que despoleta a criação ou o reforço de uma posição dominante, na medida em que tem o efeito imediato de criar as condições em que os comportamentos abusivos não só são possíveis, como são economicamente racionais.

116.    A Comissão sustenta, por último, que existem obstáculos de ordem legal e prática insuperáveis que impedem que se proceda a uma análise do possível desincentivo que decorreria do carácter ilegal de determinados comportamentos. Com efeito, não é possível apreciar, com um grau de certeza suficiente, a propensão de determinadas empresas para adoptar comportamentos ilegais e a incidência que o risco de ser descobertas e punidas tem sobre o respectivo comportamento.

117.    Em seguida, quanto ao segundo aspecto, relativo aos compromissos comportamentais propostos pela Tetra (v., supra , n.° 113), a Comissão observa que, atendendo às finalidades do controlo ex ante previsto no Regulamento n.° 4064/89, os compromissos de não abusar de uma posição dominante criada ou reforçada por uma concentração são inaceitáveis, na medida em que não permitem o saneamento dos problemas estruturais que o regulamento pretende evitar. Ao obrigar a que se tomem em consideração os referidos compromissos, o Tribunal de Primeira Instância violou, portanto, as disposições do regulamento, em especial os artigos 2.° e 8.°, n.° 2. De qualquer modo, segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância afirmou erradamente que aquela instituição não tinha tido em atenção os compromissos comportamentais propostos pela Tetra, pois da decisão resulta que esses compromissos tinham sido analisados e afastados porque, para além de razões de princípio, era «extremamente difícil, se não impossível, controlar efectivamente o seu cumprimento»  (104) .

118.    Estes argumentos da Comissão não me parecem convincentes.

119.    Efectivamente, as críticas feitas ao Tribunal de Primeira Instância só se justificariam se da decisão resultasse que, como a Comissão sustentou na réplica e na audiência, a concentração tivesse estado na origem de modificações estruturais do mercado que tivessem imediata e automaticamente conduzido à criação de uma segunda posição dominante, de que a nova entidade pudesse abusar através dos seus comportamentos previsíveis.

120.    Todavia, como a Tetra correctamente sublinhou, na decisão não se afirmava que a entidade resultante da concentração tivesse imediata e automaticamente adquirido uma posição dominante no mercado do equipamento de embalagem PET, antes se tendo previsto que esse facto só ocorreria num segundo momento, através do aproveitamento da posição dominante já ocupada pela Tetra no cartão.

121.    A título exemplificativo, é o que resulta claramente da passagem da decisão em que se pode ler que a «associação da posição dominante da Tetra nas embalagens em cartão com a posição de liderança da Sidel no equipamento de embalagem PET […] criaria uma estrutura de mercado que permitiria à entidade resultante da concentração reforçar a sua posição dominante no mercado das embalagens de cartão asséptico [para adquirir uma posição dominante no mercado do equipamento de embalagem PET]»  (105) . De facto, dessa passagem infere‑se que a concentração criou imediatamente uma estrutura de mercado que forneceu à nova entidade os meios e os incentivos para pôr em prática determinadas práticas de «leveraging» e posteriormente adquirir, através dessas práticas, uma posição dominante no mercado do equipamento de embalagem PET.

122.    Isto posto, foi portanto correctamente que o Tribunal de Primeira Instância afirmou que a Comissão devia ter tomado em consideração os diversos elementos que podiam ter afectado a probabilidade de a entidade resultante da concentração adoptar os comportamentos que lhe permitiriam adquirir a posição dominante prevista no mercado no mercado do equipamento de embalagem PET.

123.    Por outras palavras, como sublinhado pela Tetra, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que, do mesmo modo que a Comissão tinha apreciado os incentivos económicos à adopção dos referidos comportamentos, também devia ter tomado em consideração o possível desincentivo decorrente do carácter ilícito dos comportamentos em questão (os quais poderão ter comportado um abuso da anterior posição dominante da Tetra no cartão) ou dos compromissos que essa sociedade se propusera assumir.

124.    Diversamente do que a Comissão sustenta, o Tribunal de Primeira Instância, ao pedir‑lhe que atendesse ao carácter ilegal de determinados comportamentos em que o «leveraging» se terá concretizado e os compromissos que a esse respeito a Tetra propôs, de modo algum pretendeu que a Comissão apreciasse a probabilidade de a nova entidade abusar da posição dominante criada pela concentração. De facto, o Tribunal de Primeira Instância apenas pediu à Comissão que analisasse a probabilidade de, usufruindo da anterior posição dominante da Tetra no cartão, a nova entidade poder adquirir uma posição dominante no mercado do equipamento de embalagem PET: isto é, que avaliasse se a concentração comportou a criação de uma posição dominante na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89.

125.    De resto, não penso que existissem obstáculos de ordem legal ou prática insuperáveis que obstassem a que se procedesse à apreciação exigida pelo Tribunal de Primeira Instância. Efectivamente, este último não pretendia que a Comissão determinasse com absoluta certeza se o carácter ilegal dos comportamentos em questão ou os compromissos propostos pela Tetra teriam dissuadido esta empresa de adoptar esses comportamentos, do mesmo modo que, por outro lado, não pretendia que a Comissão demonstrasse que os incentivos económicos identificados na decisão teriam seguramente impelido a Tetra a adoptar os referidos comportamentos. O Tribunal de Primeira Instância só pediu à Comissão que atendesse a esses elementos no âmbito das suas previsões, apurando, por exemplo, se – tendo em atenção as práticas comerciais normais no sector – a Comissão, as autoridades nacionais competentes ou os concorrentes prejudicados poderiam facilmente ter tomado conhecimento dos eventuais comportamentos ilegais

126.    Por último, o argumento da Comissão segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância ignorou erradamente a análise a que aquela instituição procedeu no que respeita aos compromissos comportamentais propostos pela Tetra não me parece convincente. Como essa sociedade correctamente observou, efectivamente, a Comissão limitou‑se a afirmar, de forma sumária e não fundamentada, relativamente aos compromissos verbais, que era «extremamente difícil, se não impossível, controlar efectivamente o seu cumprimento», sem apreciar adequadamente a sua possível incidência sobre a futura conduta da entidade resultante da concentração e, em especial, se esses compromissos podiam constituir um importante desincentivo à adopção das práticas de «leveraging» previstas.

127.    Tendo em atenção o que precede, deve‑se concluir que as críticas da Comissão não se justificam. O mesmo não aconteceria, repito, se da decisão resultasse que a concentração tinha conduzido a modificações estruturais no mercado que tivessem levado à criação imediata e automática de uma posição dominante no mercado do PET. Foi isto que a própria Comissão sustentou na réplica e na audiência, mas, como se viu, não é o que resulta da decisão impugnada.

128.   À luz das considerações que precedem, considero, portanto, que o segundo fundamento do recurso não pode ser acolhido.

Quanto ao fundamento relativo à definição dos diversos mercados das máquinas SBM em função da respectiva utilização final

129.    Através do terceiro fundamento de recurso, a Comissão critica o Tribunal de Primeira Instância por não ter confirmado a apreciação por si efectuada relativamente à definição dos mercados específicos das máquinas SBM (de baixa e de alta capacidade) para a embalagem dos produtos «sensíveis». A este respeito, a Comissão formula diversas críticas, distinguindo especialmente entre as relativas às características da oferta e as relativas às características da procura dessas máquinas.

130.    Começando pelas primeiras, a Comissão contesta a conclusão segundo a qual «a decisão impugnada não fornece provas suficientemente sólidas para demonstrar as características pretensamente específicas das máquinas SBM utilizadas para o acondicionamento dos produtos sensíveis»  (106) . No entender da Comissão, resumindo muito, o Tribunal de Primeira Instância chegou a esta conclusão sem atender às indicações fornecidas na decisão e na contestação relativamente à adaptação das máquinas SBM às exigências específicas dos clientes e baseou erradamente a sua própria convicção nas afirmações em contrário feitas pela Tetra na audiência.

