Processo C‑27/02

Petra Engler

contra

Janus Versand GmbH

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Innsbruck)

«Convenção de Bruxelas – Pedido de interpretação dos artigos 5.°, pontos 1 e 3, e 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3 – Direito de o consumidor destinatário de publicidade enganosa exigir judicialmente o prémio que aparentemente ganhou – Qualificação – Acção de natureza contratual prevista no artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, ou no artigo 5.°, ponto 1, ou de natureza extracontratual prevista no artigo 5.°, ponto 3 – Condições»

Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 8 de Julho de 2004 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 20 de Janeiro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões – Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores – Artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção – Condições de aplicabilidade – Acção intentada por um consumidor domiciliado num Estado‑Membro, destinada a obter a condenação de uma sociedade de venda por correspondência, estabelecida noutro Estado‑Membro, a entregar‑lhe um prémio aparentemente ganho – Acção que não constitui, na ausência de conexão com um contrato que tenha por objecto um fornecimento de bens móveis corpóreos ou de serviços, uma acção de natureza contratual na acepção da referida disposição

(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3)

2.     Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões – Competências especiais – Competência em matéria contratual – Acção de natureza contratual – Conceito – Acção intentada por um consumidor domiciliado num Estado‑Membro, destinada a obter a condenação de uma sociedade de venda por correspondência, estabelecida noutro Estado‑Membro, a entregar‑lhe um prémio aparentemente ganho – Inclusão – Condições – Carta endereçada ao consumidor em que este era nominativamente designado vencedor do prémio – Aceitação da promessa pelo consumidor e pedido de pagamento do prémio – Atribuição do prémio independentemente de uma encomenda de mercadorias e ausência dessa encomenda – Irrelevância

(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigo 5.°, ponto 1)

1.     No que toca ao artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com as alterações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, relativo à competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores, o ponto 3 desta disposição só é aplicável desde que, em primeiro lugar, o demandante seja um consumidor final privado, não envolvido em actividades comerciais ou profissionais, em segundo lugar, que a acção judicial esteja relacionada com um contrato celebrado entre esse consumidor e o vendedor profissional, que tenha por objecto um fornecimento de bens móveis corpóreos ou de serviços e que esteja na origem de obrigações recíprocas e interdependentes entre as duas partes no contrato e, em terceiro lugar, que se encontrem satisfeitas as duas condições específicas enumeradas no artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, alíneas a) e b).

Consequentemente, numa situação em que um vendedor profissional se dirigiu a um consumidor, enviando‑lhe uma carta personalizada que incluía a promessa de atribuição de um prémio, conjuntamente com um catálogo acompanhado de uma nota de encomenda propondo para venda os seus bens móveis corpóreos no Estado contratante onde reside o consumidor, com o objectivo de o levar a satisfazer a solicitação do profissional, mas em que à diligência deste último não se seguiu a celebração de um contrato entre o consumidor e o vendedor profissional, relativo a um dos objectos específicos a que se refere o artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção e no quadro do qual as partes assumiram compromissos sinalagmáticos, a acção intentada pelo consumidor, tendo por objecto o pagamento do prémio, não pode ser considerada de natureza contratual na acepção da referida disposição.

(cf. n.os 34, 36, 38)

2.     As regras de competência enunciadas na Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com as alterações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, devem ser interpretadas da seguinte forma:

– a acção judicial através da qual um consumidor pretende obter a condenação, ao abrigo da legislação do Estado contratante em cujo território reside, de uma sociedade de vendas por correspondência, cuja sede se situa noutro Estado contratante, na entrega de um prémio que aparentemente ganhou tem natureza contratual, na acepção do artigo 5.°, ponto 1, da referida Convenção, desde que, por um lado, essa sociedade, com o objectivo de incitar o consumidor a contratar, tenha nominativamente endereçado a este último uma carta susceptível de dar a impressão de que lhe será atribuído um prémio quando o «vale de pagamento» incluído nessa carta seja devolvido pelo interessado e que, por outro, o referido consumidor aceite as condições estipuladas pelo vendedor e reclame efectivamente o pagamento do prémio prometido;

– em contrapartida, embora a referida carta inclua também um catálogo publicitário de produtos da mesma sociedade, acompanhado de um impresso de «encomenda‑teste não obrigatória», a dupla circunstância de a atribuição do prémio não depender da encomenda de mercadorias e de o consumidor não ter, efectivamente, feito essa encomenda é irrelevante para a referida interpretação.

