I –Introdução
1. O presente pedido prejudicial refere‑se à interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977,
relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema
comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (a seguir «Sexta Directiva»). Neste contexto, trata‑se
da questão de saber se os animais vivos em geral e os cavalos em particular podem ser considerados bens em segunda mão.
II –Enquadramento jurídico
A – Direito comunitário
2. No caso em apreço, é pertinente o artigo 26.° A da Sexta Directiva. Esta disposição, que foi aditada pela Directiva 94/5/CE
(2)
, intitula‑se «Regime especial aplicável aos bens em segunda mão, aos objectos de arte e de colecção e às antiguidades».
3. O artigo 26.° A, B, estabelece um regime especial para os sujeitos passivos revendedores. Prevê‑se aí que será aplicado às
entregas, nomeadamente, de bens em segunda mão por sujeitos passivos revendedores, um regime de tributação da margem de lucro.
A margem de lucro, sobre a qual deve incidir o imposto, corresponde à diferença entre o preço de revenda e o preço de compra.
São abrangidos os bens em segunda mão entregues ao revendedor por quem não seja sujeito passivo.
4. O artigo 26.° A, A, contém uma série de definições legais. A definição legal do conceito de «bens em segunda mão» encontra‑se
no artigo 26.° A, A, alínea d). Está redigida nestes termos:
«[entende‑se por:]
‘Bens em segunda mão’, os bens móveis, que podem ser reutilizados, no estado em que se encontram ou após reparação, com exclusão
dos objectos de arte ou de colecção e das antiguidades e que não sejam metais preciosos ou pedras preciosas na definição que
lhes é dada pelos Estados‑Membros».
B – Direito nacional
5. As disposições específicas relativas a bens em segunda mão, objectos de arte e de colecção e antiguidades figuram no capítulo
9a da Mervärdeskattelag (1994:200) (lei sueca relativa ao imposto sobre o valor acrescentado, a seguir «ML»). Por bens em
segunda mão entende‑se, nos termos do capítulo 9a, § 4, bens que tenham sido usados e que estejam em condições adequadas para
serem reutilizados no estado em que se encontrem ou após reparação, com certas excepções não aplicáveis ao caso em apreço.
6. As normas do capítulo 9a da ML foram concebidas como uma adaptação às normas do direito comunitário sobre a matéria.
III –Factos, processo principal e questões prejudiciais
7. A Förvaltnings AB Stenholmen (a seguir «Stenholmen») tenciona comprar cavalos jovens a particulares para os treinar como cavalos
de sela e os revender depois. Para esclarecer a questão das consequências fiscais da actividade projectada, a sociedade apresentou
a seguinte questão à Skatterättsnämnd (Comissão de direito fiscal):
Um cavalo – comprado jovem e não treinado, a um particular, (que não o criador) e que é revendido, depois de ser treinado
para cavalo de sela – deve ser entendido como bem em segunda mão no momento da venda, permitindo, assim, a aplicação das normas
de tributação da margem de lucro?
8. A Skatterättsnämnd respondeu negativamente à questão, através de uma decisão preliminar de 12 de Novembro de 2001, apresentando
os seguintes fundamentos:
9. No capítulo 9a da ML encontram‑se disposições relativas à chamada tributação da margem de lucro, que se aplica à venda, por
parte de um sujeito passivo revendedor, nomeadamente, de bens em segunda mão. Por bens em segunda mão entende‑se, nos termos
do § 4, bens que tenham sido usados e que estejam em condições adequadas para serem reutilizados no estado em que se encontrem
ou após reparação, com excepção, simplificando, de imóveis, objectos de arte ou de colecção, antiguidades, bens que consistam,
exclusivamente ou em parte considerável, em ouro, prata ou platina, bem como pedras preciosas naturais ou sintéticas, não
montadas. Os objectos de arte ou de colecção e as antiguidades, a que as normas do capítulo 9a também se aplicam, têm as suas
próprias definições nos §§ 5 a 7 seguintes. Por sujeito passivo revendedor entende‑se, segundo o § 8, primeiro parágrafo,
um sujeito passivo que, no âmbito da sua actividade económica, compra ou importa bens em segunda mão, objectos de arte e de
colecção ou antiguidades, com o objectivo de os revender.
