I –Introdução
1. O presente processo diz respeito à interpretação das normas comunitárias em matéria de rotulagem e publicidade dos géneros
alimentícios, designadamente o café. Em primeiro lugar, coloca‑se a questão de saber se a regulamentação comunitária aplicável
à utilização de denominações de venda obrigatórias em alguns produtos derivados do café exclui a possibilidade de, a par destas
denominações de venda, se utilizarem também denominações de fantasia. Coloca‑se ainda a questão de saber se um regime nacional
que proíbe referências ao emagrecimento e referências a recomendações médicas na rotulagem e publicidade dos géneros alimentícios
pode ser considerado compatível com o direito comunitário primário e derivado.
II –Enquadramento jurídico
A – Direito comunitário
2. O artigo 28.° CE proíbe as restrições quantitativas à importação e todas as medidas de efeito equivalente entre os Estados‑Membros.
3. A Directiva 1999/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Fevereiro de 1999, relativa aos extractos de café e aos
extractos de chicória
(2)
(a seguir «Directiva 1999/4» ou «directiva café»), regula a rotulagem e a denominação de venda destes produtos.
4. O artigo 2.° da Directiva 1999/4 prevê:
«A Directiva 79/112/CEE é aplicável aos produtos definidos no anexo, sob as seguintes condições:
a) As denominações previstas no anexo são reservadas aos produtos nele referidos e devem ser utilizadas no comércio para designar
esses produtos. Essas denominações serão completadas pelos termos:
–
‘em pasta’ ou ‘sob forma de pasta’ ou
–
‘líquido’ ou ‘sob forma líquida’
consoante o caso.
[...]»
5. Nos termos do artigo 3.° da mesma directiva, os Estados‑Membros não adoptarão, para os produtos definidos no anexo, disposições
nacionais que não estejam previstas nesta directiva.
6. O anexo da Directiva 1999/4 define da seguinte forma «extracto de café», «extracto de café solúvel», «café solúvel» ou «café
instantâneo»:
«Produto concentrado obtido por extracção a partir de grãos de café torrados, utilizando unicamente água como agente de extracção
e excluindo todos os processos de hidrólise por adição de ácidos ou de bases. Para além das substâncias insolúveis tecnologicamente
inevitáveis e dos óleos insolúveis provenientes do café, o extracto de café só deve conter os componentes solúveis e aromáticos
do café.
[...]
Os extractos de café no estado sólido ou em pasta não poderão conter substâncias que não tenham sido extraídas do café. [...]»
7. A Directiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa à aproximação das legislações
dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios
(3)
(a seguir «Directiva 2000/13» ou «directiva rotulagem»), é a versão codificada da inúmeras vezes alterada Directiva 79/112/CEE,
para a qual remete o artigo 2.° da Directiva 1999/4.
8. O artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2000/13 consagra as seguintes normas em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios:
«A rotulagem e as modalidades em que é realizada não podem:
a)
Ser de natureza a induzir em erro o comprador, nomeadamente:
i)
no que respeita às características do género alimentício e, em especial, no que se refere à natureza, identidade, qualidades,
composição, quantidade, durabilidade, origem ou proveniência, modo de fabrico ou de obtenção,
ii)
atribuindo ao género alimentício efeitos ou propriedades que não possua,
iii)
sugerindo que o género alimentício possui características especiais quando todos os géneros alimentícios similares possuem
essas mesmas características;
b)
Sem prejuízo das disposições comunitárias aplicáveis às águas minerais naturais e aos géneros alimentícios destinados a uma
alimentação especial, atribuir a um género alimentício propriedades de prevenção, de tratamento e de cura de doenças humanas,
nem mencionar tais propriedades.»
9. O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2000/13 estipula ainda:
«A rotulagem dos géneros alimentícios incluirá, nas condições e sem prejuízo das derrogações previstas nos artigos 4.° a 17.°,
unicamente as seguintes indicações obrigatórias:
1. Denominação de venda.
[...]»
10. O artigo 5.°, n.° 1, primeiro período, e n.° 2, da Directiva 2000/13 tem a seguinte redacção:
«1. A denominação de venda de um género alimentício será a denominação prevista nas disposições comunitárias aplicáveis a esse
género.
[...]
2. A denominação de venda não pode ser substituída por uma marca de fabrico ou comercial ou por uma denominação de fantasia.
[...]»
11. O artigo 18.° da Directiva 2000/13 prevê o seguinte, relativamente às disposições nacionais sobre rotulagem e apresentação
dos géneros alimentícios não harmonizadas pela directiva:
«1. Os Estados‑Membros não podem proibir o comércio dos géneros alimentícios que estejam conformes às regras previstas na presente
directiva, através da aplicação de disposições nacionais não harmonizadas que regulem a rotulagem e apresentação de certos
géneros alimentícios ou dos géneros alimentícios em geral.
2. O n.° 1 não é aplicável às disposições nacionais não harmonizadas justificadas por razões:
–
de protecção da saúde pública,
–
de repressão de fraudes, sob condição de essas disposições não serem de natureza a entravar a aplicação das definições e normas
previstas pela presente directiva,
–
de protecção da propriedade industrial e comercial, de indicações de proveniência, de denominação de origem e de repressão
da concorrência desleal.»
B – Direito nacional
12. As normas relevantes do direito belga sobre a denominação de venda do café estão consagradas no Koninklijk Besluit de 5 de
Março de 1987, relativo ao café e seus sucedâneos (a seguir «decreto sobre o café»).
13. O artigo 1.° do decreto sobre o café define o produto «café» como sendo:
«[...] o grão da baga de café devidamente descascado e torrado (espécies do género Coffea).»
14. O artigo 3.°, § 1, do decreto sobre o café prevê:
«Os alimentos referidos no n.° 1 só podem ser mencionados e têm de ser mencionados através de uma das denominações que corresponda
à definição fixada neste artigo.»
15. Nos termos do artigo 2.° do Koninklijk Besluit de 17 de Abril de 1980, relativo à publicidade dos alimentos:
«Na publicidade dos alimentos é proibido utilizar:
[...]
3.° referências ao emagrecimento;
[...]
7.° referências a recomendações, atestados, citações ou pareceres médicos ou a declarações sobre a sua autorização, com excepção
da observação de que um género alimentício não pode ser consumido contra indicação médica; [...]»
III –Factos e tramitação processual
16. A Douwe Egberts NV (a seguir «Douwe Egberts») fabrica e comercializa café no mercado belga com o nome «Douwe Egberts». Impugnou
judicialmente a comercialização de um produto que é colocado no mercado sob a denominação «DynaSvelte Koffie». Este produto
é fabricado pela Westrom Pharma NV (a seguir «Westrom Pharma»). Até 31 de Dezembro de 2001, foi distribuído por Christophe
Souranis, agindo sob o nome comercial «Établissements FICS». Depois, a distribuição ficou a cargo da FICS‑World BVBA (a seguir
«FICS‑World»).
17.«DynaSvelte Koffie» é um produto composto por café solúvel, fructose e crómio. É expressamente apresentado no mercado como
um produto que ajuda ao emagrecimento. Assim, no recipiente, na embalagem e nas instruções de utilização constam, entre outras,
as seguintes indicações:
–
«novidade absoluta no controlo do peso»;
–
«emagrecimento, melhor controlo do peso, redução da acumulação de gorduras»; e
–
«fórmula patenteada nos Estados Unidos pela Dr.a Ann de Wees Allen, em colaboração com o Glycemie Research Institute».