131.    Penso, todavia, que essa sociedade pode facilmente responder que na decisão se afirmava claramente que «a maior parte das máquinas SBM é ‘genérica’», mas que, «[n]ão obstante, uma linha de embalagem PET, da qual a máquina SBM é apenas uma componente, é normalmente dimensionada em função dos produtos que o cliente pretende embalar»  (107) . Por conseguinte, diversamente do que a Comissão sustentou, da decisão resulta que a maior parte das máquinas SBM era genérica e, portanto, adaptadas para embalar diversos tipos de produtos, enquanto, de um modo geral, eram as linhas de embalagem PET, que essas máquinas representavam apenas uma componente, a ser «feitas por medida» para os produtos específicos a embalar.

132.    Por conseguinte, perante esta fundamentação da decisão, o Tribunal de Primeira Instância afirmou correctamente que «o simples facto de cada máquina SBM dever ser instalada numa cadeia PET de modo a ser útil ao seu comprador não justifica que a especificidade de outros equipamentos PET […] desta cadeia e, designadamente, os do enchimento PET asséptico, se reflicta nas próprias máquinas SBM»  (108) .

133.    Em seguida, quanto às outras informações fornecidas na contestação relativamente às adaptações técnicas que mesmo as máquinas SBM deveriam ter sofrido para poder ser integradas em linhas específicas para embalagem PET, o Tribunal de Primeira Instância respondeu correctamente que «não é feita nenhuma referência a estas informações na decisão impugnada»  (109) . Como se referiu, de facto, os elementos e a apreciação em que se baseava a decisão deviam estar claramente indicados nesse acto e não podiam ser apenas posteriormente apresentados no âmbito do processo no Tribunal de Primeira Instância (v., supra, n.° 106).

134.    Tendo em atenção o que precede, as apreciações ulteriores efectuadas pelo Tribunal de Primeira Instância para rebater, à luz dos elementos fornecidos pela Tetra, os posteriores argumentos de carácter técnico desenvolvidos na contestação devem ser considerados irrelevantes. Embora tivesse sido preferível que o Tribunal de Primeira Instância não se tivesse aventurado neste tipo de apreciações, isto não obsta a que a Comissão não pudesse invocar naquele órgão jurisdicional elementos a que não tinha feito qualquer referência na decisão impugnada.

135.    Dito isto acerca das críticas relativas às características da oferta das máquinas SBM, passo agora às relativas às características da procura.

136.    A este respeito, importa esclarecer que essas críticas se referem ao raciocínio seguido pela Comissão para definir os mercados específicos das máquinas SBM para a embalagem dos produtos «sensíveis» tendo em atenção a discriminação de preços efectuada no passado pela Sidel relativamente aos clientes que pretendiam embalar os referidos produtos e a possível continuação dessa política por parte da nova entidade.

137.    Este raciocínio baseava‑se sobretudo na dupla premissa teórica de que «um grupo de clientes distinto do produto relevante pode constituir um mercado do produto distinto, mais pequeno, no caso de ser objecto de discriminação de preços» e que «é normalmente o caso quando se encontram reunidas duas condições: a) é possível identificar claramente o grupo a que pertence um dado cliente no momento em que este adquire os produtos relevantes; e b) não é viável o comércio entre clientes ou a arbitragem de terceiros»  (110) . Partindo dessa premissa, e considerando que as condições aí indicadas se encontravam reunidas no caso em apreço, a Comissão chegou à conclusão de que existiam mercados específicos das máquinas SBM para a embalagem dos produtos «sensíveis».

138.    Com as críticas em exame, a Comissão põe em causa as apreciações constantes do acórdão recorrido relativamente a esse raciocínio, contestando especialmente o facto de o Tribunal de Primeira Instância: i) ter erradamente omitido tomar em consideração a discriminação de preços anteriormente realizada pela Sidel, no pressuposto de que «não pod[ia] constituir uma prova suficientemente sólida da continuação de um comportamento semelhante pela nova entidade», pois «[e]sta última, ao contrário da Sidel antes da concentração, est[ava] vinculada não apenas pelos compromissos, mas também pelas diversas obrigações que limitam o comportamento da Tetra»  (111) ; ii) de erradamente não ter tomado em consideração grande parte das suas observações relativas à possibilidade de identificar os clientes que pretendiam utilizar as máquinas SBM para embalar produtos «sensíveis» e, portanto, de não ter correctamente compreendido a sua relevância; e iii) de não ter correctamente compreendido e tomado em consideração as suas observações sobre a impossibilidade de adquirir as máquinas de um dado produtor a outras pessoas (essencialmente outros clientes que as pretendessem vender usadas).

139.    Estas críticas tão‑pouco me parecem procedentes.

140.    Relativamente à primeira, com efeito, compartilho com a Tetra a ideia de que a afirmação contestada nada tem a ver com a definição dos mercados específicos das máquinas SBM para a embalagem dos produtos «sensíveis». Longe de dizer respeito à definição dos mercados relevantes, esta afirmação, com efeito, está inserida na parte do acórdão relativa ao exame dos «modos [através dos quais] [o previsto] efeito de alavanca [poderia ter sido] exercido pela nova entidade», e refere‑se especialmente à exigência de limitar esse exame às modalidades «que, pelo menos provavelmente, não constituem um abuso de posição dominante nos mercados do cartão asséptico» e de tomar em consideração os compromissos propostos pela Tetra (v., supra, n.° 43).

141.    Diversamente do que sustentou no recurso, penso, portanto, que o Tribunal de Primeira Instância examinou e entendeu correctamente as diversas passagens em que se articulava o raciocínio da Comissão. Todavia, o Tribunal de Primeira Instância considerou que esse raciocínio padecia de um vício lógico, pois a possibilidade de a nova entidade identificar os clientes que pretendiam embalar produtos «sensíveis» (e, portanto, de efectuar uma discriminação de preços relativamente a eles) «não exclu[ía] que estes clientes se [pudessem] voltar para outros fornecedores de máquinas SBM se deixa[ssem] de estar satisfeitos com as condições oferecidas pela referida entidade»  (112) .

142.    Embora muito sintética, esta apreciação do Tribunal de Primeira Instância parece‑me substancialmente correcta. De facto, considero que, mesmo que a nova entidade estivesse em condições de identificar os clientes que pretendiam embalar produtos «sensíveis» e, atendendo à impossibilidade de esses clientes adquirirem as suas máquinas a outros sujeitos, tivesse decidido exigir‑lhes um preço mais elevado do que o praticado aos outros clientes, isto não permitiria, por si só, identificar mercados específicos das máquinas SBM para a embalagem de produtos «sensíveis», desde que – como o Tribunal de Primeira Instância afirmou – os clientes «discriminados» se tivessem podido dirigir a outros fornecedores que não praticavam a mesma política de preços.

143.    Em meu entender, por outras palavras, o facto de um único operador (não acompanhado pelos seus concorrentes) adoptar uma política de discriminação de preços nas suas relações com um grupo específico de clientes não permite, por si só, identificar o mercado específico relativo a tal grupo de clientes, pois a presença de outros operadores que não praticam a mesma política pode evitar a instituição de condições de mercado substancialmente diferentes para o grupo de clientes em questão.

144.    Por conseguinte, não penso que o Tribunal de Primeira Instância tenha cometido erros de direito ao criticar o raciocínio da Comissão baseado na discriminação de preços anteriormente efectuada pela Sidel e na possível continuação dessa política pela nova entidade.

145.   À luz do conjunto das considerações que precedem, considero, portanto, que o terceiro fundamento do recurso não pode ser acolhido.

Quanto ao fundamento relativo ao reforço da posição dominante da Tetra no cartão

146.    Através do quarto fundamento de recurso, a Comissão critica a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual «os elementos invocados na decisão impugnada não demonstram suficientemente que os efeitos da concentração alterada na posição ocupada pela Tetra, principalmente nos mercados do cartão asséptico, eliminando a Sidel como potencial concorrente, sejam tais que as condições do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento estariam preenchidas»  (113) .

147.    A esse respeito, a Comissão contesta, antes de mais, o facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter reconhecido que uma diminuição da concorrência «potencial» proveniente dos mercados do PET implicava, de per se , um reforço da posição dominante da Tetra no cartão. Erradamente, em seguida, o Tribunal ter‑lhe‑á imposto a obrigação de demonstrar que essa diminuição da concorrência «potencial» podia «reforçar a posição dominante da Tetra face aos seus concorrentes nos mercados do cartão asséptico»  (114) , dado que este reforço não devia ser apreciado por referência aos concorrentes da Tetra, mas às inevitáveis repercussões que a redução da «potencial» concorrência proveniente do PET teria para os clientes e consumidores sob a forma de um aumento (ou não redução) dos preços do cartão e de uma menor inovação dos produtos.

