Processo C‑392/02

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino da Dinamarca

«Incumprimento de Estado – Recursos próprios das Comunidades – Direitos aduaneiros legalmente devidos e não cobrados por erro das autoridades aduaneiras nacionais – Responsabilidade financeira dos Estados‑Membros»

Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed, apresentadas em 10 de Março de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 15 de Novembro de 2005 

Sumário do acórdão

Recursos próprios das Comunidades Europeias – Apuramento e colocação à disposição pelos Estados-Membros – Obrigação independente da possibilidade de registo de liquidação e da cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros – Não apuramento e não registo da liquidação sem motivos de força maior ou impossibilidade definitiva não imputável ao Estado‑Membro em causa de proceder à cobrança – Incumprimento

[Regulamentos do Conselho n.os 1552/89, artigo 17., n.° 2, e 2913/92, artigo 220.°, n.° 2, alínea b); Decisão 94/728 do Conselho, artigos 2.° e 8.°]

Os Estados‑Membros são obrigados a apurar o direito das Comunidades relativo aos recursos próprios desde que as suas autoridades aduaneiras disponham dos elementos necessários e, portanto, estejam em condições de calcular o montante dos direitos resultante de uma dívida aduaneira e de determinar o devedor, independentemente da questão de saber se os critérios para aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 2913/92, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário estão preenchidos e, portanto, se se pode ou não proceder ao registo de liquidação e à cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros em causa.

Nestas condições, não cumpre as suas obrigações decorrentes do direito comunitário, designadamente, dos artigos 2.° e 8.° da Decisão 94/728, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias, um Estado‑Membro que não proceda ao apuramento do direito das Comunidades relativamente aos recursos próprios e que não coloque o montante correspondente à disposição da Comissão, sem que se verifique uma das condições previstas no artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1552/89, relativo à aplicação da Decisão 88/376 relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades, ou seja, que a cobrança não pôde ser efectuada por motivos de força maior ou que é absolutamente impossível proceder à cobrança por motivos que não lhe podem ser imputados.

(cf. n.os 66, 68, 70, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

15 de Novembro de 2005 (*)

«Incumprimento de Estado – Recursos próprios das Comunidades – Direitos aduaneiros legalmente devidos e não cobrados por erro das autoridades aduaneiras nacionais – Responsabilidade financeira dos Estados‑Membros»

No processo C‑392/02,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 7 de Novembro de 2002,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por H.‑P. Hartvig e G. Wilms, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino da Dinamarca, representado por J. Molde, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,

apoiado por:

Reino da Bélgica, representado por A. Snoecx, na qualidade de agente,

República Federal da Alemanha, representada por W.‑D. Plessing, na qualidade de agente, assistido por D. Sellner e U. Karpenstein, Rechtsanwälte,

República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. de Bellis, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino dos Países Baixos, representado por H. G. Sevenster e J. van Bakel, na qualidade de agentes,

República Portuguesa, representada por L. Fernandes, Â. Seiça Neves e J. A. dos Anjos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino da Suécia, representado por A. Kruse, K. Wistrand e A. Falk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e J. Makarczyk, presidentes de secção, C. Gulmann, A. La Pergola, J.‑P. Puissochet, S. von Bahr (relator), P. Kūris, U. Lõhmus, E. Levits e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Janeiro de 2005,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de Março de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo as autoridades dinamarquesas colocado à disposição da Comissão o montante de 140 409,60 DKK a título de recursos próprios e os juros de mora correspondentes contados a partir de 20 de Dezembro de 1999, o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e, designadamente, não observou o artigo 10.° CE, bem como os artigos 2.° e 8.° da Decisão 94/728/CE, Euratom do Conselho, de 31 de Outubro de 1994, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 293, p. 9).

 Quadro jurídico

2       Resulta do artigo 2.°, n.° 1, da Decisão 94/728, que substituiu a Decisão 88/376/CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Junho de 1988, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 185, p. 24), que constituem recursos próprios inscritos no orçamento das Comunidades, designadamente:

–       as receitas ditas «tradicionais» [artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e b)] provenientes:

–       dos direitos agrícolas, prémios, montantes suplementares ou compensatórios, montantes ou elementos adicionais e dos outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições das Comunidades sobre as trocas comerciais com países não membros, no âmbito da política agrícola comum;

–       dos direitos da pauta aduaneira comum e dos outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições das Comunidades sobre as trocas comerciais com países não membros;

–       a receita dita «IVA» [artigo 2.°, n.° 1, alínea c)] proveniente da aplicação de uma taxa uniforme válida para todos os Estados‑Membros à matéria colectável do IVA;

–       da receita dita «PNB» ou «complementar» [artigo 2.°, n.° 1, alínea d)] proveniente da aplicação de uma taxa a fixar no quadro do processo orçamental, tendo em conta todas as outras receitas, à soma dos PNB (produto nacional bruto) de todos os Estados‑Membros.