18. Em procedimento cautelar instaurado no Rechtbank van Koophandel te Hasselt, a Douwe Egberts alega que estas indicações violam
diferentes disposições legislativas nacionais sobre a publicidade e a rotulagem deste tipo de produtos. Em seu entender, a
Westrom Pharma e a FICS‑World violaram, pois, as disposições legislativas nacionais em matéria de usos leais no comércio.
A Douwe Egberts requer, designadamente, a cessação da utilização das referidas indicações e a retirada dos produtos onde as
mesmas figurem.
19. Por considerar que a resolução do litígio depende da resposta a uma série de questões relativas à interpretação e à validade
da Directiva 1999/4, bem como à interpretação da Directiva 2000/13 e do artigo 28.° CE, o órgão jurisdicional nacional decidiu
suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«A. 1. O artigo 2.° da Directiva 1999/4/CE, relativa aos extractos de café e aos extractos de chicória, deve interpretar‑se no sentido
de que, para os produtos mencionados no seu anexo, só as denominações de venda aí enunciadas podem ser utilizadas, sem que, a par destas denominações de venda, se possam utilizar outras denominações (como, por exemplo, uma denominação de fantasia
ou um nome comercial), ou deve interpretar‑se o artigo 2.° no sentido de que as denominações de venda enunciadas no anexo
da directiva podem ser utilizadas unicamente para os produtos mencionados neste anexo, mas que, a par destas denominações de venda, podem ser utilizadas outras denominações (como, por exemplo, uma denominação de fantasia ou um nome comercial)?
A. 2. Caso o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias considere que o artigo 2.° da Directiva 1999/4/CE do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 22 de Fevereiro de 1999, relativa aos extractos de café e aos extractos de chicória, deve ser interpretado
no sentido de que para os produtos mencionados no seu anexo só podem ser utilizadas as denominações de venda aí enunciadas,
sem que, a par das referidas denominações de venda, possam utilizar‑se outras denominações (como, por exemplo, uma denominação
de fantasia ou um nome comercial), daí não se deduzirá que a referida directiva é contrária ao artigo 28.° CE, que proíbe
as restrições quantitativas à importação e todas as medidas de efeito equivalente entre os Estados‑Membros da Comunidade Europeia,
e isto por a referida directiva, a aplicar‑se esta interpretação, no que respeita aos produtos que correspondem à definição
de extractos de café enunciada no anexo da directiva:
–
excluir a utilização de denominações distintas de ‘extracto de café’ ou ‘café instantâneo’, tal como a denominação ‘café’,
–
reservando deste modo a utilização da denominação ‘café’ para uma única forma de ‘café’, ou seja, o café em grão,
–
e, portanto, proteger artificialmente o mercado do café contra produtos concorrentes que apresentam formas de café diferentes
do café em grão, como, por exemplo, os extractos de café e o café instantâneo?
B. 1. Deve o artigo 18.°, n.os 1 e 2, da Directiva 2000/13/CE ser interpretado no sentido de que as disposições internas não harmonizadas em matéria de rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios que proíbam determinadas indicações, como as
‘referências ao emagrecimento’ ou as ‘referências a recomendações, citações ou pareceres médicos ou a declarações sobre a
sua autorização’, na rotulagem e/ou na apresentação e/ou na publicidade dos géneros alimentícios, ao passo que a directiva
não proíbe estas indicações, constituem infracções à mesma, tendo em conta que o oitavo considerando da referida directiva determina que a rotulagem mais adequada é a que cria menos
obstáculos à livre circulação de mercadorias, e que, portanto, as disposições internas citadas não podem aplicar‑se?
B. 2. Deve o artigo 18.°, n.° 2, da Directiva 2000/13/CE ser interpretado no sentido de que a ‘protecção da saúde pública’ também
justifica as disposições internas não harmonizadas em matéria de rotulagem, apresentação e publicidade de géneros alimentícios
que proíbam determinadas indicações, como as ‘referências ao emagrecimento’ ou as ‘referências a recomendações, atestados,
citações ou pareceres médicos ou a declarações sobre a sua autorização’?
C. Deve o artigo 28.° CE ser interpretado no sentido de que as disposições internas em matéria de rotulagem, apresentação e publicidade
dos géneros alimentícios que não estejam harmonizadas a nível comunitário e que não sejam conformes com a Directiva 2000/13/CE,
na medida em que proíbam na rotulagem e/ou na apresentação e/ou na publicidade dos géneros alimentícios determinadas indicações,
como as ‘referências ao emagrecimento’ ou as ‘referências a recomendações, atestados, citações ou pareceres médicos ou a declarações
sobre a sua autorização’, devem ser consideradas medidas de efeito equivalente e/ou restrições quantitativas à importação
entre os Estados‑Membros da Comunidade Europeia, quando as referidas disposições internas:
–
por um lado, impõem um ónus adicional à importação de géneros alimentícios para que estes sejam conformes com a regulamentação
interna e, deste modo, criam um obstáculo ao comércio entre os Estados‑Membros, e
–
por outro, não se aplicam a todos os operadores interessados que exercem as suas actividades no território nacional, uma vez
que existem produtos totalmente comparáveis (como, por exemplo, os produtos cosméticos) aos quais não se aplicam as referidas
disposições nem outras disposições análogas, não podendo, assim, o órgão jurisdicional nacional aplicar as referidas disposições?»
20. Apresentaram observações escritas as partes no processo principal, o Governo belga, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu
e o Conselho da União Europeia. Na audiência de 6 de Novembro de 2003, estas partes e intervenientes esclareceram as suas
posições.
IV –Primeira questão prejudicial (questão A.1)
21. A primeira questão do presidente do Rechtbank van Koophandel te Hasselt diz respeito à interpretação do artigo 2.°, alínea
a), da Directiva 1999/4 no que toca às denominações de venda a utilizar obrigatoriamente para os extractos de café e de chicória.
22. Conforme vários intervenientes observaram, esta questão assenta no pressuposto de que o produto em causa, o «DynaSvelte Koffie»,
é efectivamente abrangido pelo âmbito de aplicação material da Directiva 1999/4. O despacho de reenvio do órgão jurisdicional
nacional não comporta qualquer referência explícita a este ponto. Assim, não permite concluir se o órgão jurisdicional nacional
considerou, de facto, que o «DynaSvelte Koffie» deve ser qualificado de extracto de café ou de chicória na acepção do artigo
1.° da Directiva 1999/4.
23. A Comissão, em particular, nas suas observações escritas, aludiu à possibilidade de este produto ter de ser qualificado de
género alimentício destinado a uma alimentação especial. Por este motivo, a Comissão defendeu que não pode excluir‑se que
as normas comunitárias relativas à alimentação especial
(4)
, designadamente as normas sobre os produtos de emagrecimento
(5)
, sejam aplicáveis ao presente caso.
24. O Governo belga, o Conselho e, de forma mais implícita, o Parlamento Europeu também sustentaram que o produto «DynaSvelte
Koffie», atenta a sua natureza composta, não corresponde (manifestamente) à definição de «extracto de café», pelo que (provavelmente)
não é abrangido pelo âmbito de aplicação da directiva café. Sendo assim, nenhuma das denominações reservadas na Directiva
1999/4 podia ser utilizada para este produto.
25. A este propósito, cumpre observar que, na repartição de competências entre o órgão jurisdicional nacional e o Tribunal de
Justiça, cabe ao primeiro qualificar os factos subjacentes ao processo principal e indicar as normas jurídicas aplicáveis,
bem como decidir da relevância das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Segundo jurisprudência assente, o Tribunal
de Justiça é, em princípio, obrigado a responder às questões apresentadas pelo órgão jurisdicional nacional. A recusa de se
pronunciar sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que
a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no
processo principal, quando o problema é hipotético ou quando o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto ou de
direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas
(6)
.