148.    Segundo a Comissão, além disso, atendendo a tudo quanto exposto no âmbito do primeiro fundamento de recurso, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que a sua apreciação a respeito da redução da «potencial» concorrência era infirmada pelo facto de que o crescimento do PET para a embalagem dos produtos «sensíveis» «seria […] muito menos claro do que [a referida instituição] considera[va]»  (115) .

149.    A Comissão também contesta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual não ficara, contudo, «demonstrado que, em caso de eliminação ou de redução de pressões concorrenciais provenientes dos mercados do PET, a Tetra seria levada a não baixar os preços das suas embalagens de cartão e a deixar de inovar»  (116) .

150.    A este propósito, a Comissão começa por observar que a apreciação do Tribunal de Primeira Instância relativamente aos efeitos da redução da «potencial» concorrência sobre os preços do cartão era infirmada pela convicção errada de que os custos do PET eram mais elevados do que os do cartão (a este propósito, igualmente, remete para o que afirmou no primeiro fundamento de recurso). Ainda relativamente a esta apreciação, a Comissão refuta, em seguida, as críticas que o Tribunal de Primeira Instância lhe fez pelo facto de não ter explicado por que é que os concorrentes da Tetra não poderiam ter beneficiado de um aumento dos preços do cartão: ao actuar deste modo, segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância não considerou que esses concorrentes eram por definição marginalizados pela importante posição dominante da Tetra. Além disso, a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter atendido aos efeitos que teria tido sobre os preços do cartão o facto de, no seguimento da aquisição do maior operador no mercado do PET, a Tetra ter tranquilamente podido considerar que grande parte dos seus clientes que tinham passado do cartão ao PET seriam «reconquistados» através da Sidel.

151.    Ainda relativamente aos efeitos da redução da «potencial» concorrência sobre a inovação, a Comissão critica o Tribunal de Primeira Instância por ter sobreavaliado a possível reacção dos concorrentes marginalizados pela posição dominante da Tetra. Por último, segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro: por um lado, ignorando a diferença entre a pressão no sentido da inovação provocada pelo crescimento do PET e a decorrente dos concorrentes da Tetra nos mercados do cartão; e, por outro, afirmando que as recentes inovações introduzidas por essa sociedade não eram devidas à pressão do PET.

152.    Antes de apreciar estas críticas, importa afirmar que, como a Tetra observou, a concorrência potencial referida no âmbito do presente fundamento não consistia na concorrência entre empresas que poderiam ter entrado nos mercados das embalagens de cartão e que, portanto, teriam representado potenciais concorrentes da Tetra nesses mercados. Tratava‑se, pelo contrário, obviamente, da concorrência indirecta proveniente de empresas que operavam em mercados distintos do das embalagens em cartão (embora contíguos), que produziam máquinas para a embalagem num material, o PET, que do ponto de vista económico a Comissão considerava ser apenas um «fraco substituto» do cartão  (117) . Por conseguinte, em seguida referir‑me‑ei sobretudo à concorrência indirecta e não à concorrência potencial , proveniente do PET.

153.    Dito isto, concordo com a Tetra quando afirma que não se pode considerar que uma redução da concorrência indirecta, decorrente da aquisição da principal empresa activa num mercado contíguo, determine, de per se, o reforço de uma posição dominante na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89. Na verdade, atendendo à bem conhecida noção de «posição dominante» da jurisprudência do Tribunal de Justiça, importa, pelo contrário, analisar se essa redução da concorrência indirecta pode aumentar o «poder económico» da empresa dominante com a consequência de essa empresa ficar em condições de levantar mais obstáculos (ou mais facilmente) «[à] manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em questão» e tem a possibilidade de adoptar comportamentos ainda mais «independentes […] relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por fim, relativamente aos consumidores »  (118) .

154.    Do que se afirmou resulta que era a esta noção que o Tribunal de Primeira Instância deveria ter feito mais correctamente referência na sua análise, em vez de afirmar que cabia à Comissão demonstrar que uma redução da concorrência indirecta derivada do PET poderia «reforçar a posição dominante da Tetra relativamente aos seus concorrentes nos mercados do cartão asséptico». Penso, todavia, que não se trata de uma imprecisão particularmente grave e susceptível de infirmar a conclusão a que chegou o Tribunal de Primeira Instância, pois este apreciou, tendo considerado que estava viciado por diversos erros, o raciocínio desenvolvido pela Comissão para demonstrar os efeitos que a previsível redução da concorrência indirecta proveniente do PET teria sobre os clientes e consumidores sob a forma de um aumento (ou de uma não redução) dos preços do cartão e de uma menor inovação a nível dos produtos.

155.    Analogamente, considero que a conclusão a que chegou o Tribunal de Primeira Instância não é infirmada pelos erros que este, no entanto, cometeu ao referir‑se à análise do crescimento previsível do PET nas embalagens dos produtos lácteos líquidos (v., supra , n. os  103 e 112)  (119) .

156.    Na verdade, a conclusão de que o crescimento do PET no que respeita à embalagem dos produtos «sensíveis» seria, «com excepção do relativo às BAF e às bebidas à base de chá ou café, provavelmente muito menos claro do que a Comissão considera», conduziu o Tribunal de Primeira Instância a considerar que, «não é possível, com base nos elementos invocados na decisão impugnada, determinar com a certeza requerida para justificar a proibição de uma concentração se a implementação da concentração alterada [teria colocado] a Tetra numa situação em que poderia ser mais independente que no passado em relação aos seus concorrentes nos mercados do cartão asséptico»  (120) . Todavia, o Tribunal de Primeira Instância não se limitou a essa afirmação, tendo continuado a sua análise e chegado à conclusão de «que os dois elementos de facto quanto ao comportamento futuro da Tetra em que se apoia a Comissão, de modo a demonstrar os pretensos efeitos negativos da concentração alterada nos mercados do cartão asséptico, não são, de qualquer modo , suficientemente demonstrados» (sublinhado meu). Em especial, como se viu, segundo o Tribunal de Primeira Instância não ficou «demonstrado que, em caso de eliminação ou de redução de pressões concorrenciais provenientes dos mercados do PET, a Tetra seria levada a não baixar os preços das suas embalagens cartão e a deixar de inovar»  (121) .

157.    Passando portanto a apreciar as críticas da Comissão relativas a essa conclusão, começo por observar que, diversamente do que sustentou, a apreciação do Tribunal de Primeira Instância no que toca aos efeitos da redução da concorrência indirecta proveniente do PET sobre os preços do cartão não é, em meu entender, infirmada pela errada convicção de que os custos do PET eram mais elevados do que os do cartão (sobre o erro efectivamente cometido a este respeito pelo Tribunal de Primeira Instância v., supra , n. os  111 e 112).

158.    Com efeito, recordo que, relativamente à tese da Comissão segundo a qual a concentração permitira à Tetra evitar uma redução dos preços do cartão que de outro modo se teria verificado, o Tribunal de Primeira Instância afirmou:

i)       que, «[q]uanto aos clientes dos mercados do cartão ‘mais sensíveis aos preços’ que indicaram à Comissão, no seu estudo de mercado, ‘que só tencionavam passar do cartão para o PET se os preços do cartão aumentassem sensivelmente, 20% ou mais’ […], é manifesto que não é necessária uma baixa do preço do cartão para os manter nos mercados do cartão. Afirmando apenas que ‘estes mesmos clientes seriam provavelmente dissuadidos a passar do cartão para o PET se uma baixa de preço do cartão aumentasse a diferença de preço entre uma linha de embalagem cartão e uma linha de embalagem PET’ […], a decisão impugnada não explica por que é que a Tetra seria obrigada, na ausência da concentração, a proceder a tais diminuições de preços de modo a manter os referidos clientes. Com efeito, esses clientes não passariam para o PET a menos que o preço do cartão aumente pelo menos 20% ou que haja uma diminuição correspondente do preço do PET»  (122) ;

ii)     que, «[n]a medida em que a Comissão invoca perante o Tribunal de Primeira Instância a possibilidade que a Tetra tenha, uma vez realizada a concentração, mais segurança para aumentar os seus preços nos mercados do cartão asséptico face a tais clientes, não explica, em especial, por que é que isso não permitirá aos concorrentes da Tetra nos mercados do cartão, que são também activos nos mercados do PET, como a SIG e a Elopak, tirarem partido disso»  (123) ;

