Processo C‑167/02 P


Willi Rothley e o.
contra
Parlamento Europeu


«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Acto do Parlamento relativo às condições e modalidades dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude – Recurso de anulação – Admissibilidade – Independência e imunidade dos membros do Parlamento – Confidencialidade ligada aos trabalhos das comissões de inquérito parlamentares – Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) – Poderes de investigação»

Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 20 de Novembro de 2003
    
Acórdão do Tribunal de Justiça (Tribunal Pleno) de 30 de Março de 2004
    

Sumário do acórdão

1.
Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Interpretação contra legem da condição relativa à necessidade de o acto lhes dizer individualmente respeito – Inadmissibilidade

(Artigo 230.°, quarto parágrafo, CE)

2.
Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Acto do Parlamento que visa indistintamente os seus membros actuais ou futuros – Inadmissibilidade

(Artigo 230.°, quarto parágrafo, CE; Regimento do Parlamento Europeu)

3.
Comunidades Europeias – Fiscalização jurisdicional da legalidade dos actos das instituições – Actos de alcance geral – Necessidade de as pessoas singulares ou colectivas seguirem a via da excepção de ilegalidade ou do reenvio prejudicial para apreciação da validade

(Artigos 230.°, quarto parágrafo, CE, 234.° CE e 241.° CE)

4.
Direito comunitário – Princípios – Direito a uma protecção jurisdicional efectiva – Inadmissibilidade do recurso interposto por determinados membros do Parlamento Europeu de um acto da instituição que altera o seu Regimento, relativo aos inquéritos internos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) – Violação do referido princípio – Inexistência

1.
Uma pessoa singular ou colectiva só tem legitimidade para pedir a anulação de um acto que não constitua uma decisão de que seja destinatária se esse acto lhe disser não apenas directa mas também individualmente respeito, de modo que a interpretação do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE não pode levar a afastar esta última condição, que está expressamente prevista no Tratado, sem exceder as competências atribuídas por este aos órgãos jurisdicionais comunitários.

(cf. n.° 25)

2.
Um acto do Parlamento que visa indistintamente os membros desta instituição que dela faziam parte quando da sua entrada em vigor bem como toda e qualquer outra pessoa posteriormente chamada a exercer as mesmas funções não diz individualmente respeito, na acepção do artigo 230.° CE, a determinados membros da mesma.
Efectivamente, esse acto aplica‑se, sem limitação no tempo, a situações determinadas objectivamente e produz efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas definidas de modo geral e abstracto, sem afectar de modo particular determinados membros do Parlamento.
Esta conclusão não é posta em causa pela abertura, admitida pelo Tribunal de Justiça, do recurso de anulação de um acto de alcance geral às pessoas cuja situação particular o autor do acto deveria tomar em consideração, dado que não é possível considerar que, à luz de um acto como o acima referido, certos membros do Parlamento se encontram, mesmo sob o ângulo dos direitos e deveres que caracterizam o seu estatuto, numa situação particular que permita distingui‑los dos outros membros do Parlamento em causa e, por isso, os individualize de modo análogo ao de um destinatário.

(cf. n.os 28‑30, 33, 37)

3.
O Tratado, nos seus artigos 230.° CE e 241.° CE, por um lado, e, no seu artigo 234.° CE, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade das instituições, confiando‑a ao juiz comunitário. Neste sistema, as pessoas singulares ou colectivas que não podem, devido a condições de admissibilidade previstas no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, impugnar directamente actos comunitários de alcance geral têm a possibilidade, conforme os casos, de alegar a invalidade de tais actos, quer a título incidental, ao abrigo do artigo 241.° CE, perante o juiz comunitário, quer perante os órgãos jurisdicionais nacionais e de os levar, uma vez que não são competentes para declarar a invalidade dos referidos actos, a interrogar a este respeito o Tribunal de Justiça através de questões prejudiciais.

(cf. n.os 46)

4.
Nada permite considerar que determinados membros do Parlamento Europeu estejam desprovidos de protecção jurisdicional efectiva por não poderem recorrer ao juiz comunitário através de um recurso de anulação da decisão do Parlamento sobre as alterações a introduzir no seu Regimento, na sequência da adopção do Acordo interinstitucional entre o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão das Comunidades Europeias, relativo aos inquéritos internos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF).
Com efeito, por um lado, as disposições desta decisão relativas à cooperação com o OLAF ou à informação deste visam, qualquer que seja o seu alcance exacto, impor obrigações aos membros do Parlamento, de modo que é a estes últimos que compete, em primeiro lugar, em cada caso específico, quer cumprir essas obrigações quer não se lhes submeter, se tiverem a convicção de que lhes é possível fazê‑lo sem violar o direito comunitário. Se, num caso concreto, um dos membros do Parlamento adoptar esta última atitude, os eventuais actos posteriores a serem adoptados pelo Parlamento em relação a esse membro e que lhe podem causar prejuízo poderão, em princípio, ser objecto de fiscalização jurisdicional.
Por outro lado, no que respeita às diversas medidas que o OLAF pode ser levado a adoptar no exercício dos seus poderes de inquérito, nada permite considerar que, quando essas medidas afectem, em especial, um ou outro dos membros do Parlamento, estes estejam desprovidos de toda e qualquer protecção jurisdicional efectiva em relação às referidas medidas, dado que as regras que fixam a competência dos órgãos jurisdicionais comunitários, quer se trate da interposição de recursos directos perante estes quer do reenvio ao Tribunal de Justiça de um pedido de decisão prejudicial por iniciativa de um órgão jurisdicional nacional, devem ser interpretadas, designadamente, à luz do princípio de uma protecção jurisdicional efectiva.