3       Segundo o n.° 3 do referido artigo 2.°, «[a] título de despesas de cobrança, os Estados‑Membros reterão 10% dos montantes a pagar por força das alíneas a) e b) do n.° 1». Por força do artigo 2.°, n.° 3, da Decisão 2000/597/CE, Euratom do Conselho, de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 253, p. 42), esta percentagem foi elevada para 25% relativamente aos montantes apurados após 31 de Dezembro de 2000.

4       O artigo 8.° da Decisão 94/728 estabelece:

«1.      Os recursos próprios comunitários a que se refere o n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 2.° serão cobrados pelos Estados‑Membros nos termos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais que, se necessário, serão adoptadas às exigências da regulamentação comunitária. A Comissão procederá, a intervalos regulares, a uma análise das disposições nacionais que lhe tenham sido comunicadas pelos Estados‑Membros, informará os Estados‑Membros das adaptações que considere necessárias para garantir a respectiva conformidade com a regulamentação comunitária e apresentará um relatório à autoridade orçamental. Os Estados‑Membros colocarão à disposição da Comissão os recursos previstos no n.° 1, alíneas a) a d), do artigo 2.°

2.      […] O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, adoptará as disposições necessárias à aplicação da presente decisão, bem como as disposições relativas ao controlo da cobrança, à colocação à disposição da Comissão e ao pagamento das receitas referidas nos artigos 2.° e 5.°»

5       No momento dos factos do presente processo, as disposições para as quais remete o artigo 8.°, n.° 2, da Decisão 94/728 figuravam no Regulamento (CEE, Euratom) n.° 1552/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, relativo à aplicação da Decisão 88/376 (JO L 155, p. 1), na versão alterada pelo Regulamento (Euratom, CE) n.° 1355/96 do Conselho, de 8 de Julho de 1996 (JO L 175, p. 3, a seguir «Regulamento n.° 1552/89»), que entrou em vigor em 14 de Julho de 1996.

6       O segundo considerando do Regulamento n.° 1552/89 estabelece que «a Comunidade deve dispor dos recursos próprios referidos no artigo 2.° da Decisão 88/376/CEE, Euratom nas melhores condições possíveis e que, para o efeito, devem ser estabelecidas as regras segundo as quais os Estado‑Membros colocam à disposição da Comissão os recursos próprios atribuídos às Comunidades».

7       Segundo o artigo 2.°, n.os 1 e 1A, do referido regulamento:

«1.      Para efeitos da aplicação do presente regulamento, um direito das Comunidades sobre os recursos próprios referidos no n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 2.° da Decisão 88/376/CEE, Euratom, considera‑se apurado assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor.

1A.      A data a considerar para o apuramento referido no n.° 1 é a data do registo de liquidação previsto na regulamentação aduaneira.

[…]»

8       O artigo 9.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento estabelece que, «[s]egundo as regras definidas no artigo 10.°, cada Estado‑Membro inscreverá os recursos próprios a crédito da conta aberta para o efeito em nome da Comissão junto do Tesouro ou do organismo por ele designado».

9       Nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 1552/89:

«Qualquer atraso nos lançamentos na conta referida no n.° 1 do artigo 9.° implicará o pagamento, pelo Estado‑Membro em causa, de um juro a uma taxa igual à taxa de juro aplicada, na data do vencimento, no mercado monetário desse Estado‑Membro, aos financiamentos a curto prazo, acrescida de dois pontos. Essa taxa aumentará 0,25 pontos por cada mês de atraso. A taxa assim aumentada aplicar‑se‑á durante todo o período de atraso.»

10     Segundo o artigo 17.°, n.os 1 e 2, do referido regulamento:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.° sejam colocados à disposição da Comissão nas condições fixadas pelo presente regulamento.

2.      Os Estados‑Membros só serão dispensados de colocar à disposição da Comissão os montantes correspondentes aos direitos apurados se não tiver sido possível efectuar a respectiva cobrança por motivos de força maior. Por outro lado, em casos específicos, os Estados‑Membros podem não colocar esses montantes à disposição da Comissão quando, após análise aprofundada de todos os dados relevantes do caso em questão, se verificar que lhes é absolutamente impossível proceder à cobrança por motivos alheios à sua vontade. […]»

11     O artigo 201.°, n.os 1 e 2, do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), estabelece, no que se refere à constituição da dívida aduaneira:

«1.      É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)      A introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação

ou

b)      A sujeição de tal mercadoria a um regime de importação temporária com isenção parcial dos direitos de importação.

2.      A dívida aduaneira considera‑se constituída no momento da aceitação da declaração aduaneira em causa.»

12     O artigo 204.°, n.os 1 e 2, do código aduaneiro dispõe:

«1.      É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)      O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida

ou

b)      A não observância de uma das condições fixadas para a sujeição de uma mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais,

em casos distintos dos referidos no artigo 203.°, salvo se se provar que o incumprimento ou a não observância não tiver reais consequências para o funcionamento correcto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão.

