62001B0223

Despacho do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 10 de Setembro de 2002. - Japan Tobacco Inc. e JT International SA contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia. - Recurso de anulação - Artigo 7.º da Directiva 2001/37/CE - Admissibilidade - Legitimidade e interesse directo. - Processo T-223/01.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página II-03259


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Recurso de anulação - Pessoas singulares ou colectivas - Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito - Acto normativo - Directiva

(Artigo 230.° , quarto parágrafo, CE)

2. Recurso de anulação - Pessoas singulares ou colectivas - Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito - Afectação directa - Critérios - Disposição de uma directiva que proíbe a utilização de determinadas designações nas embalagens de produtos de tabaco - Sociedades que fabricam e comercializam cigarros sob uma marca - Afectação directa - Inexistência

(Artigo 230.° , quarto parágrafo, CE; Directiva 2001/37 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.° )

Sumário


1. Embora o quarto parágrafo do artigo 230.° CE não se refira expressamente à admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por particulares de uma directiva, essa circunstância, por si só, não basta para declarar inadmissíveis tais recursos. Além disso, as instituições comunitárias não podem, pela simples escolha da forma do acto em causa, excluir a protecção jurisdicional que essa disposição do Tratado proporciona aos particulares. Por outro lado, em determinadas circunstâncias, mesmo um acto normativo que se aplica à generalidade dos operadores económicos interessados pode dizer directa e individualmente respeito a alguns deles.

( cf. n.os 28, 29 )

2. A afectação directa na acepção do artigo 230.° , quarto parágrafo, CE exige que a medida comunitária em causa produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua implementação, já que esta é de carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias. Isto significa que, no caso de um acto comunitário ser dirigido a um Estado-Membro por uma instituição, se a acção que deve empreender o Estado-Membro na sequência desse acto tiver um carácter automático, ou se, de qualquer forma, o resultado não é duvidoso, então o acto diz directamente respeito a toda e qualquer pessoa que seja afectada por essa acção. Se, pelo contrário, o acto deixa ao Estado-Membro a possibilidade de agir ou não agir, é a acção ou a inacção do Estado-Membro que diz directamente respeito à pessoa afectada, e não o acto em si mesmo. Por outras palavras, o acto em questão não deve depender, para produzir os seus efeitos, do exercício de um poder discricionário por terceiro, a menos que seja evidente que tal poder só pode exercer-se num determinado sentido.

A este respeito, o artigo 7.° da Directiva 2001/37 relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros no que respeita ao fabrico, à apresentação e à venda de produtos do tabaco, que proíbe a utilização de determinadas designações na embalagem de tais produtos, não implica qualquer modificação da situação jurídica de duas sociedades que fabricam e comercializam cigarros sob uma marca até à sua transposição para direito nacional de, pelo menos, um Estado-Membro ou até à extinção do prazo previsto para a sua transposição, continuando estas sociedades proprietárias e titulares da marca e continuando a ter direito a fazer uso dela para a comercialização de cigarros na Comunidade.

( cf. n.os 45-47 )

Partes


No processo T-223/01,

Japan Tobacco Inc., com sede em Tóquio (Japão),

JT International SA, com sede em Genebra (Suíça),

representadas por O. Brouwer, advogado, e P. Lomas, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Parlamento Europeu, representado por C. Pennera e M. Moore, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e

Conselho da União Europeia, representado por E. Karlsson, na qualidade de agente,

recorridos,

que tem por objecto um pedido de anulação do artigo 7.° da Directiva 2001/37/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Junho de 2001, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros no que respeita ao fabrico, à apresentação e à venda de produtos do tabaco (JO L 194, p. 26),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García-Valdecasas e P. Lindh, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente

Despacho

Fundamentação jurídica do acórdão


Enquadramento jurídico

1 A Directiva 2001/37/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Junho de 2001, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros no que respeita ao fabrico, à apresentação e à venda de produtos do tabaco (JO L 194, p. 26, a seguir «directiva»), contém, nomeadamente, as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

Objecto

A presente directiva tem por objecto aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros referentes aos teores máximos de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono nos cigarros, às advertências relativas à saúde e às outras indicações que devem constar das unidades de embalagem dos produtos do tabaco, bem como a determinadas medidas relativas aos ingredientes e às denominações dos produtos do tabaco, tomando como base um nível elevado de protecção da saúde.

Artigo 2.°

Definições

Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

1. Produtos do tabaco: os produtos destinados a serem fumados, inalados, chupados ou mascados desde que sejam, mesmo parcialmente, constituídos por tabaco, geneticamente modificado ou não.