(cf. n.os 48‑50)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
30 de Março de 2004(1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Acto do Parlamento relativo às condições e modalidades dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude – Recurso de anulação – Admissibilidade – Independência e imunidade dos membros do Parlamento – Confidencialidade ligada aos trabalhos das comissões de inquérito parlamentares – Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) – Poderes de investigação»

No processo C-167/02 P,

Willi Rothley, residente em Rockenhausen (Alemanha), Marco Pannella, residente em Roma (Itália), Marco Cappato, residente em Milão (Itália), Gianfranco Dell'Alba, residente em Roma, Benedetto Della Vedova, residente em Milão, Olivier Dupuis, residente em Roma, Klaus-Heiner Lehne, residente em Düsseldorf (Alemanha), Johannes Voggenhuber, residente em Viena (Áustria),Christian von Boetticher, residente em Pinneberg (Alemanha), Emma Bonino, residente em Roma,Elmar Brok, residente em Bielefeld (Alemanha),Renato Brunetta, residente em Roma,Udo Bullmann, residente em Gießen (Alemanha),Michl Ebner, residente em Bolzano (Itália),Raina A. Mercedes Echerer, residente em Viena, Markus Ferber, residente em Bobingen (Alemanha),Francesco Fiori, residente em Voghera (Itália),Evelyne Gebhardt, residente em Mulfingen (Alemanha),Norbert Glante, residente em Werder/Havel (Alemanha),Alfred Gomolka, residente em Greifswald (Alemanha),Friedrich-Wilhelm Graefe zu Baringdorf, residente em Spenge (Alemanha),Lissy Gröner, residente em Neustadt (Alemanha),Ruth Hieronymi, residente em Bona (Alemanha),Magdalene Hoff, residente em Hagen (Alemanha),Georg Jarzembowski, residente em Hamburgo (Alemanha),Karin Jöns, residente em Bremen (Alemanha),Karin Junker, residente em Düsseldorf,Othmar Karas, residente em Viena,Margot Keßler, residente em Kehmstedt (Alemanha),Heinz Kindermann, residente em Strasburg (Alemanha),Karsten Knolle, residente em Quedlinburg (Alemanha),Dieter-Lebrecht Koch, residente em Weimar (Alemanha),Christoph Konrad, residente em Bochum (Alemanha),Constanze Krehl, residente em Leipzig (Alemanha),Wilfried Kuckelkorn, residente em Bergheim (Alemanha),Helmut Kuhne, residente em Soest (Alemanha),Bernd Lange, residente em Hanôver (Alemanha),Kurt Lechner, residente em Kaiserslautern (Alemanha),Jo Leinen, residente em Saarbrücken (Alemanha),Rolf Linkohr, residente em Estugarda (Alemanha),Giorgio Lisi, residente em Rimini (Itália),Erika Mann, residente em Bad Gandersheim (Alemanha),Thomas Mann, residente em Schwalbach/Taunus (Alemanha),Mario Mauro, residente em Milão,Hans-Peter Mayer, residente em Vechta (Alemanha),Winfried Menrad, residente em Schwäbisch Hall (Alemanha),Peter-Michael Mombaur, residente em Düsseldorf,Rosemarie Müller, residente em Nieder-Olm (Alemanha),Hartmut Nassauer, residente em Wolfhagen (Alemanha),Giuseppe Nistico, residente em Roma,Willi Piecyk, residente em Reinfeld (Alemanha),Hubert Pirker, residente em Klagenfurt (Áustria),Christa Randzio-Plath, residente em Hamburgo,Bernhard Rapkay, residente em Dortmund (Alemanha),Mechtild Rothe, residente em Bad Lippspringe (Alemanha),Dagmar Roth-Behrendt, residente em Berlim (Alemanha),Paul Rübig, residente em Wels (Áustria),Umberto Scapagnini, residente em Catânia (Itália),Jannis Sakellariou, residente em Munique (Alemanha),Horst Schnellhardt, residente em Langenstein (Alemanha),Jürgen Schröder, residente em Dresden (Alemanha),Martin Schulz, residente em Würselen (Alemanha),Renate Sommer, residente em Herne (Alemanha),Ulrich Stockmann, residente em Bad Kösen (Alemanha),Maurizio Turco, residente em Pulsano (Itália),Guido Viceconte, residente em Bari (Itália),Ralf Walter, residente em Cochem (Alemanha),Brigitte Wenzel-Perillo, residente em Leipzig,Rainer Wieland, residente em Estugarda,Stefano Zappala, residente em Latina (Itália),eJürgen Zimmerling, residente em Essen (Alemanha),representados por H.-J. Rabe, Rechtsanwalt,

recorrentes,

que tem por objecto um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Quinta Secção) de 26 de Fevereiro de 2002, Rothley e o../Parlamento (T-17/00, Colect., p. II-579), em que se pede a anulação deste acórdão,

sendo as outras partes no processo:

Parlemento Europeu, representado por  J. Schoo e H. Krück, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido em primeira instância,

