Processo C‑105/02

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Federal da Alemanha

«Incumprimento de Estado – Recursos próprios das Comunidades – Cadernetas TIR sem quitação – Não transmissão dos recursos próprios correspondentes»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 8 de Dezembro de 2005 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 5 de Outubro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Acção por incumprimento – Objecto do litígio – Pedido de que seja ordenado a um Estado‑Membro que adopte determinadas medidas – Inadmissibilidade

(Artigo 226.° CE)

2.     Acção por incumprimento – Objecto do litígio – Determinação durante o processo pré‑contencioso

(Artigo 226.° CE)

3.     Recursos próprios das Comunidades Europeias – Apuramento e colocação à disposição pelos Estados‑Membros

[Artigo 10.° CE; Regulamento n.° 1552/89 do Conselho, artigos 6.°, n.° 2, alínea b), e 17.°]

4.     Estados-Membros – Obrigações – Missão de vigilância atribuída à Comissão – Dever dos Estados‑Membros – Colaboração nas investigações em matéria de incumprimento pelo Estado

(Artigos 10.° CE e 226.° CE; Regulamento n.° 1552/89 do Conselho, artigo 18.°)

1.     A acção intentada nos termos do artigo 226.° CE tem por objecto a declaração do incumprimento por um Estado‑Membro das suas obrigações comunitárias. A declaração desse incumprimento obriga, segundo os próprios termos do artigo 228.° CE, o Estado‑Membro em causa a tomar todas as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça. Em contrapartida, este não pode ordenar a este Estado que tome determinadas medidas. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não pode, no âmbito de uma acção por incumprimento, pronunciar‑se sobre alegações respeitantes a pedidos que se destinam a requerer‑lhe que intime um Estado‑Membro a lançar na conta montantes determinados, a fornecer informações relativas a determinados montantes e transferências e a pagar juros de mora.

(cf. n.os 44, 45)

2.     A notificação para cumprir dirigida pela Comissão ao Estado‑Membro e, seguidamente, o parecer fundamentado emitido pela Comissão nos termos do artigo 226.° CE delimitam o objecto do litígio, o qual, a partir de então, já não pode ser ampliado. Com efeito, a faculdade de o Estado‑Membro em causa apresentar as suas observações constitui, mesmo que ele entenda não a dever utilizar, uma garantia essencial instituída pelo Tratado e uma formalidade essencial da regularidade do processo que verifica um incumprimento de um Estado‑Membro. Contudo, esta exigência não pode ir ao ponto de impor, em todos os casos, uma coincidência perfeita entre o enunciado das acusações na notificação para cumprir, a parte decisória do parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, quando o objecto do litígio não tenha sido ampliado ou alterado, mas, pelo contrário, simplesmente reduzido.

(cf. n.os 47, 48)

3.     Viola a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros por força do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89, relativo à aplicação da Decisão 88/376 relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades, de tomarem as medidas necessárias para colocarem os recursos próprios à disposição da Comissão nas condições previstas por este regulamento um Estado‑Membro que decide unilateralmente suspender os processos de cobrança judicial de créditos apurados relativos às cadernetas TIR contra as associações garantes referidas no artigo 8.° da Convenção Aduaneira relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias a coberto das Cadernetas TIR, celebrar com elas acordos de moratórias e lançar os referidos direitos, que foram definitivamente apurados, na contabilidade separada prevista no artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do referido regulamento (a contabilidade B) em lugar de os lançar na contabilidade A até ao montante máximo da garantia acordada no quadro do regime TIR, sem que os direitos em apreço tenham sido objecto de contestação pela associação garante dentro dos prazos estabelecidos e sejam susceptíveis de sofrer variações na sequência de eventuais diferendos e contra as objecções formuladas pela Comissão.

(cf. n.os 76, 83, 86, 87, 89, 99, disp.)

4.     Resulta do artigo 10.° CE que os Estados‑Membros estão obrigados a cooperar de boa fé com as investigações da Comissão no âmbito do artigo 226.° CE e a fornecer‑lhe todas as informações requeridas para o efeito.

No que toca à obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de tomarem, em cooperação leal com a Comissão, as medidas necessárias para assegurar a aplicação das disposições comunitárias relativas ao apuramento de eventuais recursos próprios, decorre em particular da referida obrigação – consagrada mais concretamente em matéria de verificação no artigo 18.° do Regulamento n.° 1552/89, relativo à aplicação da Decisão 88/376 relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades – que, quando a Comissão está largamente dependente dos elementos fornecidos pelo Estado‑Membro em causa, este é obrigado a pôr à disposição da Comissão os documentos comprovativos e outros documentos úteis, em condições razoáveis, a fim de que esta possa verificar se, e se for esse o caso, em que medida, os montantes em questão se relacionam com os recursos próprios das Comunidades.

(cf. n.os 93, 94)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

5 de Outubro de 2006 (*)

«Incumprimento de Estado – Recursos próprios das Comunidades – Cadernetas TIR sem quitação – Não transmissão dos recursos próprios correspondentes»

No processo C‑105/02,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 21 de Março de 2002,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Wilms, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por W.‑D. Plessing e R. Stüwe, na qualidade de agentes, assistidos por D. Sellner, Rechtsanwalt,

demandada,

apoiada por

Reino da Bélgica, representado por M. Wimmer e A. Snoecx, na qualidade de agentes, assistidos por B. van de Walle de Ghelcke, avocat,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, N. Colneric, J. N. Cunha Rodrigues (relator), M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de Maio de 2005,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de Dezembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1       Na petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal que declare que:

–       ao não dar regularmente quitação de determinados documentos de trânsito (cadernetas TIR), o que teve como consequência que não fossem contabilizados correctamente nem colocados à disposição da Comissão dentro dos prazos previstos para tal os recursos próprios daí resultantes,

–      ao não comunicar à Comissão todos os outros montantes aduaneiros não contestados que sofreram um tratamento análogo (inscrição na «contabilidade B», em vez de inscrição na «contabilidade A») quanto à inexistência de quitação de cadernetas TIR pelas alfândegas alemãs a partir de 1994 até à modificação do Decreto do Ministro Federal das Finanças de 11 de Setembro de 1996 (III B 1 – Z 0912 – 31/96, a seguir «decreto federal de 1996»),

a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento (CEE, Euratom) n.° 1552/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, relativo à aplicação da Decisão 88/376/CEE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 155, p. 1), substituída, com efeitos a contar de 31 de Maio de 2000, pelo Regulamento (CE, Euratom) n.° 1150/2000 do Conselho, de 22 de Maio de 2000, relativo à aplicação da Decisão 94/728/CE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 130, p. 1).

A Comissão pede ainda ao Tribunal de Justiça que declare que:

–       a República Federal da Alemanha tem a obrigação de creditar imediatamente na conta da Comissão os recursos próprios não pagos devido aos incumprimentos referidos nos n.os 1 e 2,

–       a República Federal da Alemanha tem a obrigação de indicar, relativamente a eventuais montantes já transferidos, a data de vencimento do crédito, o montante devido e, sendo esse o caso, a data da transferência,

–       em conformidade com os artigos 11.° do Regulamento n.° 1552/89, até 31 de Maio de 2000, e 11.° do Regulamento n.° 1150/2000, para o período posterior a 31 de Maio de 2000, a República Federal da Alemanha é obrigada a pagar a favor do orçamento comunitário os juros devidos em caso de contabilização extemporânea.

 Quadro jurídico

 A convenção TIR

2       A Convenção Aduaneira relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias a coberto das Cadernetas TIR (a seguir «convenção TIR») foi assinada em Genebra (Suíça), em 14 de Novembro de 1975. A República Federal da Alemanha é parte nesta convenção, bem como a Comunidade Europeia, que a aprovou pelo Regulamento (CEE) n.° 2112/78 do Conselho, de 25 de Julho de 1978 (JO L 252, p. 1; EE 02 F5 p. 46). A referida convenção entrou em vigor para a Comunidade em 20 de Junho de 1983 (JO L 31, p. 13).

3       A convenção TIR prevê, nomeadamente, que as mercadorias transportadas ao abrigo do regime TIR, por ela estabelecido, não estão sujeitas ao pagamento ou ao depósito de direitos e taxas de importação ou de exportação, nas estâncias aduaneiras de passagem.

