Processo C‑127/02

Landelijke Vereniging tot Behoud van de Waddenzee      e      Nederlandse Vereniging tot Bescherming van Vogels

contra

Staatssecretaris van Landbouw, Natuurbeheer en Visserij

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State)

«Directiva 92/43/CEE – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Conceitos de ‘plano’ ou de ‘projecto’ – Avaliação das incidências de determinados planos ou projectos no sítio protegido»

Sumário do acórdão

1.        Ambiente – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Directiva 92/43 – Conceitos de «plano» ou de «projecto» no sítio protegido – Pesca mecânica de berbigão – Inclusão – Condições

(Directiva 92/43 do Conselho, artigo 6.º, n.º 3)

2.        Ambiente – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Directiva 92/43 – Disposições que prevêem, respectivamente, um procedimento de autorização de um plano ou projecto no sítio protegido e uma obrigação de protecção geral – Aplicação concomitante – Inadmissibilidade

(Directiva 92/43 do Conselho, artigo 6.º, n.os 2 e 3)

3.        Ambiente – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Directiva 92/43 – Autorização de um plano ou projecto no sítio protegido – Condições – Avaliação adequada das suas incidências – Identificação dos aspectos que podem afectar os objectivos de conservação do sítio

(Directiva 92/43 do Conselho, artigo 6.º, n.º 3, primeiro período)

4.        Ambiente – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Directiva 92/43 – Falta de transposição – Verificação pelo órgão jurisdicional nacional da legalidade da autorização de um plano ou de um projecto no sítio protegido – Admissibilidade

(Directiva 92/43 do Conselho, artigo 6.º, n.º 3)

1.        Uma actividade como a pesca mecânica de berbigão, praticada há muitos anos mas, para a qual é emitida todos os anos uma licença por um período limitado, licença que implica, por ocasião de cada renovação, uma nova avaliação tanto da possibilidade de exercer essa actividade como do sítio onde pode ser exercida, enquadra‑se no conceito de «plano» ou de «projecto» na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens.

(cf. n.º 29, disp. 1)

2.        O artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, institui, para os sítios protegidos, um procedimento com vista a garantir, graças a uma fiscalização prévia, que um plano ou um projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão, mas susceptível de afectar este último de forma significativa, só seja autorizado pelas autoridades nacionais competentes desde que não afecte a integridade desse sítio, ao passo que o artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva estabelece uma obrigação de protecção geral, que consiste em evitar deteriorações e perturbações que possam ter efeitos significativos à luz dos objectivos da directiva, não podendo aplicar‑se concomitantemente com o n.° 3 do mesmo artigo.

(cf. n.º 38, disp. 2)

3.        O artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, deve ser interpretado no sentido de que qualquer plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio protegido e não necessário para essa gestão será objecto de uma avaliação adequada das suas incidências no mesmo à luz dos objectivos de conservação desse sítio, quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, e designadamente tendo em conta as características e condições ambientais específicas do mesmo sítio, que o afecte de modo significativo, individualmente ou em conjugação com outros planos ou projectos. Essa avaliação dessas incidências implica que, antes da aprovação do plano ou do projecto, sejam identificados, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspectos do plano ou do projecto que possam, por si sós ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar os objectivos de conservação desse sítio.

As autoridades nacionais competentes, tendo em conta a avaliação adequada dos efeitos do plano ou do projecto no sítio em causa à luz dos objectivos de conservação deste último, só autorizam esse plano ou esse projecto desde que tenham a certeza de que o mesmo é desprovido de efeitos prejudiciais para o referido sítio. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos.

(cf. n.os 45, 49, 61, disp. 3, 4)

4.        Quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a verificar a legalidade de uma autorização relativa a um plano ou a um projecto na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, pode fiscalizar se os limites impostos por essa disposição à margem de apreciação das autoridades nacionais competentes foram respeitados, mesmo que essa disposição não tenha sido transposta para o ordenamento jurídico do Estado‑Membro em causa, apesar de ter expirado o prazo previsto para esse efeito. Na verdade, o efeito útil da Directiva 92/43 seria enfraquecido se, nesse caso, os particulares fossem impedidos de o invocar em juízo e os órgãos jurisdicionais nacionais impedidos de o tomar em consideração.

