Processo C‑292/02

Meiland Azewijn BV

contra

Hauptzollamt Duisburg

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf)

«Impostos especiais sobre o consumo – Óleos minerais utilizados para trabalhos agrícolas – Directiva 92/81/CEE – Artigo 8.°‑A – Marcação no Estado‑Membro de introdução no consumo – Proibição de marcação no Estado‑Membro de utilização – Directiva 95/60/CE»

Sumário do acórdão

Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais – Directiva 92/81 – Óleos minerais, marcados ou não, introduzidos no consumo num Estado‑Membro e contidos nos depósitos normais de veículos automóveis utilitários, incluindo as máquinas agrícolas – Utilização como carburante, para fins de propulsão ou outros, nos mesmos veículos – Sujeição a impostos especiais sobre o consumo noutro Estado‑Membro – Proibição – Possibilidade de os particulares invocarem o artigo 8.º‑A da Directiva 92/81 perante o juiz nacional

(Directiva 92/81 do Conselho, artigo 8.º‑A, n.º 1)

O artigo 8.°‑A, n.º 1, da Directiva 92/81, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais, deve ser entendido no sentido de que proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a impostos especiais de consumo o óleo mineral, marcado ou não, contido no depósito normal de um veículo automóvel utilitário, incluindo uma máquina agrícola, e utilizado como carburante não apenas para fazer andar esse veículo, mas também para outros fins, como trabalhos agrícolas, quando esse óleo mineral tenha sido legalmente introduzido no consumo noutro Estado‑Membro.

Efectivamente, resulta da letra deste artigo, segundo o qual os óleos minerais introduzidos no consumo num Estado‑Membro, contidos nos depósitos principais dos veículos automóveis utilitários e destinados a serem utilizados como carburante por esses mesmos veículos, não ficam sujeitos a impostos especiais de consumo noutro Estado‑Membro, examinado à luz dos seus objectivos, a saber, a protecção da liberdade de circulação de pessoas e bens e a preocupação de evitar duplas tributações, que o referido artigo deve ser interpretado de forma ampla. Além disso, um Estado‑Membro não pode, baseando‑se na sua própria regulamentação, proibir a utilização de óleo mineral marcado como carburante no depósito normal de veículos automóveis utilitários provenientes de outro Estado‑Membro que autoriza essa prática.

A referida proibição é, por outro lado, suficientemente clara, precisa e incondicional para poder ser invocada por particulares perante o juiz nacional a fim de se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com a mesma.

(cf. n.os 41, 54, 55, 61, 62, disp. 1, 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
9 de Setembro de 2004(1)

«Impostos especiais sobre o consumo – Óleos minerais utilizados para trabalhos agrícolas – Directiva 92/81/CEE – Artigo 8.°-A – Marcação no Estado-Membro de introdução no consumo – Proibição de marcação no Estado-Membro de utilização – Directiva 95/60/CE»

No processo C-292/02,que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE,apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf (Alemanha), por despacho de 6 de Agosto de 2002, entrado em 13 de Agosto de 2002, no processo

Meiland Azewijn BV

contra

Hauptzollamt Duisburg,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),,



composto por: P. Jann, presidente de secção, S. von Bahr (relator) e R. Silva de Lapuerta, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Novembro de 2003,vistas as observações apresentadas:

em representação da Meiland Azewijn BV, por A. M. Crämer, Rechtsanwalt, e F. Kuiper, advocaat,

em representação do Hauptzollamt Duisburg, por R. Frind, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Gross, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões apresentadas na audiência de 15 de Janeiro de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial respeita à interpretação do artigo 8.°‑A da Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 12), alterada pela Directiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 365, p. 46, a seguir «Directiva 92/81»).

2
Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Meiland Azewijn BV ao Hauptzollamt Duisburg a respeito do pagamento de um imposto especial sobre o consumo do óleo mineral contido no depósito de combustível de uma máquina agrícola atestado nos Países Baixos, tendo a máquina agrícola sido em seguida utilizada na Alemanha.


Enquadramento jurídico

A regulamentação comunitária

A Directiva 92/12

3
A Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), alterada pela Directiva 92/108/CEE do Conselho, de 14 de Dezembro de 1992 (JO L 390, p. 124, a seguir «Directiva 92/12»), estabelece nomeadamente o regime geral relativo às condições de exigibilidade dos impostos especiais de consumo.