Reino dos Países Baixos, representado por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,República Francesa,Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer e I. Díez Parra, na qualidade de agentes,eComissão das Comunidades Europeias, representada por H.-P. Hartvige e U. Wölker, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes na primeira instância,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann (relator), C. Gulmann, J. N. Cunha Rodrigues e A. Rosas, presidentes de secção,  A. La Pergola, J.-P. Puissochet, R. Schintgen, F. Macken, N. Colneric e M. S. von Bahr, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 23 de Setembro de 2003,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Novembro de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça aos 3 de Maio de 2002, W. Rothley e 70 outros membros do Parlamento Europeu (a seguir «recorrentes») interpuseram, ao abrigo do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Fevereiro de 2002, Rothley e o./Parlamento (T‑17/00, Colect., p. II‑579, a seguir «acórdão recorrido»), no qual este declarou inadmissível o seu recurso de anulação da decisão do Parlamento, de 18 de Novembro de 1999, sobre as alterações a introduzir no seu Regimento (a seguir «acto impugnado»), na sequência do Acordo interinstitucional, de 25 de Maio de 1999, entre o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão das Comunidades Europeias, relativo aos inquéritos internos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 15, a seguir «acordo interinstitucional»).


Enquadramento jurídico

2
Em 28 de Abril de 1999, a Comissão adoptou a Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom que institui o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 20).

3
O artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.°  1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativo aos inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 1), dispõe:

«O [OLAF] efectuará, no seio das instituições, órgãos e organismos criados pelos Tratados ou com base nos mesmos [...] inquéritos administrativos destinados:

a lutar contra a fraude, a corrupção e qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses financeiros da Comunidade Europeia,

a investigar para o efeito os factos graves, ligados ao exercício de actividades profissionais, que possam constituir incumprimento das obrigações dos funcionários e agentes das Comunidades, susceptível de processos disciplinares e eventualmente penais, ou incumprimento de obrigações análogas aplicáveis aos membros das instituições e órgãos, aos dirigentes dos organismos, bem como aos membros do pessoal das instituições, órgãos e organismos não submetidos ao estatuto.»

4
O artigo 4.° do Regulamento n.° 1073/1999 prevê:

«1.     Nos domínios visados no artigo 1.°, [o OLAF) realizará inquéritos administrativos no interior das instituições, órgãos e organismos, [...] designados ‘inquéritos internos’ [pelo presente regulamento].

Tais inquéritos internos serão efectuados no respeito das normas dos Tratados, designadamente o protocolo relativo aos privilégios e imunidades, bem como do estatuto, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento e em decisões adoptadas por cada instituição, órgão e organismo. As instituições concertar‑se‑ão sobre o conteúdo dessa decisão.

2.       Desde que sejam respeitadas as disposições previstas no n.° 1:

O [OLAF] terá acesso, sem pré‑aviso e sem demora, a qualquer informação na posse das instituições, órgãos e organismos, bem como às suas instalações. O [OLAF] poderá obter cópias e extractos de qualquer documento ou do conteúdo de qualquer suporte de informação na posse das instituições, órgãos e organismos e, caso necessário, poderá colocar à sua guarda esses documentos ou informações para evitar qualquer risco de desaparição,

O [OLAF] poderá solicitar informações orais aos membros das instituições e órgãos, aos dirigentes dos organismos, bem como aos membros do pessoal das instituições, órgãos e organismos.

[...]

6.       Sem prejuízo das normas previstas nos Tratados, designadamente no protocolo relativo aos privilégios e imunidades, bem como das disposições do estatuto, a decisão adoptada por cada uma das instituições, órgãos e organismos, prevista no n.° 1, incluirá nomeadamente normas relativas:

a)
à obrigação dos membros, funcionários e agentes das instituições e órgãos, bem como dos dirigentes, funcionários e agentes dos organismos, de cooperar com os agentes [do OLAF] e prestar‑lhes informações;

b)
aos processos a observar pelos agentes [do OLAF] na execução dos inquéritos internos, bem como às garantias dos direitos das pessoas sujeitas a inquérito interno.»

5
O artigo 6.°, n.° 6, do referido regulamento determina:

«[…] As instituições e órgãos zelarão por que os seus membros e pessoal [...] prestem a necessária assistência aos agentes [do OLAF], tendo em vista o cumprimento da sua missão.»

6
O artigo 9.° do mesmo regulamento está redigido da seguinte forma :

«1.     No termo de qualquer inquérito [...] realizado [pelo OLAF], a organização elaborará, sob a autoridade do director, um relatório que incluirá nomeadamente os factos verificados, o prejuízo financeiro, se for caso disso, e as conclusões do inquérito, incluindo as recomendações do director [do OLAF] sobre o seguimento a dar ao mesmo.

[...]

4.       Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos internos e todos os respectivos documentos úteis serão enviados à instituição, órgão ou organismo em causa. As instituições, órgãos e organismos darão aos inquéritos internos o seguimento, designadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respectivos resultados e informarão o director [do OLAF], num prazo por este estabelecido nas conclusões do seu relatório, do seguimento dado ao inquérito.»

7
Nos termos do artigo 10.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1073/1999:

«2.     Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.°, 9.° e 11.° do presente regulamento, o director [do OLAF] transmitirá às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa as informações colhidas [pelo OLAF] aquando de inquéritos internos, sobre factos susceptíveis de processo penal. Sob reserva das necessidades do inquérito, informará simultaneamente o Estado‑Membro em causa.

3.       Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.° e 9.° do presente regulamento, [o OLAF] poderá transmitir a qualquer momento à instituição, órgão ou organismo em causa informações obtidas durante inquéritos internos.»