iii)   que «[q]uanto aos produtores de bebidas que mudarão do cartão para o PET por considerações comerciais, não obstante o facto de o PET ser sensivelmente mais caro, estes clientes ‘não sensíveis aos preços’ não seriam necessariamente persuadidos a conservar a embalagem de cartão devido a uma redução do preço deste material»  (124) ;

iv)     que a «[a] decisão impugnada não demonstra por que é que as sociedades activas nos mercados dos equipamentos PET que, na ausência da concentração alterada, ‘exerceriam provavelmente uma viva concorrência de modo a conquistar partes de mercado ao cartão’ […], modificariam o seu comportamento na sequência da operação em causa. No caso de a pressão exercida pela Sidel desaparecer, não é de modo algum explicado na decisão impugnada por que é que, na inexistência de uma marginalização dos concorrentes desta última graças a um efeito de alavanca coroado de êxito, as outras sociedades activas nos mercados dos equipamentos PET já não estariam em condições de promover as vantagens do PET junto dos clientes dos mercados do cartão da Tetra»  (125) .

159.    Como facilmente se pode observar, com estas afirmações o Tribunal de Primeira Instância pôs em evidência vícios lógicos existentes no raciocínio da Comissão, não baseando nunca a sua opinião na errada convicção de que os custos do PET eram mais elevados do que os do cartão; e isto mesmo na alínea iii), onde figura a única referência a este aspecto. De uma leitura dessa alínea resulta, com efeito, que é evidente que o Tribunal de Primeira Instância apenas se referiu à afirmação da Comissão segundo a qual alguns clientes teriam passado ao PET «independentemente do facto de este material ser mais caro ou de os preços do cartão não aumentarem»  (126) , daí logicamente inferindo que «estes clientes ‘não sensíveis aos preços’ não seriam necessariamente persuadidos a conservar a embalagem de cartão devido a uma redução do preço deste material».

160.    Esclarecido, portanto, que a apreciação do Tribunal de Primeira Instância não foi afectada pela convicção errada de que os custos do PET são superiores aos do cartão, observo que também não me parece procedente a crítica da Comissão relativa à alínea ii), com a qual esta instituição critica o Tribunal de Primeira Instância por ter erradamente ignorado que os concorrentes da Tetra nos mercados do cartão eram, por definição, marginalizados pela forte posição dominante que essa sociedade detém.

161.    A este propósito, concordo, antes de mais, com a Tetra quando esta afirma que essa crítica corre o risco de ir além daquilo que pretende provar. Com efeito, se nos limitássemos a considerar, em termos teóricos, que, devido à sua posição dominante, a Tetra poderia, por definição, ter adoptado «comportamentos independentes, numa medida apreciável, relativamente aos seus concorrentes» dos mercados do cartão  (127) , e, portanto, mesmo ter aumentado os preços sem temer reacções da parte destes, seria difícil explicar por que é que, não existindo uma concentração – atenta, no entanto, a sua posição dominante no cartão – essa sociedade não poderia ter feito o mesmo e, pelo contrário, deveria ter temido a concorrência indirecta de operadores que apenas operam em mercados contíguos (como a Sidel), os quais produziam máquinas para a embalagem num material que apenas se considera ser um «fraco substituto» do cartão.

162.    Além disso, observo que, diversamente do que parece resultar do recurso da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância não tomou em consideração os concorrentes da Tetra apenas nos mercados do cartão, mas os concorrentes «também activos nos mercados do PET». Referiu‑se, portanto, a operadores que poderiam ter beneficiado de um aumento dos preços do cartão mesmo nos mercados do PET e que poderiam, portanto, ter exercido uma maior pressão concorrencial em razão da presença simultânea nos mercados dos dois materiais de embalagem, tendo em atenção que, «ao contrário da nova entidade, não estaria sujeita a nenhuma limitação quanto a […] ofertas conjuntas incidindo sobre o cartão e sobre as máquinas SBM»  (128) .

163.    Ainda relativamente aos efeitos da redução da concorrência indirecta e proveniente do PET sobre os preços do cartão, não penso, por último, que proceda a crítica com que a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter considerado que, na sequência da aquisição do operador mais importante nos mercados do PET, a Tetra poderia ter aumentado mais facilmente os preços do cartão, na medida em que sabia que através da Sidel poderia recuperar grande parte dos clientes que por essa razão tivessem passado ao PET.

164.    Como a Tetra correctamente sublinhou, não se pode, com efeito, criticar o Tribunal de Primeira Instância por não ter considerado esse aspecto, pois não fora referido na decisão impugnada. De qualquer modo, observo que, mesmo após a aquisição da Sidel, a passagem dos clientes da Tetra do cartão para o PET não teria, na verdade, sido economicamente indiferente para a nova entidade. Com efeito, é evidente que a perda efectiva de clientes da Tetra em mercados que esta dominava, e com os quais estava em condições de realizar grandes margens de lucro, apenas teria sido parcialmente compensada pela esperança de reconquistar esses clientes em mercados, com o do PET, em pleno desenvolvimento e caracterizados por uma concorrência muito viva  (129) .

165.    No que respeita, em seguida, aos efeitos da redução da concorrência indirecta proveniente do PET sobre a inovação, observo que a crítica relativa à sobrevalorização da possível reacção dos concorrentes da Tetra não pode ser acolhida, mutatis mutandis , pelos fundamentos que já haviam sido apresentados no que respeita à crítica análoga relativa aos efeitos sobre os preços do cartão (v., supra , n. os  161 e 162).

166.    Por último, quanto à crítica através da qual a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância não tomou adequadamente em consideração o tipo de pressão em termos de inovação decorrente do crescimento do PET e que considerou erradamente que as recentes inovações introduzidas pela Tetra não eram devidas a pressões provenientes desse material, também penso que a Comissão, na verdade, suscita questões de facto que o Tribunal de Justiça não é competente para resolver (v., supra , n. os  59 a 61).

167.   À luz do conjunto das considerações que precedem, considero, portanto, que o quarto fundamento do recurso não pode ser acolhido.

Quanto ao fundamento relativo à criação da posição dominante da Tetra no que respeita às máquinas SBM

168.    Através do seu último fundamento de recurso, a Comissão critica a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual «a decisão impugnada não demonstra suficientemente que a nova entidade poderia conquistar até 2005 uma posição dominante nos mercados de máquinas de fraca e de forte capacidade e, deste modo, que as condições exigidas pelo artigo 2.°, n.° 3, do regulamento [estavam] preenchidas no que respeita a esses mercados»  (130) .

169.    Em seguida, examinarei sucintamente as críticas sintéticas da Comissão em relação a alegados erros cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância no que respeita a ambos os mercados das máquinas SBM (de fraca e de forte capacidade) para em seguida determinar se os erros efectivamente existentes são susceptíveis de infirmar a conclusão a que chegou o Tribunal de Primeira Instância.

a)       As críticas formuladas pela Comissão

170.    Começando pelas críticas relativas ao mercado das máquinas SBM de fraca capacidade, a Comissão contesta, antes de mais, o facto de o Tribunal de Primeira Instância se ter referido à quota de mercado detida pela Sidel no período de 1998‑2000 (inferior a 40%), sem considerar que da decisão resultava que essa quota, em 2001, tinha ficado a um nível entre 40% e 50%  (131) .

171.    Todavia, penso que, como a Tetra sublinhou, o Tribunal de Primeira Instância podia legitimamente tomar em consideração o período de 1998‑2000, visto que foi a este lapso de tempo que a Comissão fundamentalmente se referiu. No número da decisão invocado pela Comissão (como, de resto, num número anterior referido pelo Tribunal de Primeira Instância  (132) ) foram efectivamente postas em evidência as quotas de mercado detidas pela Sidel, pela Tetra e pelos seus principais concorrentes «durante o período 1998‑2000» enquanto as quotas da Sidel e da Tetra para 2001 apenas foram indicadas em nota (que, por outro lado, não eram comparadas com as detidas no mesmo período pelos seus principais concorrentes).