26. No caso em apreço, não há razão para que a primeira questão seja declarada inadmissível. O facto de o órgão jurisdicional
nacional ter colocado uma questão sobre a Directiva 1999/4 leva a crer que, não obstante as dúvidas suscitadas pelos intervenientes
quanto à natureza do produto «DynaSvelte Koffie», aquele considera que este produto é efectivamente abrangido pelo âmbito
de aplicação da directiva. Assim, neste caso, deve partir‑se de uma presunção de pertinência da questão colocada
(7)
. Tal como refere a Comissão, a resposta a dar à primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio deve pois assentar na
premissa de que o «DynaSvelte Koffie» constitui um género alimentício geral e não um alimento especial, inscrevendo‑se assim
no âmbito de aplicação material da Directiva 1999/4.
27. Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, como interpretar
o termo «uitsluitend» (exclusivamente) constante (da versão neerlandesa) do artigo 2.°, alínea a), da Directiva 1999/4 (na
versão portuguesa desta disposição, optou‑se pelo termo «reservadas»). Significa ele que as denominações de venda enunciadas
no anexo só podem ser utilizadas para os produtos aí definidos, ou seja, que a utilização destas denominações está reservada
aos produtos que apresentem as características referidas no anexo da directiva? Ou significa o termo que estes produtos só
podem ser designados através daquelas denominações de venda? Caso a primeira interpretação esteja correcta, a par das denominações
de venda obrigatórias, podem empregar‑se outras indicações, como nomes comerciais e denominações de fantasia. Se a segunda
interpretação estiver correcta, a aplicação de semelhantes indicações adicionais fica excluída.
28. Quase todas as partes
(8)
que apresentaram observações escritas consideram que esta questão deve ser respondida de acordo com a primeira interpretação.
Estão de acordo em afirmar que, nos termos do artigo 2.°, alínea a), da Directiva 1999/4, apenas os produtos com as características
enunciadas no anexo da directiva podem ser comercializados sob a denominação de venda reservada e que não está excluída a
possibilidade de também exibirem outras denominações, como denominações de fantasia ou nomes comerciais. A Douwe Egberts coloca
a condição de que as outras denominações utilizadas não possam ser encaradas pelo público‑alvo como denominações de venda
e não sejam, assim, enganosas. A Comissão faz assentar a sua resposta no teor da obrigação de transposição que impende sobre
os Estados‑Membros: o artigo 2.° da Directiva 1999/4 obriga os Estados‑Membros a não proibirem que sejam utilizadas outras
indicações, a par da referida denominação de venda obrigatória, na comercialização de um produto abrangido pelo âmbito de
aplicação da directiva.
29. Pelas razões que exporei em seguida, esta também me parece ser a interpretação correcta. Contudo, face ao consenso gerado
em torno da resposta a esta questão de interpretação, sobretudo entre as partes no processo principal, gostaria de referir
que o que as separa é saber se a denominação «DynaSvelte Koffie» deve ser qualificada de denominação de venda, ou seja, se
pode incluir o termo «koffie» (café). Conforme observei anteriormente, cabe ao órgão jurisdicional nacional decidir sobre
esta questão de facto.
30. O entendimento de que o artigo 2.°, alínea a), da Directiva 1999/4 deve ser interpretado no sentido de não excluir a possibilidade
de utilização de outras indicações, a par da denominação de venda obrigatória imposta pela directiva, resulta quer da letra
desta disposição, quer do lugar que a mesma ocupa no sistema de normas comunitárias relativas à rotulagem dos géneros alimentícios,
quer da função desempenhada por estas normas sobre a rotulagem de géneros alimentícios.
31. A própria localização do termo «uitsluitend» (exclusivamente) no texto do artigo 2.°, alínea a), da Directiva 1999/4 revela
que esta disposição diz respeito à utilização exclusiva das referidas denominações de venda para os produtos descritos no
anexo. Se a intenção fosse estipular que, para além das denominações de venda prescritas, nenhuma outra denominação podia
ser utilizada relativamente a estes produtos, ter‑se‑ia de recorrer a outra formulação, que estabelecesse uma ligação directa
entre o termo «uitsluitend» e a palavra «denominações». A disposição teria então, por exemplo, a seguinte redacção: «Só as
denominações previstas no anexo podem ser utilizadas relativamente aos produtos nele referidos [...]» Na minha opinião, esta
diferença de formulação não deixa qualquer dúvida de que o artigo 2.°, alínea a), da Directiva 1999/4 apenas pode ser interpretado
da forma que acabei de referir.
32. No mesmo sentido apontam as outras versões linguísticas da disposição. A maioria delas, numa formulação que difere da versão
neerlandesa, indica que as denominações de venda em causa são reservadas aos produtos referidos no anexo [é o caso da versão
portuguesa]. A título de exemplo, refiro as versões francesa (para a qual também remete a FICS) e alemã, que estipulam, respectivamente:
«les dénominations prévues à l’annexe sont réservées aux produits qui y figurent» e «[d]ie im Anhang vorgesehenen Verkehrsbezeichnungen
[...] den dort aufgeführten Erzeugnissen vorbehalten [sind]» [na versão portuguesa: «[a]s denominações previstas no anexo
são reservadas aos produtos nele referidos [...]»]. Ainda mais inequívoca é a versão inglesa: «the product names listed in
the Annex shall apply only to the products referred to therein». Resulta claramente destas versões linguísticas que o que
se pretende não é que os produtos referidos no anexo só possam ser comercializados sob as denominações de venda aí referidas.
33. Este resultado também se impõe se analisarmos o artigo 2.°, alínea a), da Directiva 1999/4 no contexto legislativo das normas
relativas à rotulagem dos géneros alimentícios. A Directiva 1999/4 é uma directiva especial face à Directiva 2000/13, relativa
à rotulagem. Confirma que a directiva rotulagem é aplicável aos extractos de café e de chicória e prevê algumas regras específicas
para estes produtos. Enquanto lex specialis, a directiva café deve interpretar‑se à luz da directiva rotulagem.
34. A obrigação de indicar a denominação de venda na rotulagem de um género alimentício está consagrada no artigo 3.°, n.° 1,
ponto 1, da Directiva 2000/13. Nos termos deste artigo, a rotulagem deve incluir uma série de indicações obrigatórias, designadamente
a denominação de venda. Não obstante a relativa ambiguidade da versão neerlandesa desta disposição [«moeten [...] uitsluitend
de volgende gegevens worden vermeld»], resulta de outras versões linguísticas [«the following particulars alone shall be compulsory»;
«comporte [...] les seules mentions obligatoires suivantes»; «enthält [...] nur folgende zwingende Angaben»] [na versão portuguesa:
«incluirá [...] unicamente as seguintes indicações obrigatórias»] que o que se pretende é enunciar as indicações que os Estados‑Membros
devem obrigatoriamente prescrever, sem no entanto excluir a aposição de outras indicações na rotulagem. A Comissão e o Parlamento
Europeu defenderam igualmente a necessidade de o artigo 3.° da Directiva 2000/13 ser interpretado neste sentido. Se aplicarmos
o mesmo raciocínio à Directiva 1999/4, o artigo 2.°, alínea a), da mesma tão‑pouco pode ser interpretado no sentido de que
visa excluir a utilização de outras indicações, a par da denominação de venda prescrita, para os extractos de café e de chicória.
35. Esta leitura das disposições gerais e especiais no que toca às denominações de venda a utilizar é ainda corroborada pelo artigo
5.°, n.° 2, da Directiva 2000/13, nos termos do qual a denominação de venda não pode ser substituída por uma marca de fabrico
ou comercial ou por uma denominação de fantasia. Quer isto dizer que as referidas indicações são autorizadas, a par da denominação
de venda prescrita.