4       Para a aplicação destes benefícios, a convenção TIR exige que as mercadorias sejam acompanhadas, no decurso de todo o transporte, por um documento de expedição uniforme, a caderneta TIR, que serve para fiscalizar a regularidade da operação. Exige igualmente, em conformidade com as disposições do seu artigo 6.°, que os transportes tenham lugar sob a garantia de associações autorizadas pelas partes contratantes.

5       O artigo 6.°, n.° 1, da convenção TIR, prevê:

«Sob as condições e garantias que determinar, cada Parte contratante poderá autorizar associações a emitir cadernetas TIR, quer directamente quer por intermédio de associações correspondentes, e a servirem de fiadores.»

6       A caderneta TIR é composta por uma série de folhas que compreendem um exemplar n.° 1 e um exemplar n.° 2, com os correspondentes talões, onde figuram todas as informações necessárias, utilizando‑se um par de exemplares por cada território atravessado. No início da operação de transporte, o talão n.° 1 é entregue na estância aduaneira de partida; o apuramento tem lugar à chegada do talão n.° 2 proveniente da estância aduaneira de saída, situada no mesmo território aduaneiro. Este procedimento repete‑se em cada território atravessado, utilizando os diferentes pares de exemplares que se encontram na mesma caderneta.

7       As cadernetas TIR são impressas e distribuídas pela International Road Transport Union (União Internacional dos Transportes Rodoviários, a seguir «IRU»), com sede em Genebra. A entrega aos utilizadores é assegurada pelas associações responsáveis de cada Estado, habilitadas para o efeito pelas Administrações das partes contratantes. A caderneta TIR é entregue pela associação responsável do país de partida, sendo a garantia prestada coberta pela IRU e por um grupo de seguradoras sedeado na Suíça (a seguir «grupo de seguradoras»).

8       O artigo 8.° da convenção TIR estabelece:

«1.      A associação responsável comprometer‑se‑á a pagar os direitos e taxas de importação ou de exportação devidos, acrescidos, se for caso disso, de juros de mora que deveriam ter sido pagos por virtude das leis e dos regulamentos aduaneiros do país em que tiver sido constatada uma irregularidade relativamente a uma operação TIR. A referida associação será responsabilizada, conjunta e solidariamente com as pessoas devedoras das quantias acima mencionadas, pelo pagamento dessas quantias.

2.      Quando as leis e regulamentos de uma Parte contratante não prevejam o pagamento dos direitos e taxas de importação ou de exportação nos casos referidos no parágrafo 1 acima, a associação responsável comprometer‑se‑á a pagar, nas mesmas condições, uma soma igual ao montante dos direitos e taxas de importação ou de exportação, acrescidos, se for caso disso, dos juros de mora.

3.      Cada Parte contratante determinará a quantia máxima, por caderneta TIR, que poderá ser exigida à associação responsável nos termos das disposições dos parágrafos 1 e 2 acima.

4.      A responsabilidade da associação responsável perante as autoridades do país onde está situada a estância aduaneira de partida, começará a partir do momento em que a caderneta TIR for aceite pela estância aduaneira. Nos países seguintes, atravessados no decorrer de uma operação de transporte de mercadorias ao abrigo do regime TIR, essa responsabilidade começará quando as mercadorias forem importadas [...]

5.      A responsabilidade da associação responsável estender‑se‑á não apenas às mercadorias enumeradas na caderneta TIR, mas também às mercadorias que, muito embora não estando mencionadas nesta caderneta, se encontrem na parte selada do veículo rodoviário ou no contentor selado; não se estenderá a qualquer outra mercadoria.

6.      Para determinar os direitos e taxas visados nos parágrafos 1 e 2 deste artigo, as indicações relativas às mercadorias que figuram na caderneta TIR serão válidas até prova em contrário.

7.      Quando as quantias visadas nos parágrafos 1 e 2 deste artigo se tornarem exigíveis, as autoridades competentes devem, na medida do possível, intimar a (ou as) pessoa(s) directamente responsáveis por essas quantias a efectuar o pagamento antes de apresentarem a reclamação à associação responsável.»

 O regime dos recursos próprios das Comunidades

9       O artigo 2.° do Regulamento n.° 1552/89, que figura no título I com a epígrafe «Disposições gerais», estabelece:

«1.      Para efeitos da aplicação do presente regulamento, um direito das Comunidades sobre os recursos próprios referidos no n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 2.° da Decisão 88/376/CEE, Euratom considera‑se apurado quando o serviço competente do Estado‑Membro tiver comunicado ao devedor o montante por ele devido. Tal comunicação será efectuada logo que seja conhecido o devedor e que o montante do direito possa ser determinado pelas autoridades administrativas competentes, em conformidade com todas as disposições comunitárias aplicáveis na matéria.

[…]»

10     Esta disposição foi modificada, com efeitos a partir de 14 de Julho de 1996, pelo Regulamento (Euratom, CE) n.° 1355/96 do Conselho, de 8 de Julho de 1996 (JO L 175, p. 3), cujo teor foi transposto para o artigo 2.° do Regulamento n.° 1150/2000, que prevê:

«1.      Para efeitos da aplicação do presente regulamento, um direito das Comunidades sobre os recursos próprios referidos no n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 2.° da Decisão 94/728/CE, Euratom, considera‑se apurado assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor.

2.      A data a considerar para o apuramento referido no n.° 1 é a data do registo de liquidação previsto na regulamentação aduaneira.

[…]»

11     O artigo 6.°, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 1552/89, que figura no título II, intitulado «Contabilização dos recursos próprios» [actual artigo 6.°, n.os 1 e 3, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 1150/2000], estabelece:

«1.      Será mantida pelo Tesouro de cada Estado‑Membro ou pelo organismo designado por cada Estado‑Membro uma contabilidade dos recursos próprios, discriminada segundo a natureza desses recursos.

2.      a)     Sem prejuízo do disposto na alínea b) do presente número, os direitos apurados nos termos do artigo 2.° serão lançados na contabilidade [normalmente designada como ‘contabilidade A’] o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado;

b)      Os direitos apurados e não inscritos na contabilidade referida na alínea a) por ainda não terem sido cobrados, nem ter sido fornecida qualquer caução, serão lançados numa contabilidade separada [normalmente designada como ‘contabilidade B’], no prazo previsto na alínea a). Os Estados‑Membros podem proceder do mesmo modo [n]os casos em que os direitos apurados e cobertos por garantias sejam objecto de contestação e possam vir a sofrer variações na sequência de eventuais diferendos;»

12     O artigo 9.° dos Regulamentos n.os 1552/89 e 1150/2000, que integra o título III, o qual tem como epígrafe «Colocação à disposição dos recursos próprios», tem o seguinte teor:

«1.      Segundo as regras definidas no artigo 10.°, cada Estado‑Membro inscreverá os recursos próprios a crédito da conta aberta para o efeito em nome da Comissão junto do Tesouro ou do organismo por ele designado.

A manutenção desta conta está isenta de encargos.

2.      Os montantes inscritos serão convertidos pela Comissão e lançados na sua contabilidade […]»

13     Segundo o artigo 10.°, n.° 1, dos Regulamentos n.os 1552/89 e 1150/2000, respectivamente, incluído no mesmo título III:

«Após dedução de 10% a título de despesas de cobrança nos termos do n.° 3 do artigo 2.° [das Decisões 88/376 e 94/728, respectivamente], o lançamento dos recursos próprios referidos no n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 2.° [dessas decisões] efectuar‑se‑á o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado nos termos do artigo 2.° do presente regulamento.

Todavia, em relação aos direitos lançados na contabilidade [B], nos termos [dos artigos 6.°, n.° 2, alínea b), e 6.º, n.° 3, alínea b), respectivamente], o lançamento deve ser efectuado o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês seguinte ao da cobrança dos direitos.»

14     Por força do artigo 11.° dos Regulamentos n.os 1552/89 e 1150/2000, que igualmente integra o referido título III:

«Qualquer atraso nos lançamentos na conta referida no n.° 1 do artigo 9.° implicará o pagamento, pelo Estado‑Membro em causa, de um juro a uma taxa igual à taxa de juro aplicada, na data do vencimento, no mercado monetário desse Estado‑Membro, aos financiamentos a curto prazo, acrescida de dois pontos. Essa taxa aumentará 0,25 ponto por cada mês de atraso. A taxa assim aumentada aplicar‑se‑á durante todo o período de atraso.»