2.      A dívida aduaneira considera‑se constituída quer no momento em que cessa o cumprimento da obrigação cujo incumprimento dá origem à dívida aduaneira quer no momento em que a mercadoria foi submetida ao regime aduaneiro em causa quando se verificar a posteriori que não foi, na realidade, cumprida uma das condições fixadas para a sujeição dessa mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais.»

13     No que diz respeito ao registo de liquidação e à comunicação ao devedor do montante dos direitos, o artigo 217.° do mesmo código prevê:

«1.      O montante de direitos de importação ou de direitos de exportação resultante de uma dívida aduaneira, a seguir designado ‘montante de direitos’, deverá ser calculado pelas autoridades aduaneiras logo que estas disponham dos elementos necessários e deverá ser objecto de uma inscrição efectuada por essas autoridades nos registos contabilísticos ou em qualquer outro suporte equivalente (registo de liquidação).

[…]

As autoridades aduaneiras podem não proceder ao registo de liquidação dos montantes de direitos que, em conformidade com o n.° 3 do artigo 221.°, não possam ser comunicados ao devedor na sequência da expiração do prazo previsto.

2.      Os Estados‑Membros determinarão as modalidades práticas do registo de liquidação. Essas modalidades podem diferir consoante as autoridades aduaneiras, tendo em conta as condições em que a dívida aduaneira se constituir, tenham ou não a garantia do pagamento dos montantes em causa.»

14     Nos termos do artigo 218.° do mesmo código:

«1.      Sempre que uma dívida aduaneira se constitui pela aceitação da declaração de uma mercadoria para um regime aduaneiro distinto da importação temporária com isenção parcial dos direitos de importação, ou de qualquer outro acto com os mesmos efeitos jurídicos dessa aceitação, o registo de liquidação do montante correspondente a essa dívida deve ser efectuado logo que o referido montante tenha sido calculado e, o mais tardar, no segundo dia seguinte àquele em que tiver sido dada a autorização de saída da mercadoria.

[…]

3.      Sempre que seja constituída uma dívida aduaneira em condições distintas das previstas no n.° 1, o registo de liquidação do montante correspondente deverá ser efectuado no prazo de dois dias a contar da data em que as autoridades aduaneiras possam:

a)      Calcular o montante dos direitos em causa

e

b)      Determinar o devedor.»

15     O artigo 220.° do código aduaneiro prevê:

«1.      Sempre que o registo de liquidação do montante de direitos resultante de uma dívida aduaneira não tenha sido efectuado em conformidade com o disposto nos artigos 218.° e 219.° ou tenha sido efectuado num nível inferior ao montante legalmente devido, o registo de liquidação do montante de direitos a cobrar ou da parte por cobrar deverá efectuar‑se no prazo de dois dias a contar da data em que as autoridades aduaneiras se tenham apercebido dessa situação e em que possam calcular o montante legalmente devido e determinar o devedor (registo de liquidação a posteriori). Este prazo pode ser prorrogado nos termos do artigo 219.°

2.      […] não se efectuará um registo de liquidação a posteriori quando:

[…]

b)      O registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa‑fé e observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira;

[…]»

16     O artigo 221.° do mesmo código estabelece:

«1.      O montante dos direitos deve ser comunicado ao devedor, de acordo com modalidades adequadas, logo que o respectivo registo de liquidação seja efectuado.

[…]

3.      A comunicação ao devedor não se poderá efectuar após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira. Todavia, se, em virtude de um acto passível de procedimento judicial repressivo, as autoridades aduaneiras não puderam determinar o montante exacto dos direitos legalmente devidos, a referida comunicação será efectuada, na medida em que as disposições em vigor o prevejam após o termo desse prazo de três anos.»

17     O artigo 869.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.° 2913/92 (JO L 253, p. 1), prevê:

«As autoridades aduaneiras decidirão elas próprias não proceder ao registo de liquidação a posteriori dos direitos não cobrados:

[…]

b)      Nos casos em que considerarem estar preenchidas todas as condições referidas no n.° 2, alínea b), do artigo 220.° do código e desde que o montante não cobrado junto de um operador na sequência de um mesmo erro, eventualmente relativo a várias operações de importação ou de exportação, seja inferior a 2 000 [EUR];

[…]»

18     Com o artigo 1.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 1677/98 da Comissão, de 29 de Julho de 1998, que altera o Regulamento n.° 2454/93 (JO L 212, p. 18), os termos «2 000 [EUR]» constantes do referido artigo 869.°, alínea b), foram substituídos pelos termos «50 000 [EUR]».

