Processo C‑18/02


Danmarks Rederiforening, que age em representação da DFDS Torline A/S
contra
LO Landsorganisationen i Sverige, que age em representação da SEKO Sjöfolk Facket för Service och Kommunikation



(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Arbejdsret)

«Convenção de Bruxelas – Artigo 5.°, ponto 3 – Competência em matéria extracontratual – Lugar onde ocorreu o facto danoso – Medida tomada por um sindicato num Estado contratante contra o armador de um navio registado noutro Estado contratante»

Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 18 de Setembro de 2003
    
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 5 de Fevereiro de 2004
    

Sumário do acórdão

1.
Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões – Protocolo relativo à interpretação da Convenção pelo Tribunal de Justiça – Órgãos jurisdicionais nacionais habilitados a recorrer ao Tribunal de Justiça a título prejudicial – Arbejdsret do direito dinamarquês, competente em primeira e última instância em matéria de conflitos referentes à legalidade de certas acções colectivas – Inclusão

(Protocolo de 3 de Junho de 1971, artigo 2.°)

2.
Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões – Competências especiais – Competência «em matéria extracontratual» – Conceito – Acção judicial referente à legalidade de uma acção colectiva, da competência exclusiva de um órgão jurisdicional diferente do competente para decidir de eventuais pedidos de indemnização – Inclusão

(Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, artigo 5.°, ponto 3)

3.
Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões – Competências especiais – Competência «em matéria extracontratual» – Lugar onde ocorreu o facto danoso – Danos resultantes de uma acção colectiva realizada por um sindicato num Estado contratante que recebeu nas suas águas territoriais um navio registado noutro Estado contratante – Localização do prejuízo no Estado do pavilhão – Tomada em consideração do critério de nacionalidade do navio – Limites

(Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, artigo 5.°, ponto 3)

1.
O Arbejdsret, órgão jurisdicional dinamarquês decidindo, com base numa competência exclusiva, em primeira e última instância, sobre certos conflitos no domínio do direito do trabalho, em especial os referentes à legalidade das acções colectivas que têm por objectivo a obtenção de uma convenção colectiva, pode submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 2.°, ponto 1, segundo travessão, do Protocolo de 3 de Junho de 1971, relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial. Com efeito, se bem que este órgão jurisdicional não esteja mencionado no referido ponto 1 e não decida um recurso, como exige o ponto 2 do mesmo artigo, que enumera os órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes que têm competência para solicitar ao Tribunal de Justiça uma decisão a título prejudicial sobre uma questão de interpretação da Convenção, o facto de se concluir pela sua falta de legitimidade para pedir uma decisão a título prejudicial ao Tribunal de Justiça teria como consequência inaceitável que, na Dinamarca, as questões referentes à interpretação da Convenção surgidas no âmbito de determinadas acções do domínio do direito de trabalho não pudessem, em caso algum, ser objecto de reenvio prejudicial.

(cf. n.os 14‑18)

2.
O artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se insere no conceito de «matéria extracontratual» uma acção judicial referente à legalidade de uma acção colectiva para cujo conhecimento tem competência exclusiva, em conformidade com o direito do Estado contratante em questão, um órgão jurisdicional diferente do competente para decidir dos pedidos de indemnização do prejuízo causado por esta acção colectiva.
Para a aplicação do artigo 5.°, ponto 3, da referida Convenção a tal situação, basta, por outro lado, que a acção colectiva seja uma condição necessária de acções de solidariedade susceptíveis de ocasionar prejuízos, sem que seja indispensável que o dano seja uma consequência certa ou provável da própria acção colectiva.
Por fim, a aplicação da referida disposição não é afectada pelo facto de a realização da acção colectiva ter sido suspensa pela parte que apresentou o pré‑aviso de acção para aguardar a decisão sobre a legalidade dessa acção.