36. Por último, a função desempenhada pelas denominações de venda obrigatórias não é incompatível com a utilização de outras denominações
na apresentação dos géneros alimentícios. As denominações de venda obrigatórias visam oferecer ao consumidor a garantia de
que o produto que é colocado no mercado sob uma dessas denominações possui determinadas características inerentes e esse tipo
de produto. O produto em causa pode assim ser distinguido de outros produtos, detentores de outras características genéricas.
Se a obrigatoriedade de indicação da referida denominação de venda excluísse a possibilidade de utilizar outras indicações,
aquele objectivo não seria alcançado e os comerciantes ver‑se‑iam impossibilitados de recorrer a outras formas de distinção
comercial dos seus produtos face a produtos da mesma natureza.
37. Assim, a resposta a dar à primeira questão prejudicial é a de que o artigo 2.° da Directiva 1999/4, relativa aos extractos
de café e aos extractos de chicória, deve ser interpretado no sentido de que as denominações de venda enunciadas no anexo
da directiva só podem ser utilizadas para os produtos mencionados neste anexo, pelo que, a par destas denominações de venda,
podem ainda aplicar‑se aos produtos em causa outras denominações (como, por exemplo, uma denominação de fantasia ou um nome
comercial), desde que estas não possam ser confundidas com a denominação de venda prescrita.
V –Segunda questão prejudicial (questão A.2)
38. A segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio foi colocada para a hipótese de a resposta à primeira pergunta ser a de
que os produtos abrangidos pela Directiva 1999/4 só podem ser comercializados com a denominação de venda prescrita pela directiva.
Uma vez que isso não acontece, não é necessário examinar esta questão.
VI –Observação prévia relativamente às outras questões prejudiciais
39. Segundo o despacho de reenvio do órgão jurisdicional nacional, na aplicação das disposições nacionais relativas à publicidade
dos alimentos, as indicações constantes da embalagem (rotulagem) também são consideradas mensagens publicitárias. Daí que,
nas questões colocadas, não se faça qualquer distinção entre as disposições nacionais aplicáveis à rotulagem dos géneros alimentícios,
por um lado, e as aplicáveis à publicidade dos géneros alimentícios, por outro. A este propósito, gostaria de salientar que
a Directiva 2000/13 parte, efectivamente, de uma distinção entre rotulagem e publicidade
(9)
e que as normas jurídicas aplicáveis nos dois domínios não são inteiramente idênticas
(10)
.
40. Quanto à rotulagem dos géneros alimentícios, a Directiva 2000/13 prevê uma harmonização total. Significa isto que as disposições
nacionais sobre esta matéria são examinadas exclusivamente à luz da directiva, quer enquanto medidas harmonizadas, e nesse
caso há que averiguar se transpõem correctamente as disposições da directiva, quer enquanto medidas não harmonizadas, e nesse
caso é necessário apurar se as mesmas se podem justificar com base numa das razões enunciadas no artigo 18.°, n.° 2, da directiva
rotulagem. Conforme o Tribunal de Justiça sublinhou no acórdão SARPP, os limites da competência deixada aos Estados‑Membros
para fixarem os requisitos nacionais em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios são estabelecidos pela própria directiva.
Assim, no âmbito de aplicação da directiva, os artigos 28.° CE e 30.° CE já não desempenham qualquer papel
(11)
.
41. Ao invés, em matéria de publicidade, a Directiva 2000/13 prevê apenas uma harmonização limitada. É o que resulta, desde logo,
da descrição do alcance da directiva constante do artigo 1.°, n.° 1, nos termos do qual a directiva diz respeito à rotulagem
dos géneros alimentícios, bem como «a certos aspectos» relacionados com a sua apresentação e publicidade. O artigo 2.°, n.° 3,
da mesma directiva revela quais são esses aspectos, estipulando que a proibição de indicações enganosas do artigo 2.°, n.os 1 e 2, é aplicável à apresentação e publicidade dos géneros alimentícios. A directiva não contém quaisquer outras regras
específicas sobre a harmonização das disposições nacionais relativas à apresentação e publicidade dos géneros alimentícios.
Concretamente, no acórdão SARPP
(12)
, o Tribunal de Justiça referiu expressamente que o artigo 15.°, n.° 2, da Directiva 79/112 (actual artigo 18.°, n.° 2, da
Directiva 2000/13) não é aplicável à publicidade. Isto significa que a directiva rotulagem só parcialmente é aplicável às
normas nacionais sobre a publicidade dos géneros alimentícios e que estas normas, na medida em que não transponham o artigo
2.° da directiva, devem ser examinadas à luz do direito comunitário primário constante dos artigos 28.° CE e 30.° CE.
42. Nenhuma das partes que apresentaram observações escritas aludiu a esta distinção. Pelo contrário, na audiência, a Comissão
defendeu que, prevendo a Directiva 2000/13 uma harmonização exaustiva, quer o aspecto da rotulagem quer o da publicidade deviam
ser examinados à luz da directiva e que a última questão prejudicial, relativa ao artigo 28.° CE, não carecia de resposta.
A este propósito, remeteu para o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Sterbenz e Haug
(13)
. Contudo, devo salientar que este processo dizia respeito apenas a um regime nacional sobre rotulagem e que as considerações
relevantes
(14)
se prendiam com o artigo 15.°, n.° 2, da Directiva 79/112, o qual, conforme anteriormente referido, não é aplicável à publicidade.
43. Tendo em conta os diferentes regimes a que, segundo a jurisprudência referida, estão sujeitas, respectivamente, a rotulagem
e a publicidade dos géneros alimentícios, as restantes questões devem ser respondidas em separado relativamente a cada um
destes domínios, sendo certo que a quinta questão, relativa à interpretação dos artigo 28.° CE e 30.° CE, não tem relevância
no primeiro domínio.
VII –Terceira, quarta e quinta questões (questões B.1, B.2 e C)Rotulagem
44. A terceira e quarta questões estão estreitamente interligadas e devem, no que diz respeito à rotulagem, ser examinadas em
conjunto. Trata‑se de apurar se as disposições nacionais que proíbem a inclusão de referências ao emagrecimento e de referências
a recomendações médicas na rotulagem de um produto, enquanto disposições não harmonizadas, são ou não compatíveis com o artigo
18.° da Directiva 2000/13.
45. O órgão jurisdicional de reenvio parte do princípio de que as medidas nacionais em causa devem efectivamente qualificar‑se
de medidas não harmonizadas na acepção do artigo 18.° Admitiu, pois, que uma proibição de referências ao emagrecimento e uma
proibição de referências a recomendações e atestados médicos não são abrangidas pelos artigos 3.° a 14.° da Directiva 2000/13.
46. Este entendimento parece‑me correcto. É ainda corroborado pelos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça nos processos
Comissão/Áustria e Sterbenz e Haug. Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça considerou que, uma vez que a directiva rotulagem
proíbe qualquer indicação relativa a doenças, independentemente de poder ou não induzir em erro o consumidor, as indicações
que contenham referências, não propriamente à doença, mas à saúde, só são proibidas se forem enganosas. Por conseguinte, os
géneros alimentícios cuja rotulagem contenha indicações não enganosas relativas à saúde devem ser considerados conformes com
as regras da Directiva 2000/13, não podendo os Estados‑Membros proibir a sua comercialização com fundamento na eventual irregularidade
dessa rotulagem
(15)
.