(cf. n.os 66, 70, disp. 5)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
7 de Setembro de 2004(1)

«Directiva 92/43/CEE – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Conceitos de ‘plano’ ou de ‘projecto’ – Avaliação das incidências de determinados planos ou projectos no sítio protegido»

No processo C‑127/02,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE,

apresentado pelo Raad van State (Países Baixos), por decisão de 27 de Março de 2002, entrado em 8 de Abril de 2002, no processo

Landelijke Vereniging tot Behoud van de Waddenzee,Nederlandse Vereniging tot Bescherming van Vogels

contra

Staatssecretaris van Landbouw, Natuurbeheer en Visserij,

sendo interveniente:Coöperatieve Producentenorganisatie van de Nederlandse Kokkelvisserij UA,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),,



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, C. Gulmann (relator), J.-P. Puissochet, J. N. Cunha Rodrigues, presidentes de secção, R. Schintgen, S. von Bahr e R. Silva de Lapuerta, juízes,

advogada-geral: J. Kokott,
secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Novembro de 2003,vistas as observações apresentadas:

em representação da Landelijke Vereniging tot Behoud van de Waddenzee, por C. A. M. Rombouts, advocaat,

em representação da Nederlandse Vereniging tot Bescherming van Vogels, por A. J. Durville, advocaat,

em representação da Coöperatieve Producentenorganisatie van de Nederlandse Kokkelvisserij UA, por G. van der Wal, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster e N. A. J. Bel, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Valero Jordana, na qualidade de agente, assistido por J. Stuyck, avocat,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 29 de Janeiro de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 6.° da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «directiva habitats»).

2
Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Landelijke Vereniging tot Behoud van de Waddenzee (associação nacional para a preservação do mar dos Wadden, a seguir «Waddenvereniging») e a Nederlandse Vereniging tot Bescherming van Vogels (associação neerlandesa para a protecção das aves, a seguir «Vogelbeschermingsvereniging») ao Staatssecretaris van Landbouw, Natuurbeheer en Visserrij (secretário de Estado da Agricultura, do Património Natural e das Pescas, a seguir «secretário de Estado») a propósito de licenças que este último concedeu à Coöperatieve Producentenorganisatie van der Nederlandse Kokkelvisserij UA (cooperativa dos pescadores neerlandeses de berbigão, a seguir «PO Kokkelvisserij») para pescar mecanicamente berbigão na zona de protecção especial (a seguir «ZPE») do mar dos Wadden, classificada nos termos do artigo 4.° da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125; a seguir «directiva aves»).


Enquadramento jurídico

A directiva aves

3
O artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva aves obriga os Estados‑Membros a classificarem em ZPE os territórios que satisfaçam os critérios ornitológicos fixados nessas disposições.

4
O artigo 4.°, n.° 4, da directiva aves prevê:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas de protecção referidas nos n.os 1 e 2, a poluição ou a deterioração dos habitats bem como as perturbações que afectam as aves, desde que tenham um efeito significativo a propósito dos objectivos do presente artigo. Para além destas zonas de protecção, os Estados‑Membros esforçam-se igualmente por evitar a poluição ou a deterioração dos habitats.»

A directiva habitats

5
O artigo 6.° da directiva habitats estabelece:

«1.     Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2.       Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva.

3.       Os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.° 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projectos depois de se terem assegurado de que não afectarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.       Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projecto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adoptadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

6
Em conformidade com o artigo 7.° da directiva habitats, «[a]s obrigações decorrentes dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 6.° substituem as decorrentes do n.° 4, primeira frase, do artigo 4.° da [d]irectiva [aves], no respeitante às zonas de protecção especial classificadas nos termos do n.° 1 do artigo 4.° ou analogamente reconhecidas nos termos do n.° 2, do artigo 4.° da presente directiva a partir da data da sua entrada em aplicação ou da data da classificação ou do reconhecimento pelo Estado‑Membro nos termos da [d]irectiva [aves], se esta for posterior».

Legislação nacional

7
Por força do artigo 12.°, n.° 1, da Natuurbeschermingswet (lei sobre a protecção da natureza), é proibido praticar, mandar praticar ou tolerar actos prejudiciais à integridade natural ou ao interesse, em termos de ciências naturais, de um sítio natural protegido ou que o alterem, sem autorização do Minister van Landbouw, Natuurbeher en Visserij (ministro da Agricultura, do Património Natural e das Pescas, a seguir «ministro») ou em violação das condições estipuladas nessa autorização. Por força do n.° 2 do mesmo artigo, as operações que afectem as características essenciais, enunciadas na decisão de designação, de um sítio natural protegido são sempre consideradas prejudiciais à integridade natural de tal sítio ou ao seu interesse em termos de ciências naturais.

8
Resulta da decisão de 17 de Novembro de 1993, que designa o mar dos Wadden como sítio natural do Estado, e da exposição de motivos dessa decisão, que dela faz parte integrante, que a política de concessão e de revogação de licenças com base na Natuurbeschermingswet está ligada à política que é seguida no âmbito da Planologische Kernbeslissing Waddenzee (decisão de base em matéria de ordenamento do mar dos Wadden, a seguir «PKB mar dos Wadden»). Deste modo, segundo a referida exposição dos motivos, é criado um quadro adequado para a fiscalização, através dos procedimentos da Natuurbeschermingswet, das actividades eventualmente prejudiciais para o objectivo principal da PKB mar dos Wadden, a saber, uma protecção e um desenvolvimento durável deste mar enquanto sítio natural e, em especial, das zonas de alimentação, de nidificação e de repouso das aves que frequentam esse sítio. Neste sítio, as actividades humanas com significado económico são possíveis, sob reserva de uma avaliação suficiente à luz do objectivo principal. As actividades consideradas no mar dos Wadden devem, portanto, ser fiscalizadas e avaliadas em função do objectivo e das orientações políticas acima mencionadas.