4
Nos termos do artigo 7, n.os 1 e 2, da Directiva 92/12:

«1.     No caso de os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado‑Membro serem detidos para fins comerciais noutro Estado‑Membro, o imposto será cobrado no Estado‑Membro em que os produtos são detidos.

2.       Para tal, e sem prejuízo do disposto no artigo 6.°, sempre que os produtos já introduzidos no consumo num Estado‑Membro, tal como definido no artigo 6.°, sejam entregues ou se destinem a ser entregues noutro Estado‑Membro ou afectos, noutro Estado‑Membro, às necessidades de um operador que exerça uma actividade económica independente ou às necessidades de um organismo de direito público, o imposto torna‑se exigível nesse outro Estado‑Membro.»

A Directiva 92/81

5
A Directiva 92/81 define as regras específicas relativas aos impostos especiais sobre o consumo de óleos minerais.

6
O artigo 8.°, n.° 2, dessa directiva prevê:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros podem aplicar isenções ou reduções totais ou parciais da taxa do imposto especial de consumo aos óleos minerais ou a outros produtos destinados aos mesmos fins sob controlo fiscal.

[…]

f)       Exclusivamente nas actividades agrícola e hortícola, na silvicultura e na piscicultura de água doce.»

7
Segundo os termos do artigo 8.°, n.° 8, da Directiva 92/81:

«Os Estados‑Membros têm a faculdade de concretizar as isenções ou as reduções das taxas do imposto especial de consumo previstas no n.° 4 através do reembolso do imposto já pago.»

8
O artigo 8.°‑A da Directiva 92/81, aditado pelo artigo 2.° da Directiva 94/74, dispõe:

«1.     Os óleos minerais introduzidos no consumo num Estado‑Membro, contidos nos depósitos principais dos veículos automóveis utilitários e destinados a serem utilizados como carburante por esses mesmos veículos, bem como nos contentores especiais destinados a utilização especial do veículo e ao funcionamento durante o transporte de sistemas especiais, não ficam sujeitos a impostos especiais de consumo noutro Estado‑Membro.

2.       Para efeitos do presente artigo, entende‑se por:

‘reservatórios normais’:

Os reservatórios fixados com carácter permanente pelo construtor em todos os veículos automóveis do mesmo tipo que permitem a utilização directa do carburante, tanto para a tracção dos veículos como, se for caso disso, para o funcionamento dos sistemas de refrigeração ou de outros equipamentos durante o transporte.

Consideram‑se igualmente reservatórios normais os reservatórios a gás adaptados aos veículos a motor que permitam a utilização directa do gás como carburante, bem como os reservatórios para outros dispositivos com os quais os veículos a motor possam ser eventualmente equipados,

[…]»

A Directiva 94/74

9
O décimo nono considerando da Directiva 94/74 enuncia os objectivos do artigo 8.°‑A da Directiva 92/81:

«[…] que é conveniente prever expressamente que os óleos minerais introduzidos no consumo num Estado‑Membro, contidos nos depósitos dos veículos automóveis e destinados a serem consumidos como carburantes por esses veículos, ficam isentos do imposto especial de consumo noutro Estado‑Membro a fim de não entravar a livre circulação das pessoas e dos bens e de não dar origem a duplas tributações.»

A Directiva 95/60

10
A Directiva 95/60/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 1995, relativa à marcação para efeitos fiscais do gasóleo e do querosene (JO L 291, p. 46), foi adoptada em conformidade com as disposições do artigo 9.° da Directiva 92/81.

11
Os primeiro e terceiro considerandos da Directiva 95/60 enunciam:

«[…] as medidas comunitárias previstas na presente directiva são não apenas necessárias como também indispensáveis para a realização dos objectivos do mercado interno; […] esses objectivos não podem ser alcançados pelos Estados‑Membros individualmente; […] a sua realização à escala comunitária já foi prevista na Directiva 92/81/CEE, nomeadamente no seu artigo 9.°;

[…]

[…] o funcionamento adequado do mercado interno exige agora o estabelecimento de um regime comum de marcação para efeitos fiscais do gasóleo e do querosene que não sejam tributados à taxa normal aplicável a esses óleos minerais utilizados como carburante de propulsão.»