10. Por bem entende‑se, segundo o capítulo 1, § 6 da ML, os bens corpóreos, incluindo os bens imóveis e o gás, bem como o calor,
o frio, e a energia eléctrica. A Skatterättsnämnd sustenta que, segundo esta definição, os animais vivos são bens para efeitos
de imposto sobre o valor acrescentado. A questão em apreço é, porém, a de saber se cavalos adquiridos para, depois de certo
adestramento, serem revendidos, constituem tais bens em segunda mão, aos quais se podem aplicar as normas da tributação da
margem de lucro. Os bens destinados a ser utilizados numa actividade, como, por exemplo, as matérias‑primas e subsidiárias,
não estão abrangidos, uma vez que o objectivo não é a sua revenda.
11. A definição do conceito de bem em segunda mão requer, à parte o facto de o bem ter sido usado, que esteja em condições de
reutilização no estado em que se encontre ou após reparação. O carácter de segunda mão de um bem deve, assim, por definição,
ser apreciado no momento da sua aquisição pelo – futuro – revendedor. Pode considerar‑se que isso resulta também das normas
que definem o conceito de sujeito passivo revendedor. O bem deve, portanto, ser revendido no mesmo estado em que tenha sido
adquirido ou – admita‑se – se estiver estragado e, como tal, carecer de uma função normal que se espere desse bem, depois
de se tornar utilizável, mediante reparação.
12. Parece resultar daqui que, antes da revenda do bem, este, durante o tempo em que seja propriedade do revendedor, não pode
tomar ou adquirir qualidades que possam influir sobre o seu valor, salvo através de reparação ou de algo semelhante. Pode
entender‑se que tal entendimento se aplica independentemente de as propriedades terem surgido através de um processo biológico
ou de outro modo. Os organismos vivos em desenvolvimento, quer se trate de animais ou de plantas, sofrem durante o seu ciclo
da vida alterações tais que se pode considerar que estão continuamente, em maior ou menor grau, a adquirir novas propriedades
que podem influenciar o seu valor.
13. Além disso, deve ter‑se em conta que, abstraindo do conceito de «bens em segunda mão», não há qualquer dúvida de que os bens
visados no capítulo 9a da ML são coisas mortas que, à excepção de certos objectos de colecção, foram «fabricadas». Em linguagem
corrente, deve também o conceito de bens em segunda mão ser reservado a tais coisas e não a organismos vivos. A própria palavra
reparação indica que se trata de algo fabricado cuja função é restabelecida através de reparação.
14. Com base nas considerações anteriores e no facto de, além disso, os animais no processo em apreço adquirirem a aptidão de
cavalos de sela, qualidade que não tinham ou, pelo menos, não tinham na mesma extensão, no momento em que foram adquiridos
pela sociedade, entende a Skatterättsnämnd que a venda de cavalos não pode ser considerada como entrega de bens em segunda
mão. As normas do capítulo 9a da ML não são, por isso, aplicáveis às transacções efectuadas pela Stenholmen.
15. A Stenholmen recorreu desta decisão preliminar para o Regeringsrätt (Supremo Tribunal Administrativo), pedindo que a questão
tenha resposta positiva. A Riksskatteverk (Administração Fiscal Nacional) pede que seja confirmada a decisão preliminar.
16. Segundo o Regeringsrätt, os animais e outros organismos vivos são decerto bens, na acepção da legislação do imposto sobre
o valor acrescentado. Considerar um animal vivo «em segunda mão» é, pelo contrário, dificilmente conciliável com a linguagem
corrente. A questão de saber o que é abrangido pela expressão «bens em segunda mão» não parece ter sido objecto de apreciação
por parte do Tribunal de Justiça.