9
Ao capítulo da PKB mar dos Wadden consagrado à gestão da pesca costeira foi dada execução através da decisão do governo de 21 de Janeiro de 1993, ou seja, a Structuurnota Zee- en kustvisserij «Vissen naar evenwicht». Esta determina a política relativa à pesca de moluscos, designadamente no mar dos Wadden, para os anos 1993 a 2003, e inclui determinado número de restrições relativas à pesca do berbigão. Determinadas zonas desse sítio natural do Estado estão permanentemente encerradas à pesca do berbigão e, mesmo nos anos de escassez de alimentos, 60% das necessidades alimentares médias das aves em berbigão e mexilhão são‑lhes reservadas. Não lhes estão reservadas 100% das necessidades alimentares médias porque as aves podem também recorrer a fontes alimentares alternativas (macoma balthica, amêijoa, caranguejo verde).

10
Segundo a PKB mar dos Wadden, resulta do princípio da precaução que, quando as melhores informações disponíveis deixarem subsistir uma dúvida manifesta relativa à inexistência de eventuais consequências negativas importantes para o ecossistema, o benefício da dúvida fará inclinar a balança a favor da preservação do mar dos Wadden. Resulta do despacho de reenvio que a maioria dos estudos científicos disponíveis e consultados não revelam de forma unívoca a existência de importantes repercussões negativas para o ecossistema do referido mar relacionadas com a pesca mecânica de berbigão.


Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11
Através de decisões de 1 de Julho de 1999 e de 7 de Julho de 2000 (a seguir «decisões em causa no processo principal»), o secretário de Estado concedeu à PO Kokkelvisserij, sob determinadas condições, licenças para pescar mecanicamente berbigão na ZPE do mar dos Wadden nos períodos, respectivamente, de 16 de Agosto a 25 de Novembro de 1999 e de 14 de Agosto a 30 de Novembro de 2000.

12
A Waddenvereniging e a Vogelbeschermingsvereniging reclamaram dessas decisões para o secretário de Estado, o qual, por decisões de 23 de Dezembro de 1999 e de 19 de Fevereiro de 2001, declarou que as acusações formuladas contra as decisões em causa no processo principal não eram fundadas e negou provimento aos recursos dirigidos contra elas.

13
As referidas associações de protecção da natureza interpuseram recurso dessas decisões de indeferimento para o Raad van State. Alegaram, no essencial, que a pesca de berbigão, tal como autorizada pelas decisões em causa no processo principal, afectava de forma duradoira a geomorfologia, a flora e a fauna do fundo do mar dos Wadden. Também alegaram que a referida pesca destruía as provisões alimentares das aves que se alimentavam de moluscos, conduzindo a uma diminuição da sua população, nomeadamente dos ostraceiros e dos edredões. Além disso, a Waddenvereniging e a Vogelbeschermingsvereniging alegaram que as referidas decisões eram contrárias às directivas habitats e aves.

14
Em relação à questão de saber se o artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva habitats foi correctamente transposto para o ordenamento jurídico neerlandês, o Raad van State indica que o artigo 12.° da Natuurbeschermingswet, embora não tendo explicitamente por objecto transpor as obrigações previstas no artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats, pode ser interpretado em conformidade com essa disposição. Tal como para esta disposição, a Natuurbeschermingswet também não inclui normas de transposição do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da referida directiva. Também não existem normas genericamente vinculativas destinadas a transpor as disposições desses dois números, que se aplicam de outra forma ao mar dos Wadden.

15
O órgão jurisdicional de reenvio recorda igualmente que, segundo a Waddenvereniging e a Vogelbeschermingsvereniging, tendo em conta a extensão da pesca de berbigão na ZPE do mar dos Wadden, existe um «plano ou projecto» que deve ser objecto de «avaliação adequada» nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, ao passo que, segundo o secretário de Estado, a actividade em questão, na medida em que existe há numerosos anos sem ter conhecido intensificação, enquadra‑se no artigo 6.°, n.° 2, dessa directiva.

16
Quanto à relação entre os n.os  2 e 3 do artigo 6.° da directiva habitats, a Waddenvereniging e a Vogelbeschermingsvereniging alegaram que, embora a actividade para a qual as licenças foram emitidas deva ser qualificada de «plano» ou «projecto» na acepção do n.° 3 desse artigo, deve, no entanto, ser fiscalizada à luz do seu n.° 2. Por conseguinte, há que analisar se o referido n.° 3 deve ser considerado uma modalidade específica das normas constantes do referido n.° 2, de modo que os dois números se devem aplicar cumulativamente, ou como disposição que tem um alcance distinto e autónomo, no sentido de que esse n.° 2 diz respeito à utilização existente, ao passo que o n.° 3 se aplica a novos planos ou projectos.