(cf. n.° 61 e disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
20 de Janeiro de 2005(1)


«Convenção de Bruxelas – Pedido de interpretação dos artigos 5.°, pontos 1 e 3, e 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3 – Direito de o consumidor destinatário de publicidade enganosa exigir judicialmente o prémio que aparentemente ganhou – Qualificação – Acção de natureza contratual prevista no artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, ou no artigo 5.°, ponto 1, ou de natureza extracontratual prevista no artigo 5.°, ponto 3 – Condições»

No processo C-27/02,que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do Protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, apresentado pelo Oberlandesgericht Innsbruck (Áustria), por decisão de 14 de Janeiro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 31 de Janeiro de 2002, no processo

Petra Engler

contra

Janus Versand GmbH ,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),,



composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, C. Gulmann e R. Schintgen (relator), juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Maio de 2004,vistas as observações apresentadas:

em representação de P. Engler, por K.-H. Plankel e S. Ganahl, Rechtsanwälte,

em representação da Janus Versand GmbH, por A. Matt, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente, assistida por A. Klauser, Rechtsanwalt,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.‑M. Rouchaud e W. Bogensberger, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Julho de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial é relativo à interpretação dos artigos 5.°, pontos 1 e 3, e 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), com as alterações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e – texto alterado – p. 77; EE 01 F2 p. 131, e – texto alterado – p. 207), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234), pela Convenção de 26 de Maio de 1989, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1), e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1; a seguir «Convenção de Bruxelas»).

2
Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe P. Engler, cidadã austríaca residente em Lustenau (Áustria), à sociedade de vendas por correspondência de direito alemão Janus Versand GmbH (a seguir «Janus Versand»), com sede em Langenfeld (Alemanha), a propósito de uma acção cujo objecto é a condenação desta última na entrega de um prémio à primeira, pois, em correspondência que lhe havia sido nominativamente endereçada, a referida sociedade tinha dado a impressão a P. Engler de que lhe tinha sido atribuído um prémio.


Enquadramento jurídico

A Convenção de Bruxelas

3
As regras de competência aprovadas pela Convenção de Bruxelas figuram no seu título II, constituído pelos artigos 2.° a 24.°

4
O artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, que faz parte do seu título II, secção 1, intitulada «Disposições gerais», consagra o princípio nos termos do qual:

«Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

5
O artigo 3.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, constante da mesma secção, estatui:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado contratante por força das regras enunciadas nas secções 2 a 6 do presente título.»

6
Nos artigos 5.° a 18.° da Convenção de Bruxelas, que formam as secções 2 a 6 do seu título II, prevêem‑se regras de competência especial, obrigatória ou exclusiva.

7
Assim, nos termos do artigo 5.°, constante da secção 2, intitulada «Competências especiais», do título II da Convenção de Bruxelas:

«O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

1)
em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; [...]

[...]

3)
em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso;

[...]»

8
Sob o mesmo título II da Convenção de Bruxelas, os artigos 13.° a 15.° formam a secção 4, intitulada «Competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores».

9
O artigo 13.° da Convenção de Bruxelas encontra‑se redigido nos seguintes termos:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.° e no ponto 5 do artigo 5.°:

1)
Quando se trate de empréstimo a prestações de bens móveis corpóreos;

2)
Quando se trate de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens;

3)
Relativamente a qualquer outro contrato que tenha por objecto a prestação de serviços ou o fornecimento de bens móveis corpóreos se:

a)
A celebração do contrato tiver sido precedida no Estado do domicílio do consumidor de uma proposta que lhe tenha sido especialmente dirigida ou de anúncio publicitário; e

b)
O consumidor tiver praticado nesse Estado os actos necessários para a celebração do contrato.

O co‑contratante do consumidor que, não tendo domicílio no território de um Estado contratante, possua sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento num Estado contratante será considerado, quanto aos litígios relativos à exploração daqueles, como tendo domicílio no território desse Estado.

O disposto na presente secção não se aplica ao contrato de transporte.»

10
Nos termos do artigo 14.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas:

«O consumidor pode intentar uma acção contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante os tribunais do Estado contratante em cujo território estiver domiciliado o consumidor.»

11
Esta regra de competência só pode ser derrogada se estiverem reunidas as condições enunciadas no artigo 15.° da Convenção de Bruxelas.