(cf. n.os 28, 29, 34, 38, disp. 1)

3.
O artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que os danos resultantes de uma acção colectiva realizada por um sindicato num Estado contratante no qual navega um navio registado noutro Estado contratante não devem necessariamente ser considerados ocorridos no Estado do pavilhão do navio, de modo a que o armador aí possa intentar uma acção de indemnização contra esse sindicato.
A este respeito, o Estado no qual o navio está registado apenas deve ser considerado um elemento, entre outros, que concorre para a identificação do lugar onde o dano ocorreu. Em contrapartida, o Estado do pavilhão do navio deverá necessariamente ser considerado como o lugar em que o facto danoso provocou os prejuízos, na hipótese de os danos se terem concretizado a bordo do navio.

(cf. n.os 44, 45, disp. 2)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
5 de Fevereiro de 2004(1)

«Convenção de Bruxelas – Artigo 5.°, ponto 3 – Competência em matéria extracontratual – Lugar onde ocorreu o facto danoso – Medida tomada por um sindicato num Estado contratante contra o armador de um navio registado noutro Estado contratante»

No processo C-18/02,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do Protocolo de 3 de Junho de 1971, relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pelo Arbejdsret (Dinamarca), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Danmarks Rederiforening, que age em representação da DFDS Torline A/S,

e

LO Landsorganisationen i Sverige, que age em representação da SEKO Sjöfolk Facket för Service och Kommunikation,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, já referida (JO 1972, L 299, p. 32; edição em língua portuguesa, JO 1989, L 285, p. 24), com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e – texto alterado – p. 77; edição em língua portuguesa, JO 1989, L 285, p. 41), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; edição em língua portuguesa, JO 1989, L 285, p. 54), pela Convenção de 26 de Maio de 1989, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1), e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),,



composto por: V. Skouris, exercendo as funções de presidente da Sexta Secção, J. N. Cunha Rodrigues (relator), J.-P. Puissochet, R. Schintgen e F. Macken, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Danmarks Rederiforening, que age em representação da DFDS Torline A/S, por P. Voss, advokat,

em representação da LO Landsorganisationen i Sverige, que age em representação da SEKO Sjöfolk Facket för Service och Kommunikation, por S. Gärde, advokat,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde e J. Bering Liisberg, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por A. Kruse, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por K. Beal, barrister,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por N. Rasmussen, na qualidade de agente,

ouvidas as alegações da Danmarks Rederiforening, que age em representação da DFDS Torline A/S, representada por P. Voss, da LO Landsorganisationen i Sverige, que age em representação da SEKO Sjöfolk Facket för Service och Kommunikation, representada por S. Gärde e H. Nielsen, advokat, do Governo dinamarquês, representado por J. Molde, do Governo sueco, representado por A. Kruse, e da Comissão, representada por N. Rasmussen e A.-M. Rouchaud, na qualidade de agente, na audiência de 20 de Maio de 2003,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Setembro de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 25 de Janeiro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de Janeiro seguinte, o Arbejdsret submeteu, nos termos do Protocolo de 3 Junho de 1971, relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (a seguir «Protocolo»), duas questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 5.°, ponto 3, desta Convenção (JO 1972, L 299, p. 32; edição em língua portuguesa, JO 1989, L 285, p. 24), com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1 e – texto alterado – p. 77; edição em língua portuguesa, JO 1989, L 285, p. 41), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; edição em língua portuguesa, JO 1989, L 285, p. 54), pela Convenção de 26 de Maio de 1989, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1), e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»).

2
Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Danmarks Rederiforening (associação de armadores dinamarqueses), em representação da DFDS Torline A/S (a seguir «DFDS»), a qual é um armador, à LO Landsorganisationen i Sverige (confederação geral do trabalho sueca), em representação da SEKO Sjöfolk Facket för Service och Kommunikation (a seguir «SEKO»), que é uma organização sindical, a respeito da legalidade de uma acção colectiva cujo pré‑aviso foi apresentado por esta última à DFDS.


Quadro jurídico

3
O artigo 2.° do Protocolo prevê:

«Os seguintes tribunais têm o poder de pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre uma questão de interpretação:

1)
[...]

na Dinamarca: højesteret (tribunal supremo);

[...]