8
Pelo acordo interinstitucional, o Parlamento, o Conselho e a Comissão acordaram em «adoptar um regime comum comportando as medidas de execução necessárias para facilitar a realização, no seu interior, dos inquéritos conduzidos [pelo OLAF]» e «criar esse regime comum e torná‑lo imediatamente aplicável, adoptando uma decisão interna em conformidade com o modelo em anexo ao presente acordo, apenas derrogando a este regime por exigências específicas que lhes sejam próprias e imponham tal necessidade técnica».

9
O acto impugnado aprova a decisão do Parlamento relativa às condições e às modalidades dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude, a corrupção e toda e qualquer actividade ilegal prejudicial aos interesses das Comunidades (a seguir «decisão do Parlamento relativa às condições e às modalidades dos inquéritos internos») e altera, consequentemente, o Regimento do Parlamento. A referida decisão, que consta do anexo XI deste Regimento, reproduz o modelo de decisão anexo ao acordo interinstitucional, introduzindo‑lhe alguns ajustamentos.

10
O artigo 1.°, segundo parágrafo, da decisão do Parlamento relativa às condições e às modalidades dos inquéritos internos dispõe:

«Sem prejuízo das disposições relevantes dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias, designadamente o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, bem como das disposições de aplicação, os deputados cooperam plenamente com o [OLAF].»

11
Nos termos do artigo 2.°, quarto e quinto parágrafos, da referida decisão:

«Os deputados que tenham conhecimento de factos previstos no primeiro parágrafo [conhecimento de elementos de facto que levem à suspeita de eventuais casos de fraude, de corrupção ou de qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses das Comunidades, ou de factos graves, ligados ao exercício das actividades profissionais, que possam configurar incumprimento das obrigações dos funcionários e agentes das Comunidades ou do pessoal não submetido ao Estatuto, susceptível de processos disciplinares e, eventualmente, penais] informarão o presidente do Parlamento Europeu ou, se o considerarem útil, directamente o [OLAF].

O presente artigo é aplicável sem prejuízo das exigências de confidencialidade consignados na lei ou no Regimento do Parlamento Europeu.»

12
O artigo 3.° da mesma decisão determina que «[a] pedido do director do [OLAF], o Serviço de Segurança do Parlamento Europeu assistirá os agentes do [OLAF] na execução material dos inquéritos».

13
O artigo 4.° da decisão do Parlamento relativa às condições e às modalidades dos inquéritos internos prevê que «permanecem inalteradas as normas relativas à imunidade parlamentar e ao direito de recusa de prestar testemunho que assistem aos deputados».

14
O artigo 5.° da decisão referida está assim redigido:

«No caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um deputado [...], o interessado deve ser rapidamente informado, desde que tal não seja susceptível de prejudicar o inquérito. Em qualquer caso, na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um deputado [...] sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito.

Nos casos que requeiram a manutenção de absoluto sigilo para efeitos do inquérito e que exijam o recurso a meios de investigação da competência de uma autoridade judiciária nacional, a obrigação de convidar o deputado [...] a exprimir‑se pode ser diferida de acordo com o Presidente [...]»


O acórdão recorrido

15
Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Janeiro de 2000, os recorrentes interpuseram, ao abrigo do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, recurso de anulação do acto impugnado.

16
Pelo acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou este recurso inadmissível pelo facto de o acto impugnado não dizer individualmente respeito aos recorrentes na acepção da referida disposição do Tratado CE.

17
Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância expôs as razões por que considerou que o acto impugnado constitui uma medida de alcance geral. A este respeito, no n.° 61 do acórdão recorrido, refere nomeadamente:

«[…] o acto impugnado tem como objectivo geral precisar as condições em que o Parlamento coopera com o OLAF, a fim de facilitar a boa execução dos inquéritos no interior desta instituição. Tendo em conta este objectivo, prevê a situação dos membros do Parlamento enquanto titulares de direitos e sujeitos de obrigações e contém relativamente a estes disposições particulares na hipótese, designadamente, de virem a ser implicados num inquérito efectuado pelo OLAF ou de virem a ter conhecimento de elementos de facto que levem a presumir a existência de eventuais casos de fraude, de corrupção ou de qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses das Comunidades, ou de factos graves, ligados ao exercício das actividades profissionais que possam configurar um incumprimento susceptível de processos disciplinares ou penais. O acto impugnado visa indistintamente os membros do Parlamento que dele faziam parte quando da sua entrada em vigor bem como toda e qualquer outra pessoa que posteriormente exerça as mesmas funções. Desta forma, aplica‑se, sem limitação no tempo, a situações objectivamente determinadas e produz os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas previstas de modo geral e abstracto.»

18
Em segundo lugar, nos n.os 63 a 74 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância decidiu o seguinte:

«63
Contudo, a jurisprudência esclareceu que, em determinadas circunstâncias, uma disposição de um acto de alcance geral pode dizer individualmente respeito a alguns particulares interessados (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C‑358/89, Colect., p. I‑2501, n.° 13, e de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho, C‑309/89, Colect., p. I‑1853, n.° 19). Nesse caso, um acto comunitário pode ter ao mesmo tempo um carácter normativo e, relativamente a determinados particulares, um carácter decisório (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T‑481/93 e T‑484/93, Colect., p. II‑2941, n.° 50). É o que sucede se o acto em causa afectar uma pessoa singular ou colectiva em função de certas qualidades que lhe são próprias ou de uma situação de facto que a individualiza relativamente a qualquer outra pessoa (acórdão Codorniu/Conselho, já referido, n.° 20).