As disposições nacionais pertinentes

12
O § 5j da lei austríaca relativa à protecção dos consumidores (BGBl. 1979/140) prevê que:

«As empresas que enviem promessas de prémios ou outras comunicações semelhantes aos consumidores e, em virtude destas declarações, criem, no consumidor, a convicção de que ganhou determinado prémio devem entregar esse prémio ao consumidor; esse prémio pode ser exigido judicialmente.»

13
Esta disposição foi aditada à lei relativa à protecção dos consumidores pelo § 4 da lei austríaca relativa aos contratos à distância (BGBl. I, 1999/185), por ocasião da transposição da Directiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO L 144, p. 19), para o ordenamento jurídico austríaco.

14
A referida disposição entrou em vigor em 1 de Outubro de 1999.

15
O Oberlandesgericht Innsbruck precisa, na decisão de reenvio, que o objectivo do referido § 5j é conceder um direito de acção ao consumidor, para que este obtenha judicialmente o cumprimento de uma «promessa de prémio», quando tenha sido induzido em erro devido à actuação de um profissional que o contactou pessoalmente, fazendo‑o crer que ganhara um prémio, quando o objectivo real da operação, que consiste em incitar a fazer uma encomenda de produtos, só é revelado em letras pequenas ou em local pouco visível da correspondência e em termos dificilmente compreensíveis.


O litígio no processo principal e a questão prejudicial

16
Dos elementos constantes do processo principal resulta que, no início de 2001, P. Engler recebeu da sociedade Janus Versand, que exerce a actividade de venda de mercadorias por correspondência, uma carta que esta lhe enviou pessoalmente para o seu domicílio. Essa carta continha, por um lado, um «vale de pagamento», cuja forma e o conteúdo induziram a destinatária a acreditar que tinha ganho, numa «lotaria» organizada pela referida sociedade, um prémio de 455 000 ATS, e, por outro, um catálogo dos produtos comercializados por essa sociedade – que, aparentemente, também se apresentava nas suas relações com os seus clientes sob o nome de «Handelskontor Janus GmbH» –, sendo esse catálogo acompanhado de um impresso de «encomenda‑teste não obrigatória». No folheto publicitário enviado a P. Engler, a Janus Versand indicava que também podia ser contactada através da Internet no seguinte endereço: www.janus‑versand.com.

17
No «vale de pagamento», figura em título o termo «confirmação» assim como, em letras gordas, o número vencedor. O nome e o endereço do destinatário e beneficiário desse vale são os de P. Engler, seguindo‑se a indicação «pessoal − não transmissível». Nesse «vale de pagamento», vem indicado, também em letras gordas, o montante do prémio em algarismos (455 000 ATS) e, por baixo, o mesmo montante por extenso, bem como a confirmação, assinada por um tal Ulrich Mändercke, de que «o montante do prémio indicado está correcto e em conformidade com o documento que se encontra na nossa posse», seguindo‑se a essa assinatura a menção «gabinete de peritos diplomados e ajuramentados». Além disso, P. Engler era convidada a colar no «vale de pagamento» e no local previsto para o efeito o «selo oficial do gabinete» incluído na carta e a devolver à Janus Versand o impresso de «encomenda‑teste não obrigatória». Nesse «vale de pagamento» existia igualmente um espaço reservado para a data e a assinatura, a indicação «a preencher» e uma remissão em letras muito pequenas para as condições de participação e de entrega do prémio alegadamente ganho. P. Engler devia indicar nesse «vale de pagamento» que tinha lido e aceite as condições. Nesse vale exorta‑se também o destinatário a devolver «hoje mesmo» esse documento devidamente preenchido para que possa ser tratado, sendo, para esse efeito, junto um subscrito.

18
Foi nestas condições que P. Engler, de acordo com o convite da Janus Versand, devolveu o «vale de pagamento» a essa sociedade, pois pensava que isso bastaria para obter o prémio prometido de 455 000 ATS.