12
Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 95/60:

«Sem prejuízo das disposições nacionais em matéria de marcação para efeitos fiscais, os Estados‑Membros devem aplicar um marcador para efeitos fiscais, em conformidade com o disposto na presente directiva:

a todos os tipos de gasóleo do código NC 2710 00 69 introduzidos no consumo, na acepção do artigo 6.° da Directiva 92/12/CEE, que tenham sido isentos de imposto especial sobre o consumo ou sujeitos a uma taxa de imposto diferente da prevista no n.° 1 do artigo 5.° da Directiva 92/82/CEE.»

13
O artigo 3.° da Directiva 95/60 dispõe:

«Os Estados‑Membros devem adoptar as medidas necessárias para evitar a utilização abusiva dos produtos marcados, nomeadamente para que os óleos minerais em questão não possam ser utilizados como carburante nos motores de veículos destinados a circular na via pública nem ser conservados nos seus reservatórios, a menos que essa utilização seja autorizada em casos específicos determinados pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros.

Os Estados‑Membros devem dispor que a utilização dos referidos óleos minerais nos casos indicados no primeiro parágrafo é considerada uma infracção do respectivo direito nacional. Cada Estado‑Membro deve adoptar as medidas necessárias para assegurar a plena aplicação de todas as disposições da presente directiva, nomeadamente determinando as sanções a aplicar em caso de violação dessas medidas; estas sanções devem ser proporcionais ao objectivo a atingir e ter um carácter dissuasor.»

As regulamentações nacionais

A regulamentação neerlandesa

14
O artigo 27.°, n.° 3, da Wet op de accijns (lei relativa aos impostos especiais de consumo), de 31 de Outubro de 1991 (Stbl. 1991, p. 561), prevê uma taxa do imposto especial de consumo reduzida para o gasóleo não destinado à propulsão de veículos automóveis que circulem na via pública, sob condição de o gasóleo estar munido dos marcadores prescritos.

15
O artigo 91.°, n.° 2, alínea a), da referida lei proíbe a conservação de gasóleo marcado nos depósitos dos veículos automóveis, com excepção dos «veículos automóveis que não circulem na rede viária», em conformidade com o n.° 3, alínea a), dessa disposição. Além disso, o n.° 3, alínea b), do mesmo artigo permite introduzir derrogações, através de uma medida administrativa de carácter geral, relativamente aos veículos que não sejam habitualmente utilizados na via pública.

16
O artigo 40.° do Uitvoeringsbesluit accijns (regulamento de aplicação da lei relativa aos impostos especiais de consumo), de 20 de Dezembro de 1991 (Stbl. 1991, p. 754), adoptado ao abrigo do referido artigo 91.°, n.° 3, alínea b), precisa, assim, a categoria de veículos automóveis isentos, entre os quais figuram os veículos automóveis destinados a ser utilizados fora da rede viária, na agricultura ou na silvicultura e que só circulam na via pública para serem mudados para outro local de trabalho.

A regulamentação alemã

17
O § 19, n.° 2, da Mineralölsteuergesetz (lei relativa ao imposto sobre os óleos minerais), de 21 de Dezembro de 1992 (BGBl. 1992 I, p. 2185, rectificação no BGBl. 1993 I, p. 169), na versão resultante da Gesetz für den Vorrang Erneuerbarer Energien (lei sobre as energias renováveis), de 29 de Março de 2000 (BGBl. I, p. 305, a seguir «MinöStG»), prevê, em derrogação da regra geral relativa à constituição da dívida fiscal, que, aquando da introdução no território fiscal, para fins comerciais, de um óleo mineral proveniente de outro Estado‑Membro, não é devido qualquer imposto sobre o carburante contido nomeadamente nos depósitos normais dos meios de transporte que não sejam barcos de recreio, dos contentores para fins especiais e dos veículos agrícolas e florestais.

18
Essa disposição não exclui, porém, a cobrança de imposto nos casos mencionados no § 26, n.os 4 a 6, da MinöStG.

19
O § 26, n.° 4, da MinöStG proíbe a utilização de gasóleo marcado como carburante para propulsão de máquinas agrícolas.