172.    Também improcedente me parece ser a crítica seguinte através da qual a Comissão acusa do Tribunal de Primeira Instância de ter afirmado que «com a partida da Tetra [do mercado das máquinas SBM de fraca capacidade], a posição da nova entidade continuará, no essencial, inalterada em relação à posição [detida naquele momento pela Sidel»  (133) , sem ter em atenção o imediato reforço da posição da Sidel decorrente de uma série de factores indicados na decisão (o poderio financeiro e comercial da Tetra, a reputação dessa sociedade na embalagem asséptica, a vantagem de «pioneira» de que gozava relativamente aos clientes que tinham a intenção de passar do cartão para o PET e a sua posição dominante no cartão)  (134) .

173.    Efectivamente, concordo com a Tetra quando afirma que esses factores foram genericamente indicados na decisão (sem, no entanto, se atender aos compromissos propostos pela referida sociedade), para evidenciar o leadership e a força global da nova entidade, também decorrente da sua presença em todos os mercados interessados, e não para evidenciar um específico e imediato reforço da posição da Sidel no mercado das máquinas SBM de fraca capacidade. Isto posto, penso, portanto, que o Tribunal de Primeira Instância podia legitimamente afirmar que, na sequência da saída da Tetra desse mercado, a posição da nova entidade permaneceria substancialmente idêntica relativamente à da Sidel.

174.    Por último, também não penso que se possa acolher a crítica relativa à afirmação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a «decisão impugnada não procede[u] […] a uma análise suficiente da utilização actual e futura das máquinas SBM de fraca capacidade»  (135) .

175.    Com esta crítica a Comissão contesta especialmente o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter baseado o seu juízo em dois aspectos irrelevantes: por um lado, a importância das máquinas SBM de fraca capacidade para a embalagem dos produtos não «sensíveis», o que era irrelevante se fosse aceite a segmentação dos mercados das máquinas SBM proposta pela Comissão; por outro, a proporção dos clientes que optou pelas máquinas SBM de forte ou fraca capacidade para a embalagem de produtos «sensíveis»  (136) , proporção que também era irrelevante para determinar a capacidade da Tetra para utilizar a sua posição dominante no cartão para adquirir igual posição no mercado das máquinas SBM de fraca capacidade.

176.    Relativamente ao primeiro aspecto, é, todavia, fácil concluir que a apreciação da Comissão relativamente à definição dos mercados específicos das máquinas SBM para embalagem dos produtos «sensíveis» não foi acolhida (v., supra , n.° 145). Quanto ao segundo aspecto, não me parece evidente que as escolhas dos clientes que pretendiam embalar em PET produtos «sensíveis» fossem irrelevantes para apreciar a evolução do mercado das máquinas SBM de fraca capacidade e a possibilidade de a nova entidade aí adquirir uma posição dominante. De um modo mais genérico, não vejo, portanto, como se possa criticar o Tribunal de Primeira Instância por ter verificado se a apreciação da Comissão no que respeita à aquisição dessa posição dominante se baseava numa análise profunda e exaustiva das dinâmicas do mercado relevante.

177.    Analisarei agora as críticas relativas ao mercado das máquinas SBM de forte capacidade. Observo de imediato que, pelas razões já indicadas no n.° 173, deve‑se, em meu entender, rejeitar, mutatis mutandis , a acusação da Comissão segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância não atendeu ao reforço imediato da posição da Sidel decorrente dos factores indicados no n.° 172  (137) .

178.    Parcialmente procedente me parece, pelo contrário, a crítica relativa à afirmação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual «a vantagem do ‘primeiro a chegar’ [de que a Tetra beneficiara relativamente aos clientes que tinham a intenção de passar ao PET fora] sobrestimada»  (138) .

179.    Com efeito, considero que, no que respeita à embalagem dos produtos lácteos líquidos, a Comissão alega correctamente que a apreciação do Tribunal de Primeira Instância padece de erros que este cometeu relativamente às suas previsões de crescimento do PET (v., supra , n.° 103) e, em especial, às relações entre esses materiais e o PEAD (v., supra , n.° 98). Com efeito, do acórdão recorrido resulta que, relativamente à embalagem dos produtos em questão, o Tribunal de Primeira Instância considerou «sobrestimada» a vantagem do «primeiro a chegar», fundamentalmente: i) porque a «amplitude do crescimento previsível da utilização do PET entre os […] clientes da Tetra nos mercados do cartão asséptico não [era] considerável»  (139) ; e ii) porque «no que respeita mais especialmente ao leite fresco, a decisão impugnada não explica de modo adequado a relação entre o PEAD e o PET»  (140) .

180.    Em contrapartida, não penso que a crítica da Comissão possa ser acolhida na parte em que tem por objecto a apreciação da vantagem do «primeiro a chegar» relativamente aos clientes que têm a intenção de passar do vidro para o PET, e em que contesta sobretudo o facto de o Tribunal de Primeira Instância: i) não ter tomado em consideração que só raramente os clientes que embalavam as suas bebidas em vidro utilizavam apenas esse material; ii) ter distorcido os factos quando afirmou que, relativamente a esses clientes, os concorrentes da Tetra «activos nos mercados da embalagem de vidro e de PET», como a SIG, a Krones e a KHS, podiam ter beneficiado «de uma vantagem de ‘primeiro a chegar’»  (141) .

181.    Efectivamente, concordo com a Tetra quando afirma que essa argumentação da Comissão não pode ser acolhida, na medida em que se baseia em elementos que não figuram na decisão impugnada  (142) (v., supra , n.° 106) e portanto, especialmente no que respeita à alínea ii), suscita questões de facto que o Tribunal de Justiça não tem competência para resolver (v., supra , n. os  59 a 61).

182.    Em seguida, também improcedente me parece a crítica em que a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter afirmado: por um lado, que «a decisão impugnada devia ter examinado de modo mais detalhado a capacidade de esta concorrência resistir a eventuais práticas de alavanca por parte da nova entidade»  (143) ; e por outro, que «a Comissão cometeu um erro ao subestimar a importância da actual posição da SIG no mercado das máquinas de forte capacidade e ao banalizar as posições ocupadas pelos outros principais concorrentes da nova entidade, designadamente a SIPA e a Krones, neste mercado»  (144) .

183.    Com efeito, não penso que, como a Comissão sustenta, o Tribunal de Primeira Instância tenha distorcido o conteúdo da decisão (em especial negando que esta contivesse uma análise da posição da Sidel no mercado das máquinas SBM relativamente aos seus concorrentes  (145) ) ou tenha substituído o ponto de vista da Comissão pela sua própria perspectiva.

184.    Pelo contrário, o Tribunal de Primeira Instância apenas considerou que, tendo em atenção o significativo e incontestado aumento das quotas de mercado registado nos últimos anos por estes três concorrentes da Sidel (SIG, SIPA e Krones), e atendendo às observações pontuais apresentadas pela Tetra durante o procedimento administrativo, a Comissão não se devia ter limitado às observações genéricas contidas na decisão, mas devia ter examinado de forma mais específica a força concorrencial e a capacidade de reacção destas três sociedades. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que só relativamente à SIG a decisão tinha algumas apreciações específicas (o que não me parece que possa ser substancialmente contestado) e, portanto, considerou que essas apreciações não satisfaziam de forma adequada as observações precisas a pertinentes que a Tetra havia formulado  (146) . Nesta óptica, deve, portanto, ser interpretada a afirmação segundo a qual, na decisão, a posição destas três sociedades foi «subestimada» ou «banalizada»: no sentido, portanto, de que a Comissão não atribuíra ao exame da respectiva posição a atenção que, atentas as circunstâncias do caso, era necessária.

185.    Acrescento, além disso, que, na parte em que acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter distorcido os factos ao identificar algumas vantagens de que teriam beneficiado os concorrentes da Sidel, a presente crítica suscita questões de facto que o Tribunal de Justiça não é competente para resolver (v., supra , n. os  59 a 61).

186.    Pelo contrário, parece‑me procedente a última crítica, relativa à possibilidade de os «conversores» resistirem ao «leveraging», através da qual a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter fundamentado de forma adequada as suas afirmações, de não ter respondido aos argumentos que expôs na decisão e de ilegitimamente ter substituído o ponto de vista daquela instituição pela sua própria perspectiva.