17. O Regeringsrätt tem dúvidas quanto à interpretação da expressão e submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE,
as seguintes questões prejudiciais:
«1)
Pode um animal ser considerado um bem em segunda mão?
Em caso de resposta afirmativa a esta questão, pede‑se que responda à seguinte questão:
2)
Um animal comprado a um particular (que não o criador) e que é revendido, depois de ser treinado para um determinado uso específico,
deve ser considerado um bem em segunda mão?»
IV –Quanto à primeira questão prejudicial
18. A primeira questão prejudicial refere‑se à interpretação do artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva.
A – Principais argumentos das partes
19. A Stenholmen começa por analisar as posições defendidas pelas autoridades nacionais e perante elas. Além disso, a Stenholmen sublinha
que a jurisprudência do Tribunal de Justiça
(3)
tem qualificado os animais como bens, na acepção do regime jurídico do imposto sobre o valor acrescentado. Nada em contrário
decorre da definição legal do artigo 26.° A, A, alínea d). Do mesmo modo, o objectivo de evitar a dupla tributação, bem como
o da igualdade de tratamento, no plano da concorrência, do comércio de bens em segunda mão, prosseguido através do sistema
da tributação da margem de lucro, apontam no sentido de que esta disposição deve incluir os animais.
20. Segundo a Riksskatteverk, os animais devem ser considerados bens, na acepção da Sexta Directiva, mas não bens em segunda mão, na acepção do artigo
26.° A. Os animais são excluídos, porque não podem ser revendidos nem no estado em que foram comprados, nem reparados. Tal
como outros organismos vivos e os seus frutos, como bagas e cogumelos, os cavalos ainda não treinados também não podem ser
considerados bens em segunda mão. Além disso, deve evitar‑se que não seja cobrado qualquer imposto.
21. A Comissão considera que o Anexo A da Sexta Directiva abrange também a criação de animais e que o Anexo C menciona, nomeadamente, os
cavalos. Daí resulta que também os cavalos devem ser classificados como bens em segunda mão.
B – Apreciação
22. Importa salientar, desde logo, que a questão prejudicial visa determinar se os animais podem também ser considerados bens em segunda mão, na acepção do artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva e não se devem, em qualquer caso, ser entendidos como tais.
23. Ainda no mesmo contexto, convém salientar que, para resolver esta questão em matéria de imposto sobre o valor acrescentado,
é irrelevante a classificação, no plano do direito civil, de animais como coisas ou como categoria específica. Com efeito,
o conceito de bem em segunda mão deve, em primeiro lugar, ser objecto de uma interpretação autónoma em direito comunitário
e, em segundo lugar, a interpretação de direito civil seria incompatível com o princípio da interpretação uniforme, especialmente
importante no quadro do regime jurídico do imposto sobre o valor acrescentado porque, com base nas diferentes legislações
civis dos Estados‑Membros, a aplicação e interpretação das disposições comunitárias em causa seria diferente de Estado‑Membro
para Estado‑Membro.
24. Um breve exame da Sexta Directiva, que é objecto do presente processo, permite determinar qual o caminho a seguir para responder
à primeira questão prejudicial. Assim, o Anexo A II, n.° 1 menciona expressamente também a «criação de animais». Deste modo,
são expressamente incluídas actividades relacionadas com gado, ou seja, com animais.
25. A definição legal do conceito de «bens em segunda mão», constante do artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva abrange
apenas os «bens móveis». Importa observar a este respeito que nem nesta nem noutra disposição se excluem expressamente os
animais do âmbito de aplicação do regime especial do artigo 26.° A. Os elementos constitutivos precisados nesta disposição
também não permitem concluir, a priori, que os animais não podem ser bens em segunda mão, na acepção da Sexta Directiva.
26. No respeitante ao primeiro elemento, «bens», há que remeter para o acórdão do Tribunal de Justiça, segundo o qual também os
cavalos são abrangidos pelas disposições em matéria de imposto sobre o volume de negócios
(4)
.