17
O Raad van State interroga‑se também sobre a questão de saber em que condições se deve proceder a uma «avaliação adequada» das incidências do plano ou do projecto sobre o sítio em questão. Além disso, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre quais são os critérios com base nos quais há que apreciar se se está perante «medidas adequadas» ou uma «avaliação adequada», tendo igualmente em conta a norma constante do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, segundo a qual as autoridades competentes só definem o seu acordo sobre o plano ou projecto depois de se terem certificado de que este não afecta a integridade do sítio em causa.

18
Por último, o referido órgão jurisdicional considera útil saber se o artigo 6.°, n.os 2 e 3, da directiva habitats tem efeito directo.

19
Nestas condições, o Raad van State decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) a)
Deverão os conceitos ‘planos ou projectos’ do artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, ser interpretados no sentido de que também abrangem uma actividade que já é exercida há muitos anos, mas relativamente à qual é, em princípio, concedida anualmente uma licença para um determinado período, licença essa que implica que se volte a apreciar se a actividade pode ser exercida e, em caso afirmativo, em que partes do sítio?

2) a)
No caso de decorrer da resposta à primeira questão que estão em causa ‘planos ou projectos’ na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, deverá o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats ser considerado uma especificação do disposto no n.° 2 ou como uma disposição com um alcance individual, autónomo, no sentido de que, por exemplo:

i)
o n.° 2 se refere à utilização existente e o n.° 3 a novos planos ou projectos, ou

ii)
o n.° 2 se refere a medidas de gestão e o n.° 3 a outras decisões, ou

iii)
o n.° 3 se refere a planos ou projectos e o n.° 2 às restantes actividades?

3) a)
Deverá o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats ser interpretado no sentido de que já existe um ‘plano ou projecto’ no caso de uma determinada actividade ser susceptível de afectar o sítio em causa (devendo a seguir ser feita uma ‘avaliação adequada’ para apurar se essa afectação é ‘significativa’) ou esta disposição significa que apenas é necessário efectuar uma ‘avaliação adequada’ no caso de ser (suficientemente) previsível que um ‘plano ou projecto’ pode afectar o sítio de forma significativa?

b)
Com base em que critérios deverá ser avaliado se um plano ou projecto na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, que não está directamente relacionado com a gestão do sítio e não é necessário para essa gestão, é susceptível de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos?

4) a)
Com base em que critérios se deverá avaliar, no âmbito da aplicação do artigo 6.° da directiva habitats, se estão em causa ‘medidas adequadas’, para o efeito do n.° 2 dessa disposição, ou uma ‘avaliação adequada’, tendo ainda em conta a segurança exigida para que os planos ou projectos sejam autorizados nos termos do n.° 3?

b)
Os conceitos ‘medidas adequadas’ ou ‘avaliação adequada’ têm um significado autónomo ou deverão ser apreciados tendo igualmente em conta o artigo 174.°, n.° 2, do Tratado CE, nomeadamente, o princípio da prevenção aí referido?

c)
No caso de dever atender‑se ao princípio da prevenção do artigo 174.°, n.° 2, do Tratado CE, implica isso que uma determinada actividade, como a pesca de berbigão, poderá ser autorizada se não houver dúvidas manifestas quanto à ausência de eventuais consequências significativas, ou é necessário que não exista qualquer dúvida relativamente à ausência de tais consequências ou que essa ausência possa ser demonstrada com certeza?

5)
O artigo 6.°, n.os 2 ou 3, da directiva habitats possui efeito directo, no sentido de que os particulares o podem invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais e de que cabe a estes, conforme decidido designadamente no acórdão [de 14 de Dezembro de 1995], Peterbroeck [(C‑312/93, Colect., p. I‑4599)], garantir a protecção jurídica que aos particulares advém do efeito directo?»

20
Por despacho de 28 de Abril de 2004, o pedido da PO Kokkelvisserij com vista a ser autorizada a apresentar observações escritas na sequência das conclusões apresentadas pela advogada‑geral ou a poder, de outra forma, responder a essas conclusões, foi indeferido.


Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

Quanto à primeira questão, alínea a)

21
Através da sua primeira questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a pesca mecânica de berbigão, praticada há muitos anos, mas para a qual é emitida todos os anos uma licença por um período limitado, licença que implica, por ocasião de cada renovação, uma nova avaliação tanto da possibilidade de exercer essa actividade como do sítio onde pode ser exercida, se enquadra no conceito de «plano» ou de «projecto» do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats.

22
Nos termos do décimo considerando da directiva habitats, «qualquer plano ou programa susceptível de afectar de modo significativo os objectivos de conservação de um sítio designado ou a designar no futuro deve ser objecto de avaliação adequada». Este considerando encontra a sua expressão no artigo 6.°, n.° 3, desta directiva, que prevê, designadamente, que um plano ou projecto susceptível de afectar o sítio em causa de forma significativa não pode ser autorizado sem uma avaliação prévia das suas incidências no mesmo.