47. Tal como foi referido no n.° 40 das presentes conclusões, as disposições não harmonizadas em matéria de rotulagem que entravem
o comércio de produtos que preenchem os requisitos da Directiva 2000/13 só podem ser aplicadas se se justificarem por uma
das razões enumeradas de forma exaustiva
(16)
no artigo 18.°, n.° 2, da directiva. Dado que o artigo 18.°, n.° 2, pode ser visto como uma concretização das excepções à
livre circulação de mercadorias no domínio da rotulagem dos géneros alimentícios consagradas no artigo 30.° CE e na jurisprudência,
há que interpretá‑lo à luz das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias e da jurisprudência sobre
as mesmas
(17)
. Significa isto que as referidas disposições nacionais não harmonizadas, para além de deverem justificar‑se com base numa
ou mais das razões enunciadas no artigo 18.°, n.° 2, devem ainda ser adequadas à salvaguarda dos interesses em causa e não
podem criar obstáculos ao comércio destes produtos que não sejam necessários à prossecução deste objectivo
(18)
.
48. No que releva para o presente processo, as disposições nacionais controvertidas prevêem uma proibição absoluta de referências
ao emagrecimento e de referências a recomendações, atestados, citações ou pareceres médicos na publicidade dos alimentos (incluindo
na embalagem). Divergem pois em dois aspectos das disposições nacionais subjacentes aos já referidos acórdãos Comissão/Áustria
e Sterbenz e Haug. Nestes processos estava em causa uma proibição geral de indicações relacionadas com a saúde nos géneros
alimentícios, salvo havendo autorização prévia das autoridades nacionais competentes, ao passo que as disposições de que trata
o presente processo, por um lado, são mais restritas e específicas e, por outro, têm um maior alcance, uma vez que não se
prevê a possibilidade de suspensão ou exoneração da proibição.
49. A quarta questão indica que o órgão jurisdicional nacional considera que só o interesse de protecção da saúde pública pode
justificar as disposições nacionais controvertidas.
50. Ao examinar a proibição das referidas indicações na rotulagem ou embalagem dos géneros alimentícios, importa recordar, antes
de mais, o princípio subjacente à directiva rotulagem, segundo o qual, em sentido positivo, o consumidor deve ser rigorosamente
informado das diferentes características de um género alimentício e, em sentido negativo, não deve ser induzido em erro relativamente
a essas características através das indicações utilizadas. Assim se salvaguardam quer os seus interesses económicos quer os
seus interesses em termos de saúde pública.
51. Sendo este o ponto de partida, coloca‑se a questão de saber se uma proibição de referências ao emagrecimento e a recomendações
e atestados médicos é necessária, atendendo a que para o legislador nacional tais referências devem ser sempre consideradas
de natureza enganosa e o consumo de artigos com essas referências pode pôr em perigo a saúde pública.
52. A meu ver, é evidente que uma posição tão radical não pode ser acolhida. Com efeito, se um produto puder manifestamente contribuir,
de modo efectivo e científico, para o emagrecimento, dificilmente se poderá sustentar que a indicação desta propriedade na
rotulagem ou na embalagem é enganosa. Pelo contrário, trata‑se de uma informação particularmente relevante para o consumidor,
susceptível de influenciar a sua decisão de adquirir e consumir, ou não, um produto. Conforme foi igualmente alegado pela
FICS, a ausência desta informação pode mesmo originar riscos para a saúde, caso um consumidor, sem saber, venha a utilizar
em excesso um produto de emagrecimento.
53. O mesmo se pode dizer em relação às recomendações e atestados médicos. Não é de excluir que tais indicações sejam cientificamente
responsáveis e, mais uma vez, desde que não sejam enganosas, que possam constituir informação relevante para o consumidor
adquirir ou não o referido produto. De resto, as indicações em causa são meramente subsidiárias e de reforço face a menções
relacionadas com as características do próprio produto. Dificilmente estas indicações, enquanto tais, podem ser encaradas
como geradoras de um risco para a saúde pública.
54. A este propósito, há que recordar que, na avaliação da natureza eventualmente enganosa das informações relativas ao produto,
o Tribunal de Justiça escolhe como critério de referência a presumível expectativa dum consumidor médio, normalmente informado
e razoavelmente atento e advertido
(19)
. Este critério pressupõe que, antes de adquirir (pela primeira vez) determinado produto, o consumidor tome conhecimento da
informação constante do rótulo e que, além disso, consiga valorizar essa informação. Na minha opinião, o consumidor é suficientemente
protegido se não tiver de lidar com indicações relativas aos produtos que sejam enganosas, não precisa de ser poupado a informação
cuja utilidade para efeitos da aquisição e utilização do produto ele próprio pode avaliar.
55. Por conseguinte, uma proibição absoluta das referidas indicações falha claramente o alvo, já que também atinge as indicações
que se sabe não serem enganosas. Semelhante medida não é, pois, necessária para alcançar o objectivo da prevenção dos riscos
para a saúde pública
(20)
.
56. Além disso, trata‑se de uma proibição desproporcional à concretização deste objectivo, dado que podem imaginar‑se medidas
menos restritivas do comércio. É o caso da proibição de indicações enganosas no que toca a propriedades do produto conducentes
ao emagrecimento e de referências enganosas a recomendações e atestados médicos
(21)
. Medidas deste tipo permitem às autoridades nacionais intervirem contra infracções em casos individuais, quando as indicações
utilizadas possam efectivamente colocar em risco a saúde pública, sem levantar obstáculos ao comércio dos produtos que não
apresentam tais riscos. Esta abordagem não exclui que produtos acompanhados de informações enganosas relativas aos efeitos
de emagrecimento sejam (temporariamente) comercializados. Contudo, é improvável que o consumo destes produtos, que não produzem
o anunciado efeito de emagrecimento, apresente um risco para a saúde.
57. A Douwe Egberts sustentou ainda que a proibição de referências ao emagrecimento permitiria evitar que se encorajasse a anorexia.
A proibição de referências a recomendações médicas resulta da ideia de que estas podem dar a entender que o produto possui
propriedades medicinais, ainda que não seja esse o caso. Este tipo de assunções baseiam‑se na noção de que o consumidor é
um menor destituído de espírito crítico, o que é completamente contrário à definição de consumidor mencionada no n.° 54 das
presentes conclusões, que o Tribunal de Justiça utiliza como critério de referência. Havendo necessidade de evitar emagrecimentos
excessivos, seria mais oportuno combater este fenómeno enquanto tal. A rejeição de produtos legitimamente apresentados como
produtos de emagrecimento não é uma forma adequada de alcançar esse objectivo e restringe o comércio dos referidos produtos
mais do que o estritamente necessário. Por outro lado, se levássemos mais longe a lógica subjacente ao raciocínio da Douwe
Egberts, o combate à obesidade poderia em geral justificar uma proibição geral da publicidade dos géneros alimentícios.
58.À luz do exposto, a resposta a dar à terceira e quarta questões é a de que uma disposição nacional não harmonizada em matéria
de rotulagem de géneros alimentícios, na acepção do artigo 18.°, n.° 1, da Directiva 2000/13, que proíba determinadas indicações,
como «referências ao emagrecimento» e «referências a recomendações, atestados, citações ou pareceres médicos ou a declarações
sobre a sua autorização», não pode justificar‑se com base no artigo 18.°, n.° 2, da Directiva 2000/13.
Publicidade
59. Para responder à terceira, quarta e quinta questões no que toca à conformidade de disposições nacionais que proíbem referências
ao emagrecimento e referências a recomendações e atestados médicos nas mensagens publicitárias, cumpre, antes de mais, examinar
as normas aplicáveis da directiva rotulagem.