19
Numa primeira fase, a Janus Versand não reagiu e, em seguida, recusou‑se a pagar a referida quantia a P. Engler.

20
Esta última intentou então, nos órgãos jurisdicionais austríacos, uma acção contra a Janus Versand, baseada fundamentalmente no § 5j da lei relativa à protecção dos consumidores, com o objectivo de obter a condenação dessa sociedade a pagar‑lhe 455 000 ATS, acrescidos de custas e despesas. Segundo P. Engler, este pedido tem natureza contratual, pois a Janus Versand incitou‑a, através da sua promessa de atribuição de um prémio, a celebrar um contrato de compra e venda de bens móveis com essa sociedade. No entanto, este pedido assenta igualmente noutros fundamentos, em especial na violação de obrigações pré‑contratuais. A título subsidiário, a demandante no processo principal considera que o seu pedido tem natureza extracontratual.

21
A Janus Versand contestou a competência dos órgãos jurisdicionais austríacos para conhecer do referido pedido, sublinhando, antes de mais, que a carta em que o pedido se baseava não era da sua autoria, mas da Handelskontor Janus GmbH, sociedade que constituía outra entidade jurídica, e que não tinha prometido nenhum prémio a P. Engler e, por último, que não estabelecera relações contratuais com P. Engler.

22
Em 2 de Outubro de 2001, o Landesgericht Feldkirch (Áustria) julgou‑se incompetente para conhecer o pedido apresentado por P. Engler, pois esta não conseguira, em seu entender, demonstrar a relação existente entre a Janus Versand e o remetente da promessa de atribuição do prémio, ou seja, a «Handelskontor Janus GmbH, Postfach 1670, Abt. 3 Z 4, D−88106 Lindau».

23
P. Engler recorreu desta decisão para o Oberlandesgericht Innsbruck.

24
Este órgão jurisdicional considera que, para decidir a questão da competência internacional, é necessário tomar em consideração a Convenção de Bruxelas. A este propósito, importa determinar se se deve considerar que a acção intentada por P. Engler se baseia num direito de natureza contratual, na acepção do artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, ou se essa acção se funda em relações de natureza extracontratual, na acepção do ponto 3 do referido artigo, ou ainda se integra o âmbito do artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, desta Convenção.

25
O órgão jurisdicional de reenvio refere que o Oberster Gerichtshof (Áustria) já havia colocado uma questão similar ao Tribunal de Justiça no processo que esteve na origem do acórdão de 11 de Julho de 2002, Gabriel (C‑96/00, Colect., p. I‑6367), acórdão proferido após o presente pedido prejudicial ter sido apresentado ao Tribunal de Justiça, mas que os factos que estiveram na origem desse processo se distinguem dos do caso em apreço. Com efeito, no processo Gabriel, a empresa em causa fazia depender a participação no jogo de lotaria – e, consequentemente, o pagamento do prémio alegadamente ganho – de uma encomenda que o consumidor devia previamente efectuar, enquanto, no processo em apreço, a entrega do prémio não dependia da encomenda de mercadorias pelo consumidor, nem da entrega destas pela Janus Versand. Para o efeito, bastava enviar o «vale de pagamento».

26
Todavia, simultaneamente com a mensagem relativa ao alegado prémio, o consumidor recebeu um catálogo dos produtos vendidos pela Janus Versand e um impresso de «encomenda‑teste não obrigatória», que devia, manifestamente, incitar a destinatária a celebrar um contrato de compra de bens móveis propostos por essa sociedade. Destes elementos o órgão jurisdicional de reenvio conclui que, enquanto no processo que esteve na origem do acórdão Gabriel, já referido, tinha sido celebrado um contrato de venda de bens móveis, no caso em apreço, pelo contrário, independentemente da promessa de prémio que, eventualmente, pode ser apreciada isoladamente, só existiram relações pré‑contratuais entre as partes.

27
Nestas condições, considerando que a solução do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação da Convenção de Bruxelas, o Oberlandesgericht Innsbruck decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito de os consumidores, previsto no § 5j da Konsumentenschutzgesetz [lei relativa à protecção dos consumidores] austríaca [...], na redacção do artigo 1.°, n.° 2, da Fernabsatz‑Gesetz [lei relativa aos contratos à distância] austríaca […], exigirem judicialmente de empresas o pagamento de um prémio aparentemente ganho, quando estas enviam [enviaram] avisos de prémios ou outras comunicações semelhantes a determinados consumidores e, em virtude destas declarações, criam [criaram] a convicção no consumidor de ter ganho determinado prémio, constitui, na acepção da Convenção de Bruxelas [...]:

a)
um direito derivado de um contrato na acepção do artigo 13.°, [primeiro parágrafo,] ponto 3; ou

b)
um direito derivado de um contrato na acepção do artigo 5.°, ponto 1; ou

c)
um direito derivado de responsabilidade extracontratual na acepção do artigo 5.°, ponto 3;

quando um consumidor atento, de acordo com os documentos que lhe foram enviados, podia partir do princípio de que o montante, já reservado para si, só deveria ser reclamado mediante a devolução de um vale de pagamento junto a esses documentos, e que, desta forma, o pagamento do prémio não dependia da encomenda e entrega de mercadorias pela empresa que prometeu o prémio, mas, ao mesmo tempo, juntamente com a dita promessa de prémio foi enviado ao consumidor um catálogo de produtos da mesma empresa com um vale de encomenda‑teste não obrigatória?»