23
A directiva habitats não define os conceitos de «plano» e de «projecto».

24
No entanto, a Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), cujo sexto considerando indica que a aprovação dos projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente só deve ser concedida após uma avaliação prévia dos efeitos significativos que estes projectos possam ter no ambiente, define no seu artigo 1.°, n.° 2, o conceito de projecto da seguinte forma:

«–
realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras,

outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo».

25
Uma actividade como a pesca mecânica de berbigão enquadra‑se no conceito de «projecto» como definido no artigo 1.°, n.° 2, segundo travessão, da Directiva 85/337.

26
Ora, tal conceito de «projecto» é pertinente para determinar o conceito de plano ou de projecto na acepção da directiva habitats que, como resulta do que acabou de ser exposto, visa, como a Directiva 85/337, evitar que actividades susceptíveis de afectar o ambiente sejam autorizadas sem avaliação prévia das suas incidências no ambiente.

27
Por conseguinte, uma actividade como a pesca mecânica de berbigão está abrangida pelo conceito de plano ou de projecto do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats.

28
O facto de a referida actividade ser praticada periodicamente há numerosos anos no sítio em causa e de o seu exercício necessitar a obtenção de uma licença anual, cuja emissão exige uma nova avaliação tanto da possibilidade de exercer essa actividade como do sítio onde pode ser exercida, não constitui, por si só, um obstáculo a que possa ser considerada, por ocasião de cada pedido, um plano ou projecto distinto na acepção da directiva habitats.

29
Por conseguinte, há que responder à primeira questão, alínea a), que a pesca mecânica de berbigão, praticada há muitos anos, mas para a qual é emitida todos os anos uma licença por um período limitado, licença que implica, por ocasião de cada renovação, uma nova avaliação tanto da possibilidade de exercer essa actividade como do sítio onde pode ser exercida, enquadra‑se no conceito de «plano» ou de «projecto» do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats.

Quanto à primeira questão, alínea b)

30
Tendo em conta a resposta à primeira questão, alínea a), não há que responder à primeira questão, alínea b).

Quanto à segunda questão

31
Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, qual é a natureza da relação existente entre os n.os  2 e 3 do artigo 6.° da directiva habitats.

32
Há que recordar que o artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats, lido em conjugação com o seu artigo 7.°, obriga os Estados‑Membros a adoptarem medidas adequadas para evitar nas ZPE a deterioração dos habitats bem como as perturbações significativas que afectem as espécies para as quais essas zonas foram designadas.

33
Quanto ao artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, prevê que as autoridades nacionais competentes só autorizarão um plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão, mas susceptível de afectar esse sítio de forma significativa, após se terem assegurado, através de uma avaliação adequada das incidências desse plano ou projecto sobre o sítio, de que não afectará a sua integridade.

34
Por conseguinte, esta última disposição institui um procedimento com vista a garantir, graças a uma fiscalização prévia, que um plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão, mas susceptível de afectar este último de forma significativa, só seja autorizado desde que não afecte a sua integridade.

35
Ora, o facto de um plano ou projecto ter sido autorizado segundo o procedimento previsto no artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats torna desnecessária, tratando‑se de uma intervenção sobre o sítio protegido objecto do referido plano ou projecto, uma aplicação concomitante da norma de protecção geral objecto do n.° 2 do mesmo artigo.

36
Com efeito, a autorização de um plano ou projecto, concedida nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, supõe necessariamente que tal plano ou projecto tenha sido considerado insusceptível de afectar a integridade do sítio em causa e, por consequência, também de provocar deteriorações ou perturbações significativas na acepção do n.° 2 do referido artigo.

37
No entanto, não se pode excluir que, mais tarde, tal plano ou projecto se revele, mesmo na ausência de qualquer erro imputável às autoridades nacionais competentes, susceptível de provocar tais deteriorações ou perturbações. Nestas condições, a aplicação do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats permite dar resposta ao objectivo essencial da preservação e da protecção da qualidade do ambiente, incluindo a preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens, como enunciado no primeiro considerando desta mesma directiva.

38
Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats institui um procedimento com vista a garantir, graças a uma fiscalização prévia, que um plano ou um projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão, mas susceptível de afectar este último de forma significativa, só seja autorizado desde que não afecte a integridade desse sítio, ao passo que o artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva estabelece uma obrigação de protecção geral, que consiste em evitar deteriorações e perturbações que possam ter efeitos significativos à luz dos objectivos da directiva, não podendo aplicar‑se concomitantemente com n.° 3 do mesmo artigo.

Quanto à terceira questão

Quanto à terceira questão, alínea a)

39
Há que recordar que, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva habitats, os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação do mesmo.