60. No n.° 41 das presentes conclusões, já referi o alcance limitado da harmonização criada pela Directiva 2000/13 em matéria
de publicidade. De acordo com o preâmbulo da Directiva 2000/13
(22)
, as disposições em causa têm uma natureza complementar, visando possibilitar uma aplicação eficaz da proibição de indicações
enganosas na rotulagem.
61. Porém, as medidas nacionais controvertidas vão mais longe do que as disposições de proibição em matéria de publicidade consagradas
na directiva rotulagem. Com efeito, proíbem determinadas mensagens publicitárias, independentemente de serem ou não enganosas.
Quer isto dizer que, segundo o sistema da directiva, devem ser apreciadas à luz dos artigos 28.° CE e 30.° CE.
62. Antes de iniciar essa apreciação, gostaria de comentar a posição da Douwe Egberts segundo a qual, uma vez que todos os factos
relevantes do processo principal se concentram na Bélgica, falta o elemento de externalidade necessário para que os artigos
28.° CE e 30.° CE sejam aplicáveis. Por outras palavras, coloca‑se a questão de saber se está em causa uma situação puramente
interna, à qual estas disposições não possam aplicar‑se.
63. Não há dúvida de que, em termos factuais, o litígio no processo principal apresenta exclusivamente elementos de conexão com
a Bélgica. Contudo, isso não impede que um regime como o ora em apreço seja apreciado à luz das disposições do Tratado relativas
à livre circulação de mercadorias. A propósito de situações semelhantes, o Tribunal de Justiça declarou, repetidas vezes,
que a aplicabilidade do artigo 28.° CE não pode excluir‑se pela simples razão de, no caso específico submetido ao órgão jurisdicional
nacional, todos os elementos estarem localizados no interior de um único Estado‑Membro. O Tribunal de Justiça proferiu este
entendimento tanto em litígios «puramente internos», em que estava nitidamente em causa uma medida discriminatória
(23)
, como em casos em que a medida em causa era indistintamente aplicável a produtos nacionais e importados
(24)
.
64. O regime nacional que é objecto de litígio no processo principal comporta uma proibição absoluta da utilização de referências
ao emagrecimento e a recomendações e atestados médicos na publicidade dos alimentos. Uma proibição deste género tem, por natureza,
um forte impacto na comercialização dos produtos que são colocados no mercado enquanto produtos de emagrecimento. Com efeito,
leva a que os consumidores, designadamente os que necessitam de utilizar tais produtos, sejam privados de informação essencial
sobre a oferta dos mesmos. Por outras palavras, as possibilidades que os produtores destes produtos, em si mesmo legais, têm
de atingir o seu grupo‑alvo são fortemente restringidas. Isto é válido sobretudo em relação aos produtos novos, que ainda
não gozam de notoriedade junto dos consumidores. Na medida em que pode tratar‑se de produtos legalmente produzidos e comercializados
noutros Estados‑Membros, a proibição geral de referir características específicas e distintivas levanta sérios entraves ao
acesso ao mercado belga. Nestas circunstâncias, considero que o regime nacional em causa cria um obstáculo directo e real
ao comércio entre os Estados‑Membros e não pode subtrair‑se à aplicação das disposições do Tratado relativas à livre circulação
de mercadorias pela simples (e fortuita) razão de a questão da sua compatibilidade com estas disposições ter sido levantada
num litígio que se deve qualificar de puramente interno.
65. A compatibilidade de normas nacionais relativas à publicidade com as disposições do Tratado em matéria de livre circulação
de mercadorias foi objecto de vários acórdãos do Tribunal de Justiça. Já em 1980, o Tribunal de Justiça considerou que uma
limitação da possibilidade de fazer publicidade a determinados produtos, embora não condicione directamente as importações,
afecta as possibilidades de comercialização dos produtos importados, prejudicando assim o volume de importações
(25)
. Este processo dizia respeito a um regime nacional que proibia a publicidade de determinadas bebidas alcoólicas. O Tribunal
de Justiça concluiu que o regime violava o artigo 30.° do Tratado CEE, por afectar sobretudo as bebidas importadas e não se
justificar ao abrigo do artigo 36.° do Tratado CEE. Outras regras nacionais em matéria de publicidade que, na jurisprudência
mais antiga, foram apreciadas à luz do artigo 30.° do Tratado CEE diziam respeito a uma proibição de distribuir folhetos publicitários
contendo determinadas informações
(26)
e (mais uma vez) a uma proibição de fazer publicidade a certas bebidas alcoólicas em locais determinados
(27)
. Nestes dois casos, o Tribunal de Justiça também declarou que os regimes em causa eram susceptíveis de prejudicar as trocas
comerciais, ainda que pudessem justificar‑se em certas condições.
66. A jurisprudência relativa à compatibilidade dos requisitos nacionais em matéria de publicidade com o artigo 28.° CE sofreu
uma evolução após o acórdão Keck e Mithouard
(28)
. Este acórdão foi uma reacção ao facto de os operadores económicos invocarem cada vez mais frequentemente o artigo 28.° CE
para impugnar qualquer tipo de norma reguladora de aspectos determinados da sua conduta comercial. A fim de inverter esta
tendência, o Tribunal de Justiça corrigiu a linha até então seguida, por forma a que todas as medidas que efectivamente dificultassem
ou pudessem dificultar, directa ou indirectamente, o comércio entre os Estados‑Membros fossem qualificadas de medidas de efeito
equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 28.° CE
(29)
. Do âmbito deste conceito ficou excluída a aplicação a produtos provenientes de outros Estados‑Membros de disposições nacionais
que limitam ou proíbem certas modalidades de venda, desde que estas disposições sejam aplicáveis a todos os operadores que
exercem a sua actividade no território nacional e afectem da mesma forma, quer de direito quer de facto, a comercialização
dos produtos nacionais e dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros
(30)
. As disposições nacionais que correspondam a esta descrição ficam, por natureza, fora do campo de aplicação do artigo 28.° CE,
por se considerar que são neutras relativamente às trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Conforme declarou o Tribunal
de Justiça, «[c]om efeito, desde que essas condições se encontrem satisfeitas, a aplicação de regulamentações desse tipo à
venda de produtos provenientes de outro Estados‑membro que obedeçam às regras aprovadas por esse Estado não é susceptível
de impedir o seu acesso ao mercado ou de o dificultar mais do que dificulta o dos produtos nacionais»
(31)
.
67. Os requisitos nacionais em matéria de publicidade também são considerados modalidades de venda na acepção do acórdão Keck
e Mithouard. A título de exemplo, refira‑se o processo Hünermund
(32)
, em que estava em causa a proibição de os farmacêuticos fazerem publicidade a produtos parafarmacêuticos, fora do recinto
de venda, e o processo Leclerc‑Siplec
(33)
, que tinha por objecto a proibição da publicidade televisiva ao sector da distribuição. Os respectivos regimes não tiveram
de ser examinados à luz do artigo 28.° CE. Ao invés, em dois outros processos, De Agostini e TV Shop
(34)
e Gourmet
(35)
, o Tribunal de Justiça não qualificou, sem mais, de modalidades de venda as disposições nacionais que consagravam, respectivamente,
uma proibição absoluta da publicidade televisiva dirigida a crianças com idades inferiores a doze anos e uma proibição de
fazer publicidade a bebidas alcoólicas em revistas, tendo antes optado por averiguar se a segunda condição formulada no acórdão
Keck e Mithouard se encontrava preenchida. A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou, nos acórdãos que proferiu nestes
processos, que a proibição total, num Estado‑Membro, de um modo de promoção de um produto que aí é licitamente vendido pode
ter um maior impacto nos produtos provenientes de outros Estados‑Membros
(36)
.