19     O artigo 871.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2454/93 estabelece:

«Exceptuando os casos previstos no artigo 869.°, quando as autoridades aduaneiras considerarem que estão preenchidas as condições do n.° 2, alínea b), do artigo 220.° do código, ou tiverem dúvidas quanto ao alcance dos critérios dessa disposição em relação ao caso em apreço, essas autoridades transmitirão o caso à Comissão para que este seja resolvido em conformidade com o procedimento previsto nos artigos 872.° a 876.° […]»

20     Segundo o artigo 873.°, primeiro parágrafo, deste mesmo regulamento:

«Após consulta de um grupo de peritos, composto por representantes de todos os Estados‑Membros reunidos no âmbito do comité para analisar o caso em apreço, a Comissão adoptará uma decisão que estabeleça que a situação analisada permite, ou não, que se proceda ao registo de liquidação a posteriori dos direitos em causa.»

 Factos na origem do litígio

21     Uma empresa dinamarquesa (a seguir «empresa importadora») importou da China para a Dinamarca ervilhas‑de‑quebrar congeladas. Até final do ano de 1995, estas mercadorias eram revendidas antes do seu desalfandegamento a um grossista dinamarquês que se encarregava da declaração aduaneira. Este grossista era titular de uma autorização de utilização final, que lhe permitia usufruir de uma taxa zero de direitos de importação em virtude do destino especial da mercadoria.

22     A partir de 1 de Janeiro de 1996, a empresa importadora passou a proceder directamente às formalidades de desalfandegamento. As autoridades aduaneiras de Ballerup (Dinamarca) aceitaram as declarações aduaneiras desta empresa sem examinarem se dispunha de uma autorização de utilização final das mercadorias em questão e continuaram a aplicar a taxa zero de direitos de importação.

23     Em 12 de Maio de 1997, as autoridades aduaneiras de Vejle (Dinamarca) constataram que a empresa importadora não dispunha da referida autorização e rectificaram duas declarações aduaneiras, aplicando uma taxa de 16,8%. A empresa importadora dirigiu‑se então, no mesmo dia, às autoridades aduaneiras de Ballerup, que corrigiram as referidas rectificações e aplicaram de novo a taxa zero sem exigirem a apresentação da autorização de utilização final das mercadorias.

24     Aquando de um controlo a posteriori das vinte e cinco declarações apresentadas entre 9 de Fevereiro de 1996 e 24 de Outubro de 1997, as autoridades aduaneiras competentes verificaram que a empresa importadora não dispunha da autorização exigida para beneficiar do regime de utilização final. Exigiram à empresa o pagamento dos direitos de importação não cobrados, no montante de 509 707,30 DKK (ou seja, cerca de 69 000 EUR).

25     Tendo constatado que a correcção das rectificações efectuadas em 12 de Maio de 1997 podia ter criado a confiança legítima da empresa quanto à correcção do procedimento aduaneiro seguido, as autoridades aduaneiras dinamarquesas perguntaram à Comissão se, de acordo com o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, era justificado não proceder ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação reclamados da empresa relativamente às declarações apresentadas após essa data e representando um montante de 140 409,60 DKK (ou seja, cerca de 19 000 EUR). Por decisão de 19 de Julho de 1999, a Comissão respondeu afirmativamente.

26     Na sua decisão, a Comissão considerou, designadamente, que a correcção, pelas autoridades aduaneiras de Ballerup, em 12 de Maio de 1997, das rectificações efectuadas pelas autoridades aduaneiras de Vejle devia ser considerada um erro cometido pelas autoridades competentes dinamarquesas, que o interessado não podia razoavelmente detectar.

27     Por carta de 21 de Outubro de 1999, a Comissão convidou as autoridades dinamarquesas a colocarem à sua disposição o montante de 140 409,60 DKK de recursos próprios até ao primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês subsequente ao envio daquela carta, ou seja, 20 de Dezembro de 1999, sob pena de passarem a ser devidos os juros de mora previstos pela regulamentação comunitária. Por carta de 15 de Dezembro de 1999, o Governo dinamarquês recusou colocar essa soma à disposição da Comissão.

28     A Comissão desencadeou então o processo de incumprimento previsto no artigo 226.° CE. Após ter notificado o Reino da Dinamarca para apresentar as suas observações, emitiu, em 6 de Abril de 2001, um parecer fundamentado em que convidava este Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para o cumprir no prazo de dois meses a contar da sua notificação.

29     Não tendo ficado satisfeita com a resposta ao seu parecer fundamentado, a Comissão intentou a presente acção.

 Quanto à admissibilidade

30     Precisando que, nos termos do artigo 92.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, compete ao Tribunal de Justiça apreciar oficiosamente a admissibilidade da acção, o Governo alemão alega que o Tribunal de Justiça não é competente para julgar a presente acção.

31     Segundo aquele governo, a presente acção é uma acção de indemnização baseada numa violação do código aduaneiro. Dado que este tipo de acção não está previsto no sistema do Tratado CE, são os tribunais dinamarqueses que têm competência para a julgarem, nos termos do artigo 240.° CE.