Quanto à questão prejudicial

28
Tendo em atenção o contexto factual do processo principal, a questão colocada deve ser interpretada essencialmente como se perguntasse se as regras de competência enunciadas na Convenção de Bruxelas devem ser interpretadas no sentido de que a acção judicial intentada por um consumidor com o objectivo de, ao abrigo da legislação do Estado contratante em cujo território possui a sua residência, obter a condenação de uma sociedade de vendas por correspondência, com sede noutro Estado contratante, na entrega de um prémio que aparentemente havia ganho, é de natureza contratual, na acepção dos artigos 5.°, ponto 1, ou 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, desta Convenção, ou é uma acção de natureza extracontratual, na acepção do artigo 5.°, ponto 3, da mesma Convenção, quando essa sociedade tinha enviado a esse consumidor, nominativamente designado, uma carta que podia causar a impressão de que lhe será atribuído um prémio desde que exija o seu pagamento através da devolução do «vale de pagamento» junto à referida carta e que esta última, além disso, incluía um catálogo publicitário de produtos da mesma sociedade acompanhado de um impresso de «encomenda‑teste não obrigatória», sem que a atribuição do referido prémio dependesse da encomenda de mercadorias e, efectivamente, quando o consumidor não procedeu a essa encomenda.

29
Para responder à questão assim reformulada, importa recordar liminarmente que, segundo jurisprudência constante, o conceito de matéria extracontratual utilizado no artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas abrange qualquer pedido que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade do demandado e que não esteja relacionado com a matéria contratual na acepção do ponto 1 do artigo 5.° da mesma Convenção (v., designadamente, acórdãos de 27 de Setembro de 1988, Kalfelis, 189/87, Colect., p. 5565, n.° 17; de 26 de Março de 1992, Reichert e Kockler, C‑261/90, Colect., p. I‑2149, n.° 16; de 27 de Outubro de 1998, Réunion européenne e o., C‑51/97, Colect., p. I‑6511, n.° 22; Gabriel, já referido, n.° 33; e de 1 de Outubro de 2002, Henkel, C‑167/00, Colect., p. I‑8111, n.° 36).

30
Conclui‑se que, em primeiro lugar, importa determinar se uma acção como a em causa no processo principal tem natureza contratual.

31
A este respeito, há que sublinhar que o artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas é relativo à matéria contratual em geral, ao passo que o artigo 13.° da referida Convenção visa, especificamente, diferentes tipos de contratos celebrados por um consumidor.

32
Como o artigo 13.° da Convenção de Bruxelas constitui, portanto, uma lex specialis relativamente ao artigo 5.°, ponto 1, da mesma Convenção, há que apurar, antes de mais, se uma acção com as características enunciadas na questão prejudicial, como reformulada no n.° 28 do presente acórdão, pode integrar o âmbito da primeira dessas duas disposições.

33
Como o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido, os conceitos utilizados na Convenção de Bruxelas – designadamente, os constantes dos artigos 5.°, pontos 1 e 3, e 13.° da referida Convenção – devem ser interpretados de forma autónoma, fazendo principalmente referência ao sistema e aos objectivos da referida Convenção, para assegurar a aplicação uniforme desta em todos os Estados contratantes (v., designadamente, acórdãos de 21 de Junho de 1978, Bertrand, 150/77, Colect., p. 487, n. os  14 a 16; de 19 de Janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton, C‑89/91, Colect., p. I‑139, n.° 13; de 3 de Julho de 1997, Benincasa, C‑269/95, Colect., p. I‑3767, n.° 12; de 27 de Abril de 1999, Mietz, C‑99/96, Colect., p. I‑2277, n.° 26; e Gabriel, já referido, n.° 37).