20
O § 26, n.° 5, segundo período, da MinöStG prevê uma excepção à tributação desse gasóleo marcado, mas apenas em casos especiais que não cobrem a utilização regular do referido óleo como carburante.

21
Nos termos do § 26, n.° 6, da MinöStG, o gasóleo marcado utilizado em violação do n.° 4 dessa disposição está sujeito a imposto. Este é aplicado, no mínimo, às quantidades correspondentes à capacidade do depósito de carburante ou dos depósitos normais do veículo ou da máquina de tracção. O imposto é imediatamente exigível.


O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

22
A empresa Bod Giesen VOF, que se fundiu com a Meiland Azewijn BV em Maio de 2002 (a seguir «Meiland», para designar as duas empresas antes e depois da fusão), explorava desde 1991, nos Países Baixos, uma empresa de prestação de serviços agrícolas que empregava cerca de uma dezena de pessoas. Dois terços da clientela dessa empresa estavam situados nos Países Baixos e um terço na Alemanha.

23
Todas as máquinas agrícolas utilizadas pela Meiland no quadro da sua actividade eram abastecidas de carburante à noite, muitas vezes quando ainda não era conhecido o local onde as máquinas seriam utilizadas no dia seguinte. Efectivamente, podia acontecer os clientes desistirem do serviço à última hora devido às condições meteorológicas ou ser necessário substituir maquinaria entretanto avariada.

24
Era materialmente impossível, nomeadamente durante períodos de colheita em que a empresa trabalhava sob pressão, proceder à substituição do gasóleo marcado, legalmente utilizável como carburante nos Países Baixos, por gasóleo não marcado, único utilizável na Alemanha, pois era demasiado moroso esvaziar ou trocar depósitos. Acresce que, no caso de os depósitos serem esvaziados, não estava eliminada a hipótese de subsistirem vestígios de gasóleo marcado. Essas dificuldades tornavam‑se ainda maiores devido ao facto de alguns veículos serem utilizados no mesmo dia em ambos os Estados‑Membros.

25
Dada a sua dimensão, a Meiland também não podia afectar as suas máquinas agrícolas apenas ao mercado alemão.

26
Em 29 de Setembro de 2000, na localidade de Klein‑Netterden (Alemanha), próximo da fronteira germano‑neerlandesa, funcionários do Hauptzollamt Duisburg procederam ao controlo de dois tractores e de uma ceifeira‑debulhadora, que a Meiland fornecera para a colheita de milho. As máquinas funcionavam com gasóleo marcado. A capacidade dos respectivos depósitos era de 135, 165 e 850 litros.

27
No mesmo dia, o Hauptzollamt Duisburg emitiu um aviso de liquidação nos termos do qual exigia à Meiland o pagamento de um imposto sobre os óleos minerais, no montante de 851 DEM. Este imposto havia sido calculado em função da capacidade dos depósitos e da taxa então aplicável, isto é 740 DEM por 1 000 litros, nos termos das disposições do § 26, n.° 6, da MinöStG.

28
A Meiland reclamou do aviso de liquidação, alegando que o mesmo era contrário ao direito comunitário.

29
Por decisão de 18 de Janeiro de 2001, o Hauptzollamt Duisburg indeferiu a reclamação por considerá‑la infundada, dado que, no território fiscal alemão, o gasóleo marcado só podia ser utilizado para aquecimento, por força do disposto na MinöStG. Por conseguinte, em princípio, nos termos do § 26, n.° 5, dessa lei , era proibido utilizar gasóleo marcado proveniente de outros Estados‑Membros para a propulsão de máquinas agrícolas.

30
A Meiland recorreu dessa decisão para o Finanzgericht Düsseldorf, alegando que a tributação a que havia sido sujeita na Alemanha conduzia a uma dupla tributação, pois não tinha em conta o imposto já pago nos Países Baixos.

31
Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação alemã aplicada no caso do processo principal está em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 1.° e 3.° da Directiva 95/60, mas pode ser contrária a outras disposições de direito derivado ou do Tratado CE, em particular ao artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81.