2)
Os tribunais dos Estados contratantes, quando decidam um recurso;

[...]»

4
O artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas prevê:

«Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

5
Nos termos do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas:

«O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

[...]

3)
Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso.»


Processo principal e questões prejudiciais

6
O processo principal diz respeito à legalidade de um pré‑aviso de acção colectiva apresentado pela SEKO contra a DFDS, com vista a conseguir uma convenção colectiva para os tripulantes polacos que constituem a equipagem do navio de carga Tor Caledonia, que é propriedade da DFDS e efectua um serviço regular de navegação entre Gotemburgo (Suécia) e Harwich (Reino Unido).

7
O Tor Caledonia está registado no registo internacional de navios da Dinamarca e sujeito à legislação dinamarquesa. Na altura dos factos do processo principal, os marinheiros polacos estavam empregados com base em contratos individuais de trabalho, em conformidade com um acordo‑quadro celebrado entre vários sindicatos dinamarqueses, por um lado, e três associações de armadores dinamarqueses, por outro. Esses contratos regiam‑se pelo direito dinamarquês.

8
Após a DFDS ter recusado um pedido de convenção colectiva para a tripulação polaca apresentado pela SEKO, esta última apresentou, por fax de 21 de Março de 2001, com efeitos a partir de 28 de Março seguinte, um pré‑aviso de acção colectiva pela qual pedia aos seus membros suecos que não aceitassem postos de trabalho no Tor Caledonia. Também se indicava neste fax que a SEKO apelava a acções de solidariedade. Na sequência deste apelo, a Svenska Transportarbetareförbundet (federação sueca dos trabalhadores dos transportes, a seguir «STAF») apresentou, em 3 de Abril seguinte, um pré‑aviso de manifestação de solidariedade, em 17 de Abril de 2001, que incluía a recusa de prestar qualquer trabalho relativamente ao Tor Caledonia e visava impedir o carregamento e a descarga do navio nos portos suecos.

9
Em 4 de Abril de 2001, a DFDS propôs uma acção no Arbejdsret contra a SEKO e a STAF, com o objectivo de obrigar estes dois sindicatos, por um lado, a reconhecerem que as acções principais e de solidariedade eram ilegais e, por outro, a retirar os referidos pré‑avisos.

10
Em 11 de Abril de 2001, isto é, no próprio dia da primeira audiência no Arbejdsret, a SEKO decidiu suspender a acção colectiva enquanto aguardava a decisão final deste órgão jurisdicional, ao passo que o pré‑aviso de solidariedade apresentado pela STAF foi retirado em 18 de Abril seguinte.

11
Todavia, em 16 de Abril de 2001, ou seja, na véspera do primeiro dia da acção de solidariedade anunciada pela STAF, a DFDS decidiu retirar o Tor Caledonia do trajecto Gotemburgo‑Harwich, o qual foi servido, a partir de 30 de Maio seguinte, por outro navio fretado para o efeito.

12
A DFDS intentou uma acção de indemnização contra a SEKO no Sø- og Handelsret (Dinamarca), invocando a responsabilidade extracontratual da demandada decorrente da apresentação de um pré‑aviso de acção colectiva ilegal e de ter provocado o pré‑aviso de acção de solidariedade, também ele ilegal, apresentado por outro sindicato sueco. A indemnização pedida diz respeito ao prejuízo alegadamente sofrido pela DFDS com a imobilização do Tor Caledonia e o fretamento de um navio cargueiro de substituição. O referido órgão jurisdicional decidiu suspender a instância no que respeita ao pedido de indemnização até ser proferida a decisão do Arbejdsret.