64
À luz desta jurisprudência, há que analisar se estas circunstâncias se verificam no presente processo e se permitem individualizar os recorrentes de maneira análoga à do destinatário de uma decisão.

65
A este respeito, os recorrentes invocaram a sua qualidade de membros do Parlamento no momento da adopção do acto impugnado, para afirmar que pertencem a um conjunto limitado de pessoas nominativamente identificáveis. Contudo, o simples facto de ser possível determinar o número e a identidade dos sujeitos de direito a que se aplica uma medida de modo algum acarreta que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, dado que a mesma se lhes aplica em função de uma situação objectiva de direito ou de facto definida no acto em causa (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1968, Zuckerfabrik Watenstedt/Conselho, 6/68, Colect. 1965‑1968, p. 873, bem como despachos do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho, C‑10/95 P, Colect., p. I‑4149, n.° 30, e CNPAAP/Conselho, já referido, n.° 34).

66
Ora, tal como já foi exposto, o acto impugnado apenas afecta os recorrentes pelo facto de pertencerem a uma categoria de pessoas definida de modo geral e abstracto. O acto impugnado não resulta da vontade do Parlamento de dar resposta a um caso particular específico dos recorrentes. Estes, aliás, não afirmaram nem apresentaram elementos que permitam pensar que a adopção do acto impugnado altera a sua situação jurídica e os afecta de modo especial em relação aos restantes membros do Parlamento.

67
Do mesmo modo, o facto de pertencer a uma das duas categorias de pessoas às quais se dirige o acto impugnado ‑ ou seja, por um lado, o conjunto do pessoal estatutário ou não do Parlamento e, por outro, os seus membros ‑ não basta para individualizar os recorrentes, uma vez que ambas as categorias são definidas de modo geral e abstracto. […]

[…]

71
Acresce que há que analisar se é aplicável ao presente processo a jurisprudência nos termos da qual são admissíveis recursos de anulação interpostos de um acto de carácter normativo, na medida em que exista uma disposição de direito superior que imponha ao autor do acto que atenda à situação específica dos recorrentes (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 11 a 32; de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, Colect., p. I‑2477, n.os 11 a 13; de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, C‑390/95 P, Colect., p. I‑769, n.os 25 a 30; e do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, Colect., p. II‑2335, n.° 90).

72
No presente processo, os recorrentes afirmam, quanto ao mérito, que o acto impugnado afecta a sua independência bem como a imunidade que lhes é conferida pelo Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, já referido. Contudo, este protocolo só se refere aos membros do Parlamento de um modo geral e não contém qualquer disposição que regule expressamente os inquéritos internos no Parlamento. […]

73
Como foi salientado pelo juiz das medidas provisórias no n.° 107 do despacho Rothley e o./Parlamento, já referido, não se pode a priori excluir o risco de que o OLAF pratique, no âmbito de um inquérito, um acto que ofenda a imunidade de que todo e qualquer membro do Parlamento beneficia. Contudo, pressupondo que essa circunstância ocorra, qualquer membro do Parlamento confrontado com um acto desta natureza, que entenda ser para si lesivo, dispõe então da protecção jurisdicional e das vias de recurso instituídas pelo Tratado.

74
Em todo o caso, a existência deste risco não pode justificar uma alteração do sistema das vias de recurso e de acção estabelecido pelos artigos 230.° CE, 234.° CE e 235.° CE, destinado a confiar aos órgãos jurisdicionais comunitários o controlo da legalidade dos actos das instituições. Em caso algum tal circunstância permite declarar admissível um recurso de anulação interposto por uma ou várias pessoas singulares ou colectivas que não satisfaça as condições colocadas pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (despachos Asocarne/Conselho, já referido, n.° 26, e CNPAAP/Conselho, já referido, n.° 38).»


Quanto ao presente recurso

19
Os recorrentes pedem ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, que dê provimento aos seus pedidos apresentados na primeira instância ou, na falta disso, que remeta o processo para o Tribunal de Primeira Instância e que condene o Parlamento nas despesas das duas instâncias.

20
Os recorrentes invocam dois fundamentos em apoio do seu recurso. Alegam, por um lado, que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, ao declarar o seu recurso inadmissível pelo facto de o acto impugnado não lhes dizer individualmente respeito, e, por outro, que violou o princípio do direito a um recurso efectivo.

21
O Parlamento, o Reino dos Países Baixos, o Conselho e a Comissão concluem pela negação de provimento ao recurso e pela condenação dos recorrentes nas despesas.

Quanto ao primeiro fundamento

22
O primeiro fundamento invocado pelos recorrentes comporta três partes.

23
No âmbito da primeira parte deste fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal considerou erradamente que a admissibilidade do seu recurso estava subordinada à condição de o acto impugnado lhes dizer individualmente respeito.

24
Em seu entender, deduz‑se, com efeito, dos n.os 67 a 69 do despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Novembro de 1999, Martinez e de Gaulle/Parlamento (T‑222/99 R, Colect., p. II‑3397), que, perante uma decisão do Parlamento que, à semelhança do acto impugnado, ultrapassa o âmbito da mera organização interna desta instituição e tem efeitos directos em relação aos membros desta, estes últimos têm legitimidade para agir sem que seja necessário analisar a questão de saber se o acto em causa lhes diz individualmente respeito.