15     O artigo 17.°, n.os 1 e 2, destes regulamentos, incluído no título VII, que tem a epígrafe «Disposições relativas ao controlo», estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.° sejam colocados à disposição da Comissão nas condições fixadas pelo presente regulamento.

2.      Os Estados‑Membros só serão dispensados de colocar à disposição da Comissão os montantes correspondentes aos direitos apurados se não tiver sido possível efectuar a respectiva cobrança por motivos de força maior. Por outro lado, em casos específicos, os Estados‑Membros podem não colocar esses montantes à disposição da Comissão quando, após análise aprofundada de todos os dados relevantes do caso em questão, se verificar que lhes é absolutamente impossível proceder à cobrança por motivos alheios à sua vontade […]»

16     O artigo 18.° do Regulamento n.° 1552/89 [actual artigo 18.° do Regulamento n.° 1150/2000] estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros procederão às verificações e inquéritos relativos ao apuramento e à colocação à disposição dos recursos próprios referidos no n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 2.° [das decisões 88/376 e 94/728, respectivamente]. A Comissão exercerá a sua competência nas condições previstas no presente artigo.

2.      No quadro do n.° 1, os Estados‑Membros:

–       Serão obrigados a efectuar controlos suplementares a pedido da Comissão. No seu pedido, a Comissão deve indicar as razões que justificam um controlo suplementar,

–       Associarão a Comissão, a pedido desta, aos controlos que efectuarem.

Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para facilitar os controlos. Quando a Comissão for associada a estes últimos, os Estados‑Membros manterão à sua disposição os documentos comprovativos referidos no artigo 3.°

[…]»

 Legislação nacional

17     O decreto federal de 1996 estabelece:

«Relativamente aos pedidos de pagamento dos direitos de importação no âmbito do regime de trânsito comunitário ou do regime de trânsito comum, os créditos só se consideram garantidos quando tiver sido prestada uma garantia individualizada para cada operação de trânsito e essa garantia não tiver sido liberada.

Todos os demais créditos decorrentes do regime de trânsito comunitário, do regime de trânsito comum ou do regime TIR consideram‑se não garantidos [...]»

 Procedimento pré‑contencioso

18     Durante o controlo dos recursos próprios tradicionais realizado pela Comissão entre 24 e 28 de Novembro de 1997, na Alemanha, foram constatados, no quadro do regime de trânsito aduaneiro, casos de falta ou de atraso de pagamento de recursos próprios à Comissão, devido ao não cumprimento das regras de contabilização enunciadas no artigo 6.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1552/89. Segundo a Comissão, as autoridades alemãs não tinham dado quitação a alguns documentos de trânsito no quadro do regime de trânsito aduaneiro, baseando‑se no decreto federal de 1996. Tratava‑se de 509 cadernetas TIR referentes aos anos de 1993 a 1995 e os direitos em questão ascendiam a um montante total de cerca de 20 milhões de DEM. É certo que os serviços aduaneiros tinham enviado em tempo útil um pedido de pagamento dos direitos, fixando um prazo à associação garante, mas não foi efectuado qualquer pagamento e as autoridades alemãs não reclamaram judicialmente os montantes devidos, quando o deviam ter feito. Segundo a Comissão, a cobrança dos direitos em questão foi suspensa, ou não chegou a ser desencadeada, porque o Governo alemão entrou em acordos com as associações garantes, pelos quais renunciou provisoriamente a executar os seus direitos.

19     Segundo as autoridades alemãs, os montantes em causa deviam ser considerados como não garantidos no sentido do decreto federal de 1996. Em consequência, inscreveram‑nos na contabilidade B, embora um montante de 50 000 USD tenha sido constituído como garantia de uma caderneta TIR no quadro da convenção TIR.

20     Esta atitude foi criticada pela Comissão, que sustenta que a garantia convencional deve ser considerada uma garantia isolada ou de montante fixo, de forma que os créditos em questão, na medida em que não foram contestados, deviam ser inscritos na contabilidade A.

21     Por carta de 19 de Dezembro de 1997, a Comissão interpelou as autoridades alemãs para que estas lhe dessem a conhecer o conteúdo desses acordos, mencionados no n.° 18 do presente acórdão, e de outros acordos análogos eventualmente celebrados com outras associações garantes, e para que lhe comunicassem, em relação aos recursos próprios apurados, mas ainda não cobrados decorrentes das cadernetas TIR sem quitação, quando e sob que forma é que os mesmos seriam colocados à sua disposição.

22     Na sua carta de 22 de Janeiro de 1998, as autoridades alemãs referiram que o aumento das fraudes nas operações de trânsito ao abrigo de cadernetas TIR conduziu à rescisão do contrato de resseguro pelo grupo de seguradoras em 5 de Dezembro de 1994 e à suspensão dos pagamentos por parte deste grupo às associações garantes alemãs, resseguradas por intermédio da IRU. Nestas condições, a renúncia provisória das autoridades alemãs a exigirem judicialmente os seus direitos terá sido indispensável para evitar a falência dessas associações e, com isso, o colapso do sistema TIR em toda a União Europeia. Além disso, estaria pendente um processo arbitral entre a IRU e o referido grupo. Segundo as autoridades alemãs, os créditos decorrentes da não quitação de operações de trânsito só podem ser considerados cobertos por garantias no sentido do Regulamento n.° 1552/89 se as garantias prestadas disserem respeito a operações individuais e se oferecerem uma protecção até à concorrência do risco real, o que não seria aqui o caso.

23     Por carta de 30 de Março de 1998, a Comissão reiterou a sua interpelação anterior para que os recursos próprios em causa fossem colocados à disposição, por considerar que os créditos resultantes da não quitação de operações de trânsito, apurados durante o controlo dos recursos próprios em Novembro de 1997, estavam cobertos por garantias.

24     Por carta de 22 de Maio de 1998, as autoridades alemãs responderam que não podiam atender àquele pedido, sob pena de criarem indevidamente um encargo para o orçamento de Estado alemão, pois as garantias em causa só cobriam uma parte do montante dos direitos em jogo. Até à aprovação do decreto federal de 1996, a República Federal da Alemanha teria inscrito os créditos garantidos globalmente na contabilidade A e colocou à disposição da Comissão os recursos próprios independentemente do pagamento desses direitos, mesmo que fossem outros Estados‑Membros os competentes para a cobrança dos direitos em virtude de infracções ou irregularidades cometidas no seu território. Mas esta oneração excessiva do orçamento de Estado alemão deixou de ser suportável.

25     Por carta de 8 de Junho de 1998, a Comissão convidou as autoridades alemãs a, nomeadamente, comunicar‑lhe as informações anteriormente pedidas para efeitos de cálculo dos juros de mora eventuais com base no artigo 11.° do Regulamento n.° 1552/89. Na sua resposta de 18 de Setembro seguinte, as autoridades alemãs reafirmaram a sua posição já manifestada nas cartas de 22 de Janeiro e de 22 de Maio de 1998.

26     Por carta de 30 de Outubro de 1998, a Comissão solicitou ao Governo alemão que pagasse um determinado montante, a título de pagamento por conta dos direitos devidos, antes do último dia do segundo mês seguinte ao do envio dessa carta, e que lhe comunicasse todos os outros montantes aduaneiros não contestados inscritos na contabilidade B, em vez de na contabilidade A, relativos a cadernetas TIR sem quitação dos serviços aduaneiros alemães no decurso dos anos de 1994 a 1998.

27     Por carta de 4 de Março de 1999, as autoridades alemãs reafirmaram o seu ponto de vista e comunicaram à Comissão que se recusavam a satisfazer os seus pedidos.

28     Numa carta de 24 de Março de 1999, e depois na sua notificação para cumprir de 15 de Novembro de 1999, a Comissão contestou a interpretação do Regulamento n.° 1552/89 defendida pelo Governo alemão. Nela, a Comissão afirma que, contrariamente ao que sustentam as autoridades alemãs, estão em causa não garantias globais prestadas para vários créditos, mas garantias para cada uma das cadernetas TIR, que, na maior parte dos casos, cobrem os créditos na totalidade ou em grande parte.