32
Foi nestas condições que o Finanzgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as cinco questões prejudiciais seguintes:

«1)
Deve o artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81/CEE ser interpretado no sentido de que isenta de imposto especial sobre o consumo o óleo mineral destinado a ser utilizado como carburante no Estado‑Membro para onde é transportado no reservatório normal de um veículo automóvel utilitário, após já ter sido introduzido no consumo noutro Estado‑Membro?

2)
Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81/CEE é directamente aplicável à demandante, atendendo ao regime previsto pelo § 19, n.° 2 [da MinöStG]?

3)
Os procedimentos administrativos e de controlo relativos à redução da taxa do imposto especial sobre o consumo, prevista pelo artigo 8.°, n.° 2, alínea f), da Directiva 92/81/CEE [na versão originária], devem decorrer de acordo com o artigo 8.°, n.° 8, da mesma directiva, sem aplicação de um marcador, ou de acordo com o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 95/60/CE?

4)
Caso se responda à terceira questão no sentido de que, numa situação comparável ao caso em litígio, os Estados‑Membros que fazem uso da faculdade conferida pelo artigo 8.°, n.° 2, alínea f), da Directiva 92/81/CEE [na versão originária], são obrigados a conceder reduções da taxa do imposto também sob a forma de um reembolso do imposto já pago, a liberdade de prestação de serviços é violada se a redução da taxa do imposto especial de consumo para a actividade agrícola estiver ligada a um regime de marcação, previsto no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 95/60/CE, não aplicado neste contexto por outros Estados‑Membros, os quais, além do mais, cominam sanções em matéria de imposto especial sobre o consumo caso seja utilizado um marcador não previsto na sua ordem jurídica?

5)
Em caso de resposta afirmativa à quarta questão, a violação da liberdade de prestação de serviços exclui o direito de tributar ou, para beneficiar de isenção do referido imposto, deve a interessada adquirir óleo mineral não marcado e requerer o reembolso do imposto especial sobre o consumo pago no Estado‑Membro onde obtém o gasóleo marcado, tributado a uma taxa reduzida?»


Quanto às questões prejudiciais

Observação preliminar

33
As três últimas questões foram colocadas para o caso de uma das duas primeiras ter resposta negativa. Respeitam, em particular, às disposições de direito derivado em matéria de marcação do óleo mineral e destinam‑se a saber se se deve dar prioridade a certas disposições das Directivas 95/60 e 92/81, quando as regras de transposição adoptadas pelos Estados‑Membros conduzam a situações contraditórias e a uma violação da liberdade de prestação de serviços. Versam igualmente sobre as consequências que daí decorrem para os interessados no tocante ao pagamento ou ao reembolso dos impostos especiais de consumo, respectivamente, reclamados ou pagos.

Quanto à primeira questão

34
Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81 deve ser interpretado no sentido de que proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a impostos especiais de consumo o óleo mineral contido no depósito normal dos veículos automóveis utilitários e utilizado como carburante, quando esse óleo mineral tenha sido legalmente introduzido no consumo noutro Estado‑Membro.

35
A este respeito, deve recordar‑se que o artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Directiva 92/12 estabelece a regra geral de que um produto sujeito a impostos especiais de consumo, introduzido no consumo num Estado‑Membro e detido para fins comerciais noutro Estado‑Membro, é tributado neste último Estado‑Membro. O local da exigibilidade do imposto é, deste modo, o Estado‑Membro de destino do produto e não o da introdução no consumo.

36
Todavia, a Directiva 92/81 prevê uma regra específica aplicável aos impostos especiais de consumo sobre os óleos minerais. O artigo 8.°‑A, n.° 1, dessa directiva dispõe que os óleos minerais introduzidos no consumo num Estado‑Membro, contidos no depósito normal de veículos automóveis utilitários e destinados a ser utilizados como carburante por esses mesmos veículos não estão sujeitos a impostos especiais de consumo noutro Estado‑Membro. Daí decorre que, em caso de deslocação desses veículos para outro Estado‑Membro para aí serem utilizados, o local de exigibilidade do imposto especial de consumo é o Estado‑Membro onde o óleo mineral foi introduzido no consumo e não aquele onde é utilizado o veículo que o contém.