32     A este respeito, deve salientar‑se que, com a sua acção, a Comissão censura ao Reino da Dinamarca não ter posto à sua disposição um determinado montante de recursos próprios e os respectivos juros de mora, em violação das disposições da Decisão 94/728 e do Regulamento n.° 1552/89.

33     Com a presente acção, a Comissão pede portanto ao Tribunal que declare que o Reino da Dinamarca não cumpriu uma obrigação que lhe incumbe por força do direito comunitário e não que condene este Estado‑Membro no pagamento de uma indemnização por perdas e danos.

34     Conclui‑se que a acção é admissível.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

35     A Comissão sustenta que os recursos próprios tradicionais, na acepção do artigo 2.° da Decisão 94/728, existem a partir do momento em que se constitui a dívida aduaneira e que, portanto, o montante de 140 409,60 DKK deveria ter sido colocado à disposição da Comissão, nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da referida decisão. Assim, na falta da autorização necessária para beneficiar do regime de utilização final, resulta do artigo 2.° do Regulamento n.° 1552/89 que as autoridades dinamarquesas deveriam ter concluído existir um direito das Comunidades relativamente a estes recursos ao mesmo tempo que deveriam ter aplicado correctamente as disposições aduaneiras, cobrando os direitos aduaneiros.

36     A Comissão precisa que o facto de uma empresa ser exonerada do pagamento dos direitos aduaneiros em conformidade com o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro não tem qualquer efeito sobre a questão de saber se o próprio Estado‑Membro deve pagar o montante em causa à Comunidade. Com efeito, o código aduaneiro só rege as relações entre os operadores económicos e as autoridades nacionais responsáveis pela cobrança dos recursos próprios tradicionais por conta da Comunidade. As relações entre esta e os Estados‑Membros regem‑se pelas disposições relativas ao sistema de financiamento comunitário, ou seja, designadamente, pela Decisão 94/728, pelas disposições de aplicação do Regulamento n.° 1552/89 e pelas obrigações gerais decorrentes do artigo 10.° CE.

37     Embora tenha sido criada uma relação puramente técnica entre estes dois conjuntos de regras, pois o Regulamento n.° 1552/89 refere‑se às etapas que, em conformidade com o código aduaneiro, são percorridas no quadro da constituição e da cobrança de uma dívida aduaneira, estas referências não têm efeitos sobre a questão da responsabilidade financeira das autoridades nacionais para com a Comunidade por erros cometidos na cobrança dos recursos próprios tradicionais. Se um Estado‑Membro não cobrar as referidas receitas, só nos termos do artigo 17.° do Regulamento n.° 1552/89 é que poderá, sob certas condições, ser dispensado de colocar esses recursos à disposição da Comissão.

38     A referência ao código aduaneiro, mais particularmente à fase denominada «registo de liquidação» de uma dívida aduaneira, no artigo 2.° do Regulamento n.° 1552/89, deve, necessariamente, entender‑se como uma referência às condições objectivas impostas pelo dito código para que o registo de liquidação possa ocorrer e não à questão de saber se as autoridades nacionais procederam efectivamente ou não ao registo de liquidação no caso considerado.

39     O Governo dinamarquês reconhece resultar do princípio da lealdade inscrito no artigo 10.° CE que os Estados‑Membros têm o dever de garantir, através de uma organização eficaz da sua administração, que os recursos próprios sejam cobrados correctamente e postos à disposição da Comunidade nos prazos por ela fixados. Se os Estados‑Membros não respeitarem este dever de lealdade, a Comissão poderá intentar uma acção por incumprimento contra os Estados‑Membros por má gestão na cobrança dos recursos próprios.

40     Contudo, a questão que se coloca no presente processo é a de saber quem deve suportar a perda dos recursos próprios causada por erros administrativos inevitáveis, seja qual for a qualidade e a eficácia da máquina administrativa.

41     A este respeito, o Governo dinamarquês considera resultar do princípio da equidade que a perda de recursos próprios sofrida em consequência de erros administrativos deve ser suportada pela Comunidade.

42     Este mesmo governo sustenta resultar do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro que não há lugar a registo de liquidação e, portanto, a cobrança a posteriori dos direitos quando as condições indicadas no referido artigo estiverem preenchidas. Se não houver lugar a registo de liquidação, não haverá qualquer montante a registar nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 1552/82 nem, por consequência, haverá lugar ao apuramento de um direito das Comunidades relativamente aos recursos próprios.

43     O indício mais marcante da existência de uma relação entre o código aduaneiro e as disposições relativas aos recursos próprios reside no facto de ser a Comissão que, em aplicação dos artigos 871.° e 873.° do Regulamento n.° 2454/93, é competente para determinar se os Estados‑Membros podem renunciar a exigir direitos de importação às empresas nos termos do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro. É normal supor que, tendo sido deixada à Comissão a tarefa de decidir se os Estados‑Membros podem não exigir a uma empresa o pagamento de direitos de importação, assim acontece porque a não cobrança dos direitos de importação conduz à perda de um recurso próprio por parte da Comissão.