29     A recusa reiterada de comunicar à Comissão o conteúdo dos acordos celebrados com as associações garantes, segundo a Comissão, é contrário ao artigo 10.° CE. Além disso, no que especificamente diz respeito às cadernetas TIR relativas aos anos de 1993 e 1994, estas não teriam sido afectadas pela rescisão do contrato de resseguro, ocorrida em finais de 1994. Quanto às cadernetas TIR referentes ao ano de 1995, a República Federal da Alemanha terá renunciado provisoriamente a reclamar os seus créditos junto da associação garante na condição de esta continuar a responder com «uma parte própria adequada» e de ceder os seus créditos sobre o ressegurador como garantia. Consequentemente, os créditos de 1995 e dos anos seguintes também se encontravam cobertos por garantias e deveriam ter sido lançados – pelo menos em parte – na contabilidade A e colocados à disposição da Comissão, na medida em que não tivessem sido contestados dentro dos prazos. No que toca à renúncia provisória à cobrança dos montantes lançados na contabilidade B, a Comissão recorda que as autoridades alemãs, por força do artigo 17.° do Regulamento n.° 1552/89, estão obrigadas a tomar todas as medidas necessárias para proceder à cobrança dos recursos próprios apurados.

30     Na sua resposta de 1 de Fevereiro de 2000, as autoridades alemãs mantiveram e desenvolveram o seu ponto de vista, transmitindo à Comissão os acordos celebrados com as associações garantes relativamente ao adiamento do pagamento.

31     No dia 8 de Novembro de 2000, a Comissão dirigiu à República Federal da Alemanha um parecer fundamentado. Segundo a Comissão, os créditos não podem ser considerados impugnados pelo facto de estar pendente um processo arbitral entre a IRU e o grupo de seguradoras. Os créditos principais não foram impugnados pelos devedores e não se pode ver na recusa do referido grupo em assumir a responsabilidade do devedor uma contestação dos créditos principais. Finalmente, a renúncia provisória das autoridades alemãs aos seus créditos apenas diz respeito à responsabilidade das seguradoras por detrás das associações garantes. A este respeito, a obrigação dos devedores e, portanto, a obrigação da República Federal da Alemanha não seriam postas em causa no que se refere ao orçamento comunitário. Contrariamente à opinião daquele Estado‑Membro, o artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1552/89 não é aplicável, pois só o será quando os montantes dos recursos próprios não puderem ser cobrados por motivos de força maior (primeiro período da referida disposição) ou quando seja absolutamente impossível proceder à cobrança por razões a que os Estados‑Membros sejam alheios (segundo período da mesma disposição).

32     A Comissão pediu novamente às autoridades alemãs que colocassem imediatamente à sua disposição, a título de pagamento por conta, o montante de 10 552 875 DEM, correspondente ao montante de não quitação das cadernetas TIR relativas aos anos de 1996 e 1997, para evitarem o pagamento de juros de mora suplementares, e ainda que lhe comunicassem todos os outros montantes aduaneiros não contestados que tiveram tratamento análogo relativamente à não quitação de cadernetas TIR pelos serviços aduaneiros alemães a partir de 1994 até à alteração do decreto federal de 1996 e que colocassem imediatamente à disposição da Comissão os recursos próprios respectivos, a fim de evitarem o pagamento de juros de mora suplementares. A República Federal da Alemanha foi convidada a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da sua recepção.

33     O Governo alemão respondeu ao parecer fundamentado por carta de 10 de Janeiro de 2001, na qual reiterava o seu ponto de vista anteriormente exposto de que apenas os montantes cobertos por garantias que sejam «directa e imediatamente exequíveis» têm de ser colocados à disposição da Comunidade. Ora, não é esse o caso das garantias em causa prestadas ao abrigo da convenção TIR, pois as associações nacionais deixaram de se poder apoiar na contragarantia da IRU, e esta deixou de poder contar com as prestações do grupo de seguradoras devido ao montante muito mais elevado de prejuízos não previstos nos contratos de seguro e devido às fraudes cada vez mais graves da criminalidade organizada. O montante da garantia, 60 024 EUR, não cobre os créditos relativos às mercadorias. Além disso, resulta do artigo 8.°, n.° 7, da convenção TIR que, em caso de não quitação de uma operação TIR, o devedor directo deve ser interpelado em primeiro lugar. A responsabilidade das associações garantes só pode ser desencadeada após insucesso daquela interpelação.

34     Além disso, os créditos devem ser considerados contestados na acepção do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1552/89, na medida em que são objecto de contestação entre as associações garantes e a Administração. Acresce que estão pendentes recursos administrativos ou processos nos tribunais alemães, o que justifica a inscrição dos montantes na contabilidade B. Finalmente, o acordo celebrado com as referidas associações não constitui uma renúncia aos seus direitos, mas simplesmente a não execução provisória dos mesmos, indispensável para impedir uma insolvência inevitável.

35     Nestas condições, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

36     Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2002, foi admitida a intervenção do Reino da Bélgica em apoio da República Federal da Alemanha.

 Quanto à acção

 Quanto ao fundamento baseado na inadmissibilidade parcial da acção

 Argumentos das partes

37     A República Federal da Alemanha, apoiada pelo Reino da Bélgica, alega a inadmissibilidade parcial da acção, na medida em que a Comissão pretende, nos seus terceiro, quarto e quinto pedidos, que a demandada seja condenada a «creditar imediatamente a conta da Comissão pelos recursos próprios não pagos em virtude dos incumprimentos» objecto do presente processo, a «indicar, relativamente a eventuais montantes já transferidos, a data de vencimento do crédito, o montante devido e, sendo esse o caso, a data da transferência», e a «pagar a favor do orçamento comunitário os juros devidos em caso de contabilização extemporânea».

38     Segundo a República Federal da Alemanha, resulta claramente do artigo 228.°, n.° 1, CE que a função do Tribunal de Justiça se limita à declaração do incumprimento, não podendo condenar a demandada a adoptar um comportamento determinado, cabendo aos órgãos jurisdicionais nacionais decidir quais as consequências que se devem tirar da declaração do incumprimento, sendo claro que este deve terminar de imediato. As obrigações relacionadas com a actuação necessária para pôr termo ao incumprimento podem, sem dúvida, figurar na fundamentação do acórdão, mas não na sua parte dispositiva (v., nomeadamente, acórdão de 20 de Março de 1986, Comissão/Alemanha, 303/84, Colect., p. 1171, n.° 19).

39     Assim, os terceiro e quinto pedidos deveriam ser julgados inadmissíveis, pois, a coberto deles, a Comissão faz, na realidade, pedidos de condenação no pagamento. O mesmo se pode dizer do quarto pedido, no qual a Comissão faz um pedido de investigações imprecisas, sendo que o Tribunal de Justiça só pode declarar, sendo esse o caso, o incumprimento dos deveres de informação e de lealdade (acórdão de 7 de Março de 2002, Comissão/Itália, C‑10/00, Colect., p. I‑2357). Aliás, este pedido, além de não ter sido formulado no âmbito do procedimento pré‑contencioso, inverte o ónus da prova do incumprimento, que está a cargo da Comissão e não do Estado‑Membro demandado.

40     Segundo a Comissão, a letra do artigo 228.° CE não impede o Tribunal de Justiça de fazer declarações úteis para a eliminação de um incumprimento. No que se refere ao quarto pedido, a Comissão observa que foi largamente tributária dos dados fornecidos pelos Estados‑Membros para verificar se eles pagam correctamente o montante de recursos próprios devidos. Os Estados‑Membros estão submetidos a uma obrigação especial de cooperação (acórdão Comissão/Itália, já referido, n.os 88 e segs.), expressamente concretizada no artigo 18.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1552/89, de forma que a Comissão poderia, sem infringir o princípio da proporcionalidade, exigir da demandada, como já o fez no processo administrativo, os dados necessários para apreciar a existência e a extensão do incumprimento que descreveu de forma conclusiva. É esse, precisamente, o objectivo dos seus segundo e quarto pedidos.

41     Quanto ao quinto pedido, a Comissão salienta que o artigo 11.° do Regulamento n.° 1552/89 prevê uma obrigação precisa e incondicional de pagamento de juros de mora e que o Tribunal de Justiça já fez referência a esta obrigação noutras acções de incumprimento (v., nomeadamente, acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 19). No caso de incumprimento de uma obrigação de pagamento, o Estado‑Membro não dispõe de qualquer poder de apreciação quanto à forma de pôr fim ao incumprimento.