40
Assim, a exigência de uma avaliação adequada das incidências de um plano ou de um projecto está dependente da condição de este poder afectar o sítio em causa de forma significativa.

41
Portanto, o accionamento do mecanismo de protecção do ambiente previsto no artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats não pressupõe, como aliás resulta do guia de interpretação deste artigo elaborado pela Comissão, guia intitulado «Gérer les sites Natura 2000 – Les dispositions de l’article 6 de la directive ‘habitats’ (92/43/CEE)» (Gerir os sítios Natura 2000 – As disposições do artigo 6.° da directiva habitats), a certeza de que o plano ou projecto considerado afecte o sítio em causa de forma significativa, mas resulta da simples probabilidade de tal efeito estar relacionado com o referido plano ou projecto.

42
Em relação ao artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 85/337, cuja redacção, essencialmente semelhante à do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, prevê que «[o]s Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes de concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente […] sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos», o Tribunal de Justiça considerou que esses projectos são os que podem ter um impacto significativo no ambiente (v., neste sentido, acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/Portugal, C‑117/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 85).

43
Daí resulta que o artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva habitats faz depender a exigência de uma avaliação adequada das incidências de um plano ou projecto da condição de haver uma probabilidade ou um risco de este último afectar o sítio em causa de modo significativo.

44
Ora, tendo em conta, em especial, o princípio da precaução, que é um dos fundamentos da política de protecção de nível elevado prosseguida pela Comunidade no domínio do ambiente, nos termos do artigo 174.°, n.° 2, primeiro parágrafo, CE e à luz do qual deve ser interpretada a directiva habitats, tal risco existe quando não se pode excluir, com base em elementos objectivos, que o referido plano ou projecto afecte o sítio em causa de modo significativo (v., por analogia, designadamente, acórdão de 5 de Maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C‑180/96, Colect., p. I‑2265, n.os  50, 105 e 107). Tal interpretação da condição a que está subordinada a avaliação dos efeitos de um plano ou projecto num sítio determinado, que implica que, em caso de dúvida quanto à inexistência de efeitos significativos, se deva proceder a tal avaliação, permite evitar, de forma eficaz, que sejam autorizados planos ou projectos que afectem a integridade do sítio em causa e contribui, assim, para realizar, em conformidade com o terceiro considerando e com o artigo 2.°, n.° 1, da directiva habitats, o seu objectivo principal, a saber, assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens.

45
Tendo em conta o exposto, há que responder à terceira questão, alínea a), que o artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva habitats deve ser interpretado no sentido de que qualquer plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão será objecto de uma avaliação adequada das suas incidências no mesmo à luz dos objectivos de conservação desse sítio, quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, que tal plano ou projecto afecte o referido sítio de modo significativo, individualmente ou em conjugação com outros planos ou projectos.

Quanto à terceira questão, alínea b)

46
Como resulta do artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva habitats, conjugado com o seu décimo considerando, o carácter significativo da incidência num sítio de um plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio ou necessário para essa gestão está relacionado com os objectivos de conservação deste último.

47
Assim, quando tal plano ou projecto, mesmo tendo uma incidência no referido sítio, não implique o risco de comprometer os objectivos de conservação deste, não pode ser considerado susceptível de afectar de forma significativa o sítio em questão.

48
Pelo contrário, quando tal plano ou projecto implique o risco de comprometer os objectivos de conservação do sítio em causa, deve necessariamente ser considerado susceptível de afectar este último de forma significativa. No âmbito da apreciação prospectiva dos efeitos resultantes do referido plano ou projecto, o seu carácter significativo deve, como defendeu, em substância, a Comissão, ser determinado designadamente à luz das características e condições ambientais específicas do sítio a que respeita esse plano ou projecto.

49
Por conseguinte, há que responder à terceira questão, alínea b), que, por força do artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva habitats, quando um plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão implique o risco de comprometer os seus objectivos de conservação, deve ser considerado susceptível de afectar esse sítio de forma significativa. A apreciação do referido risco deve ser efectuada, designadamente, à luz das características e condições ambientais específicas do sítio a que respeita esse plano ou projecto.

Quanto à quarta questão

50
Através da sua quarta questão, alíneas a) a c), o órgão jurisdicional de reenvio pede, no essencial, ao Tribunal de Justiça que precise, por um lado, os conceitos, respectivamente, de «medidas adequadas» na acepção do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats, bem como de «avaliação adequada», na acepção do n.° 3 deste artigo e, por outro, em que condições uma actividade como a pesca mecânica de berbigão pode ser autorizada.

51
À luz do contexto em que se inscreve o litígio do processo principal, bem como das apreciações feitas, designadamente das respostas às duas primeiras questões, não é necessário, como recorda a advogada‑geral no n.° 116 das suas conclusões, responder à quarta questão no que diz respeito ao artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats.

52
Em relação ao conceito de «avaliação adequada» na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, há que referir que esta última não define nenhum método especial para efectuar tal avaliação.