25
A este propósito, basta recordar que, tal como resulta da própria redacção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE e de uma jurisprudência assente, uma pessoa singular ou colectiva só tem legitimidade para pedir a anulação de um acto que não constitua uma decisão de que seja destinatária se esse acto lhe disser não apenas directa mas também individualmente respeito (v., nomeadamente, acórdão Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, já referido, n.° 5), de modo que a interpretação da referida disposição não pode levar a afastar esta última condição, que está expressamente prevista no Tratado, sem exceder as competências atribuídas por este aos órgãos jurisdicionais comunitários (v., designadamente, acórdão de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 44).

26
Na segunda parte do seu primeiro fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao decidir, nos n.os 66 e 67 do acórdão recorrido, que o facto de pertencerem a uma categoria restrita e exclusiva de pessoas identificáveis nominalmente na sua qualidade de membros do Parlamento em funções no momento da adopção do acto impugnado não permite concluir que este lhes diz individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

27
A este propósito, há, todavia, que dizer que, de acordo com uma jurisprudência constante, o alcance geral e, portanto, a natureza normativa de um acto não é posta em causa pela possibilidade de se determinar com maior ou menor precisão o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito a quem se aplica em dado momento, desde que se verifique que essa aplicação é feita com base numa situação objectiva de direito ou de facto definida pelo acto e em relação com a finalidade deste último (v., nomeadamente, acórdãos de 24 de Fevereiro de 1987, Deutz und Geldermann/Conselho, 26/86, Colect., p. 941, n.° 8, e Codorniu/Conselho, já referido, n.° 18).

28
Para que se possa considerar que esse acto diz individualmente respeito a esses sujeitos de direito, é preciso que sejam atingidos na sua posição jurídica devido a certas qualidades que lhes são específicas ou a uma situação de facto que os caracterize em relação a toda e qualquer outra pessoa e, por isso, os individualize de modo análogo à de um destinatário (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Deutz und Geldermann/Conselho, n.° 9, e Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, n.° 36).

29
Ora, o Tribunal de Primeira Instância declarou, no n.° 61 do acórdão recorrido, que o acto impugnado tem por objectivo geral precisar as condições em que o Parlamento coopera com o OLAF e que, em conformidade com este objectivo, encara a situação dos membros do Parlamento como titulares de direitos e de obrigações, visando, a este respeito, indistintamente os membros do Parlamento em funções no momento da entrada em vigor deste acto e toda e qualquer outra pessoa posteriormente levada a exercer as mesmas funções. Daí concluiu correctamente que o referido acto se aplica, sem limitação no tempo, a situações determinadas objectivamente e que produzem efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas definidas de modo geral e abstracto.

30
Resulta de tudo o que precede que, ao decidir, no n.° 66 do acórdão recorrido, que deve ser entendido à luz, designadamente, do n.° 61 do mesmo, que o acto impugnado apenas afecta os recorrentes devido à sua pertença a uma categoria de pessoas definidas de modo geral e abstracto, sem que estas sejam afectadas de um modo particular em relação aos outros membros do Parlamento, o Tribunal não cometeu qualquer erro de direito.

31
Na terceira parte do seu primeiro fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal cometeu um erro de direito ao decidir, nos n.os 72 a 74 do acórdão recorrido, que não havia que, no presente caso, aplicar a jurisprudência mencionada no n.° 71 do mesmo acórdão, segundo a qual um recurso de um acto de carácter geral é possível sempre que uma disposição de direito superior imponha ao seu autor que tenha em conta a situação específica de um recorrente.

32
Segundo os recorrentes, a independência dos membros do Parlamento no exercício do seu mandato, a imunidade e a obrigação de segredo que se impõem a estes últimos na sua qualidade de membros de uma comissão de inquérito constituem outros tantos direitos de que estão investidos por disposições de nível constitucional. Ora, na medida em que estes direitos de origem superior são ofendidos a títulos diversos no acto impugnado, os recorrentes consideram que deviam poder contestar a legalidade desse acto.

33
A este respeito, há que dizer antes de mais que os acórdãos do Tribunal de Justiça mencionados no n.° 71 do acórdão recorrido, que os recorrentes alegam ter o Tribunal de Primeira Instância ignorado, não pretenderam minimamente pôr em causa a interpretação do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, recordada no n.° 28 do presente acórdão.

34
Foi assim que, nos n.os 5, 11 e 19 do acórdão Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça não aceitou a admissibilidade do recurso que nele tinha sido interposto após ter recordado a referida interpretação e ter declarado, nomeadamente, que o facto de os recorrentes terem celebrado, antes da adopção da decisão em litígio, contratos cuja aplicação estava prevista para os meses abrangidos pela mesma constituía uma situação de facto que os caracterizava em relação a toda e qualquer outra pessoa atingida por essa decisão, na medida em que a execução do seu contrato tinha sido impedida, total ou parcialmente, pela adopção dessa decisão.

35
Do mesmo modo, após ter declarado que a legislação comunitária obrigava a Comissão a ter em conta, aquando da adopção da medida em litígio, a situação específica dos produtos em curso de transporte para a Comunidade, o Tribunal de Justiça salientou, no n.° 11 do acórdão Sofrimport/Comissão, já referido, que apenas certos importadores de maçãs provenientes do Chile se encontravam nessa situação, de modo que eles constituíam um grupo restrito, suficientemente caracterizado em comparação com qualquer outro importador dessas maçãs e que não podia ser alargado após a entrada em vigor das medidas de suspensão contestadas.