187.    Concordo efectivamente com a Comissão quando afirma que o Tribunal de Primeira Instância não explicou de forma adequada quais os erros, as lacunas de instrução ou os vícios lógicos que, em seu entender, inquinavam a conclusão da Comissão segundo a qual os «conversores» estavam «em certa medida, dependentes da Sidel» e continuariam «a estar dependentes da entidade resultante da concentração»  (147) . Sem apreciar a longa análise desenvolvida pela Comissão para chegar a essa conclusão  (148) , o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se, com efeito, a afirmar: i) que «dado o nível actual da concorrência existente, inclusive no mercado das máquinas SBM de forte capacidade, a conclusão quanto à dependência dos conversores face à Sidel não é convincente»; ii) que, se «as condições de venda oferecidas pela nova entidade se tornassem menos atractivas, os conversores teriam sempre a possibilidade de comprar tais máquinas aos actuais concorrentes da Sidel»  (149) .

188.    Assim, tanto quanto me é dado perceber, o Tribunal de Primeira Instância considerou «não convincente» a conclusão da Comissão sobre a dependência dos «conversores» da Sidel pelo simples facto de que estes poderiam ter comprado as máquinas SBM a concorrentes dessa sociedade. Ao proceder deste modo, todavia, o Tribunal de Primeira Instância não considerou que, embora a própria Comissão tivesse admitido que os «conversores» podiam «recorrer a outros fornecedores de máquinas SBM para adquirir novo equipamento e para conceber e ensaiar pré‑formados» todavia – à luz da sua análise do mercado – entendia que «os custos que tal mudança implicaria e a necessidade de continuar a utilizar um grande número de máquinas da Sidel que possuem [prolongaria] a actual dependência dos fabricantes de embalagens [ou ‘conversores’] em relação à Sidel»  (150) .

189.    Parece‑me, portanto, evidente que, embora o Tribunal de Primeira Instância pudesse eventualmente detectar erros, lacunas de instrução ou vícios lógicos no raciocínio da Comissão, não podia rejeitar as conclusões a que esta última chegara sem apresentar uma fundamentação adequada. De resto, a argumentação apresentada pela Tetra para justificar o entendimento do Tribunal de Primeira Instância relativamente à possibilidade de reacção dos «conversores», independentemente do seu fundamento, não pode sanar o vício de fundamentação que afecta o acórdão recorrido.

b)       A incidência dos erros detectados no que respeita à conclusão a que chegou o Tribunal de Primeira Instância

190.    Das considerações que precedem resulta que, em meu entender, devem considerar‑se procedentes: i) a crítica relativa à vantagem do «primeiro a chegar», no que respeita à embalagem dos produtos lácteos líquidos (v., supra , n. os  178 e 179); ii) a crítica relativa à possibilidade os «conversores» resistirem ao «leveraging» (v., supra , n.° 186).

191.    Todavia, considero que os erros do Tribunal de Primeira Instância postos em evidência através destas críticas não são passíveis de infirmar as conclusões desse Tribunal segundo as quais a «decisão impugnada não demonstra suficientemente que a nova entidade poderia conquistar até 2005 uma posição dominante nos mercados de máquinas [SBM] de fraca e de forte capacidade e, deste modo, que as condições exigidas pelo artigo 2.°, n.° 3, do regulamento estão preenchidas no que respeita a esses mercados»  (151) .

192.    Com efeito, esta conclusão parece‑me justificar‑se em virtude dos inúmeros vícios da decisão detectados pelo Tribunal de Primeira Instância através de apreciações que não foram contestadas no âmbito do presente processo ou que o foram através de críticas que considerei serem improcedentes. Sem que seja necessário alongar‑me sobre a questão, elaborando uma longa lista dos vícios em questão, posso limitar‑me a observar que, para além dos vícios detectados através de apreciações que foram criticadas sem sucesso no âmbito do presente fundamento de recurso, importa ter presente os vícios relativos: i) à não tomada em consideração, como possível desincentivo ao «leveraging», do carácter ilegal de determinados comportamentos e dos compromissos comportamentais propostos pela Tetra (vício detectado através de críticas julgadas infundadas no âmbito do segundo fundamento de recurso); ii) à definição dos mercados específicos das máquinas SBM para a embalagem dos produtos «sensíveis» (vício detectado através de críticas julgadas infundadas no âmbito do terceiro fundamento de recurso).

193.    Do conjunto das considerações expostas decorre, portanto, que o acolhimento das duas críticas indicadas no n.° 190 não pode, de per se , invalidar a conclusão a que chegou o Tribunal de Primeira Instância no que respeita à criação de uma posição dominante nos mercados das máquinas SBM de fraca e de forte capacidade.

Considerações conclusivas relativamente ao presente recurso

194.   À luz do conjunto das considerações que precedem, deve, portanto, considerar‑se que, embora diversas críticas formuladas pela Comissão sejam procedentes, não bastam para pôr em causa as conclusões a que chegou o Tribunal de Primeira Instância no que respeita ao reforço da posição dominante da Tetra nos mercados do cartão e à criação de uma posição dominante nos mercados das máquinas SBM de fraca e de forte capacidade.

195.    Perante isto, devo recordar que, segundo jurisprudência constante, «embora os fundamentos de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância contenham uma violação do direito comunitário, se a sua parte decisória se mostrar fundada por outras razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto»  (152) .

196.    Atendendo a que a parte decisória do acórdão recorrido, relativa à anulação da decisão, é seguramente fundada por inúmeras razões jurídicas que sustentam as conclusões do Tribunal de Primeira Instância no que respeita ao reforço da posição dominante da Tetra nos mercados do cartão e à criação de uma posição dominante nos mercados das máquinas SBM, considero que deve ser negado provimento ao recurso da Comissão.

Quanto às despesas

197.    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, e atentas as conclusões a que cheguei no que respeita à procedência do recurso, considero que a Comissão deve ser condenada nas despesas.

IV – Conclusão

198.   À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que:

é negado provimento ao recurso;

a Comissão é condenada nas despesas.


1
Língua original: italiano.


2
Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1; rectificado no JO 1990, L 257, p. 13). O Regulamento n.° 4064/98 foi modificado pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1).


3
A definição de «operação de concentração» está consignada no artigo 3.° do regulamento, enquanto o artigo 1.°, n. os  2 e 3, esclarece em que circunstâncias uma operação de concentração tem «dimensão comunitária».


4
V., em especial, n. os  40 e 44 da decisão.


5
Esta sigla aplica‑se aos produtos lácteos líquidos.


6
V., em especial, n. os  12 e 45 da decisão.


7
N.° 55, onde se afirma que «o PET e o cartão têm sido utilizados para embalar bebidas diferentes, devido, principalmente, às diferentes características físicas destas soluções de embalagem. O cartão é opaco e, por conseguinte, adequado para produtos sensíveis ao oxigénio e à luz, mas não é suficientemente resistente para produtos gaseificados. O PET é transparente e suporta produtos gaseificados, mas é menos adequado para produtos sensíveis ao oxigénio e à luz. Em consequência, o cartão tem sido utilizado, principalmente, para produtos lácteos líquidos (sobretudo leite) e sumos, enquanto o PET tem sido utilizado para água (natural e gaseificada) e refrigerantes gasosos».


8
N.° 57.


9
N.° 103.


10
N.° 163.


11
N.° 164.


12
A propósito desse sistema, é útil recordar que «[a] embalagem de alimentos líquidos em garrafas PET requer a associação de diferente maquinaria e, por vezes, tecnologia de barreira [para tornar o PET compatível com os produtos sensíveis ao gás e à luz]. O processo de embalagem comporta diversas fases: a) a produção de pré‑formados de plástico, os tubos pré‑formados utilizados no fabrico das embalagens PET; b) a produção de garrafas PET vazias a partir dos pré‑formados de plástico em máquinas para moldagem por sopro com estiramento [máquina SBM]; e c) o enchimento das garrafas PET acabadas com o líquido, com recurso a uma máquina de enchimento específica» (n.° 20 da decisão). No sistema de embalagem em PET, os «líquidos podem ser embalados na fábrica, pelos próprios produtores ou por empresas de embalagem. A embalagem no produtor requer a aquisição de equipamento de embalagem e a instalação de linhas de embalagem nas instalações da empresa produtora. Em contrapartida, os produtores de embalagens fabricam embalagens vazias, que são enchidas por empresas de embalagem ou vendidas a fabricantes de bebidas, para embalarem internamente a sua produção» (n.° 15 da decisão).