13
Entendendo que, para decidir da questão suscitada pela SEKO no que respeita à sua competência e para se pronunciar sobre a legalidade da acção colectiva em questão, é necessário interpretar o artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas, o Arbejdsret decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) a)
O artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que abrange processos sobre a legalidade de acções colectivas com vista a obter uma convenção colectiva, quando o eventual facto danoso como consequência da ilegalidade dessas acções colectivas é gerador de responsabilidade civil nos termos das normas sobre indemnização em matéria extracontratual, de modo que a acção judicial relativa à legalidade de uma acção colectiva objecto de pré‑aviso pode ser instaurada no tribunal do lugar onde a acção de indemnização pelo facto danoso resultante da acção colectiva pode ser proposta?

b)
Em tal caso, é de exigir que o facto danoso seja uma consequência certa ou provável da referida acção colectiva em si mesma, ou é suficiente que a acção colectiva em questão seja uma condição necessária e possa servir de motivo para uma acção de solidariedade causadora de prejuízos?

c)
Faz alguma diferença o facto de a concretização da acção colectiva objecto de pré‑aviso ter sido suspensa, após a propositura da acção judicial, pela parte que emitiu o pré‑aviso, para aguardar a decisão do tribunal sobre a sua legalidade?

2)
O artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que os prejuízos que sejam consequência de uma acção colectiva organizada por um sindicato num país no qual navega um navio registado noutro país (Estado do pavilhão), com vista a alcançar uma convenção para proteger os postos de trabalho da equipagem desse navio, podem ser considerados, pelo armador do navio, como tendo ocorrido no Estado do pavilhão, de modo que o armador pode, nos termos da mesma disposição, propor uma acção de indemnização contra o sindicato neste último Estado?»


Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

14
A título preliminar, há que notar que o Arbejdsret não está mencionado no artigo 2.°, ponto 1, segundo travessão, do Protocolo e que não decide um recurso, como exige o ponto 2 do mesmo artigo, que enumera os órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes que têm competência para solicitar ao Tribunal de Justiça uma decisão a título prejudicial sobre uma questão de interpretação da Convenção de Bruxelas.

15
Todavia, resulta do despacho de reenvio que, nos termos do direito dinamarquês, o Arbejdsret é o único competente para se pronunciar sobre certos conflitos no domínio do direito do trabalho, em especial os referentes à legalidade das acções colectivas que têm por objectivo a obtenção de uma convenção colectiva. O Arbejdsret decide, portanto, em primeira e última instância.

16
Nestas condições, uma interpretação literal do Protocolo, que concluísse pela falta de legitimidade do órgão jurisdicional de reenvio para pedir uma decisão a título prejudicial ao Tribunal de Justiça, teria como consequência que, na Dinamarca, as questões referentes à interpretação da Convenção de Bruxelas surgidas no âmbito de uma acção como a do processo principal não poderiam, em caso algum, ser objecto de reenvio prejudicial.

17
É manifesto que semelhante interpretação do artigo 2.°, pontos 1 e 2, do Protocolo contrariaria os objectivos enunciados no preâmbulo da Convenção de Bruxelas, designadamente os referentes à determinação da competência dos tribunais dos Estados contratantes na ordem internacional e à protecção jurídica das pessoas aí estabelecidas.

18
Do que resulta que o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Arbejdsret é admissível.


Quanto à primeira questão, alínea a)

19
Com a sua primeira questão, alínea a), o tribunal de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que se insere no conceito de «matéria extracontratual» uma acção judicial referente à legalidade de uma acção colectiva para cujo conhecimento tem competência exclusiva, em conformidade com o direito do Estado contratante em questão, um órgão jurisdicional diferente do competente para decidir dos pedidos de indemnização do prejuízo causado pela referida acção.

20
Na Dinamarca, o Arbejdsret é competente para se pronunciar sobre a legalidade de uma acção colectiva, ao passo que são outros os tribunais competentes para decidir dos pedidos de indemnização referentes aos danos dessa acção.