27. O segundo elemento, «móveis», indica que também estão incluídos os animais. Com efeito, ao invés do que acontece com muitos
bens, os animais – no presente processo trata‑se de cavalos vivos – podem, em princípio, deslocar‑se por si próprios.
28. Também o terceiro requisito, «corpóreos», é preenchido pelos animais, e portanto, também pelos cavalos, tratando‑se de seres
dotados de um corpo.
29. Resta a quarta condição, a qual aponta para bens «que podem ser reutilizados, no estado em que se encontram ou após reparação».
Isto pode ser válido também para animais.
30. Tal não é contrariado pelo facto de que os animais – e não apenas os cavalos – podem igualmente ser treinados e, assim, ser
utilizados também de maneira diferente da anterior, por exemplo, no caso de cavalos que, após um treino básico, são utilizados
como cavalos de dressage ou de salto ou mesmo em concurso completo de equitação.
31. Em especial, os cavalos em causa no presente processo podiam já ser utilizados antes da aquisição pela Stenholmen «no estado
em que se encontra[va]m», devendo apenas continuar a ser treinados. Com efeito, não é raro que os cavalos sejam revendidos
ou trocados pelos seus proprietários, mesmo após terem já participado em competições. O comprador pode ser outro particular
ou mesmo um comerciante, que revende o cavalo – no presente caso, após adestramento adicional.
32. Embora seja perfeitamente possível defender que, em certos casos, um animal não pode ser considerado um bem em segunda mão,
não se pode concluir daí que, em princípio, os animais não podem ser considerados bens em segunda mão. Mas a questão do órgão
jurisdicional de reenvio refere‑se exactamente a esta possibilidade de princípio.
33. Portanto, no quadro do presente processo, não cabe esclarecer também as questões referidas pela Riksskatteverk, de saber se
também os cavalos recém‑nascidos ou as bagas colhidas devem ser considerados bens em segunda mão. Quanto mais não seja por
razões de ordem processual, não é admissível responder a estas questões, que não se colocam em concreto no processo principal.
34. Por último, é de referir que a disposição do artigo 26.° A, aditado pela Directiva 94/5, visa evitar a dupla tributação. Tal
aconteceria precisamente se, em determinados casos, se tributasse não apenas a margem de lucro mas o valor total.
35. Além disso, o regime do artigo 26.° A da Sexta Directiva destina‑se também a evitar desvantagens, em termos de concorrência,
para negociantes de bens em segunda mão. Porém, este grupo de operadores económicos não compreende apenas os negociantes de
antiguidades, podendo incluir também os negociantes de cavalos.
36. Por conseguinte, há que responder à primeira questão prejudicial que, em princípio, um animal pode ser considerado um bem
em segunda mão, na acepção do artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva.
V –Quanto à segunda questão prejudicial
A – Principais argumentos das partes
37. A Stenholmen considera que a aplicação do regime especial relativo aos bens em segunda mão não deve depender das características destes.
De acordo com a definição legal, constante do artigo 26.° A, A, alínea d), é determinante que se trate de «bens móveis». Logo,
não se deve distinguir entre os diferentes tipos de cavalos (níveis de adestramento). Com efeito, eles não devem ser considerados
bens novos, na acepção do acórdão Van Dijk’s Boekhuis
(5)
. Não se deve distinguir atendendo a quem um bem foi comprado, isto é, se um cavalo foi comprado a um criador ou a outra pessoa,
como, por exemplo, um particular.
38. A aplicabilidade da tributação da margem de lucro depende apenas do preenchimento das condições do artigo 26.° A, B, n.° 2,
da Sexta Directiva. Porém, estas condições não são objecto da questão prejudicial.