36
Finalmente, no n.° 28 do acórdão Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça recordou designadamente que a protecção jurisdicional que o artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 230.°, quarto parágrafo, CE) confere a um particular deve ser baseada na especificidade da situação desse particular relativamente a qualquer outra pessoa em causa.

37
Ora, a este respeito, há que dizer que, face nomeadamente às considerações que constam dos n.os 29 e 30 do presente acórdão, os recorrentes não se encontram, mesmo sob o ângulo dos direitos e deveres que caracterizam o seu estatuto e que eles invocam, numa situação particular que permita distingui‑los das outras pessoas atingidas pelo acto impugnado, uma vez que este só os visa e atinge em razão da sua pertença a uma categoria de pessoas definida de modo geral e abstracto, ou seja, os membros, presentes ou futuros, do Parlamento. Contrariamente ao que também sustentam os referidos recorrentes e tal como o Tribunal decidiu correctamente no n.° 67 do acórdão recorrido, essa conclusão não é de modo algum infirmada pela circunstância de, no presente caso, o acto impugnado se aplicar igualmente a outras categorias de pessoas definidas de modo geral e abstracto, como seja todo o pessoal estatutário ou não do Parlamento.

38
Segue‑se que, ao decidir que não havia lugar, no presente caso, à aplicação da jurisprudência mencionada no n.° 71 do acórdão recorrido, o Tribunal não cometeu qualquer erro de direito.

39
Não sendo procedente em qualquer das suas três partes, o primeiro fundamento não procede.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos dos recorrentes

40
No âmbito do segundo fundamento, os recorrentes alegam que, ao declarar o seu recurso inadmissível, o Tribunal violou o princípio do direito a uma protecção jurisdicional efectiva. Em especial, o Tribunal considerou erradamente, no n.° 73 do acórdão recorrido, que, no caso de um acto do OLAF ofender a imunidade individual de um membro do Parlamento, este dispõe da protecção jurisdicional e das vias de recurso instituídas pelo Tratado.

41
A este respeito, alegam, em primeiro lugar, que as obrigações dos membros do Parlamento de informar o OLAF e de cooperar com este, bem como a obrigação que os obriga a tolerar a intervenção do OLAF, obrigações que resultam do acto impugnado, se lhes impõem directamente, sem que seja necessário um acto de execução susceptível de recurso.

42
Em segundo lugar, os poderes de investigação do OLAF exercem‑se directamente com base no artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1073/1999, sem que seja necessária a adopção de actos susceptíveis de constituírem objecto de um recurso. A transmissão dos resultados dos inquéritos realizados pelo OLAF é igualmente efectuada directamente, por força do disposto nos artigos 9.° e 10.° do Regulamento n.° 1073/1999, sem que haja qualquer possibilidade de recurso. Além disso, sendo o OLAF inteiramente independente da Comissão, esta última não pode, de acordo com os recorrentes, adoptar um acto que diga respeito à actividade deste organismo susceptível de ser objecto de um recurso de anulação.

43
Em terceiro lugar, os eventuais vícios que afectem as medidas adoptadas pelo OLAF também não são susceptíveis de ser posteriormente postas em causa no âmbito de um processo nacional na sequência de um inquérito deste tipo, uma vez que as autoridades judiciais nacionais carecem de toda e qualquer competência para controlar essas medidas, mesmo por ocasião do controlo de decisões tomadas pelas autoridades nacionais. De resto, estas últimas não têm competência para adoptar actos relativos às actividades do OLAF e também não podem ser chamadas a adoptar medidas baseadas em normas comunitárias relativas a esta actividade.

44
Segundo os recorrentes, a circunstância de se encontrarem assim desprovidos de toda e qualquer possibilidade de invocar a invalidade do acto impugnado, quer seja de modo incidental perante o juiz comunitário, ao abrigo do artigo 241.° CE, quer perante os órgãos jurisdicionais nacionais, levando estes a interrogar o Tribunal de Justiça a este respeito, através de questões prejudiciais, deveria ter levado o Tribunal de Primeira Instância a declarar o seu recurso admissível. Assim fazendo, este último, contrariamente ao que se afirma no n.° 74 do acórdão recorrido, não teria efectuado uma alteração das vias de recurso previstas no Tratado, antes teria simples e correctamente interpretado o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE à luz do princípio da protecção jurisdicional efectiva (v. acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido, n.os 40 e 44).

45
Mais precisamente, os recorrentes alegam que, para tomar em conta as exigências do referido princípio, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter alargado a interpretação actual da condição fixada no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, considerando que uma medida comunitária diz individualmente respeito a uma pessoa quer quando, devido à sua situação, esta medida prejudica ou é susceptível de prejudicar os seus interesses de modo substancial quer quando essa medida a afecte incontestável e actualmente, restringindo os seus direitos ou impondo‑lhe obrigações.

Apreciação do Tribunal de Justiça

46
Há que recordar, a título preliminar, que, nos seus artigos 230.° CE e 241.° CE, por um lado, e, no seu artigo 234.° CE, por outro, o Tratado estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade das instituições, confiando‑a ao juiz comunitário. Neste sistema, as pessoas singulares ou colectivas que não podem, devido a condições de admissibilidade previstas no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, impugnar directamente actos comunitários de alcance geral têm a possibilidade, conforme os casos, de alegar a invalidade de tais actos, quer a título incidental, ao abrigo do artigo 241.° CE, perante o juiz comunitário, quer perante os órgãos jurisdicionais nacionais e de os levar, uma vez que não são competentes para declarar a invalidade dos referidos actos, a interrogar a este respeito o Tribunal de Justiça através de questões prejudiciais (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido, n.° 40, e jurisprudência aí citada).