34
No que toca, em especial, ao artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça já declarou, baseando‑se nos critérios enunciados no número anterior, que o ponto 3 desta disposição só é aplicável desde que, em primeiro lugar, o demandante seja um consumidor final privado, não envolvido em actividades comerciais ou profissionais, em segundo lugar, que a acção judicial esteja relacionada com um contrato celebrado entre esse consumidor e o vendedor profissional, que tenha por objecto um fornecimento de bens móveis corpóreos ou de serviços e que esteja na origem de obrigações recíprocas e interdependentes entre as duas partes no contrato e, em terceiro lugar, que se encontrem satisfeitas as duas condições específicas enumeradas no artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, alíneas a) e b) (v. acórdão Gabriel, já referido, n. os  38 a 40 e 47 a 51).

35
Todavia, importa observar que nem todas estas condições se encontram satisfeitas num caso como o do processo principal.

36
Com efeito, embora seja incontestável que, numa situação como esta, a demandante no processo principal possua efectivamente a qualidade de consumidor, abrangida pelo artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, e que o vendedor se dirigiu ao consumidor nas formas previstas no ponto 3, alínea a), desta disposição, enviando‑lhe uma carta personalizada que incluía a promessa de atribuição de um prémio, conjuntamente com um catálogo acompanhado de uma nota de encomenda propondo para venda os seus bens móveis corpóreos no Estado contratante onde reside o consumidor, com o objectivo de o levar a satisfazer a solicitação do profissional, também é verdade que, no caso em apreço, à diligência deste último não se seguiu a celebração de um contrato entre o consumidor e o vendedor profissional relativo a um dos objectos específicos a que se refere a referida disposição e no quadro do qual as partes assumiram compromissos sinalagmáticos.

37
Assim, é incontestável que, no processo principal, a atribuição do prémio alegadamente ganho pelo consumidor não dependia da condição de este encomendar mercadorias propostas pela Janus Versand e, efectivamente, P. Engler não efectuou nenhuma encomenda. Além disso, de modo algum resulta dos autos que, ao reclamar a entrega do «prémio» prometido, esta última tenha assumido qualquer obrigação relativamente à referida sociedade, nem mesmo a de suportar despesas para obter a atribuição do prémio.

38
Nestas condições, uma acção como a intentada por P. Engler no processo principal não pode ser considerada de natureza contratual na acepção do artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas.

39
Contrariamente ao que P. Engler e o Governo austríaco alegam, esta conclusão não é contrariada pelo objectivo que constitui o fundamento da referida disposição, que é o de garantir uma protecção adequada do consumidor enquanto parte reputada mais fraca, nem pela circunstância de, no caso em apreço, a carta que a Janus Versand tinha nominativamente endereçado ao consumidor vir acompanhada de um impresso, intitulado «encomenda‑teste não obrigatória», destinado obviamente a incitar este último a encomendar mercadorias vendidas por essa sociedade.

40
Com efeito, como resulta da sua própria letra, o referido artigo 13.° visa inequivocamente o «contrato celebrado» por um consumidor «que tenha por objecto a prestação de serviços ou o fornecimento de bens móveis corpóreos».

41
A interpretação que resulta dos n. os  36 a 38 do presente acórdão é corroborada pelo lugar que as regras de competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores, enunciadas no título II, secção 4, da Convenção de Bruxelas, ocupam no sistema previsto pela referida Convenção.

42
Com efeito, os artigos 13.° a 15.° da referida Convenção consubstanciam uma derrogação ao princípio geral, previsto no artigo 2.°, primeiro parágrafo, dessa Convenção, que atribui competência aos órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território o demandado tem residência.

43
Conclui‑se que, em conformidade com a jurisprudência constante, as regras de competência específicas previstas nos artigos 13.° a 15.° da Convenção de Bruxelas devem dar lugar a uma interpretação estrita, que não pode extravasar as hipóteses expressamente previstas pela referida Convenção (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Bertrand, n.° 17; Shearson Lehman Hutton, n. os  14 a 16; Benincasa, n.° 13; e Mietz, n.° 27).

44
Estando assim excluída a aplicação do artigo 13.°, primeiro parágrafo, ponto 3, da Convenção de Bruxelas num processo com as características enunciadas na questão como está reformulada no n.° 28 do presente acórdão, importa, consequentemente, examinar se é possível considerar que uma acção como a em causa no processo principal tem natureza contratual na acepção do artigo 5.°, ponto 1, da Convenção.

