ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

5 de Outubro de 2004

Processo T‑144/02

Richard J. Eagle e o.

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Pessoal empregado na empresa comum JET – Igualdade de tratamento – Não aplicação do estatuto dos agentes temporários – Artigo 152.° CEEA – Prazo razoável – Danos materiais sofridos»

Texto integral em língua inglesa  II – 0000

Texto integral em todas as línguas na Colectânea da Jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, parte II

Objecto:         Pedido de indemnização dos danos materiais alegadamente sofridos pelo facto de não terem sido recrutados como agentes temporários das Comunidades para o exercício da sua actividade na empresa comum Joint European Torus (JET).

Decisão:         A Comissão é condenada a reparar o dano financeiro sofrido por cada recorrente, pelo facto de não ter sido recrutado como agente temporário das Comunidades para o exercício da sua actividade na JET. As partes transmitirão ao Tribunal, num prazo de seis meses a contar do presente acórdão, o montante, fixado de comum acordo, das indemnizações devidas a título de reparação deste dano. Na ausência de acordo, apresentarão ao Tribunal, dentro do mesmo prazo, os seus pedidos quantificados. Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Sumário

1.     Funcionários – Recurso – Direito de recurso – Pessoas que pedem uma indemnização devido à sua contratação por uma empresa comum CEEA fora do quadro do regime aplicável aos outros agentes

(Tratado CEEA, artigo 152.°)

2.     Funcionários – Recurso – Prazos – Pessoas que pedem uma indemnização devido à sua contratação por uma empresa comum CEEA fora do quadro do regime aplicável aos outros agentes – Respeito de um prazo razoável – Duração e início da contagem do prazo

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 46.°; Estatuto dos Funcionários, artigo 90.°)

3.     Funcionários – Agentes temporários – Recrutamento – Pessoal contratado pela empresa comum CEEA Joint European Torus (JET) – Poder de apreciação das instituições – Limites

(Decisão 78/471 do Conselho)

4.     Funcionários – Responsabilidade extracontratual das instituições – Condições – Ilegalidade – Prejuízo – Nexo de causalidade – Conceito – Aplicação no contencioso estatutário – Critérios

1.     A acção de indemnização intentada por pessoas que trabalharam para a empresa comum Joint European Torus (JET), criada, nos termos de disposições do Tratado CEEA, no quadro da sua disponibilização por empresas terceiras vinculadas por contrato à JET, e destinada a obter uma indemnização pelo prejuízo sofrido devido ao facto de, contrariamente ao imposto nos estatutos da JET, estas pessoas não terem sido recrutadas na qualidade de agentes temporários, sujeitos ao regime aplicável aos outros agentes, deve ser apreciada como fazendo parte dos litígios que opõem a Comunidade aos seus agentes.

Efectivamente, em primeiro lugar, os problemas jurídicos que esta acção coloca dizem respeito, como no caso em que uma pessoa reivindica a qualidade de funcionário ou de agente, a direitos estatutários. Em segundo lugar, o conceito de litígio entre a Comunidade e os seus agentes é entendido pela jurisprudência em sentido amplo, podendo uma concepção demasiado restritiva a este propósito engendrar insegurança jurídica, colocando os eventuais recorrentes numa situação de incerteza quanto à via contenciosa a seguir ou permitindo‑lhes uma escolha artificial. Em terceiro e último lugar, a escolha pelos recorrentes dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto não é contestada pelas instituições partes no litígio, que reconhecem que o litígio e a violação invocada tinham o seu fundamento em disposições estatutárias.

(cf. n.os 39, 42, 43 e 47)

Ver: Tribunal de Justiça, 31 de Março de 1965, Vandevyvere/Parlamento (23/64, Recuiel, pp. 205, 214, Colect. 1965‑1968, p. 51); Tribunal de Justiça, 11 de Março de 1975, Porrini e o./CEEA e o. (65/74, Recueil, p. 319, n.os 3 a 13, Colect., p. 143); Tribunal de Justiça, 5 de Abril de 1979, Bellintani e o./Comissão (116/78, Recueil, p. 1585, n.° 6); Tribunal de Justiça, 11 de Julho de 1985, Salerno e o./Comissão e Conselho (87/77, 130/77, 22/83, 9/84 e 10/84, Recueil, p. 2523, n.os 24 e 25); Tribunal de Justiça, 13 de Julho de 1989, Alexis e o./Comissão (286/83, Colect., p. 2445, n.° 9); Tribunal de Justiça, 14 de Fevereiro de 1989, Bossi/Comissão (346/87, Colect., p. 303, n.° 10); Tribunal de Primeira Instância, 12 de Maio de 1998, O’Casey/Comissão (T‑184/94, ColectFP, pp. I‑A‑183 e II‑565, n.os 56 a 62)

2.     O artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto dos Funcionários não fixa nenhum prazo para a apresentação de um requerimento. O respeito de um prazo razoável é, no entanto, exigido em todos os casos em que, no silêncio dos textos legais, os princípios da segurança jurídica ou da protecção da confiança legítima obstam a que as instituições comunitárias e as pessoas singulares ou colectivas actuem sem qualquer limite temporal, podendo assim, nomeadamente, pôr em risco a estabilidade de situações jurídicas adquiridas. Nas acções de declaração de responsabilidade susceptíveis de conduzir a um encargo pecuniário para a Comunidade, o respeito de um prazo razoável para apresentar um pedido de indemnização é igualmente determinado pela preocupação de proteger as finanças públicas que encontra uma expressão particular, relativamente às acções em matéria de responsabilidade extracontratual, no prazo de prescrição de cinco anos fixado pelo artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

O carácter razoável de um prazo deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo e, designadamente, da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo, bem como do comportamento das partes em causa.