37
Resulta, porém, das observações formuladas em especial pelo órgão jurisdicional de reenvio e pelo Hauptzollamt Duisburg que estes tiveram algumas dúvidas acerca do alcance exacto do artigo 8.°‑A da Directiva 92/81.

38
As suas dúvidas referem‑se a três pontos. O primeiro diz respeito ao sentido a dar ao conceito de «veículos automóveis utilitários», o segundo diz respeito à utilização do carburante no Estado‑Membro para onde o veículo é deslocado; e o terceiro diz respeito a eventuais contradições ligadas ao facto de os Estados‑Membros terem adoptado diferentes modalidades de aplicação da regra enunciada no referido artigo 8.°‑A e de outras regras de direito derivado.

39
No tocante ao primeiro ponto, relativo ao sentido a dar ao conceito de «veículos automóveis utilitários», a questão reside em saber se esse conceito abrange certas máquinas agrícolas. Ao referir as definições do conceito de «veículos automóveis utilitários» utilizadas noutros diplomas de direito derivado, o Hauptzollamt Duisburg sustenta, por seu lado, que apenas são visados os veículos rodoviários que transportam pessoas e mercadorias, não estando portanto abrangidas as máquinas em causa no processo principal, ou seja, dois tractores e uma ceifeira‑debulhadora. Os diplomas pertinentes eram mais particularmente a Directiva 68/297/CEE do Conselho, de 19 de Julho de 1968, relativa à uniformização das disposições relativas à admissão com franquia do carburante contido nos reservatórios dos veículos automóveis utilitários (JO L 175, p. 15; EE 07 F1 p. 111), e o Regulamento (CEE) n.° 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 105, p. 1; EE 02 F9 p. 276).

40
A este respeito, importa referir que, embora o artigo 8.°‑A não contenha uma definição do conceito de «veículos automóveis utilitários», tal não significa que as definições contidas noutros diplomas de direito derivado sejam pertinentes. Como o advogado‑geral salientou no n.° 44 das suas conclusões, as duas definições invocadas pelo Hauptzollamt Duisburg não são equivalentes e os diplomas em que estão incluídas prosseguem objectivos diferentes do da Directiva 92/81. Nestas condições, não se deve recorrer a esses diplomas para determinar o sentido do conceito «veículos automóveis utilitários», mais sim à economia e à finalidade da disposição em que figura.

41
Ora, resulta da letra do artigo 8.°‑A da Directiva 92/81, examinado à luz dos seus objectivos tal como estão enunciados no décimo nono considerando da Directiva 94/74, a saber, a protecção da liberdade de circulação de pessoas e bens e a preocupação de evitar duplas tributações, que essa disposição deve ser interpretada de forma ampla.

42
Segue‑se que a interpretação restritiva do conceito de «veículo automóvel utilitário» proposta pelo Hauptzollamt Duisburg não pode ser acolhida. Pelo contrário, deve considerar‑se que o referido artigo abrange as máquinas agrícolas que utilizem óleos minerais como carburante.

43
No tocante ao segundo ponto, relativo à utilização do carburante no Estado‑Membro para onde o veículo foi deslocado, o mesmo respeita mais particularmente à questão de saber se a regra do artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81 se aplica apenas no caso de o óleo mineral que serve de carburante ser exclusivamente utilizado para fazer andar o veículo e o deslocar para outro Estado‑Membro ou se também se aplica quando, além disso, o óleo mineral serve para outros fins, como a execução de trabalhos agrícolas nesse outro Estado‑Membro.

44
Como o advogado‑geral referiu nos n.os 36 e 37 das suas conclusões, a interpretação defendida pelo Hauptzollamt Duisburg segundo a qual o carburante só pode ser utilizado para a propulsão de um veículo automóvel utilitário e para a introdução deste último noutro Estado‑Membro, com exclusão de qualquer outra actividade nesse Estado, é indevidamente restritiva e contraria os objectivos recordados no n.° 41 do presente acórdão.

45
Importa, por conseguinte, considerar que a regra do artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81 não está limitada aos casos em que o veículo tenha sido simplesmente introduzido noutro Estado‑Membro, sendo igualmente aplicável quando o carburante seja utilizado para outros fins, como trabalhos agrícolas.