21
A SEKO afirma que o litígio perante o tribunal de reenvio não pode inserir‑se no conceito de «matéria extracontratual», na acepção do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas, pois que o pedido de indemnização não foi formulado neste órgão jurisdicional. A isto acresce que, se o Arbejdsret declarar a ilegalidade da acção colectiva que foi suspensa pela SEKO, esta deverá retirar o seu pré‑aviso e a DFDS já não terá razão para apresentar seguidamente um pedido de indemnização. Do que resulta, segundo a SEKO, ser o artigo 2.° da Convenção de Bruxelas o aplicável.

22
Semelhante argumentação não pode ser acolhida.

23
Com efeito, por um lado, resulta de jurisprudência assente que a Convenção de Bruxelas não tem por objecto unificar as normas processuais dos Estados contratantes, mas repartir as competências judiciárias para a solução dos litígios em matéria civil e comercial nas relações entre os Estados contratantes e facilitar a execução das decisões judiciais (v., designadamente, acórdãos de 7 de Março de 1995, Shevill e o., C‑68/93, Colect., p. I‑415, n.° 35, e de 6 de Junho de 2002, Italian Leather, C‑80/00, Colect., p. I‑4995, n.° 43).

24
Consequentemente, o Reino da Dinamarca pode instituir um sistema nos termos do qual as competências para apreciar, respectivamente, a legalidade de uma acção colectiva e as acções de indemnização dos prejuízos que desta podem decorrer não pertençam aos mesmos órgãos jurisdicionais nacionais.

25
Ora, a adopção da interpretação sustentada pela SEKO teria por consequência que, para obter a reparação dos prejuízos decorrentes de uma acção colectiva realizada na Dinamarca e cuja responsabilidade incumba a uma parte domiciliada noutro Estado contratante, um demandante se visse obrigado, num primeiro momento, a intentar, perante um órgão jurisdicional do Estado do domicílio do demandado, uma acção referente à legalidade da acção colectiva e, num segundo momento, a intentar uma acção de indemnização num órgão jurisdicional dinamarquês.

26
Semelhante interpretação seria contrária aos princípios da boa administração da justiça, da segurança jurídica e da não multiplicação da titularidade da competência judiciária a respeito de uma mesma relação jurídica, relativamente aos quais o Tribunal de Justiça repetidamente declarou que constituem objectivos da Convenção de Bruxelas (v., designadamente, acórdãos de 3 de Julho de 1997, Benincasa, C‑269/95, Colect., p. I‑3767, n.° 26, e Italian Leather, já referido, n.° 51).

27
Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou que não pode ser acolhida uma interpretação do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas segundo a qual a aplicação dessa disposição fique subordinada à ocorrência efectiva do prejuízo e que a conclusão de que o tribunal do local onde o facto danoso se produziu é normalmente o mais apto para decidir, nomeadamente por razões de proximidade do litígio e de facilidade de apresentação de provas, é igualmente válida quer o litígio se refira à reparação de um prejuízo já ocorrido quer diga respeito a uma acção destinada a impedir a realização do prejuízo (acórdão de 1 de Outubro de 2002, Henkel, C‑167/00, Colect., p. I‑8111, n.os 46 e 48).

28
Decorre das precedentes considerações que há que responder à primeira questão, alínea a), que o artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que se insere no conceito de «matéria extracontratual» uma acção judicial referente à legalidade de uma acção colectiva para cujo conhecimento tem competência exclusiva, em conformidade com o direito do Estado contratante em questão, um órgão jurisdicional diferente do competente para decidir dos pedidos de indemnização do prejuízo causado por esta acção colectiva.


Quanto à primeira questão, alínea b)

29
Com a primeira questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se é indispensável, para a aplicação do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas a uma situação como a do processo principal, que o dano seja uma consequência certa ou provável da própria acção colectiva ou se basta que esta acção seja uma condição necessária de acções de solidariedade susceptíveis de ocasionar prejuízos.