45
A este propósito, há que declarar de imediato que, como resulta da sua própria letra, o artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas não exige a celebração de um contrato (v., no mesmo sentido, acórdão de 17 de Setembro de 2002, Tacconi, C‑334/00, Colect., p. I‑7357, n.° 22).

46
Também se deve recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que a competência para conhecer dos litígios relativos à existência de uma obrigação contratual deve ser determinada em conformidade com o artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas e que, portanto, esta disposição é aplicável mesmo que a formação do contrato que está na origem do recurso esteja controvertida entre as partes (v. acórdão de 4 de Março de 1982, Effer, 38/81, Recueil, p. 825, n. os  7 e 8).

47
Além disso, da jurisprudência resulta que se considera que as obrigações que têm a sua origem na relação de filiação existente entre uma associação e os seus membros têm natureza contratual na acepção do mesmo artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, pois a adesão a uma associação de direito privado cria entre os associados nexos estreitos do mesmo tipo dos que se estabelecem entre as partes num contrato (v. acórdão de 22 de Março de 1983, Peters, 34/82, Colect., p. 987, n. os  13 e 15).

48
Do que precede resulta que, como o advogado‑geral sublinhou no n.° 38 das suas conclusões, o conceito de «matéria contratual», a que se refere o artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, não é interpretado de forma estrita pelo Tribunal de Justiça.

49
Daqui se infere que a conclusão a que se chegou nos n. os  38 e 44 do presente acórdão, segundo a qual a acção judicial que está na origem do processo principal não tem natureza contratual na acepção do artigo 13.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, não se opõe, por si só, a que esta acção possa, contudo, ter natureza contratual na acepção do artigo 5.°, ponto 1, do mesmo diploma.

50
Para determinar se é isso que se verifica no processo principal, importa recordar que da jurisprudência resulta que, por um lado, embora o artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas não exija a celebração de um contrato, é, contudo, indispensável a identificação de uma obrigação, para a aplicação desta disposição, dado que a competência do órgão jurisdicional nacional é fixada, em matéria contratual, em função do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida (v. acórdão Tacconi, já referido, n.° 22). Por outro lado, o Tribunal de Justiça tem repetidamente considerado que o conceito de matéria contratual, na acepção da referida disposição, não pode ser entendido como abrangendo uma situação em que não existe nenhum compromisso livremente assumido por uma parte perante a outra (acórdãos de 17 de Junho de 1992, Handte, C‑26/91, Colect., p. I‑3967, n.° 15; Réunion européenne e o., já referido, n.° 17; Tacconi, já referido, n.° 23; e de 5 de Fevereiro de 2004, Frahuil, C‑265/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).

51
Consequentemente, a aplicação da regra de competência especial prevista em matéria contratual no referido artigo 5.°, ponto 1, pressupõe a determinação de uma obrigação jurídica livremente assumida por uma pessoa para com outra e que está na origem da acção do demandante.

52
A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio apurou que, no caso em apreço, por um lado, um vendedor profissional enviou, por sua própria iniciativa, para o domicílio de um consumidor, sem que este o tivesse pedido, uma carta em que este era nominativamente designado vencedor de um prémio.

53
Essa carta, enviada a destinatários e pelos meios escolhidos pelo expeditor, que tem a sua origem apenas na vontade do seu autor, é, portanto, susceptível de constituir um compromisso «livremente assumido» na acepção da jurisprudência invocada no n.° 50 do presente acórdão.

54
Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma promessa de prémio feita nestas condições por um profissional, que não pôs claramente em evidência a existência de uma condição, que até utilizou fórmulas susceptíveis de induzir em erro o consumidor, com o objectivo de o incitar a adquirir os produtos oferecidos por esse profissional, podia razoavelmente induzir a destinatária da carta a acreditar que lhe seria atribuído um prémio quando devolvesse o «vale de pagamento» junto.

55
Por outro lado, dos documentos enviados pelo órgão jurisdicional de reenvio resulta que a destinatária da carta controvertida aceitou expressamente a promessa de prémio estipulada em seu favor, ao solicitar o pagamento do prémio que aparentemente havia ganho.