46
No tocante ao terceiro ponto, o mesmo versa sobre a questão de saber se é possível interpretar de forma ampla o referido artigo 8.°‑A, mesmo quando essa interpretação colide, na prática, com a aplicação de outras disposições dessa directiva e da Directiva 95/60.

47
Assim, no despacho de reenvio, o Finanzgericht Düsseldorf menciona que, segundo a regulamentação neerlandesa, o gasóleo utilizado nas máquinas agrícolas beneficia de um regime de redução da taxa do imposto especial de consumo e deve obrigatoriamente ser marcado, enquanto, nos termos da regulamentação alemã, uma vez que o gasóleo utilizado para os mesmos fins está sujeito a um sistema de reembolso do imposto especial de consumo, a sua marcação é expressamente proibida.

48
Importa referir que dos diferentes regimes adoptados pela República Federal da Alemanha e pelo Reino dos Países Baixos com fundamento nas Directivas 92/81 e 95/60 resulta que o óleo mineral marcado é legalmente vendido nos Países Baixos para efeitos de utilização como carburante nas máquinas agrícolas, ao passo que, na Alemanha, é proibido utilizar esse produto para tais fins, se for marcado, sendo qualquer utilização ilegal punida com a aplicação de um imposto especial de consumo.

49
Essa diferença explica‑se pelo facto de, ao abrigo do artigo 8.°, n.° 2, alínea f), da Directiva 92/81, o Reino dos Países Baixos ter optado por reduzir a taxa do imposto especial sobre o consumo dos óleos minerais em causa e controlar o uso que deles é feito através de uma marcação, ao abrigo das disposições do artigo 1.° da Directiva 95/60. Diversamente, uma vez que a República Federal da Alemanha previu um sistema de reembolso do imposto especial de consumo, ao abrigo do referido artigo 8.°, n.° 2, alínea f), e do artigo 8.°, n.° 8, da Directiva 92/81, o óleo mineral em causa não é objecto de uma redução especial quando da sua introdução no consumo, não sendo, por conseguinte, necessário marcar o produto. Contrariamente, na medida em que aplica um sistema de reembolso, a República Federal da Alemanha deve assegurar‑se de que o óleo mineral não foi comprado a uma taxa reduzida. Para esse efeito, proíbe a utilização de óleo mineral marcado, sinal de que foi comprado a uma taxa de imposto de consumo especial reduzida, prevendo a aplicação de uma sanção com fundamento no artigo 3.° da Directiva 95/60.

50
Para resolver as contradições a que possam dar lugar as medidas de transposição do direito derivado, nomeadamente num caso como o do processo principal em que a empresa em causa, a Meiland, é proibida de utilizar, na Alemanha, como carburante no depósito das suas máquinas agrícolas óleo mineral marcado, legalmente comprado nos Países Baixos, há que interpretar as disposições da Directiva 95/60 relativas aos procedimentos de marcação e aos controlos à luz dos objectivos dessa directiva bem como da Directiva 92/81 e da economia das suas disposições.

51
A este respeito, importa sublinhar que a Directiva 95/60, relativa à marcação para efeitos fiscais, foi adoptada em conformidade com as disposições do artigo 9.° da Directiva 92/81. Tal como resulta dos seus primeiro e terceiro considerando, o objectivo da Directiva 95/60, longe de contrariar o da Directiva 92/81, é o de completar esta última, favorecendo a realização e o bom funcionamento do mercado interno.

52
Assim, o artigo 3.° da Directiva 95/60 prevê que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias para evitar a utilização abusiva dos produtos marcados e, nomeadamente, que os óleos minerais marcados não sejam utilizados como carburante nos motores de veículos destinados a circular na via pública. Contudo, uma medida de proibição eventualmente acompanhada de sanção não pode ser tomada se for permitida uma utilização dessa natureza em casos específicos determinados pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros.

53
Como o advogado‑geral sublinhou no n.° 40 das suas conclusões, uma utilização autorizada por um Estado‑Membro em conformidade com o direito comunitário, como a utilização do óleo mineral marcado prevista na regulamentação neerlandesa, não pode ser qualificada de abusiva na acepção do artigo 3.° da Directiva 95/60 por outro Estado‑Membro.