42     A Comissão reformulou o quinto pedido na audiência, no sentido de passar a pedir ao Tribunal que declarasse que «a República Federal da Alemanha violou o artigo 11.° do Regulamento n.° 1552/89, ao não ter pago a favor do orçamento comunitário os juros devidos».

 Apreciação do Tribunal de Justiça

43     Com os terceiro e quarto pedidos da sua petição inicial, bem como com o quinto pedido na sua versão inicial, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que condene a República Federal da Alemanha, respectivamente, «a creditar imediatamente a conta da Comissão pelos recursos próprios não pagos devido aos incumprimentos referidos nos n.os 1 e 2», a «indicar, relativamente a eventuais montantes já transferidos, a data de vencimento do crédito, o montante devido e, sendo esse o caso, a data da transferência», e a «pagar a favor do orçamento comunitário os juros devidos em caso de contabilização extemporânea», em aplicação dos artigos 11.° do Regulamento n.° 1552/89, até 31 de Maio de 2000, e 11.° do Regulamento n.° 1150/2000, a partir de 31 de Maio de 2000.

44     Constitui jurisprudência assente que a acção intentada nos termos do artigo 226.° CE tem por objecto a declaração do incumprimento por um Estado‑Membro das suas obrigações comunitárias. A declaração desse incumprimento obriga, segundo os próprios termos do artigo 228.° CE, o Estado‑Membro em causa a tomar todas as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça. Em contrapartida, este não pode ordenar a este Estado que tome determinadas medidas (v., nomeadamente, acórdão de 14 de Abril de 2005, Comissão/Alemanha, C‑104/02, Colect., p. I‑2689, n.° 49).

45     Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não pode, no âmbito de uma acção por incumprimento, pronunciar‑se sobre alegações respeitantes a pedidos que se destinam, como no caso em apreço, a requerer‑lhe que intime um Estado‑Membro a lançar na conta montantes determinados, a fornecer informações relativas a determinados montantes e transferências e a pagar juros de mora.

46     No que toca à reformulação do quinto pedido, deve recordar‑se que, em princípio, uma parte não pode, no decurso da instância, modificar o próprio objecto do litígio e que a procedência da acção deve ser examinada unicamente tendo presentes os pedidos contidos na petição inicial (v., neste sentido, acórdãos de 25 de Setembro de 1979, Comissão/França, 232/78, Recueil, p. 2729, n.° 3; de 6 de Abril de 2000, Comissão/França, C‑256/98, Colect., p. I‑2487, n.° 31; e de 4 de Maio de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑508/03, Colect., p. I‑0000, n.° 61).

47     De acordo com jurisprudência assente (v., nomeadamente, acórdãos de 9 de Novembro de 1999, Comissão/Itália, C‑365/97, Colect., p. I‑7773, n.° 23, e de 27 de Abril de 2006, Comissão/Alemanha, C‑441/02, Colect., p. I‑0000 n.° 59), a notificação para cumprir dirigida pela Comissão ao Estado‑Membro e, seguidamente, o parecer fundamentado emitido pela Comissão delimitam o objecto do litígio, o qual, a partir de então, já não pode ser ampliado. Com efeito, a faculdade de o Estado‑Membro em causa apresentar as suas observações constitui, mesmo que ele entenda não a dever utilizar, uma garantia essencial instituída pelo Tratado CE e uma formalidade essencial da regularidade do processo que verifica um incumprimento de um Estado‑Membro.

48     O Tribunal considerou, também, que esta exigência não pode ir ao ponto de impor, em todos os casos, uma coincidência perfeita entre o enunciado das acusações na notificação para cumprir, a parte decisória do parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, quando o objecto do litígio não tenha sido ampliado ou alterado, mas, pelo contrário, simplesmente reduzido (acórdão de 27 de Abril de 2006, Comissão/Alemanha, já referido, n.° 61 e jurisprudência aí citada).

49     À luz dessa jurisprudência, o Governo alemão podia considerar, quer no procedimento pré‑contencioso quer na fase escrita do processo no Tribunal de Justiça, que não tinha de apresentar observações relativamente ao quinto pedido, na medida em que este se traduzia num pedido de emanação de uma ordem a seu respeito. O pedido de reformulação da Comissão, apresentado pela primeira vez na audiência e destinado a transformar o dito pedido de emanação de uma ordem, reiterado pela Comissão na sua réplica em resposta à excepção de inadmissibilidade suscitada pela República Federal da Alemanha na sua contestação, num pedido de constatação do incumprimento, deve ser julgado inadmissível.

50     Tendo em conta as considerações que precedem, os pedidos formulados na presente acção, que têm por objecto ordenar à República Federal da Alemanha que lance recursos próprios não transferidos na conta da Comissão, que pague juros de mora ao abrigo do artigo 11.° dos Regulamentos n.os 1552/89 e 1150/2000 e que comunique informações sobre outros montantes não pagos, devem ser declarados inadmissíveis.

51     A apreciação da presente acção será, assim, limitada à apreciação das alegações formuladas no quadro dos primeiro e segundo pedidos, ou seja, por um lado, a não quitação regular de 509 cadernetas TIR referentes aos anos de 1993 a 1995, a não contabilização correcta e a não colocação à disposição da Comissão dos recursos próprios correspondentes e, por outro, a recusa de comunicar à Comissão os outros direitos não contestados relativamente à não quitação regular das cadernetas TIR a partir do ano de 1994 até Setembro de 1996, que foram igualmente inscritos na contabilidade B.

 Quanto ao mérito


 Quanto ao primeiro fundamento, relativo às irregularidades que afectaram o tratamento de determinadas cadernetas TIR, a incorrecta contabilização e a não colocação à disposição da Comissão dos montantes correspondentes

–       Argumentos das partes

52     A Comissão sustenta que, estando os créditos visados pelo presente processo cobertos por garantias, deviam ter sido inscritos na contabilidade A, em aplicação do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1552/89. Com efeito, no regime TIR, o pagamento dos direitos aduaneiros é coberto por uma garantia, ou seja, as cadernetas emitidas pelas associações garantes que são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e taxas com o devedor principal em caso de irregularidades ou de fraudes cometidas no quadro de uma operação TIR.

53     A Comissão alega que a contabilidade B não visa proteger os Estados‑Membros de uma oneração excessiva do seu orçamento, mas permitir à Comissão seguir melhor a acção dos Estados‑Membros na cobrança dos recursos próprios, designadamente, em caso de fraudes e de irregularidades. Este objectivo tornar‑se‑ia absurdo se cada Estado‑Membro tivesse a liberdade de apreciar a qualidade das garantias a seu bel‑prazer e de decidir sozinho, sem chegar a acordo com a Comissão, o momento em que um crédito garantido deve ser inscrito numa dessas contabilidades.

54     Resulta do artigo 6.° do Regulamento n.° 1552/89, lido na sua globalidade, que o lançamento dos direitos na contabilidade A não pressupõe que a garantia seja «directa e imediatamente exequível». Ela apenas deve ser exequível no caso de, no momento da apresentação da garantia, o devedor insolvente não poder solver a dívida aduaneira.

55     Segundo a Comissão, as autoridades alemãs, embora contestem globalmente que a garantia de 60 024 EUR por caderneta TIR seja suficiente, na maior parte dos casos, para cobrir os créditos dos direitos aduaneiros relativamente a mercadorias sujeitas a uma tributação bastante pesada, não contestam de forma concreta que as garantias fossem, no caso concreto, suficientes para cobrir os créditos. Também não contestam que as garantias em questão sejam suficientes, pelo menos, para cobrir parcialmente os créditos em todos os casos, de forma que estes deveriam ter sido, pelo menos nesta medida, lançados na contabilidade A, a menos que outra apreciação não se imponha em razão da rescisão do contrato de resseguro pelo grupo de seguradoras no final de 1994.