53
No entanto, segundo a própria redacção dessa disposição, uma avaliação adequada das incidências do plano ou projecto no sítio em causa deve preceder a sua aprovação e ter em conta os efeitos cumulativos que decorrem da conjugação desse plano ou projecto com outros planos ou projectos, tendo em conta os objectivos de conservação do sítio em causa.

54
Tal avaliação implica, portanto, que sejam identificados, tendo em consideração os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspectos do plano ou do projecto que possam, por si sós ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar os referidos objectivos. Ora, estes objectivos podem, como resulta dos artigos 3.° e 4.° da directiva habitats e, em especial, do n.° 4 desta última disposição, ser determinados em função, designadamente, da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento, num estado de conservação favorável, de um tipo de habitat natural do anexo I da referida directiva ou de uma espécie do seu anexo II e para a coerência da rede Natura 2000, bem como das ameaças de degradação e de destruição que ameaçam esses sítios.

55
No que respeita à questão de saber em que condições uma actividade como a pesca mecânica de berbigão pode ser autorizada, há que recordar que, tendo em conta o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats e a resposta à primeira questão, compete às autoridades nacionais competentes, face às conclusões da avaliação das incidências do plano ou do projecto no sítio em causa, aprovar tal plano ou projecto somente após se terem certificado de que não afectará a integridade do referido sítio.

56
Portanto, a autorização do plano ou do projecto em questão só pode ser concedida na condição de as autoridades nacionais competentes terem a certeza de que é desprovido de efeitos prejudiciais para a integridade do sítio em questão.

57
Assim, quando subsista uma incerteza quanto à inexistência de efeitos prejudiciais para a integridade do referido sítio resultantes do plano ou do projecto considerado, a autoridade competente deverá recusar a sua autorização.

58
A este respeito, há que referir que o critério da autorização previsto no artigo 6.°, n.° 3, segundo período, da directiva habitats integra o princípio da precaução (v. acórdão de 5 de Maio de 1998, National Farmers’ Union e o., C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.° 63) e permite prevenir de forma eficaz os actos contra a integridade dos sítios protegidos devidos aos planos ou projectos considerados. Um critério de autorização menos estrito do que o que está em causa não pode garantir de forma igualmente eficaz a realização do objectivo de protecção dos sítios da referida disposição.

59
Assim, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, as autoridades nacionais competentes, tendo em conta as conclusões da avaliação adequada dos efeitos da pesca mecânica de berbigão no sítio em causa à luz dos objectivos de conservação deste último só autorizam tal actividade desde que tenham a certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos (v., por analogia, acórdão de 9 de Setembro de 2003, Monsanto Agricoltura Italia e o., C‑236/01, ainda não publicado na Colectânea, n.os 106 e 113).

60
No caso contrário, a pesca mecânica de berbigão poderia, sendo caso disso, ser autorizada nos termos do artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats, desde que estivessem preenchidos os requisitos aí estabelecidos.

61
Tendo em vista o exposto, há que responder à quarta questão que, por força do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, uma avaliação adequada dos efeitos do plano ou do projecto sobre o sítio em questão implica que, antes da sua aprovação, sejam identificados, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspectos do plano ou do projecto que possam, por si sós ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar os objectivos de conservação desse sítio. As autoridades nacionais competentes, tendo em conta a avaliação adequada dos efeitos da pesca mecânica de berbigão no sítio em causa à luz dos objectivos de conservação deste último, só autorizam essa actividade desde que tenham a certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos.

Quanto à quinta questão

62
Tendo em conta a conclusão a que se chegou no n.° 51 do presente acórdão, não é necessário, no caso vertente, analisar a quinta questão, na medida em que tem por objecto o artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats.

63
Portanto, há que limitar‑se a analisar a referida questão no que respeita ao artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats.

64
Através da sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, quando um órgão jurisdicional é chamado a verificar a legalidade de uma autorização relativa a um plano ou a um projecto na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, pode fiscalizar se os limites impostos por essa disposição à margem de apreciação das autoridades nacionais competentes foram respeitados, mesmo que essa disposição não tenha sido transposta para o ordenamento jurídico do Estado‑Membro em causa, apesar de ter expirado o prazo previsto para esse efeito.

65
A este respeito, deve-se recordar, em primeiro lugar, que a obrigação de um Estado‑Membro adoptar todas as medidas necessárias para alcançar o resultado imposto por uma directiva é uma obrigação coerciva imposta pelo artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE e pela própria directiva. Esta obrigação de tomar todas as medidas gerais ou especiais impõe-se a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais (v. acórdão de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o., C‑72/95, Colect., p. I‑5403, n.° 55).