39. De resto, o sistema da tributação da margem de lucro é aplicado aos cavalos também por outros Estados‑Membros.
40. A Riksskatteverk, que aborda a segunda questão prejudicial apenas a título subsidiário, entende que a actividade económica consiste não na
revenda, mas no adestramento dos cavalos. Porém, o artigo 26.° A da Sexta Directiva aplica‑se apenas no caso de um bem ter
sido comprado para revenda. Ora, a actividade do adestramento consiste precisamente na modificação do bem cavalo. Trata‑se
aqui da actividade habitual da compra com vista à modificação e à subsequente revenda. Se fosse tributada apenas a margem
de lucro, poderia, em certos casos, ser tributado apenas o valor acrescentado obtido na última fase da cadeia.
41. Segundo a Comissão, é relevante não a utilização futura do cavalo, mas as operações económicas que têm por objecto o cavalo antes da sua venda
ao sujeito passivo.
42. Além disso, a Comissão indica que o direito comunitário em matéria de imposto sobre o valor acrescentado deve evitar a dupla
tributação. É certo que o sistema do imposto sobre o valor acrescentado não abrange animais recém‑nascidos, que antes da sua
entrega ao revendedor ainda não estavam sujeitos a qualquer imposto sobre o valor acrescentado, mas animais, entregues primeiro
a quem não seja sujeito passivo e posteriormente vendidos a um revendedor.
B – Apreciação
43. Importa salientar, desde logo, que também a segunda questão prejudicial diz respeito apenas a um determinado aspecto do regime
especial do artigo 26.° A da Sexta Directiva, isto é, ao sistema da tributação da margem de lucro, mais concretamente, à condição
de aplicação constituída pela qualidade de «bens em segunda mão». Assim, esta questão refere‑se também à interpretação do
artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva, mas, diferentemente da primeira questão prejudicial, a segunda tem por objecto
não o problema jurídico geral da classificação dos animais, mas – com base no processo principal – a qualificação especial
de um animal comprado a um particular, que não o criador, e que – depois de ser treinado para um determinado uso específico
– é revendido como bem em segunda mão.
44. Esta questão jurídica coloca‑se à luz do regime do imposto sobre o valor acrescentado, no seguinte contexto económico:
É certo que no presente processo se verifica, como é habitual, uma sucessão de operações comerciais que, porém, abstraindo
do utilizador final, não são realizadas unicamente por empresários. Pelo contrário, um dos intervenientes, designadamente
um particular, não é sujeito passivo. É aqui irrelevante o facto de o seu cavalo, que é vendido a um sujeito passivo, designadamente
à pessoa qualificada como revendedor, ter sido comprado a um particular ou a um comerciante, por exemplo, ao criador. O revendedor
compra o cavalo para o treinar. No contexto dos factos do processo principal, trata‑se mais precisamente de um novo adestramento
de um cavalo já treinado.
45.É certo que a intervenção de um particular na cadeia constitui uma particularidade face à sucessão «normal» de operações comerciais,
mas ela não se restringe ao comércio de cavalos. O próprio artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva contém importantes
exemplos de bens frequentemente comprados a particulares, como jóias ou antiguidades.
46. Das considerações tecidas quanto à primeira questão prejudicial, relativamente ao enunciado do artigo 26.° A, A, alínea d),
da Sexta Directiva resulta, no que respeita à segunda questão prejudicial, que também os animais comprados a um particular,
que não o criador, podem ser considerados bens em segunda mão. Em rigor, a compra a um particular não é, porém, relevante
para a qualificação como bem em segunda mão, mas constitui uma outra condição de aplicabilidade do regime especial do artigo
26.° A da Sexta Directiva.
47. O facto de um animal, in casu um cavalo, ser revendido pelo revendedor após ter sido por ele comprado, é uma circunstância igualmente pouco relevante para a qualificação como bem
em segunda mão. Também isto diz respeito a um aspecto não pertinente do regime especial do artigo 26.° A da Sexta Directiva,
designadamente, à entrega por sujeitos passivos revendedores.
48. Pelo contrário, pode ser decisiva a circunstância de que o bem, neste caso o cavalo, só é revendido pelo próprio revendedor
depois de ser treinado para um determinado uso específico.