13
N.° 188.


14
N.° 199. A este respeito, recordo que, «[p]ara os produtos sensíveis ao oxigénio (como os sumos ou a cerveja), é necessário reforçar as propriedades de barreira contra os gases das garrafas PET. […] A fim de reforçar as propriedades de bloqueio do PET, as garrafas normais de PET são sujeitas à aplicação de uma tecnologia de barreira. […] No caso dos produtos sensíveis à luz, como o leite UHT, é necessário adicionar uma barreira contra a luz.» (n. os  22 a 24 da decisão).


15
N.° 204. A este respeito, recordo que «[a]s máquinas de enchimento não asséptico PET são, regra geral, utilizadas para embalar bebidas gaseificadas, água mineral, óleos alimentares e leite fresco. As máquinas de enchimento asséptico PET são utilizadas para embalar sumos à temperatura ambiente, bebidas não gaseificadas de frutos ou aromatizadas, bebidas de chá e de café prontas a consumir e produtos lácteos líquidos» (n.° 21 da decisão).


16
N.° 206.


17
N.° 209. A respeito deste sistema, é útil recordar que «[a]o contrário das embalagens PET, cuja produção conhece diferentes fases (pré‑formados, garrafas vazias, enchimento), as embalagens em cartão para alimentos líquidos são objecto de um processo integrado que abrange a sua produção, enchimento e selagem […]. Estas operações sucessivas são efectuadas por uma única máquina, nas instalações da empresa produtora de bebidas. […] As máquinas de embalagem em cartão são diferentes consoante se trata de embalagem asséptica ou não asséptica, e esta diferença determina todo o processo de embalagem» (n.° 28 da decisão).


18
N.° 212.


19
N.° 231.


20
N.° 259.


21
N.° 263.


22
N. os  269 e 270.


23
N.° 282.


24
N.° 290.


25
N.° 324.


26
N.° 337.


27
N.° 389.


28
N. os  397 e 399.


29
N.° 408.


30
N.° 410.


31
N.° 424.


32
N.° 451.


33
N.° 452.


34
Artigo 1.° da parte decisória.


35
N. os  83 a 118.


36
Por «concentração alterada» o Tribunal de Primeira Instância entende «a concentração corrigida pelos compromissos» (n.° 81).


37
N.° 124.


38
N.° 132.


39
N.° 140.


40
N.° 141.


41
N.° 145.


42
A este respeito, sintetizando o conteúdo da decisão, o Tribunal de Primeira Instância observou que «[o] efeito de alavanca exercido a partir dos mercados do cartão asséptico […] traduzir‑se‑ia, para além da possibilidade de a nova entidade recorrer a diversas práticas consistentes em associar as vendas de equipamentos e de produtos consumíveis para as embalagens cartão à dos equipamentos de embalagem PET, inclusive recorrendo às vendas forçadas […], em primeiro lugar, pela fixação provável por esta entidade de preços predatórios [«predatory pricing»…], em segundo lugar, através do recurso a uma guerra de preços e, em terceiro, pela concessão de descontos de fidelidade».


43
N.° 158


44
N.° 159.


45
N.° 160.


46
N.° 161.


47
N.° 162.


48
N.° 199.


49
N.° 195.


50
N.° 201.


51
N.° 214. Todavia, segundo o Tribunal de Primeira Instância, a Comissão não cometeu qualquer erro relativamente ao nível de crescimento previsto em matéria de bebidas com aromas de frutas e à base de chá ou café (n.° 215).


52
N.° 216.


53
. Ibidem .


54
N.° 218.


55
N.° 224.


56
. Ibidem .


57
N.° 225.


58
N.° 254.


59
N.° 269.


60
N.° 283.


61
N.° 306.


62
N.° 308.


63
N.° 309.


64
N.° 323.


65
N.° 333.


66
N.° 335.


67
N.° 336.


68
N. os  337 e 338.


69
Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão (C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n. os  21 e 22). No mesmo sentido, v., designadamente, acórdãos de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão (C‑53/92 P, Colect., p. I‑667, n. os  42 e 43), e de 28 de Maio de 1998, New Holland Ford/Comissão (C‑8/95 P, Colect., p. I‑3175, n.° 26).


70
A este respeito, assinale‑se que a expressão inglesa «convincing evidence» é, por vezes, traduzida para português por «provas convincentes» (v., a título de exemplo, n.° 214) e, outras vezes, por «provas sólidas» (v., a título de exemplo, n.° 227).


71
Acórdão de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, dito «Kali & Salz» (C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375).


72
N.° 228.


73
N.° 162 do acórdão impugnado. O sublinhado é meu.


74
N.° 153 do acórdão impugnado. O sublinhado é meu.


75
Como se viu, esta disposição estabelece: por um lado, que «[d]evem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as operações de concentração que não criem ou não reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste» (n.° 2); e, por outro, que «[d]evem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste» (n.° 3).


76
Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑0000, n.° 279). No mesmo sentido, v., designadamente, acórdão de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão (42/84, Recueil, p. 2545, n.° 34), e de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão (142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 62).


77
V. acórdão Kali & Salz, já referido, n. os  223 e 224.


78
Este é, por exemplo, o tipo de controlo a que se procedeu nos n. os  229 a 231 e 245 do acórdão Kali & Salz.


79
Este é, por exemplo, o tipo de controlo que esteve na base da conclusão constante do último período do n.° 241 do acórdão Kali & Salz.


80
A título de exemplo, parece que as apreciações efectuadas pelo Tribunal de Justiça nos n. os  228, 239, 241 (excepto o último período), 246 e 247 do acórdão Kali & Salz podem ser reconduzidas a este tipo de controlo.


81
N.° 211 do acórdão.


82
N.° 212.


83
A este propósito, no n.° 142 da decisão esclarece‑se: «De um modo geral, os operadores do mercado apontaram para um crescimento significativo da utilização do PET nos produtos ‘sensíveis’, a curto prazo. No caso dos operadores que arriscaram uma proporção de produtos ‘sensíveis’ embalados em PET em 2005, a Comissão verificou que, em média, o PET representaria cerca de 40% do leite, 30% dos sumos, 40% das bebidas não gaseificadas com aroma de frutos e mais de 50% do refresco de chá».


84
A este respeito, v. n. os  75 e 76 do acórdão recorrido.


85
N.° 212.


86
Todas as citações foram retiradas do n.° 212 do acórdão.


87
Por estudos independentes entendem‑se os não encomendados pela Tetra.


88
N.° 212.


89
V., especialmente, n. os  80, 95 a 97, 101 e 102 da decisão.


90
N.° 97 da decisão.


91
Da decisão resulta claramente que, enquanto «o leite UHT exige uma barreira à luz», o «leite fresco pode ser […] embalado em embalagens PET normais […] sem quaisquer propriedades de barreira» (n. os  76 e 77). Segundo a própria Tetra, as limitações à utilização do PET decorrentes da necessidade de uma barreira à luz «aplicam‑se apenas ao leite UHT». A este respeito, considerava que «soluções técnicas que facultam uma barreira à luz» ao PET «implica[m] custos elevados e complexa tecnologia de produção, levanta[m] questões de reciclagem e suprime[m] a transparência, que é uma das maiores vantagens das garrafas PET».


92
N.° 289.


93
N.° 212, in fine .


94
N.° 123 da decisão.


95
N.° 213.


96
Da jurisprudência do Tribunal de Justiça resulta, de facto, que «a falta de fundamentação não fica sanada por o interessado vir a conhecer os fundamentos da decisão no decurso do processo que se seguiu [no tribunal comunitário]» (acórdão de 26 de Novembro de 1981, Michel/Parlamento, 195/80, Recueil, p. 2861, n.° 22). Substancialmente no mesmo sentido, v. igualmente, por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1990, Culin/Comissão (C‑343/87, Colect., p. I‑225, n.° 15), e de 19 de Outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão (C‑15/98 e C‑105/99, Colect., p. I‑8855, n.° 70).


97
N.° 288 do acórdão recorrido. Esta afirmação sobre a diferença de preço de custo entre o PET e o cartão é, em seguida, repetida pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 326, no quadro da apreciação do enfraquecimento da potencial concorrência nos mercados do cartão.