47
Tal como se recorda no n.° 25 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu igualmente que, segundo o sistema de fiscalização da legalidade instituído pelo Tratado, uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso contra um regulamento se este lhe disser não só directamente mas também individualmente respeito. Embora seja certo que esta última condição deve ser interpretada à luz do princípio de um tutela jurisdicional efectiva tendo em conta as diversas circunstâncias susceptíveis de individualizar um recorrente, tal interpretação não pode levar a afastar a condição em causa, expressamente prevista pelo Tratado, sem exorbitar das competências por este atribuídas aos órgãos jurisdicionais comunitários (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido, n.° 44, e jurisprudência aí citada).

48
Quanto ao presente caso, deve dizer‑se que nada permite considerar que os recorrentes estejam desprovidos de protecção jurisdicional efectiva por não poderem recorrer ao juiz comunitário através de um recurso de anulação do acto impugnado.

49
Com efeito, por um lado, deve dizer‑se que, como salientaram o Parlamento e a Comissão, tal como o advogado‑geral no n.° 56 das suas conclusões, as disposições do acto impugnado relativas às cooperação com o OLAF ou à informação deste visam, qualquer que seja o seu alcance exacto, impor obrigações aos membros do Parlamento, de modo que é a estes últimos que compete, em primeiro lugar, em cada caso específico, quer cumprir essas obrigações quer não se lhes submeter, se tiverem a convicção de que lhes é possível fazê‑lo sem violar o direito comunitário. Se, num caso concreto, um dos membros do Parlamento adoptar esta última atitude, os eventuais actos posteriores a serem tomados pelo Parlamento em relação a esse membro e que lhe podem causar prejuízo poderão, em princípio, ser objecto de fiscalização jurisdicional.

50
Por outro lado, no que respeita às diversas medidas que o OLAF pode ser levado a adoptar no exercício dos seus poderes de inquérito, nada permite considerar, contrariamente ao que sustentam os recorrentes, que, quando essas medidas afectem, em especial, um ou outro dos membros do Parlamento, estes estejam desprovidos de toda e qualquer protecção jurisdicional efectiva em relação às referidas medidas. A este respeito, não se mostra nem possível nem necessário, no âmbito do presente processo, fazer um exame de todos os casos susceptíveis de se produzirem. Todavia, há que recordar que, tal como sublinhou correctamente o advogado‑geral no n.° 62 das suas conclusões, as regras que fixam a competência dos órgãos jurisdicionais comunitários, quer se trate da interposição de recursos directos perante estes quer do reenvio ao Tribunal de Justiça de um pedido de decisão prejudicial por iniciativa de um órgão jurisdicional nacional, devem ser interpretadas, designadamente, à luz do princípio de uma protecção jurisdicional efectiva (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido, n.os 41, 42 e 44).

51
Em todo o caso, a circunstância de essa fiscalização jurisdicional ocorrer a posteriori não é susceptível de pôr em causa as conclusões do Tribunal de Primeira Instância nos n.os 73 e 74 do acórdão recorrido. Com efeito, tal como o Tribunal de Primeira Instância declarou, o risco de o OLAF efectuar, no âmbito de um inquérito, um acto que viole a imunidade de que beneficiam todos os membros do Parlamento não pode autorizar uma alteração do sistema das vias de recurso e dos procedimentos fixado no Tratado e destinado a confiar aos órgãos jurisdicionais comunitários a fiscalização da legalidade dos actos das instituições.

52
Resulta de todas as considerações que precedem que o Tribunal de Primeira Instância pôde, sem violar o princípio de uma protecção jurisdicional efectiva, declarar o recurso inadmissível por o acto impugnado não dizer individualmente respeito aos recorrentes na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

53
Segue‑se que o segundo fundamento não pode ser acolhido.

54
Sendo improcedentes os dois fundamentos invocados pelos recorrentes em apoio do seu recurso, deve ser negado provimento a este na sua totalidade.


Quanto às despesas

55
O artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo prevê que, quando o recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância não seja procedente, o Tribunal de Justiça decide quanto às despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° deste, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for requerido. Quanto ao n.° 4, primeiro parágrafo, do referido artigo 69.°, determina que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio suportem as suas próprias despesas.

56
Tendo sido negado provimento ao recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, há que condenar os recorrentes nas suas próprias despesas e nas efectuadas pelo Parlamento, em conformidade com o pedido deste último nesse sentido. Além disso, há que decidir que o Reino dos Países Baixos, o Conselho e a Comissão suportem as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1)
É negado provimento ao recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância.

2)
Os recorrentes suportarão as suas próprias despesas e as do Parlamento Europeu.

3)
O Reino dos Países Baixos, o Conselho da União Europeia e a Comissão das Comunidades Europeias suportarão as suas próprias despesas.

Skouris

Jann

Gulmann

Cunha Rodrigues

Rosas

La Pergola

Puissochet

Schintgen

Macken

Colneric

von Bahr

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Março de 2004.

O secretário

O presidentee

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: alemão.