49. Neste contexto, há que sublinhar que o órgão jurisdicional de reenvio não coloca a questão do tratamento da actividade de
adestramento à luz do regime jurídico do imposto sobre o valor acrescentado. Porém, a Riksskatteverk parece partir deste princípio.
50. Não resulta claramente dos autos qual o estado em que se encontravam os cavalos no momento da compra ao particular, isto é,
como podiam ser utilizados. Ao passo que foi colocada à Skatterättsnämnd, essencialmente, a questão do tratamento de cavalos
não treinados, nas suas observações escritas, apresentadas neste processo prejudicial, a Stenholmen parte do princípio de
que se trata da compra de cavalos de salto, cujo treino deve apenas ser prosseguido.
51. Neste último caso, é possível entender que se trata de cavalos que – citando o artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva
– «podem ser reutilizados, no estado em que se encontram [...]». Os cavalos encontram‑se neste estado antes e depois de serem
treinados. Como justamente refere a Stenholmen, trata‑se cada vez do mesmo cavalo e da mesma função. Por conseguinte, tais
cavalos devem ser considerados «bens em segunda mão», na acepção do artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva.
52. Poderia chegar‑se a outro resultado se estivessem em causa cavalos que são treinados para um fim diferente daquele para o
qual eram utilizados até agora. Seria o caso do cavalo ainda por desbastar. Mas pode acontecer que, por força de determinadas
circunstâncias, mesmo os cavalos que já foram utilizados como cavalos de salto, já não possam ser utilizados – pelo seu cavaleiro
actual ou também por um outro – como cavalos de salto, sobretudo já não em competições hípicas. Por último, cabe referir o
caso – decerto mais raro – de os cavalos serem anteriormente utilizados como cavalos de dressage e depois como cavalos de
salto ou vice‑versa. Porém, isto acontece frequentemente sem adestramento especial intercalar.
53. Uma outra questão jurídica coloca a aquisição de uma qualificação suplementar, por exemplo, o treino para provas de corta‑mato,
ou o adestramento para concurso completo de equitação.
54. Deste modo, o comércio de cavalos a serem treinados pode abranger categorias muito distintas. Contudo, dado que, no âmbito
de um pedido de decisão prejudicial, não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se nem sobre todos os casos que se apresentem
na prática nem sobre factos concretos, no quadro deste processo só podem ser fornecidos critérios jurídicos gerais, que o
juiz nacional deve ter em conta ao apreciar os factos concretos.
55. No âmbito da presente problemática, é conveniente partir da distinção entre «bens em segunda mão» e bens «novos». A este respeito,
há que remeter para o acórdão Van Dijk’s, várias vezes referido no decurso do presente processo. Nos termos deste acórdão,
estamos perante um bem «novo» «quando [...] é originado um bem, cuja função, na opinião geral, é diferente da que tinha o
material fornecido»
(6)
.
56. Ora, seria possível generalizar esta apreciação, isolando a mudança de função como critério e tornando‑a num elemento distintivo
geral. Contra este entendimento releva, porém, a circunstância de que o acórdão se referia à interpretação do conceito de
«fabricado». Além disso, também não é possível fabricar um novo cavalo através de um qualquer tipo de adestramento.
57. Mas, mesmo que se utilize a mudança de função como critério, coloca‑se a questão de saber se ou quando tal se verifica a nível
dos cavalos. Com base na opinião geral, poderia perfeitamente defender‑se o entendimento de que os cavalos de dressage, de
salto e os cavalos treinados para concurso completo de equitação, bem como os andaluzes ou os cavalos treinados para equitação
estilo Western, têm a mesma função, ou seja, que são geralmente cavalos de sela. Ao invés, os cavalos de tiro, os cavalos
de corridas ou os trotadores podem constituir uma categoria específica. Porém, aponta em sentido contrário a circunstância
de que, num plano ainda mais abstracto, todos estes cavalos têm a mesma função: são utilizados como cavalos de desporto. Distinguem‑se
dos cavalos de trabalho – que se tornaram raros. Uma categoria específica é constituída pelos cavalos que são comercializados
com vista à utilização da sua carne.