56     Visto que a data em que a operação TIR começou e em que a garantia foi prestada é que é determinante, os créditos anteriores ao ano de 1995 deveriam ter sido inscritos na contabilidade A e colocados à disposição da Comissão. No caso dos créditos surgidos a partir de 1995, a afirmação das autoridades alemãs de que, nesta data, os créditos deviam ser considerados como não garantidos, devido à rescisão do contrato de resseguro pelo grupo de seguradoras, devia levá‑las a não autorizar o processo TIR por falta de garantias. Se, pelo contrário, o aceitaram e inscreveram os créditos na contabilidade B por essa razão, então deveriam também assumir o risco de cobrança desses créditos. Deve partir‑se do princípio de que uma garantia pelo menos parcial foi prestada. A República Federal da Alemanha renunciou provisoriamente a reclamar os créditos exigíveis junto da associação garante com a condição de esta continuar a ser responsável dentro do limite de uma parte pessoal adequada e de ceder os seus créditos sobre o ressegurador, a título de garantia. Por consequência, os créditos relativos ao ano de 1995 e ulteriores estavam cobertos por garantias e deveriam, pelo menos parcialmente, ter sido lançados na contabilidade A e colocados à disposição da Comissão, na medida em que não foram contestados dentro do prazo.

57     O facto de as associações garantes serem responsáveis apenas a título subsidiário tem pouca importância quando os créditos não podem ser cobrados do devedor principal. A responsabilidade subsidiária é uma garantia complementar separada no tempo, que permite ao credor atingir os activos do garante quando os do devedor forem insuficientes. Em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, da convenção TIR, os Estados‑Membros têm a possibilidade de executar os seus direitos contra as associações garantes.

58     A Comissão salienta que no presente processo só se refere a créditos legalmente contestados. O artigo 6.°, n.° 2, alínea b), segundo período, do Regulamento n.° 1552/89, na medida em que se refere a direitos «objecto de contestação», não se aplica quando a garantia prestada a um crédito é posta em causa não porque o garante conteste o crédito principal, mas apenas porque a sua solvabilidade é incerta.

59     A Comissão sustenta também que as considerações do Reino da Bélgica sobre a possibilidade de contestação dos direitos por parte da associação garante são hipotéticas, uma vez que os créditos em apreço não são objecto de contestação. Apenas ocorreu uma simples rescisão do contrato de garantia, após o que o Estado‑Membro concedeu arbitrariamente um adiamento do pagamento, não colocando à disposição do orçamento comunitário os montantes garantidos em conformidade com as obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento n.° 1552/89. Esta atitude não tem de ser suportada pelo referido orçamento.

60     Finalmente, as autoridades alemãs não produziram qualquer elemento de prova que permita basear a afirmação de que, com a sua renúncia provisória à cobrança dos direitos em questão, agiram no interesse da Comunidade a fim de evitarem o colapso do sistema TIR. Nesse caso, as autoridades alemãs deviam ter‑se concertado, no interesse da Comunidade, com a Comissão e os outros Estados‑Membros antes de decidirem aquela renúncia. A atitude unilateral das autoridades alemãs ilustra precisamente um incumprimento do dever de cooperação previsto no artigo 10.° CE, tal como o facto de ter demorado a satisfazer o pedido várias vezes reiterado pela Comissão de lhe comunicarem as modalidades do acordo celebrado entre o Governo federal e a associação garante, bem como dos acordos eventualmente celebrados com outros garantes.

61     No que toca à renúncia provisória à cobrança dos montantes lançados na contabilidade B, a Comissão alega que as autoridades alemãs são obrigadas a tomar as medidas necessárias para proceder à cobrança dos recursos próprios apurados (artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89). Não se trata, neste caso, de um caso abrangido pelo artigo 17.°, n.° 2, primeiro e segundo períodos, do Regulamento n.° 1552/89, uma vez que a República Federal da Alemanha não pode alegar que estão verificados os requisitos enumerados nesta disposição, visto não ter respeitado o processo previsto e inexistirem os critérios materiais de aplicação desta disposição (imprevisibilidade, circunstâncias excepcionais). Factos hipotéticos, como o colapso do sistema de resseguro, não são suficientes para justificar a atitude das autoridades alemãs.

62     A República Federal da Alemanha, por seu turno, alega que, na medida em que as associações garantes, a partir de 1993, deixaram de prestar garantias suficientes aos créditos decorrentes de cadernetas TIR sem quitação devido ao aumento vertiginoso do recurso ao grupo de seguradoras, que passou a recusar cada vez mais segurar as garantias nas condições iniciais, as autoridades aduaneiras procederam correctamente ao inscreverem, num primeiro momento, os créditos em questão na contabilidade B.

63     De acordo com a letra do artigo 6.°, n.° 2, e dos considerandos do Regulamento n.° 1552/89, só deveriam ser lançados na contabilidade A os créditos garantidos relativamente aos quais haja a certeza de que a garantia pode ser efectivamente executada, o que não é o caso quando as associações garantes são insolventes, sendo o seu património manifestamente insuficiente, ou no caso de garantias internacionais encadeadas (artigo 6.° da convenção TIR) que tenham sido resolvidas ou sejam insuficientes. Os créditos não pagos, mas garantidos, consubstanciam em regra «direitos […] ainda não cobrados» [artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 1552/89] e este princípio só pode ser objecto de uma excepção quando as garantias se revelam imediatamente executáveis. Os Estados‑Membros não têm de responder antecipadamente pelos créditos não garantidos ou só insuficientemente garantidos.

64     Nos outros regimes aduaneiros, ao contrário do sistema das cadernetas TIR, em que as Administrações aduaneiras são obrigadas a aceitar a «garantia» definida no plano internacional (garantia, limitada para cada caderneta, da associação do país em que surge a dívida aduaneira), o montante das dívidas aduaneiras está sempre coberto pela garantia [artigo 192.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»)]. Os créditos aduaneiros incobráveis devido a um sistema de garantia criado por convenção internacional não podem ser equiparados a créditos garantidos na acepção do Regulamento n.° 1552/89. Caso contrário, os Estados‑Membros estariam sempre obrigados a mobilizar recursos orçamentais ordinários para assumirem créditos incobráveis sem terem qualquer responsabilidade nessa impossibilidade de cobrança.

65     A Comissão não tem razão ao distinguir os períodos anterior e posterior a 1 de Janeiro de 1995. A rescisão do contrato de resseguro pelo grupo de seguradoras implicou a cessação imediata e retroactiva dos pagamentos. Além disso, tendo a garantia um carácter acessório, antes de poderem atacar as associações garantes, as autoridades alemãs tinham de iniciar e concluir procedimentos de intimação e de execução fiscal (artigo 8.°, n.° 7, da convenção TIR) que duram, por vezes, vários anos e, portanto, após o ano de 1994.

66     Ao contrário daquilo que afirma a Comissão, as autoridades alemãs não podiam, depois da resolução do contrato de resseguro no final de 1994, recusar a utilização de procedimentos TIR, sob pena de se paralisar totalmente o comércio leste/oeste e, além disso, de se violar unilateralmente uma parte integrante do direito aduaneiro comunitário (artigo 91.° do código aduaneiro). É que um Estado‑Membro não pode, por sua iniciativa, exigir garantias adicionais, sob pena de violar as disposições do regime TIR.

67     O Governo alemão alega ainda, a título subsidiário, que os montantes em causa, mesmo que devessem ser considerados direitos «cobertos por garantias», não tinham de ser colocados à disposição da Comissão, uma vez que, nos termos do artigo 17.°, n.° 2, primeiro período, do Regulamento n.° 1552/89, designadamente, por motivos de força maior, não fora possível efectuar‑se a respectiva cobrança. Por conseguinte, tais montantes não deviam figurar nem na contabilidade A nem na contabilidade B, quer se trate do crédito principal, quer de um crédito acessório, como, por exemplo, uma garantia. As autoridades alemãs fizeram tudo para cobrar os créditos não pagos às associações garantes (processo‑tipo contra as associações responsáveis e análise do seu efectivo património).

68     Por outro lado, uma vez que a IRU foi obrigada a propor longos processos de arbitragem contra o grupo de seguradoras, que continuam pendentes, e que a recuperação económica das associações garantes leva vários anos, era claro desde o início que a cobrança era impossível a longo prazo, ou mesmo absolutamente, na acepção do artigo 17.°, n.° 2, segundo período, do Regulamento n.° 1552/89, devido à insuficiência manifesta e grave do património das associações garantes e pelo facto de o grupo de seguradoras não querer assumir a responsabilidade pelos pagamentos. Os acordos com as associações garantes terão sido o primeiro indício da recuperação da sua solvabilidade, permitindo‑lhes retomarem as suas actividades.