54
Daqui se conclui que um Estado‑Membro, como a República Federal da Alemanha, não pode, baseando‑se na sua própria regulamentação, proibir a utilização de óleo mineral marcado como carburante no depósito normal de veículos automóveis utilitários provenientes de outro Estado‑Membro, como o Reino dos Países Baixos, que autoriza essa prática.

55
Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão colocada que o artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81 deve ser entendido no sentido de que proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a impostos especiais de consumo o óleo mineral, marcado ou não, contido no depósito normal de um veículo automóvel utilitário, como uma máquina agrícola, e utilizado como carburante não apenas para fazer andar esse veículo, mas também para outros fins, como trabalhos agrícolas, quando esse óleo mineral tenha sido legalmente introduzido no consumo noutro Estado‑Membro.

Quanto à segunda questão

56
Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81 tem efeito directo, podendo assim ser invocado por um particular, como a Meiland, num órgão jurisdicional nacional, a propósito de uma norma nacional contrária.

57
De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, importa recordar que, sempre que as disposições de uma directiva sejam, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, essas disposições podem, na ausência de medidas de transposição adoptadas no prazo fixado, ser invocadas contra qualquer disposição nacional não conforme à directiva, ou ainda se forem de natureza a definir direitos que os particulares possam alegar contra o Estado (acórdão de 10 de Junho de 1999, Braathens, C‑346/97, Colect., p. I‑3419, n.° 29).

58
No acórdão Braathens, já referido, o Tribunal de Justiça examinou se o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 92/81 tem efeito directo. Esse artigo prevê que os Estados‑Membros isentem de imposto especial de consumo harmonizado, nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar a aplicação correcta e simples dessas isenções, bem como impedir as fraudes, a evasão fiscal ou as utilizações indevidas, os óleos minerais fornecidos para utilização como carburante na navegação aérea, com excepção da aviação de recreio privada.

59
No n.° 30 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, embora a Directiva 92/81 comporte, para os Estados‑Membros, uma margem de apreciação mais ou menos importante para a implementação de algumas das suas disposições, daí não resulta que aos particulares se possa negar o direito de invocar as que, tendo em conta o seu próprio objecto, são susceptíveis de serem autonomizadas do conjunto e aplicadas como tal.

60
O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 92/81 constitui uma disposição dessa natureza e que a obrigação de isentar do imposto especial sobre o consumo harmonizado o carburante utilizado para a navegação aérea, com excepção da aviação de turismo privada, é suficientemente clara, precisa e incondicional para conferir aos particulares o direito de a invocarem perante o juiz nacional a fim de se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com ela (v. acórdão Braathens, já referido, n.os 31 e 32).

61
Deve observar‑se que o artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81 impõe igualmente aos Estados‑Membros uma obrigação clara, precisa e incondicional, sob a forma de uma proibição de sujeitar a impostos especiais de consumo certos óleos minerais introduzidos no consumo noutro Estado‑Membro. A essa proibição corresponde o direito dos particulares de não serem sujeitos ao pagamento de um imposto especial de consumo caso utilizem óleo mineral como carburante no depósito normal do seu veículo automóvel utilitário para o fazerem funcionar, quando esse óleo tenha sido introduzido no consumo noutro Estado‑Membro.

62
Por conseguinte, há que responder à segunda questão colocada que a proibição estabelecida no artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81 pode ser invocada por particulares perante o juiz nacional a fim de se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com essa proibição.

63
Atendendo às respostas dadas às duas primeiras questões, não há que responder às três outras questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.


Quanto às despesas

64
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas para submeter observações ao Tribunal de Justiça, que não as das referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)
O artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais, alterada pela Directiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, deve ser entendido no sentido de que proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a impostos especiais de consumo o óleo mineral, marcado ou não, contido no depósito normal de um veículo automóvel utilitário, como uma máquina agrícola, e utilizado como carburante não apenas para fazer andar esse veículo, mas também para outros fins, como trabalhos agrícolas, quando esse óleo mineral tenha sido legalmente introduzido no consumo noutro Estado‑Membro.

2)
A proibição estabelecida no artigo 8.°‑A, n.° 1, da Directiva 92/81 alterada pode ser invocada por particulares perante o juiz nacional a fim de se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com essa proibição.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.