Quanto à apresentação de um pedido de indemnização por pessoas que trabalharam para a empresa comum Joint European Torus (JET), no quadro da sua disponibilização por empresas terceiras vinculadas por contrato à JET, por deverem ter sido recrutadas na qualidade de agentes temporários, sujeitos ao regime aplicável aos outros agentes, deve considerar-se, sendo possível retirar um termo de comparação do já referido artigo 46.°, que os interessados, na medida em que alegam ter sido objecto de um tratamento discriminatório ilegal, deviam ter apresentado um pedido à instituição comunitária no sentido de esta adoptar as medidas adequadas a reparar esta situação e a pôr‑lhe fim num prazo razoável que não pode exceder cinco anos a contar do momento em que tomaram conhecimento da situação que contestam.

Para a determinação desse momento, há que ter em conta, dada a situação de precariedade que caracterizava o emprego dos interessados, a celebração de cada contrato anual, inicial ou de renovação.

(cf. n.os 56, 57, 66, 68, 71, 80 e 82)

Ver: Tribunal de Justiça, 21 de Maio de 1981, Reinarz/Comissão (29/80, Recueil, p. 1311, n.° 12); Tribunal de Justiça, 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschaapij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 187)

3.     As instituições comunitárias dispõem de um largo poder de apreciação na escolha dos meios mais apropriados para prover às suas necessidades de pessoal, em particular no que se refere à contratação de agentes temporários. O mesmo é, nomeadamente, válido em matéria de organização e funcionamento das empresas comuns.

A circunstância de os estatutos da empresa comum Joint European Torus (JET) preverem que o «outro pessoal» do grupo de trabalho do projecto fosse recrutado com base em contratos de agente temporário não obrigava a Comissão a proceder a recrutamentos deste tipo, caso isso não correspondesse às necessidades do grupo de trabalho do projecto. A direcção da empresa comum dispunha, pois, de toda a liberdade para apreciar, na composição do grupo de trabalho do projecto, a parte que devia caber a cada uma das duas categorias de pessoal mencionadas no artigo 8.1 dos estatutos (pessoal proveniente dos membros da empresa comum e outro pessoal), traduzindo‑se as suas escolhas numa inscrição no quadro dos efectivos incluídos no orçamento anual. Também podia recorrer a sociedades fornecedoras de mão‑de‑obra ou de serviços a fim de satisfazer diversas tarefas necessárias ao funcionamento da empresa comum, mas não fazendo parte das funções atribuídas àquela pelos Tratados, funções estas que o grupo de trabalho do projecto estava incumbido de assegurar sob a autoridade do director do projecto.

Em contrapartida, a direcção do JET não podia celebrar estes contratos com sociedades fornecedoras de mão‑de‑obra ou de serviços com vista a furtar‑se à aplicação das disposições estatutárias. Com efeito, as funções atribuídas pelos Tratados às instituições comunitárias não podem ser confiadas a empresas exteriores, devendo antes ser executadas por pessoal abrangido por um regime estatutário.

(cf. n.os 113 a 115)

Ver: Tribunal de Justiça, 20 de Junho de 1985, Klein/Comissão (123/84, Recueil, p. 1907, n.° 24); Tribunal de Justiça, 28 de Fevereiro de 1989, Van der Stijl e o./Comissão (341/85, 251/86, 258/86, 259/86, 262/86 e 266/86, 222/87 e 232/87, Colect., p. 511, n.° 11); Tribunal de Justiça, 6 de Dezembro de 1989, Mulfinger e o./Comissão (C‑249/87, Colect., p. 4127, n.os 13 e 14); Tribunal de Primeira Instância, 12 de Dezembro de 1996, Altmann e o./Comissão (T‑177/94 e T‑377/94, Colect., p. II‑2041, n.° 154); Tribunal de Primeira Instância, 17 de Novembro de 1998, Fabert-Goossens/Comissão (T‑217/96, ColectFP, pp. I‑A‑607 e II‑1841, n.° 29)

4.     Em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade, nomeadamente nos litígios que se inserem nas relações entre a Comunidade e os seus agentes, o direito comunitário apenas reconhece um direito a indemnização se estiverem reunidas três condições, a saber, ilegalidade do comportamento criticado às instituições comunitárias, efectividade do dano e existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado.

Para que seja aceite a existência de um nexo de causalidade, é, em princípio, necessário que seja feita prova de uma relação directa e segura de causa e efeito entre o erro cometido pela instituição comunitária em causa e o dano invocado.

Todavia, no contencioso estatutário, o grau de certeza do nexo de causalidade é alcançado quando a ilegalidade cometida por uma instituição comunitária tenha inequivocamente privado uma pessoa não necessariamente de um recrutamento, ao qual o interessado nunca poderá provar ter direito, mas de uma possibilidade séria de ser recrutado como funcionário ou agente, o que tem como consequência para o interessado um dano material sob a forma de perda de rendimentos. Nas circunstâncias do caso em apreço, quando se verifica ser eminentemente provável que o respeito da legalidade teria conduzido a instituição comunitária em causa a proceder ao recrutamento do agente, a incerteza teórica que continua a existir quanto ao resultado de um processo regularmente conduzido não é susceptível de obstar à reparação do dano material real sofrido pelo interessado ao ser privado do direito a candidatar‑se a um lugar estatutário que teria todas as probabilidades de obter.

(cf. n.os 99, 148 e 149)

Ver: Tribunal de Justiça, 14 de Maio de 1998, Conselho/de Nil e Impens (C‑259/96 P, Colect., p. I‑2915, n.° 23); Tribunal de Primeira Instância, 28 de Setembro de 1999, Hautem/BEI (T‑140/97, ColectFP, pp. I‑A‑171 e II‑897, n.° 85)