44     O Governo belga sustenta que, contrariamente ao que afirma a Comissão, o artigo 2.°, n.os 1 e 1A, do Regulamento n.° 1552/89 deve ser lido em conjugação com o código aduaneiro, sob pena de ser esvaziado de conteúdo.

45     O mesmo governo recorda ainda que resulta dos artigos 869.° e 871.° do Regulamento n.° 2454/93 que os Estados‑Membros que tenham dúvidas quanto ao alcance dos critérios do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro têm a faculdade de submeter o caso à Comissão se a dívida aduaneira em jogo não ultrapassar 50 000 EUR e têm a obrigação de submeter o caso à Comissão se a dívida ultrapassar esse montante.

46     Ora, ainda segundo aquele governo, seria contrário às regras baseadas na objectividade e na imparcialidade que a entidade que decide sobre o erro cometido pelas autoridades de um Estado‑Membro também decida a questão da responsabilidade pecuniária desse Estado em função desse mesmo comportamento, qualificado como erro pela referida entidade. Essa concentração de poderes permite duvidar da objectividade dessas decisões, pois os recursos próprios acabariam por ser postos à disposição da Comissão, qualquer que fosse a sua decisão.

47     O Governo alemão salienta que, no que diz respeito ao código aduaneiro e às disposições relativas aos recursos próprios, os artigos 217.° a 219.° do referido código regulam detalhadamente a contabilização dos direitos de importação e de exportação. Esta actividade estritamente interna da Administração Aduaneira visaria essencialmente acelerar a cobrança dos direitos a favor da Comissão. Era por esta razão que o artigo 2.° do Regulamento n.° 1552/89 toma a inscrição contabilística, ou registo de liquidação, como ponto de partida. Para os operadores económicos, em contrapartida, estas disposições só têm uma importância indirecta, porquanto não podem exigir que o montante do direito constituído seja contabilizado.

48     O Governo italiano considera não ser possível deduzir de uma formulação tão ampla e genérica como a do artigo 10.° CE a existência de uma obrigação a cargo dos Estados‑Membros no sentido pretendido pela Comissão.

49     Quanto ao artigo 17.° do Regulamento n.° 1552/89, esta norma pressupõe que o crédito em causa tenha sido contabilizado e, portanto, que a responsabilidade do Estado‑Membro seja limitada a eventuais lacunas no momento da percepção dos direitos já apurados. Esta disposição não regula portanto a hipótese em causa no presente litígio, em que não foi feita a contabilização dos direitos em consequência de um erro das autoridades nacionais que, por seu lado, levou a uma decisão da Comissão no sentido de isentar do pagamento dos direitos em função da confiança legítima, na acepção do artigo 220.°, n.° 2, do código aduaneiro.

50     O Governo neerlandês sustenta que não está prevista na Decisão 94/728, nem pode dela resultar, a responsabilidade dos Estados‑Membros em virtude da qual seriam obrigados, numa situação como a do presente processo, a colocar à disposição da Comissão os montantes que não pudessem ter sido cobrados a posteriori. Para que existisse essa responsabilidade, seria necessária uma disposição expressa da regulamentação aplicável.

51     Ora, o regime do código aduaneiro, interpretado em conjugação com o Regulamento n.° 1552/89 e a Decisão 94/728, não inclui qualquer disposição para o caso em que não tenha havido registo de liquidação nas circunstâncias referidas no artigo 220.°, alínea b), do mesmo código.

52     O Governo português afirma que o direito das Comunidades aos recursos próprios não surge com a constituição da dívida aduaneira, mas no momento em que as condições previstas pela regulamentação aduaneira e relativas à inscrição do montante do direito e à sua comunicação ao devedor estiverem preenchidas e em que o direito possa considerar‑se apurado, em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento n.° 1552/89. Se esse direito não tiver sido apurado ou se o apuramento tiver sido anulado, o pagamento à Comissão dos montantes não cobrados em consequência de erros cometidos pela administração em causa não pode ser efectuado no quadro do Regulamento n.° 1552/89, mas apenas a título de indemnização por perdas e danos, se o direito comunitário a previr.

53     O Governo sueco afirma que as disposições do artigo 2.°, n.os 1, alínea b), e 3, da Decisão 94/728 deixam claramente perceber que são as Comunidades que podem exigir os direitos aduaneiros. Assim, constitui‑se um crédito sobre os direitos aduaneiros entre as Comunidades e cada devedor destes direitos. O Estado‑Membro em causa não é parte nesta relação entre credor e devedor. O papel dos Estados‑Membros é limitarem‑se a assegurar a cobrança dos créditos por conta das Comunidades. O que é atestado pelo facto de a Comissão, e não o Estado‑Membro, ter o poder de decidir não apurar um crédito aduaneiro numa hipótese como a aqui em causa.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

54     A título liminar, deve recordar‑se que, como observou o advogado‑geral no n.° 7 das suas conclusões, decorre do artigo 268.°, terceiro parágrafo, CE, nos termos do qual as despesas e as receitas previstas no orçamento devem estar equilibradas, que receitas deficitárias de um recurso próprio devem ser compensadas quer com outro recurso próprio quer com uma adaptação das despesas.