30
Resulta dos autos que, à data dos factos do processo principal, a DFDS empregava unicamente marinheiros polacos a bordo do Tor Caledonia. Uma vez que o pré‑aviso de acção colectiva apresentado pela SEKO consistia no facto de esta pedir aos seus membros suecos que não aceitassem postos de trabalho no navio cargueiro em causa, a acção colectiva não podia, por si só, provocar danos à DFDS. Todavia, era necessária para que uma acção de solidariedade que comportasse, como no caso em apreço, a recusa de qualquer trabalho referente à carga ou descarga do Tor Caledonia nos portos suecos pudesse legalmente ser realizada.

31
A não ter existido o pré‑aviso de acção colectiva apresentado pela SEKO, os danos que a DFDS alega ter sofrido, decorrentes da retirada do Tor Caledonia do trajecto Gotemburgo‑Harwich e do fretamento de outro navio cargueiro, não teriam, por conseguinte, ocorrido.

32
Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a responsabilidade extracontratual só pode ser determinada se puder ser estabelecido um nexo de causalidade entre o dano e o facto que o originou (acórdão de 30 de Novembro de 1976, Handelskwekerij G. J. Bier BV/Mines de Potasse d'Alsace SA, dito «Mines de potasse d’Alsace», 21/76, Colect., p. 677, n.° 16). É forçoso considerar que, numa situação como a do processo principal, é possível estabelecer um nexo de causalidade entre os danos alegadamente sofridos pela DFDS e o pré‑aviso de acção colectiva apresentado pela SEKO.

33
Quanto ao argumento da SEKO segundo o qual, para que os tribunais dinamarqueses fossem competentes, teria sido necessário que a acção colectiva tivesse sido levada a cabo e causado um dano que tivesse conduzido a uma perda financeira, sendo necessário que tivesse sido formulado um pedido de indemnização, basta recordar que, como concluiu o Tribunal no n.° 27 do presente acórdão, o artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas pode aplicar‑se a uma acção preventiva destinada a impedir a realização de um facto danoso futuro.

34
Assim, há que responder à primeira questão, alínea b), que, para a aplicação do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas a uma situação como a do processo principal, basta que a acção colectiva seja uma condição necessária de acções de solidariedade susceptíveis de ocasionar prejuízos.


Quanto à primeira questão, alínea c)

35
Com a sua primeira questão, alínea c), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a aplicação do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas é afectada pelo facto de a realização da acção colectiva ter sido suspensa pela parte que apresentou o pré‑aviso para aguardar a decisão que se pronuncie sobre a legalidade dessa acção.

36
A este respeito, há que referir que, nos termos de jurisprudência assente, o reforço da protecção jurídica das pessoas domiciliadas na Comunidade, que simultaneamente permite ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele perante o qual pode ser demandado, constitui um dos objectivos da Convenção de Bruxelas (v. acórdãos de 19 de Fevereiro de 2002, Besix, C‑256/00, Colect., p. I‑1699, n.os 25 e 26, e de 17 de Setembro de 2002, Tacconi, C‑334/00, Colect., p. I‑7357, n.° 20).

37
Este objectivo não poderia ser atingido se, após ter sido intentada uma acção abrangida pelo artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas no órgão jurisdicional competente de um Estado contratante, a suspensão, pelo demandado, do comportamento lesivo que esteve na origem desta acção pudesse ter como consequência ficar o órgão jurisdicional perante o qual foi intentada a acção privado da sua competência, sendo esta atribuída a um órgão jurisdicional de outro Estado contratante.

38
De onde resulta que há que responder à primeira questão, alínea c), que a aplicação do artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas não é afectada pelo facto de a realização da acção colectiva ter sido suspensa pela parte que apresentou o pré‑aviso para aguardar a decisão sobre a legalidade dessa acção.


Quanto à segunda questão

39
Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se o artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que os danos resultantes de uma acção colectiva realizada por um sindicato num Estado contratante no qual navega um navio registado noutro Estado contratante podem ser considerados ocorridos no Estado do pavilhão do navio, pelo que o armador pode aí intentar uma acção de indemnização contra esse sindicato.