69     O Reino da Bélgica alega que os Estados‑Membros só têm de colocar os direitos aduaneiros à disposição da Comissão depois de os mesmos terem sido efectiva e integralmente pagos e não, como alega a Comissão, sempre que uma parte desses direitos se encontrar coberta por uma garantia. Qualquer outra solução está em contradição com o objectivo da contabilidade B, segundo a qual os Estados‑Membros não devem colocar à disposição montantes que não possam recuperar.

70     O Governo belga considera, igualmente, que a República Federal da Alemanha também não violou o princípio da lealdade comunitária. Ao celebrar acordos de moratória com as associações garantes, a República Federal da Alemanha, como explicou, terá evitado um prejuízo ainda maior para o sistema TIR, uma vez que, se tivesse havido processos judiciais, estas associações teriam imediatamente entrado em falência, o que teria provocado o colapso do sistema TIR e conduzido a uma situação de impossibilidade de cobrança, referida no artigo 17.°, n.° 2, segundo período, do Regulamento n.° 1552/89. Além disso, é pouco leal por parte da Comissão censurar aos Estados‑Membros o não cumprimento das obrigações que lhes incumbem por força do direito comunitário, quando a Comissão estava ao corrente dos problemas de pagamento com que se confrontaram as associações garantes.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

71     Com este fundamento, a Comissão censura as autoridades alemãs, em substância, por terem renunciado unilateralmente à cobrança judicial, contra as associações garantes, dos créditos apurados relativos às cadernetas TIR objecto do presente processo, por terem contabilizado incorrectamente os recursos próprios correspondentes ao não os terem lançado na contabilidade A, e por não os terem colocado à disposição da Comissão em tempo útil, em contravenção, designadamente, ao artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89.

72     Deve salientar‑se desde já que o Governo alemão não contesta que os processos de cobrança judicial relativos às cadernetas TIR em questão foram suspensos, ou nem chegaram a ser desencadeados, porque foram concluídos acordos com as associações garantes nos quais as autoridades alemãs renunciaram provisoriamente aos seus direitos. O Governo alemão admite, igualmente, que o montante dos créditos correspondentes foi lançado na contabilidade B e que os referidos créditos, resultantes das operações TIR, foram apurados definitivamente entre 1993 e 1995, de forma que se trata de créditos apurados na acepção do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89. Em contrapartida, o mesmo Governo contesta que, ao fazê‑lo, tenha faltado às suas obrigações decorrentes do Regulamento n.° 1552/89.

73     Tal como o Tribunal de Justiça recordou no n.° 66 do acórdão de 15 de Novembro de 2005, Comissão/Dinamarca (C‑392/02, Colect., p. I‑9811), por força do artigo 17.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1552/89, os Estados‑Membros são obrigados a tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados em conformidade com o artigo 2.° do mesmo regulamento sejam colocados à disposição da Comissão. Os Estados‑Membros só podem deixar de o fazer se a cobrança não puder ter sido feita por razões de força maior ou quando se verifique que é definitivamente impossível proceder à cobrança por razões que lhes não podem ser imputadas.

74     A respeito da contabilização dos recursos próprios, o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89 estabelece que os Estados‑Membros devem manter uma contabilidade dos referidos recursos junto do Tesouro ou do organismo que designarem. Em aplicação do n.° 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, os Estados‑Membros são obrigados a lançar na contabilidade A os direitos apurados nos termos do artigo 2.° deste regulamento o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado, sem prejuízo da faculdade de inscrever na contabilidade B, no mesmo prazo, os direitos apurados «ainda não cobrados» e para os quais não tenha «sido fornecida qualquer caução», bem como os direitos apurados e «cobertos por garantias, que sejam objecto de contestação e possam vir a sofrer variações na sequência de eventuais diferendos».

75     Para efeitos de colocação à disposição dos recursos próprios, o artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89 estabelece que cada Estado‑Membro inscreverá os recursos próprios a crédito da conta aberta para o efeito em nome da Comissão, segundo as regras definidas no artigo 10.° do mesmo regulamento. Em conformidade com o n.° 1 desta disposição, após dedução das despesas de cobrança, o lançamento dos recursos próprios efectuar‑se‑á o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado nos termos do artigo 2.° do mesmo regulamento, com excepção dos direitos lançados na contabilidade B em aplicação do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), deste regulamento, relativamente aos quais o lançamento deverá ser efectuado o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês seguinte ao da «cobrança».

76     No quadro do presente processo, o Governo alemão não alegou que os direitos em apreço tivessem sido objecto de contestação dentro dos prazos estabelecidos e que fossem susceptíveis de sofrer variações na sequência de eventuais diferendos, na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 1552/89. No caso em apreço, é facto assente que os diferendos dizem respeito à execução das garantias e não à existência ou ao montante dos créditos em causa, uma vez que este montante foi definitivamente apurado.

77     O Governo alemão sustenta que os direitos não cobrados em causa podiam ser correctamente inscritos na contabilidade B, na medida em que não estavam efectivamente cobertos por garantias na acepção do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 1552/89. O dito Governo não contesta a qualificação, em si, da garantia prestada pelas associações garantes no quadro de uma operação TIR como «caução», no sentido da mesma disposição. E alega que, tendo em conta a falência do sistema de garantia em que se baseia o regime de trânsito ao abrigo de uma caderneta TIR a partir de 1993, consecutiva à recusa do grupo de seguradoras de reembolsar as associações garantes alemãs, as referidas garantias não se mostravam já executáveis devido à insolvência das referidas associações, de forma que os direitos em questão deviam ser lançados na contabilidade B enquanto créditos não garantidos.

78     Importa referir que os direitos e as obrigações da associação garante prevista no quadro da convenção TIR são regulados, simultaneamente, pela referida convenção, pelo direito comunitário e pelo contrato de caução, sujeito ao direito alemão, que aquela celebrou com a República Federal da Alemanha (acórdão de 23 de Setembro de 2003, BGL, C‑78/01, Colect., p. I‑9543, n.° 45).

79     Em virtude do artigo 193.° do código aduaneiro, a garantia pedida para assegurar o pagamento de uma dívida aduaneira pode ser constituída por fiança e, nos termos do artigo 195.° do mesmo código, o fiador deve‑se comprometer por escrito a pagar solidariamente com o devedor o montante garantido da dívida aduaneira, cujo pagamento se torne exigível.

80     No que toca, mais especificamente, ao transporte de mercadorias ao abrigo de cadernetas TIR, referido no artigo 91.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, resulta do artigo 8.°, n.° 1, da convenção TIR que as associações garantes, por contrato de garantia, se obrigam paralelamente a pagar os direitos aduaneiros devidos pelo devedor e respondem solidariamente com eles pelo pagamento dos respectivos montantes, mesmo que, nos termos do n.° 7 do mesmo artigo, as autoridades competentes devam, na medida do possível, intimar a pessoa directamente responsável a efectuar o pagamento antes de apresentarem a reclamação à associação responsável.

81     Neste contexto, não pode contestar‑se que a garantia prestada pelas associações garantes no quadro de uma operação TIR releva da noção de «caução», no sentido do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 1552/89.

82     Importa, contudo, precisar que, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 3, da convenção TIR, cabe aos Estados‑Membros determinar a quantia máxima por caderneta TIR, que poderá ser exigida à associação garante.

83     Assim, como aliás a Comissão reconhece, os direitos apurados ao abrigo de operações TIR devem, por regra, ser sempre lançados na contabilidade A e ser colocados à disposição da Comissão nos termos do artigo 10.° do Regulamento n.° 1552/89 até ao montante máximo da garantia acordada no quadro do regime TIR, mesmo que, eventualmente, o montante da dívida aduaneira ultrapasse esse montante.

84     Como salienta com acerto a advogada‑geral nos n.os 86 e 89 das suas conclusões, esta interpretação é conforme com os objectivos prosseguidos com a contabilidade B, a qual visa, como refere o quinto considerando do Regulamento n.° 1552/89, permitir à Comissão seguir melhor a acção dos Estados‑Membros em matéria de cobrança dos recursos próprios e a ter em conta os riscos financeiros que eles correm.