56
Ora, pelo menos a partir desse momento, o acto voluntariamente cometido por um profissional em circunstâncias como as do processo principal deve analisar‑se como um acto susceptível de constituir um compromisso que vincula o seu autor, como em matéria contratual. Portanto, e sem prejuízo da qualificação final desse compromisso, que compete ao órgão jurisdicional de reenvio, a condição relativa à existência de uma obrigação que vincula uma parte à outra, a que se refere a jurisprudência mencionada no n.° 50 do presente acórdão, também se pode considerar preenchida.

57
Importa acrescentar que uma acção judicial como a intentada no processo principal pelo consumidor tem por objecto exigir judicialmente, ao vendedor profissional, a entrega do prémio aparentemente ganho e cujo pagamento este recusou. O seu fundamento está, precisamente, na promessa de prémio controvertida, pois o beneficiário aparente invoca o seu incumprimento para justificar a acção judicial.

58
Conclui‑se que, num caso como o em apreço no processo principal, se encontram satisfeitas todas as condições necessárias à aplicação do artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas.

59
Pelas razões indicadas pelo advogado‑geral no n.° 48 das suas conclusões, o simples facto de o vendedor profissional não ter verdadeiramente a intenção de entregar o prémio prometido ao destinatário da sua carta é, para este efeito, irrelevante. Atendendo ao que se afirmou no n.° 45 do presente acórdão, o mesmo se passa relativamente ao facto de a atribuição do prémio não depender da encomenda de mercadorias e de o consumidor não ter, efectivamente, efectuado essa encomenda.

60
Nestas condições, uma acção como a que P. Engler intentou no órgão jurisdicional de reenvio integra o âmbito do artigo 5.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, pelo que, como resulta do n.° 29 do presente acórdão, deixa de ser necessário que este Tribunal se debruce sobre a aplicabilidade do artigo 5.°, ponto 3, da mesma Convenção.

61
Tendo em atenção o conjunto das considerações que precedem, há que responder à questão colocada que as regras de competência enunciadas na Convenção de Bruxelas devem ser interpretadas da seguinte forma:

a acção judicial através da qual um consumidor pretende obter a condenação, ao abrigo da legislação do Estado contratante em cujo território reside, de uma sociedade de vendas por correspondência, cuja sede se situa noutro Estado contratante, na entrega de um prémio que aparentemente ganhou tem natureza contratual, na acepção do artigo 5.°, ponto 1, da referida Convenção, desde que, por um lado, essa sociedade, com o objectivo de incitar o consumidor a contratar, tenha nominativamente endereçado a este último uma carta susceptível de dar a impressão de que lhe será atribuído um prémio quando o «vale de pagamento» incluído nessa carta seja devolvido pelo interessado e que, por outro, o referido consumidor aceite as condições estipuladas pelo vendedor e reclame efectivamente o pagamento do prémio prometido;

em contrapartida, embora a referida carta inclua também um catálogo publicitário de produtos da mesma sociedade, acompanhado de um impresso de «encomenda‑teste não obrigatória», a dupla circunstância de a atribuição do prémio não depender da encomenda de mercadorias e de o consumidor não ter, efectivamente, feito essa encomenda é irrelevante para a referida interpretação.


Quanto às despesas

62
Revestindo o processo, quando às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas com a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça, diferentes das das referidas partes, não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

As regras de competência enunciadas na Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com as alterações introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, devem ser interpretadas da seguinte forma:

a acção judicial através da qual um consumidor pretende obter a condenação, ao abrigo da legislação do Estado contratante em cujo território reside, de uma sociedade de vendas por correspondência, cuja sede se situa noutro Estado contratante, na entrega de um prémio que aparentemente ganhou tem natureza contratual, na acepção do artigo 5.°, ponto 1, da referida Convenção, desde que, por um lado, essa sociedade, com o objectivo de incitar o consumidor a contratar, tenha nominativamente endereçado a este último uma carta susceptível de dar a impressão de que lhe será atribuído um prémio quando o «vale de pagamento» incluído nessa carta seja devolvido pelo interessado e que, por outro, o referido consumidor aceite as condições estipuladas pelo vendedor e reclame efectivamente o pagamento do prémio prometido;

em contrapartida, embora a referida carta inclua também um catálogo publicitário de produtos da mesma sociedade, acompanhado de um impresso de «encomenda‑teste não obrigatória», a dupla circunstância de a atribuição do prémio não depender da encomenda de mercadorias e de o consumidor não ter, efectivamente, feito essa encomenda é irrelevante para a referida interpretação.

Assinaturas.


1
Língua do processo: alemão.