98
N.° 326.


99
N.° 92. Relativamente aos resultados da sua pesquisa de mercado, a Comissão afirmou, em especial: «Alguns participantes no mercado afirmaram que, para a maior parte das aplicações e, sobretudo, para os produtos que requerem barreira, o PET é mais caro. Contudo, a maior parte dos inquiridos não conseguiu identificar com rigor as diferenças de custo, o que, em muitos casos, ficou a dever‑se ao facto de não possuírem experiência com qualquer dos materiais. No entanto, alguns terceiros (nomeadamente os que possuem maior experiência com PET) informaram a Comissão de que, na sua opinião, o PET acabava por tornar‑se mais barato do que o cartão» (n.° 92).


100
N.° 397 da decisão.


101
A este respeito, recordo que o «efeito de alavanca exercido a partir dos mercados do cartão asséptico […] traduzir‑se‑ia, para além da possibilidade de a nova entidade recorrer a diversas práticas consistentes em associar as vendas de equipamentos e de produtos consumíveis para as embalagens cartão à dos equipamentos de embalagem PET, inclusive recorrendo às vendas forçadas [...], em primeiro lugar, pela fixação provável por esta entidade de preços predatórios [«predatory pricing»], em segundo lugar, através do recurso a uma guerra de preços e, em terceiro, pela concessão de descontos de fidelidade».


102
A este respeito, a Comissão, na réplica e na audiência, esclareceu que uma modificação estrutural das condições de mercado que comportasse a aquisição desses meios e incentivos pela entidade resultante da concentração implicaria a imediata criação de uma posição dominante no segundo mercado.


103
N.° 154 do acórdão recorrido.


104
N.° 431 da decisão


105
N.° 342. No mesmo sentido, v. igualmente o n.° 330, onde se precisa: «Ao adquirir a Sidel, a Tetra asseguraria a manutenção e o reforço da sua posição dominante no mercado da embalagem em cartão asséptico, ao eliminar a Sidel enquanto concorrente. Ademais, ao reforçar a sua posição dominante no mercado do cartão, a Tetra/Sidel teria a possibilidade de conquistar uma posição de dominância no mercado do equipamento PET , em especial, no das máquinas SBM de pequena e grande capacidade nos segmentos de produtos relevantes» (o sublinhado é meu). Fazem‑se afirmações análogas em inúmeras passagens da decisão, como, p. ex., nos n. os  331, 359 e 389.


106
N.° 261.


107
N.° 177.


108
N.° 265.


109
. Ibidem .


110
N.° 178 da decisão.


111
N.° 223 do acórdão recorrido.


112
N.° 268.


113
N.° 333.


114
N.° 323. Sublinhado pela Comissão.


115
N.° 324.


116
N.° 325.


117
V., em especial, n.° 332 da decisão impugnada, onde se esclarece que o cartão e o PET eram «substitutos técnicos, na medida em que ambos os materiais de embalagem pode embalar os segmentos de produtos finais relevantes», e podiam, «em termos económicos, […] ser considerados ‘fracos substitutos’». No mesmo sentido, v. igualmente o n.° 163 da decisão (referido, supra , no n.° 10), onde, por outro lado, se adverte para o facto de que a definição dos mercados dos sistemas de embalagem em PET e em cartão pode alterar‑se no futuro.


118
V. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colect., p. 217, n.° 38). O sublinhado é meu.


119
A este respeito, recorde‑se que se considerou improcedente a crítica da Comissão relativa aos presumíveis erros cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância ao analisar o crescimento previsível do PET no que respeita às embalagens de sumos (v., supra , n.° 104)


120
N.° 324.


121
N.° 325.


122
N.° 327.


123
. Ibidem .


124
N.° 328.


125
. Ibidem .


126
A citação foi retirada do n.° 397 da decisão, onde se afirma que muitas das sociedades inquiridas no quadro do estudo de mercado efectuado pela Comissão «afirmaram já ter mudado ou pretender mudar do cartão para o PET, independentemente do facto de este material ser mais caro ou de os preços do cartão não aumentarem».


127
V. acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 38.


128
N.° 330.


129
É óbvio que as coisas se teriam passado diversamente (pelo menos em parte) se a nova entidade conseguisse utilizar a posição da Tetra no cartão como alavanca para direccionar para a Sidel os seus clientes que pretendessem passar para o PET e, assim, adquirir uma posição dominante em todos ou alguns dos mercados do PET. Todavia, como as apreciações que a Comissão fez a este respeito foram rejeitadas pelo Tribunal de Primeira Instância, este cenário não pode ser tomado em consideração.


130
N.° 307


131
A Comissão parece referir‑se ao n.° 272 do acórdão recorrido, onde se afirma «que a Comissão admite que a Sidel detém uma ‘parte de mercado de [30% a 40%] em termos de capacidade e de unidades vendidas no EEE em 2000’ do mercado de máquinas SBM de fraca capacidade [considerando (233)]». Para demonstrar o erro cometido pelo Tribunal de Primeira Instância, a Comissão remete para o n.° 266 da decisão. Como, por razões de confidencialidade, na versão da decisão publicada no Jornal Oficial não se mencionou a quota exacta, mas apenas valores indicativos, nas presentes conclusões parece‑me correcto adoptar o mesmo critério.


132
V. nota anterior.


133
N.° 280 do acórdão recorrido.


134
A este respeito, a Comissão invoca os n. os  376 a 387 da decisão impugnada.


135
N.° 280


136
A este respeito, a Comissão remete, em especial, para a afirmação do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual «uma proporção importante das máquinas SBM utilizadas para o acondicionamento de produtos sensíveis se refere, com toda a probabilidade, a máquinas de fraca capacidade» (n.° 279 do acórdão).


137
A este respeito, a Comissão refere‑se, em especial, à afirmação segundo a qual «a Tetra não traria nada à nova entidade no que respeita a este mercado [das máquinas SBM de forte capacidade» (n.° 284 do acórdão).


138
N.° 288.


139
. Ibidem .


140
N.° 289. Relativamente à relação entre o PEAD e o PET, o Tribunal de Primeira Instância considera, sobretudo, que «é pelo menos igualmente provável que os clientes existentes da Tetra que querem mudar uma parte da sua produção de leite fresco para o plástico escolham o PEAD em vez do PET» ( Ibidem ).


141
N.° 290.


142
Apenas relativamente à alínea i) a Comissão tenta encontrar apoio na decisão para as suas afirmações (n. os  14 e 335). Todavia, longe de conseguir demonstrar que aí se precisava que só raramente os clientes que embalavam as suas bebidas em vidro utilizavam apenas esse material, essa instituição refere passagens em que genericamente se afirmava que «[c]ada vez mais, as empresas fabricantes de bebidas utilizam mais do que um tipo de embalagem na comercialização do seu produto» e apenas referia a Coca Cola como exemplo de bebida «apresentada em garrafas de vidro e de PET e em latas de alumínio» (n.° 14).


143
N.° 294.


144
N.° 297.


145
A este respeito, a Comissão refere especialmente os n. os  232 a 248, 293 a 300, 303 a 310 e 369 a 387 da decisão.


146
V., em especial, as observações formuladas no n.° 295 do acórdão recorrido.


147
N.° 310.


148
V. os n. os  303 a 310 da decisão.


149
N.° 305 do acórdão. Para o que neste contexto importa, não parece ser particularmente importante a explicação adicional segundo a qual «a SIG e a Elopak poderiam igualmente propor [aos ‘conversores’] equipamentos cartão no caso de os [seus] clientes quererem um fornecimento conjunto de equipamentos de embalagem PET e cartão», dado que a Comissão não tinha de modo algum associado a dependência dos ‘conversores’ da Sidel ou da nova entidade à necessidade de fornecimentos conjuntos de equipamentos de embalagem PET e cartão.


150
N.° 310 da decisão.


151
N.° 307.


152
Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico (C‑312/00 P, Colect, p. I‑11355, n.° 57). No mesmo sentido, v. igualmente acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 1992, Lestelle/Comissão (C‑30/91 P, Colect., p. I‑3755, n.° 28); de 15 de Dezembro de 1994, Finsider/Comissão (C‑320/92 P, Colect., p. I‑5697, n.° 37); e de 13 de Julho de 2000, Salzgitter/Comissão (C‑210/98 P, Colect., p. I‑5843, n.° 58).