85     Não pode ser acolhida a argumentação do Governo alemão, segundo a qual a crise do regime TIR que levou ao colapso do sistema de garantia em que esse regime se baseia teve como consequência que, a partir de 1993, os créditos em causa deixaram de estar garantidos, de forma que os montantes correspondentes deviam ter sido lançados na contabilidade B.

86     Sem que seja necessário verificar se o sistema de garantia criado pela convenção TIR deixou de funcionar correctamente a partir do ano de 1993, resulta claro que, tal como alega a Comissão, a decisão unilateral das autoridades alemãs de suspenderem os processos de cobrança em causa contra as associações garantes, de celebrar com elas acordos de moratórias e de lançar os referidos direitos, que foram definitivamente apurados, na contabilidade B viola, em qualquer caso, a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros por força do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1552/89 de tomarem as medidas necessárias para colocarem os recursos próprios à disposição da Comissão nas condições previstas por este regulamento.

87     Com efeito, o referido artigo 17.°, n.° 1, constitui uma expressão específica das exigências de cooperação leal resultantes do artigo 10.° CE, segundo as quais os Estados‑Membros, por um lado, devem submeter à Comissão os problemas com que se defrontaram na aplicação do direito comunitário (v. por analogia, nomeadamente, acórdão de 2 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, C‑499/99, Colect., p. I‑6031, n.° 24) e, por outro lado, não podem tomar medidas de conservação nacionais que colidam com objecções, reservas ou condições da Comissão (v., por analogia, acórdão de 5 de Maio de 1981, Comissão/Reino Unido, 804/79, Recueil, p. 1045, n.° 32). Ora, no caso em apreço, é facto assente que a República Federal da Alemanha agiu de forma unilateral e contra objecções formuladas pela Comissão.

88     Esta obrigação é tanto mais importante quanto, como salientou o Tribunal no n.° 54 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, as receitas deficitárias de um recurso próprio devem ser compensadas quer com outro recurso próprio quer com uma adaptação das despesas.

89     Além disso, o Governo alemão não pode invocar a existência de um caso de «força maior», na acepção do artigo 17.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1552/89. Segundo jurisprudência constante, o conceito de «força maior» deve ser entendido no sentido de um circunstancialismo alheio a quem o invoca, anormal e imprevisível, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas apesar de todas as diligências desenvolvidas (v., nomeadamente, acórdão de 5 de Fevereiro de 1987, Denkavit, 145/85, Colect., p. 565, n.° 11). Ora, ao agir da forma unilateral descrita no n.° 86 do presente acórdão, a República Federal da Alemanha não desenvolveu todas as diligências necessárias para evitar as consequências alegadas.

90     Neste contexto, tem de concluir‑se que o primeiro fundamento é procedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à recusa de comunicar à Comissão os outros montantes incorrectamente inscritos na contabilidade B

–       Argumentos das partes

91     A Comissão salienta que o artigo 18.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1552/89 é um exemplo, no domínio dos recursos próprios das Comunidades, do dever de cooperação a que estão vinculados os Estados‑Membros. Nestas condições, a Comissão considera que pode, sem violar o princípio da proporcionalidade, exigir da República Federal da Alemanha a comunicação dos dados necessários para a verificação da existência e da gravidade do incumprimento que pôs em evidência no quadro do presente processo.

92     O Governo alemão retorque que a Comissão não pode invocar um direito genérico à informação. Na falta de regulamentação do Conselho da União Europeia, esse direito não existe. O dever de colaboração leal inscrito no artigo 10.° CE não justifica que a Comissão peça aos Estados‑Membros a comunicação de informações fora do que é razoável, tanto mais que a satisfação desse pedido paralisaria o trabalho dos serviços aduaneiros competentes durante várias semanas.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

93     Resulta do artigo 10.° CE que os Estados‑Membros estão obrigados a cooperar de boa fé com as investigações da Comissão no âmbito do artigo 226.° CE e a fornecer‑lhe todas as informações requeridas para o efeito (v., nomeadamente, acórdão de 6 de Março de 2003, Comissão/Luxemburgo, C‑478/01, Colect., p. I‑2351, n.° 24).

94     No que toca à obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de tomarem, em cooperação leal com a Comissão, as medidas necessárias para assegurar a aplicação das disposições comunitárias relativas ao apuramento de eventuais recursos próprios, o Tribunal de Justiça declarou decorrer em particular da referida obrigação – consagrada mais concretamente em matéria de verificação no artigo 18.° do Regulamento n.° 1552/89 – que, quando a Comissão está largamente dependente dos elementos fornecidos pelo Estado‑Membro em causa, este é obrigado a pôr à disposição da Comissão os documentos comprovativos e outros documentos úteis, em condições razoáveis, a fim de que a Comissão possa verificar se, e se for esse o caso, em que medida, os montantes em questão se relacionam com os recursos próprios das Comunidades (acórdão de 7 de Março de 2002, Comissão/Itália, já referido, n.os 89 a 91).

95     Na sequência dos controlos efectuados por agentes da Comissão na Alemanha em Novembro de 1997, que revelaram um certo número de casos de direitos definitivamente apurados relativos a operações TIR que foram inscritos na contabilidade B, a Comissão pediu reiteradamente, desde Outubro de 1998, às autoridades alemãs que lhe comunicassem todos os outros direitos não contestados que tivessem tido o mesmo tratamento contabilístico referentes a cadernetas TIR sem quitação dos serviços aduaneiros alemães a partir de 1994.

96     Não tendo satisfeito este pedido, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força, concretamente, do artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1552/89, nos termos do qual os Estados‑Membros são obrigados a efectuar controlos suplementares a pedido da Comissão, pedido esse que deve indicar as razões que o justificam.

97     Com efeito, como foi salientado no n.° 95 do presente acórdão, o pedido da Comissão foi motivado pela constatação, aquando do controlo efectuado em Novembro de 1997, de alguns casos que, segundo esta instituição, revelavam uma violação do Regulamento n.° 1552/89. A Comissão tinha, portanto, todo o direito de solicitar à República Federal da Alemanha que procedesse a controlos suplementares, no sentido do artigo 18.°, n.° 2, desse regulamento, a fim de lhe fornecer informações sobre outros casos semelhantes no decurso do período em causa.

98     Nestas condições, o segundo fundamento também é procedente.

99     Tendo em conta as considerações que precedem, tem de se concluir que:

–       ao não dar quitação regular a determinados documentos de trânsito (cadernetas TIR), com a consequência de que os recursos próprios deles decorrentes não foram correctamente contabilizados nem colocados à disposição da Comissão dentro do prazo,

–       ao não comunicar à Comissão todos os outros montantes aduaneiros não contestados que tiveram um tratamento análogo (inscrição na contabilidade B, em vez de uma inscrição na contabilidade A) relativamente à não quitação de cadernetas TIR pelos serviços aduaneiros alemães a partir de 1994 até à modificação do decreto federal de 1996,

a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento n.° 1552/89, substituído, a partir de 31 de Maio de 2000, pelo Regulamento n.° 1150/2000.

 Quanto às despesas

100   Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta última sido vencida no essencial dos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas. Em conformidade com o n.° 4 do mesmo artigo, o Reino da Bélgica suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      Ao não dar quitação regular de determinados documentos de trânsito (cadernetas TIR), com a consequência de que os recursos próprios deles decorrentes não foram correctamente contabilizados nem colocados à disposição da Comissão das Comunidades Europeias dentro do prazo,

ao não comunicar à Comissão das Comunidades Europeias todos os outros montantes aduaneiros não contestados que tiveram um tratamento análogo (inscrição na contabilidade B, em vez de uma inscrição na contabilidade A) relativamente à não quitação de cadernetas TIR pelos serviços aduaneiros alemães a partir de 1994 até à modificação do Decreto do Ministro Federal das Finanças de 11 de Setembro de 1996,

a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento (CEE, Euratom) n.° 1552/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, relativo à aplicação da Decisão 88/376/CEE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades, substituído, a partir de 31 de Maio de 2000, pelo Regulamento (CE, Euratom) n.° 1150/2000 do Conselho, de 22 de Maio de 2000, relativa à aplicação da Decisão 94/728/CE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades.

2)      Quanto ao mais, a acção é julgada improcedente.

3)      A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

4)      O Reino da Bélgica suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.