66
Quanto ao direito de um particular invocar uma directiva e de o juiz nacional a tomar em consideração, é incompatível com o efeito coercivo que o artigo 249.° CE reconhece à directiva excluir, em princípio, que a obrigação que ela impõe possa ser invocada pelas pessoas em causa. Especialmente nos casos em que as autoridades comunitárias tenham, por meio de directiva, obrigado os Estados‑Membros a adoptar um determinado comportamento, o efeito útil desse acto seria enfraquecido se os particulares fossem impedidos de o invocar em juízo e os órgãos jurisdicionais nacionais impedidos de o tomar em consideração enquanto elemento do direito comunitário para verificar se, dentro dos limites da competência que lhes é atribuída quanto à forma e aos meios para a execução da directiva, o legislador nacional permaneceu dentro dos limites da margem de apreciação traçada pela directiva (v. acórdão Kraaijeveld e o., já referido, n.° 56). O mesmo acontece quando se trata de verificar se, na falta de transposição para direito nacional da disposição pertinente da directiva em questão, a autoridade nacional que adoptou o acto impugnado se manteve nos limites da margem de apreciação traçada pela referida disposição.

67
No que respeita, mais especialmente, aos limites da margem de apreciação traçados pelo artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, resulta dessa disposição que, num caso como o do processo principal, as autoridades nacionais competentes, tendo em conta as conclusões da avaliação adequada dos efeitos da pesca mecânica de berbigão no sítio em causa, à luz dos objectivos de conservação deste último, só autorizam tal actividade desde que tenham a certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio e assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos (v. n.° 59 do presente acórdão).

68
Por conseguinte, tal condição não seria respeitada no caso de as autoridades nacionais autorizarem a referida actividade perante uma incerteza quanto à inexistência de efeitos prejudiciais para o sítio em causa.

69
Daí resulta que o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats pode ser tomado em consideração pelo órgão jurisdicional nacional para fiscalizar se a autoridade nacional que emitiu uma autorização relativa a um plano ou a um projecto se manteve nos limites da margem de apreciação traçada pela disposição em causa.

70
Por conseguinte, há que responder à quinta questão que, quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a verificar a legalidade de uma autorização relativa a um plano ou a um projecto na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, pode fiscalizar se os limites impostos por essa disposição à margem de apreciação das autoridades nacionais competentes foram respeitados, mesmo que essa disposição não tenha sido transposta para o ordenamento jurídico do Estado‑Membro em causa, apesar de ter expirado o prazo previsto para esse efeito.


Quanto às despesas

71
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas para apresentar observações ao Tribunal de Justiça, para além das despesas efectuadas pelas referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)
A pesca mecânica de berbigão, praticada há muitos anos mas para a qual é emitida todos os anos uma licença por um período limitado, licença que implica, por ocasião de cada renovação, uma nova avaliação tanto da possibilidade de exercer essa actividade como do sítio onde pode ser exercida, enquadra‑se no conceito de «plano» ou de «projecto» do artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens.

2)
O artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43 institui um procedimento com vista a garantir, graças a uma fiscalização prévia, que um plano ou um projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão, mas susceptível de afectar este último de forma significativa, só seja autorizado desde que não afecte a integridade desse sítio, ao passo que o artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva estabelece uma obrigação de protecção geral, que consiste em evitar deteriorações e perturbações que possam ter efeitos significativos à luz dos objectivos da directiva, não podendo aplicar‑se concomitantemente com o n.° 3 do mesmo artigo.

3) a)
O artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da Directiva 92/43 deve ser interpretado no sentido de que qualquer plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão será objecto de uma avaliação adequada das suas incidências no mesmo à luz dos objectivos de conservação desse sítio, quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, que tal plano ou projecto afecte o referido sítio de modo significativo, individualmente ou em conjugação com outros planos ou projectos.

b)       Por força do artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da Directiva 92/43, quando um plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão implique o risco de comprometer os seus objectivos de conservação, deve ser considerado susceptível de afectar esse sítio de forma significativa. A apreciação do referido risco deve ser efectuada, designadamente, à luz das características e condições ambientais específicas do sítio a que respeita esse plano ou projecto.

4)       Por força do artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43, uma avaliação adequada dos efeitos do plano ou do projecto sobre o sítio em questão implica que, antes da sua aprovação, sejam identificados, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspectos do plano ou do projecto que possam, por si sós ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar os objectivos de conservação desse sítio. As autoridades nacionais competentes, tendo em conta a avaliação adequada dos efeitos da pesca mecânica de berbigão no sítio em causa à luz dos objectivos de conservação deste último, só autorizam essa actividade desde que tenham a certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos.

5)       Quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a verificar a legalidade de uma autorização relativa a um plano ou a um projecto na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43, pode fiscalizar se os limites impostos por essa disposição à margem de apreciação das autoridades nacionais competentes foram respeitados, mesmo que essa disposição não tenha sido transposta para o ordenamento jurídico do Estado‑Membro em causa, apesar de ter expirado o prazo previsto para esse efeito.

Assinaturas.


1
Língua do processo: neerlandês.