58. Abstraindo das várias particularidades relativas às diferentes possibilidades de utilização dos cavalos, é necessário determinar
o que é decisivo para apreciar a função: a intenção do vendedor, a intenção do comprador (por exemplo, compra com vista à
participação em provas de salto a partir de um determinado nível), a possibilidade objectiva de utilizar o cavalo em causa
ou a sua utilização actual.
59. Estas circunstâncias mostram que, na prática, o critério da mudança de função coloca questões de delimitação extremamente
difíceis, em todo o caso no respeitante aos animais. Por conseguinte, devido à incerteza jurídica daí resultante para os operadores
económicos envolvidos, um tal critério não parece ser adequado.
60. O tratamento dos cavalos comprados por um empresário a quem não seja sujeito passivo como bens em segunda mão corresponde
ao objectivo de evitar a dupla tributação, prosseguido através do aditamento do artigo 26.° A da Sexta Directiva. Este objectivo
deve ser assegurado através da tributação da margem de lucro.
61. Com efeito, se os cavalos não fossem tratados como bens em segunda mão, na acepção da disposição em causa, seriam – ao serem
novamente comercializados – de novo tributados na totalidade. Em contrapartida, os cavalos vendidos directamente por um particular
a outro particular, isto é, sem intervenção do negociante de cavalos que efectua o treino, isto é, do revendedor, são onerados
apenas pelo imposto devido por ocasião da venda ao primeiro particular. Esta diferença de tratamento provocaria uma distorção
da concorrência entre as vendas directas e as vendas realizadas com a intervenção de um comerciante
(7)
. Ora, o objectivo do artigo 26.° A da Sexta Directiva e a intenção do legislador comunitário, tal como decorre da Directiva
94/5, que introduz esta disposição específica, é precisamente evitar esta situação. Por conseguinte, na ausência de uma disposição
específica relativa ao comércio de cavalos, o referido regime sobre bens em segunda mão é também aplicável a casos como o
do processo principal.
62. Finalmente, deve ainda notar‑se que a tributação da margem de lucro não implica que o valor acrescentado decorrente do adestramento
do cavalo seja subtraído ao imposto. Pelo contrário, a tributação da margem de lucro incide precisamente sobre a margem de
lucro, isto é, sobre o montante diferencial. Este é tanto mais elevado quanto maior for o valor acrescentado, que se reflecte
no preço de venda obtido. Assim, é assegurado que o adestramento de cavalos é tido em conta do mesmo modo que a reparação,
expressamente prevista no artigo 26.° A, A, alínea d), tal como é efectuada, por exemplo, em antiguidades.
63. Portanto, cabe responder à segunda questão prejudicial que um animal comprado a um particular (que não o criador) e que é
revendido, depois de ser treinado para um determinado uso específico, pode ser considerado um bem em segunda mão.
VI –Conclusão
64. Com base nas considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões prejudiciais:
1.
Um animal pode ser considerado um bem em segunda mão, na acepção do artigo 26.° A, A, alínea d), da Sexta Directiva 77/388/CEE
do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos
sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme.
2.
Um animal comprado a um particular (que não o criador) e que é revendido, depois de ser treinado para um determinado uso específico,
pode ser considerado um bem em segunda mão, na acepção do artigo 26.° A, A, alíne a d), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho,
de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume
de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme.
Directiva 94/5/CE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994, que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado
e altera a Directiva 77/388/CEE – Regime especial aplicável aos bens em segunda mão, aos objectos de arte e de colecção e
às antiguidades (JO L 60, p. 16).
A propósito destas repercussões negativas no contexto do antigo regime jurídico, v. acórdão de 10 de Julho de 1985, Comissão/Irlanda
(17/84, Recueil, p. 2375, n.os 14 e 17).