40
Constitui jurisprudência constante que, caso o lugar onde se situa o facto susceptível de implicar uma responsabilidade extracontratual não coincida com o lugar onde esse facto provocou o dano, a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso», que figura no artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas, deve ser entendida no sentido de que se refere simultaneamente ao lugar onde o dano se verificou e ao lugar onde decorreu o evento causal na origem deste dano, de modo que o réu pode ser demandado, consoante a opção do autor, perante o tribunal de um ou outro desses dois lugares (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Mines de potasse d’Alsace, n.os 24 e 25, Shevill e o., n.° 20, e Henkel, n.° 44).

41
No caso em apreço, o evento causal foi o pré‑aviso de acção colectiva apresentado e difundido pela SEKO na Suécia, Estado contratante onde esta organização sindical também tem a sua sede. Consequentemente, o lugar onde se situa o facto susceptível de implicar a responsabilidade extracontratual do seu autor só pode ser a Suécia, na medida em que constitui o lugar de origem do facto danoso (v., neste sentido, acórdão Shevill e o., já referido, n.° 24).

42
A isto acresce que os danos alegadamente causados à DFDS pela SEKO consistiram em perdas financeiras decorrentes da retirada do Tor Caledonia do seu trajecto regular e do fretamento de outro navio para servir este mesmo trajecto.

43
Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se estas perdas financeiras se podem considerar ocorridas no lugar em que está estabelecida a DFDS.

44
No âmbito desta apreciação pelo órgão jurisdicional nacional, o Estado do pavilhão, ou seja, o Estado no qual o navio está registado, apenas deve ser considerado um elemento, entre outros, que concorre para a identificação do lugar onde o dano ocorreu. A nacionalidade do navio só pode desempenhar um papel decisivo na hipótese de o órgão jurisdicional nacional chegar à conclusão de que os danos se concretizaram a bordo do Tor Caledonia. Neste último caso, o Estado do pavilhão do navio deverá necessariamente ser considerado como o lugar em que o facto danoso provocou os prejuízos.

45
Vistas as precedentes considerações, há que responder à segunda questão que, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que os danos resultantes de uma acção colectiva realizada por um sindicato num Estado contratante no qual navega um navio registado noutro Estado contratante não devem necessariamente ser considerados ocorridos no Estado do pavilhão do navio, de modo a que o armador aí possa intentar uma acção de indemnização contra esse sindicato.


Quanto às despesas

46
As despesas efectuadas pelos Governos dinamarquês, sueco e do Reino Unido, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando‑se sobre as questões submetidas pelo Arbejdsret, por despacho de 25 de Janeiro de 2002, declara:

1) a)
O artigo 5.°, ponto 3, da Convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, com a redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de Maio de 1989, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996, relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, deve ser interpretado no sentido de que se insere no conceito de «matéria extracontratual» uma acção judicial referente à legalidade de uma acção colectiva para cujo conhecimento tem competência exclusiva, em conformidade com o direito do Estado contratante em questão, um órgão jurisdicional diferente do competente para decidir dos pedidos de indemnização do prejuízo causado por esta acção colectiva.

b)       Para a aplicação do artigo 5.°, ponto 3, da referida Convenção a uma situação como a do processo principal, basta que a acção colectiva seja uma condição necessária de acções de solidariedade susceptíveis de ocasionar prejuízos.

c)       A aplicação do artigo 5.°, ponto 3, da mesma Convenção não é afectada pelo facto de a realização da acção colectiva ter sido suspensa pela parte que apresentou o pré‑aviso para aguardar a decisão sobre a legalidade dessa acção.

2)       Em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 5.°, ponto 3, da referida Convenção deve ser interpretado no sentido de que os danos resultantes de uma acção colectiva realizada por um sindicato num Estado contratante no qual navega um navio registado noutro Estado contratante não devem necessariamente ser considerados ocorridos no Estado do pavilhão do navio, de modo a que o armador aí possa intentar uma acção de indemnização contra esse sindicato.

Skouris

Cunha Rodrigues

Puissochet

Schintgen

Macken

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Fevereiro de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo:dinamarquês.