55     Deve ainda recordar‑se que, como resulta do artigo 8.°, n.° 1, da Decisão 94/728, os recursos próprios das Comunidades referidos no artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e b), da referida decisão são cobrados pelos Estados‑Membros e que estes têm a obrigação de colocar os recursos próprios da Comunidade à disposição da Comissão. A título de despesas de cobrança, os Estados‑Membros retêm, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, da mesma decisão, 10% dos montantes a pagar ao abrigo do n.° 1, alíneas a) e b), do mesmo artigo, percentagem essa que foi aumentada para 25% relativamente aos montantes apurados depois de 31 de Dezembro de 2000, por força do artigo 2.°, n.° 3, da Decisão 2000/597.

56     Além disso, deve salientar‑se que, no caso concreto, nem a existência de uma dívida aduaneira nem o montante em litígio são contestados.

57     O artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89 precisa que os Estados‑Membros devem apurar o direito da Comunidade aos recursos próprios «assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor».

58     Resulta do teor desta disposição que a obrigação de os Estados‑Membros apurarem um direito das Comunidades relativamente aos recursos próprios se constitui a partir do momento em que as referidas condições previstas pela regulamentação aduaneira estejam preenchidas e que, portanto, não é necessário que o registo de liquidação tenha efectivamente ocorrido.

59     Tal como resulta dos artigos 217.°, 218.° e 221.° do código aduaneiro, estas condições estão preenchidas quando as autoridades aduaneiras dispuserem dos elementos necessários e, portanto, estiverem em condições de calcular o montante dos direitos resultante de uma dívida aduaneira e de determinar o devedor (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Abril de 2005, Comissão/Países Baixos, C‑460/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 71, e Comissão/Alemanha, C‑104/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 80).

60     A este respeito, deve recordar‑se que os Estados‑Membros têm a obrigação de apurar os recursos próprios das Comunidades (v. acórdãos de 16 de Maio de 1991, Comissão/Países Baixos, Colect., p. I‑2461, n.° 38, e Comissão/Alemanha, já referido, n.° 45). Com efeito, o artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros não podem deixar de apurar os créditos, mesmo que os contestem, sob pena de se aceitar que o equilíbrio financeiro das Comunidades seja perturbado pelo comportamento de um Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Maio de 1991, Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 37, e de 15 de Junho de 2000, Comissão/Alemanha, C‑348/97, Colect., p. I‑4429, n.° 64).

61     Daqui decorre que os Estados‑Membros são obrigados a apurar um direito das Comunidades aos recursos próprios a partir do momento em que as suas autoridades estejam em condições de calcular o montante dos direitos resultante de uma dívida aduaneira e de determinar o devedor.

62     Esta conclusão não é infirmada pelo artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro. Esta disposição tem como objectivo proteger a confiança legítima do devedor quanto à exactidão do conjunto dos elementos que estão na base da decisão de proceder ou não à liquidação a posteriori dos direitos aduaneiros [v., no que respeita às disposições do artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1697/79 do Conselho, de 24 de Julho de 1979, relativo à cobrança «a posteriori» dos direitos de importação ou dos direitos de exportação que não tenham sido exigidos ao devedor por mercadorias declaradas para um regime aduaneiro que implica a obrigação de pagamento dos referidos direitos (JO L 197, p. 1; EE 02 F6 p. 54), reproduzidas no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, acórdãos de 27 de Junho de 1991, Mecanarte, C‑348/89, Colect., p. I‑3277, n.° 19, e de 14 de Novembro de 2002, Ilumitrónica, C‑251/00, Colect., p. I‑10433, n.° 39]. E regula os casos em que as autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros não podem proceder a um registo de liquidação a posteriori dos direitos em causa, nem, portanto, a uma cobrança a posteriori, mas não isenta os Estados‑Membros da sua obrigação de apurar o direito das Comunidades relativo aos recursos próprios.

63     A existência desta distinção entre as regras relativas à obrigação de apurar o direito das Comunidades relativo aos recursos próprios e as relativas à possibilidade de os Estados‑Membros cobrarem os direitos já foi admitida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 7 de Setembro de 1999, De Haan (C‑61/98, Colect., p. I‑5003). A este respeito, embora a inobservância dos prazos previstos pela regulamentação aduaneira comunitária por parte das autoridades aduaneiras nacionais possa dar origem ao pagamento de juros de mora à Comunidade por parte do Estado‑Membro em causa, no âmbito da colocação à disposição dos recursos próprios, não põe em causa a exigibilidade da dívida aduaneira nem o direito destas autoridades procederem à cobrança a posteriori no prazo de três anos previsto pelo artigo 221.°, n.° 3, do código aduaneiro, tal como resulta do n.° 24 do acórdão De Haan, já referido. Da mesma forma, embora um erro cometido pelas autoridades aduaneiras de um Estado‑Membro tenha como efeito que o devedor não tenha de pagar o montante dos direitos em causa, não pode pôr em causa a obrigação de o referido Estado‑Membro pagar juros de mora bem como os direitos que deviam ter sido apurados, no quadro da colocação à disposição dos recursos próprios.