68. Nos processos Hünermund e Leclerc‑Siplec, as proibições de publicidade tinham um alcance limitado. No primeiro caso, os efeitos
da proibição circunscreviam‑se à promoção de produtos estranhos ao ramo, fora das farmácias. No segundo caso, a proibição
dizia respeito à utilização do suporte televisivo para fazer publicidade a determinada fase comercial, a fase de distribuição.
Ao examinar estes regimes, o Tribunal de Justiça atribuiu importância ao facto de os mesmos não porem em causa a possibilidade
de outros operadores escolherem um caminho diferente para promoverem os referidos produtos. Por outras palavras, o papel da
publicidade na conquista de acesso ao mercado por parte desses produtos não foi afectado.
69. O mesmo não se verificou nos processos De Agostini e Gourmet. No acórdão De Agostini, o Tribunal de Justiça sublinhou que
a publicidade televisiva era a única forma de promoção eficaz que permitia ao produtor penetrar no mercado sueco, atendendo
a que este não dispunha de outros métodos publicitários para atingir o grupo‑alvo, constituído pelas crianças e seus pais
(37)
. Este factor foi nitidamente decisivo, ainda que a decisão sobre se isto efectivamente se verificou tenha sido deixado ao
órgão jurisdicional nacional. A situação subjacente ao processo Gourmet era semelhante. Aqui, o Tribunal de Justiça concluiu
que uma proibição de difusão de toda e qualquer mensagem publicitária de bebidas alcoólicas dificulta mais o acesso ao mercado
dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que o dos produtos nacionais, com os quais o consumidor está, naturalmente,
mais familiarizado.
70. Com a abordagem que segue nestes dois últimos processos, o Tribunal de Justiça reconhece o papel desempenhado pela publicidade
nas transacções económicas e, em geral, na integração do mercado. Na perspectiva do mercado interno, esse papel não se traduz
apenas no fornecimento de informações ao consumidor e na conquista de clientela. Constitui igualmente um instrumento que permite
aos produtores dos Estados‑Membros penetrarem noutros mercados, confrontarem os consumidores com produtos que possivelmente
lhes são desconhecidos ou, no caso contrário, oferecerem‑lhes uma alternativa a produtos com os quais estão familiarizados.
A publicidade pode contribuir para reforçar a transparência do mercado, estimular o funcionamento dos mecanismos do mercado
e combater o seu entorpecimento. Tanto a proibição geral da publicidade, como a proibição da publicidade a determinados produtos
ou a proibição da publicidade que incida sobre os aspectos distintivos de um produto têm, por natureza, efeitos inevitáveis
na comercialização dos produtos que delas são objecto. Assim, não pode afirmar‑se que tais regimes são a fortiori neutros relativamente às trocas comerciais entre os Estados‑Membros
(38)
.
71. O contraste entre os dois grupos de acórdãos ilustra o modo como deve ser entendida a delimitação do conceito de medida de
efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação com base no conceito de modalidades de venda introduzida pelo
acórdão Keck e Mithouard. Quando uma forma de publicidade constitui, de facto, o único meio eficaz de penetrar em determinado
mercado ou quando existem no mercado nacional padrões de consumo cristalizados, uma proibição de publicidade constitui invariavelmente
um sério entrave ao acesso ao mercado de produtos provenientes de outros Estados‑Membros. Na minha opinião, o mesmo se pode
afirmar em relação à proibição de publicidade de novos produtos legalmente produzidos noutros Estados‑Membros que são colocados
no mercado. Para que estes produtos conquistem uma posição no mercado, é essencial que sejam conhecidos. O facto de a referida
proibição dificultar da mesma forma a introdução no mercado dos novos produtos que são produzidos e comercializados nesse
Estado‑Membro não invalida esta conclusão. O que é determinante é que seja impedido o acesso ao mercado ao produto proveniente
de outro Estado‑Membro. Nesta situação, é evidente que os artigos 28.° CE e 30.° CE são plenamente aplicáveis.
72. Acrescente‑se ainda que a designação como modalidade de venda de um regime nacional leva a que esse regime seja excluído do
âmbito de aplicação do artigo 28.° CE e, nessa medida, escape também ao alcance da fiscalização jurisdicional com base no
direito comunitário. A qualificação enquanto modalidade de venda deve, pois, ser reservada aos regimes que dizem respeito
às circunstâncias gerais de comercialização dos produtos e que restringem a liberdade comercial dos operadores económicos
(39)
. Não é aplicável a regimes relacionados com as características de produtos ou que limitam a comercialização de produtos com
determinadas características.
73. Em síntese, no domínio da publicidade, há que efectuar uma distinção entre os regimes que comportam proibições absolutas,
conforme referido no n.° 70, e os regimes que regulam as modalidades stricto sensu das mensagens publicitárias. Exemplo destes é a proibição de publicidade que desguarneça a paisagem, a proibição de publicidade
em edifícios públicos ou a proibição de publicidade a certos produtos em determinados eventos. Conforme se verá, estes regimes,
que na perspectiva da comercialização dos produtos não proíbem a publicidade em termos gerais e absolutos, limitando‑se a
condicioná‑la por razões bem determinadas, não impedem o acesso ao mercado e a comercialização por outras vias. O seu objectivo
não é limitar o acesso ao mercado e só remotamente dizem respeito à comercialização enquanto tal.
74. As considerações expostas levam‑me a concluir que uma proibição absoluta de referências ao emagrecimento e de referências
a recomendações e atestados médicos na publicidade não pode ser qualificada de modalidade de venda na acepção do acórdão Keck
e Mithouard, devendo pois ser plenamente examinada à luz dos artigos 28.° CE e 30.° CE.
75. Uma vez que já concluí, no n.° 64 das presentes conclusões, que a proibição em causa pode ter um impacto real na importação
de bens susceptíveis de contribuírem para o emagrecimento, há que examinar se a proibição se justifica com base num interesse
geral reconhecido no artigo 30.° CE ou na jurisprudência. Em seguida, na linha da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça,
cumpre demonstrar que esta medida é necessária e adequada à concretização do referido objectivo e não entrava as trocas comerciais
mais do que o estritamente necessário.
76. A disposição nacional controvertida é aplicável às mensagens publicitárias em causa, independentemente da proveniência dos
produtos a que dizem respeito. Quer isto dizer que, a par do interesse de protecção da saúde pública a que alude o órgão jurisdicional
de reenvio, também o interesse de protecção do consumidor pode justificar a proibição.
77. Considerando os mal‑entendidos a que podem dar azo os produtos apresentados como produtos de emagrecimento e os perigos para
a saúde que podem advir de uma utilização irresponsável dos mesmo, justifica‑se plenamente que um Estado‑Membro possa fixar
regras sobre o modo de comercialização destes produtos, inclusive a publicidade que deles é feita.
78. Tais regras devem, no entanto, preencher os requisitos da necessidade, adequação e proporcionalidade. Conforme se concluiu
anteriormente em relação às disposições nacionais, na medida em que são aplicáveis à rotulagem, o consumidor tem todo o interesse,
tanto do ponto de vista económico como da saúde, em ser correctamente informado sobre as propriedades dos produtos que tenciona
adquirir. As indicações que figuram na etiqueta e nas mensagens publicitárias têm uma função semelhante em termos de informação
do consumidor. Distinguem‑se apenas na medida em que a publicidade pode chamar a atenção do consumidor para produtos que de
outro modo este continuaria a ignorar. Enquanto as mensagens publicitárias são, em geral, independentes do produto, no caso
da rotulagem, a informação é, por definição, aposta no próprio produto.
