Processo T-392/02
Solvay Pharmaceuticals BV
contra
Conselho da União Europeia
«Directiva 70/524/CEE – Autorização comunitária, ligada ao responsável pela colocação em circulação, de um aditivo na alimentação para animais – Regime transitório – Revogação da autorização – Recurso de anulação – Admissibilidade – Condições de revogação – Princípio da precaução – Princípios da igualdade de tratamento, da segurança jurídica, da boa administração e da boa fé»
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Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) de 21 de Outubro de 2003 |
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Sumário do acórdão
- 1..
- Agricultura – Política agrícola comum – Aditivos na alimentação para animais – Directiva 70/524 – Substituição de uma autorização provisória de um aditivo por uma autorização definitiva – Accionamento paralelo de um procedimento de retirada do aditivo – Admissibilidade
(Directiva 70/524 do Conselho, artigos 9.°-H, 9.°-M e 11.°)
- 2..
- Agricultura – Política agrícola comum – Execução – Tomada em consideração das exigências em matéria de protecção da saúde pública, da segurança e do ambiente – Aplicação do princípio da precaução
[Artigos 3.°, alínea p), CE, 6.° CE, 152.°, n.° 1, CE, 153.°, n.
os 1 e 2, CE e 174.°, n.
os 1 e 2, CE]
- 3..
- Agricultura – Política agrícola comum – Aditivos na alimentação para animais – Subsistência de incertezas científicas relativas à inocuidade de uma substância – Aplicação do princípio da precaução – Alcance – Limites
- 4..
- Agricultura – Política agrícola comum – Aditivos na alimentação para animais – Directiva 70/524 – Reavaliação de um aditivo – Obrigação de a Comissão informar o responsável pela colocação em circulação do aditivo das principais lacunas do seu processo
(Directiva 70/524 do Conselho, artigo 9.°-M, quinto travessão)
- 1.
Na economia da Directiva 70/524, relativa aos aditivos na alimentação para animais, as disposições transitórias do artigo
9.°-H não se opõem a que, paralelamente ao processo puramente administrativo de substituição da autorização provisória de
um aditivo por uma autorização definitiva, seja posta em prática uma medida de salvaguarda nos termos do artigo 11.° desta
directiva ou um procedimento de supressão do aditivo baseado no artigo 9.°-M da referida directiva. Em especial, tendo em conta o carácter formal do controlo efectuado para efeitos da concessão de uma nova autorização com
base no artigo 9.°-H da Directiva 70/524, a concessão de uma autorização nos termos dessa disposição não é de molde a criar
uma presunção relativa à inocuidade da substância considerada nem, por conseguinte, a influenciar a análise totalmente autónoma
da referida substância efectuada no âmbito do processo de reavaliação. cf. n.
os 112-113
- 2.
O princípio da precaução constitui um princípio geral do direito comunitário que impõe às autoridades em questão que tomem,
no quadro preciso do exercício das competências que lhes são atribuídas pela legislação pertinente, medidas adequadas para
evitar certos riscos potenciais para a saúde pública, a segurança e o ambiente, dando prevalência aos imperativos ligados
à protecção destes interesses sobre os interesses económicos. Como as instituições comunitárias são responsáveis, em todos
os seus domínios de acção, pela protecção da saúde pública, da segurança e do ambiente, o princípio da precaução pode ser
considerado um princípio autónomo decorrente dos artigos 3.°, alínea p), CE, 6.° CE, 152.°, n.° 1, CE, 153.°, n.
os 1 e 2, CE e 174.°, n.
os 1 e 2, CE. No domínio da saúde pública, o princípio da precaução implica que, quando subsistem incertezas quanto à existência ou ao alcance
de riscos para a saúde das pessoas, as instituições podem tomar medidas de precaução sem terem de esperar que a realidade
e a gravidade destes riscos estejam plenamente demonstradas. Quando a avaliação científica não permite determinar a existência do risco com suficiente certeza, o recurso ou não ao princípio
da precaução depende do nível de protecção escolhido pela autoridade competente no exercício do seu poder discricionário,
tendo em conta as prioridades que define à luz dos objectivos que prossegue, em conformidade com as normas pertinentes do
Tratado e do direito derivado. Essa escolha deve, porém, ser conforme ao princípio da prevalência da protecção da saúde pública,
da segurança e do ambiente sobre os interesses económicos, assim como aos princípios da proporcionalidade e da não discriminação.
cf. n.
os 121, 122, 125
- 3.
No domínio dos aditivos para alimentação dos animais, a existência de indícios sérios que, sem afastarem a incerteza científica,
permitam pôr em dúvida, razoavelmente, a inocuidade de uma substância justifica a revogação da autorização dessa substância.
Com efeito, o princípio da precaução destina-se a prevenir os riscos potenciais. Inversamente, riscos puramente hipotéticos
─ assentes em simples hipóteses cientificamente não alicerçadas ─ não podem ser considerados. Com efeito, fazer depender a manutenção da autorização de uma substância da prova da inexistência de qualquer risco, mesmo
puramente hipotético, seria, ao mesmo tempo, irrealista ─ na medida em que tal prova é, regra geral, impossível de produzir
do ponto de vista científico, uma vez que um nível de
risco zero não existe na prática ─ e contrária ao princípio da proporcionalidade. Além disso, a adopção de uma medida de precaução, com vista a prevenir um risco não demonstrável no estado dos conhecimentos
científicos à data dessa adopção, mas baseado em indícios suficientemente sérios, pode, em certos casos, ser diferida em função
da natureza, da gravidade e da extensão desse risco, ponderando os diferentes interesses em causa. Nesta ponderação, a autoridade
competente goza de um amplo poder de apreciação. cf. n.
os 129, 130, 135
- 4.
Na medida em que o artigo 9.°-M, quinto travessão, da Directiva 70/524, relativa aos aditivos na alimentação para animais,
se refere a pedidos de informações dirigidos ao responsável pela colocação em circulação de um aditivo para efeitos da reavaliação
desta substância, este artigo deve ser interpretado, em relação com os princípios da segurança jurídica e da boa administração,
no sentido de que constitui a base jurídica de um direito do responsável pela colocação em circulação de um aditivo a ser
informado das principais lacunas do seu processo de autorização. Salvo situações de urgência, a Comissão não pode revogar
a autorização de um aditivo sem ter possibilitado ao seu titular a apresentação dos dados que a Comissão considera apropriados
para colmatar essas lacunas. Daí resulta que, se não se pode exigir uma notificação formal do responsável pela colocação em circulação de um aditivo pela
Comissão, não havendo nenhuma disposição processual expressa nesse sentido, este deve, no entanto, estar estreitamente associado
ao processo de reavaliação deste aditivo e pode invocar o direito a ser informado das principais lacunas do seu processo de
autorização, que impedem a manutenção da autorização. O respeito destas garantias processuais está sujeito ao controlo do tribunal no qual foi interposto recurso do regulamento
impugnado que põe fim ao processo de reavaliação. cf. n.
os 186-188