64     No que diz respeito ao argumento dos Governos dinamarquês e belga, baseado no facto de a Comissão, no quadro do processo previsto nos artigos 871.° e 873.° do Regulamento n.° 2454/93, ter consentido na aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, deve salientar‑se que o referido processo não diz respeito à obrigação de os Estados‑Membros apurarem o direito das Comunidades relativo aos recursos próprios. Com efeito, a finalidade dos artigos 871.° e 873.° do Regulamento n.° 2454/93 consiste em garantir a aplicação uniforme do direito comunitário (v., neste sentido, acórdão Mecanarte, já referido, n.° 33), bem como, conjuntamente com o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, a confiança legítima do devedor (v. n.° 62 do presente acórdão).

65     Além disso, o facto de os interesses financeiros das Comunidades não estarem em jogo no quadro do procedimento previsto nos artigos 871.° e 873.° do Regulamento n.° 2454/93, porque, em qualquer caso, o direito destas aos recursos próprios em causa deve ser apurado, garante que a Comissão possa agir de forma desinteressada e imparcial no quadro do referido processo.

66     Além disso, por força do artigo 17.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1552/89, os Estados‑Membros são obrigados a tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados em conformidade com o artigo 2.° do mesmo regulamento sejam colocados à disposição da Comissão. Os Estados‑Membros só podem deixar de o fazer se a cobrança não puder ter sido feita por razões de força maior ou quando se verifique que é definitivamente impossível proceder à cobrança por razões que lhes não podem ser imputadas.

67     Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que existe um nexo indissociável entre a obrigação de apurar os recursos próprios comunitários, a de as inscrever na conta da Comissão nos prazos fixados e a de pagar juros de mora; por outro lado, estes últimos são exigíveis qualquer que seja a razão do atraso com que estes recursos sejam creditados na conta da Comissão. Daqui resulta que não se pode distinguir entre a hipótese em que o Estado‑Membro apurou os recursos próprios sem os pagar e aquela em que indevidamente omitiu o seu apuramento, mesmo na falta de prazo imperativo (v., designadamente, acórdão de 16 de Maio de 1991, Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 38).

68     Assim, os Estados‑Membros são obrigados a apurar o direito das Comunidades relativo aos recursos próprios desde que as suas autoridades aduaneiras disponham dos elementos necessários e, portanto, estejam em condições de calcular o montante dos direitos resultante de uma dívida aduaneira e de determinar o devedor, independentemente da questão de saber se os critérios para aplicação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro estão preenchidos e, portanto, se se pode ou não proceder ao registo de liquidação e à cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros em causa. Nestas condições, um Estado‑Membro que não proceda ao apuramento do direito das Comunidades relativamente aos recursos próprios e que não coloque o montante correspondente à disposição da Comissão, sem que se verifique uma das condições previstas no artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1552/89, não cumpre as suas obrigações decorrentes do direito comunitário, designadamente, dos artigos 2.° e 8.° da Decisão 94/728.

69     Quanto ao artigo 10.° CE, igualmente invocado pela Comissão, não há que declarar um incumprimento das obrigações gerais contidas nas disposições deste artigo, distinto do incumprimento declarado das obrigações comunitárias mais específicas que incumbem ao Reino da Dinamarca, designadamente, por força dos artigos 2.° e 8.° da Decisão 94/728.

70     Assim, deve declarar‑se que, não tendo as autoridades dinamarquesas colocado à disposição da Comissão o montante de 140 409,60 DKK a título de recursos próprios e os juros de mora correspondentes contados a partir de 20 de Dezembro de 1999, o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e, designadamente não observou os artigos 2.° e 8.° da Decisão 94/728.

 Quanto às despesas

71     Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino da Dinamarca e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Em conformidade com o artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervenham no litígio suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      Não tendo as autoridades dinamarquesas colocado à disposição da Comissão das Comunidades Europeias o montante de 140 409,60 DKK a título de recursos próprios e os juros de mora correspondentes contados a partir de 20 de Dezembro de 1999, o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e, designadamente, não observou os artigos 2.° e 8.° da Decisão 94/728/CE, Euratom do Conselho, de 31 de Outubro de 1994, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias.

2)      O Reino da Dinamarca é condenado nas despesas.

3)      O Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos, a República Portuguesa e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: dinamarquês.