79. Contudo, esta diferença não se traduz numa apreciação diferente das disposições nacionais aplicáveis à rotulagem e à publicidade.
Em ambos os casos, o consumidor tem interesse em não ser enganado. Desde que a informação em causa esteja correcta, deve considerar‑se
que um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido
(40)
estará em condições de formar um juízo sobre os produtos recomendados, sem ser necessariamente lesado nos seus interesses
económicos ou de saúde. Por conseguinte, uma proibição absoluta de fornecer a referida informação vai mais longe do que seria
necessário à garantia destes interesses. Mais grave ainda, o não fornecimento de informação relativa às propriedades de um
produto que ajuda ao emagrecimento pode até lesar estes interesses.
80. Concluo assim que um regime nacional que proíba referências ao emagrecimento e referências a recomendações, atestados, citações
ou pareceres médicos ou a declarações sobre a sua autorização na publicidade é contrário aos artigos 28.° CE e 30.° CE.
81. Por último, há que analisar de que modo é que esta conclusão se repercute no presente regime. Conforme o Tribunal de Justiça
já afirmou repetidas vezes, um regime contrário aos artigos 28.° CE e 30.° CE deve permanecer inaplicável na parte em que
se refere aos produtos importados
(41)
. A propósito da publicidade, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão SARPP, que, quando o regime nacional de publicidade
é contrária aos artigos 30.° e 36.° do Tratado, a sua aplicação só é proibida no que respeita aos produtos importados e não
aos produtos nacionais
(42)
. Já fiz referência à estreita ligação existente entre a rotulagem e a publicidade e ao facto de a Directiva 2000/13 ter declarado
algumas normas aplicáveis à publicidade, por forma a evitar que os requisitos em matéria de rotulagem fossem contornados através
de mensagens publicitárias. Tendo eu concluído que uma proibição das referidas indicações na rotulagem dos géneros alimentícios
não é compatível com a directiva rotulagem, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar em que medida o regime controvertido
pode ainda aplicar‑se a mensagens publicitárias que utilizem indicações semelhantes relativamente a produtos nacionais.
VIII –Conclusão
82. Com base no exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões colocadas pelo presidente
do Rechtbank van Koophandel te Hasselt:
«1) O artigo 2.° da Directiva 1999/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Fevereiro de 1999, relativa aos extractos
de café e aos extractos de chicória, deve ser interpretado no sentido de que as denominações de venda enunciadas no anexo
da directiva só podem ser utilizadas para os produtos mencionados neste anexo, pelo que, a par destas denominações de venda,
podem ainda aplicar‑se aos produtos em causa outras denominações (como, por exemplo, uma denominação de fantasia ou um nome
comercial) desde que estas não sejam susceptíveis de ser confundidas com a denominação de venda prescrita.
2) O artigo 18.° da Directiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa à aproximação
das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios, deve ser
interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de disposições internas não harmonizadas em matéria de rotulagem dos géneros
alimentícios que proíbam determinadas indicações, como as ‘referências ao emagrecimento’ ou as ‘referências a recomendações,
atestados, citações ou pareceres médicos ou a declarações sobre a sua autorização’, na rotulagem e/ou na apresentação e/ou
na publicidade dos géneros alimentícios.
3) Os artigos 28.° CE e 30.° CE opõem‑se à aplicação de disposições internas não harmonizadas em matéria de publicidade dos géneros
alimentícios que proíbam determinadas indicações, como as ‘referências ao emagrecimento’ ou as ‘referências a recomendações,
atestados, citações ou pareceres médicos ou a declarações sobre a sua autorização’, na rotulagem e/ou na apresentação e/ou
na publicidade dos géneros alimentícios importados de outros Estados‑Membros. Cabe ao órgão jurisdicional nacional decidir,
tendo em conta a relação existente entre as normas relativas à rotulagem e as relativas à publicidade, em que medida as normas
em matéria de publicidade podem ser aplicadas às referidas indicações relativamente aos produtos nacionais.»
Directiva 89/398/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes
aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial (JO L 186, p. 27).
Directiva 96/8/CE da Comissão, de 26 de Fevereiro de 1996, relativa aos alimentos destinados a serem utilizados em dietas
de restrição calórica para redução do peso (JO L 55, p. 22).
V., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.os 59 a 61); de 13 de Julho de 2000, Idéal Tourisme (C‑36/99, Colect., p. I‑6049, n.° 20); de 13 de Março de 2001, PreussenElektra
(C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.os 38 e 39); e de 9 de Setembro de 2003, Milk Marque (C‑137/00, Colect., p. I‑0000, n.° 37).
Acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 1999, Beck e Bergdorf (C‑355/97, Colect., p. I‑4977, n.os 22 e 24), e de 15 de Maio de 2003, Salzmann (C‑300/01, Colect., p. I‑0000, n.° 31).
O artigo 1.°, n.° 3, alínea a), define assim o conceito «rotulagem»: as menções, indicações, marcas de fabrico ou de comércio,
imagens ou símbolos referentes a um género alimentício e que figurem em qualquer embalagem, documento, aviso, rótulo, anel
ou gargantilha que acompanhe ou seja referente a este género alimentício. O conceito «publicidade» não é definido nesta directiva.
V., a este propósito, o n.° 39 das conclusões que apresentei nos processos Comissão/Áustria (acórdão de 23 de Janeiro de 2003,
C‑221/00, Colect., p. I‑1007) e Sterbenz e Haug (acórdão de 23 de Janeiro de 2003, C‑421/00, C‑426/00 e C‑16/01, Colect.,
p. I‑1065, n.° 39).
Acórdãos Comissão/Áustria (n.os 35 e 37) e Sterbenz e Haug (n.os 28 e 30), já referidos na nota 11. Para mais desenvolvimentos sobre a distinção entre indicações relativas à doença, por
um lado, e indicações relativas à saúde, por outro, v. as conclusões que apresentei nestes processos (n.os 53 e 54).
V., designadamente, acórdão de 2 de Fevereiro de 1994, Verband Sozialer Wettbewerb (C‑315/92, Colect., p. 317, n.° 12), sobre
a interpretação da Directiva 76/768/CEE do Conselho, de 27 de Julho de 1976, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros
respeitantes aos produtos cosméticos (JO L 262, p. 169; EE 15 F1 p. 206).
V. acórdão Comissão/Áustria, já referido na nota 11, n.° 47. V., também, acórdão de 13 de Março de 2003, Müller (C‑229/01,
Colect., p. I‑2587, n.os 31 a 34).
V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky (C‑210/96, Colect., p. I‑4657, n.° 31),
e de 13 de Janeiro de 2000, Estée Lauder (C‑220/98, Colect., p. I‑117, n.° 27).
Acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1998, Comissão/França (C‑184/96, Colect., p. I‑6197, n.° 17), e de 5 de
Dezembro de 2000, Guimont (C‑448/98, Colect., p. I‑10663, n.os 19 a 22).
Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Comissão/França (152/78, Recueil, p. 2299, n.° 11). Esta consideração
é reiterada nos acórdãos de 15 de Dezembro de 1982, Oosthoek (286/81, Recueil, p. 4575, n.° 15), de 7 de Março de 1980, GB‑INNO‑BM
(C‑362/88, Colect., p. I‑667, n.° 7), e de 25 de Julho de 1991, Aragonesa de Publicidad Exterior (C‑1/90 e C‑176/90, Colect.,
p. I‑4151, n.° 10).
V., sobre este ponto, o que o advogado‑geral F. G. Jacobs observou nas conclusões que apresentou no processo Leclerc‑Siplec,
já referido na nota 33, n.os 20 e 21.