[...]

Artigo 7.°

Denominações do produto

Com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2003 e sem prejuízo do disposto no n.° 1 do artigo 5.° , não serão utilizados em embalagens de produtos de tabaco textos, designações, marcas e símbolos figurativos ou outros sinais que sugiram que um determinado produto do tabaco é menos prejudicial do que os outros.

[...]

Artigo 14.°

Execução

1. Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo do artigo 15.° , os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva até 30 de Setembro de 2002 e informar imediatamente a Comissão desse facto.

[...]»

2 O considerando 27 da directiva enuncia:

«A utilização nas embalagens dos produtos do tabaco de certas indicações, como baixo teor de alcatrão, light, ultra-light, suave, designações, imagens e símbolos figurativos ou outros, pode induzir o consumidor no erro de que esses produtos são menos nocivos e levar a alterações no consumo [...]»

Factos que deram origem ao litígio

3 As recorrentes pertencem a um grupo que desenvolve a sua actividade no mercado de cigarros. Fabricam e comercializam, nomeadamente, cigarros sob a marca MILD SEVEN. As vendas destes últimos cigarros representam mais de 40% do total das vendas e mais de 40% dos lucros da primeira recorrente.

4 A primeira recorrente é proprietária da marca MILD SEVEN por todo o mundo, e, em particular, na União Europeia, e a segunda é titular da licença dessa marca. As recorrentes afirmam que a referida marca é a segunda marca mundial e que consagraram importantes investimentos para assegurar o seu desenvolvimento.

5 Alegam, em substância, que a aplicação do artigo 7.° da directiva (a seguir «artigo 7.° ») a marcas existentes terá por efeito privá-las dos seus direitos de propriedade intelectual sobre a marca MILD SEVEN e de afectar gravemente o valor dessa marca por todo o mundo.

Tramitação do processo e pedidos das partes

6 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 20 de Setembro de 2001, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

7 Invocam os seguintes cinco fundamentos em apoio do seu pedido de anulação do artigo 7.° da directiva: a falta de competência da Comunidade para harmonizar as legislações, dada a improbabilidade de ocorrerem obstáculos às trocas comerciais ou distorções sensíveis de concorrência; a ofensa ilícita dos direitos de propriedade existentes das recorrentes; a violação do princípio da proporcionalidade; a falta de fundamentação e a violação do princípio da igualdade de tratamento.

8 Por requerimentos separados apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 12 e 26 de Novembro de 2001, o Parlamento e o Conselho suscitaram uma excepção de inadmissibilidade, de harmonia com o disposto no artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

9 Em 10 de Janeiro de 2002, as recorrentes apresentaram as suas observações sobre essa excepção.

10 Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 e 20 de Fevereiro de 2002, respectivamente, a Comissão e o Reino dos Países Baixos, por um lado, e o Reino Unido, por outro, pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho.

11 As partes informaram o Tribunal de que não tinham observações a fazer sobre esses pedidos. Todavia, por cartas de 7 e 26 de Março de 2002, as recorrentes pediram o tratamento confidencial de certos elementos da sua petição, em aplicação do n.° 2 do artigo 116.° do Regulamento de Processo.

12 As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

- declarar o recurso admissível;

- anular a totalidade do artigo 7.° ;

- a título subsidiário, anular o artigo 7.° na medida em que impede as recorrentes de utilizar a marca MILD SEVEN na União Europeia;

- condenar o Parlamento e/ou o Conselho nas despesas.

13 O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- julgar o recurso totalmente inadmissível;

- condenar as recorrentes nas despesas.

14 O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- julgar o recurso inadmissível;

- condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto à admissibilidade

15 Nos termos do n.° 1 do artigo 114.° do Regulamento de Processo, se uma das partes o pedir, o Tribunal pode pronunciar-se sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa. De acordo com o n.° 3 do mesmo artigo, a tramitação ulterior do processo é oral, salvo decisão em contrário. No caso vertente, o Tribunal considera-se suficientemente esclarecido pelo exame dos documentos dos autos para decidir do pedido, sem dar início à fase oral.

16 O Parlamento e o Conselho sustentam que o pedido de anulação do artigo 7.° da directiva é inadmissível pela razão de que esse artigo não diz nem directa nem individualmente respeito às recorrentes na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE. O Conselho alega igualmente que as recorrentes não têm legitimidade para pedir a anulação de uma disposição de uma directiva.

17 As recorrentes contestam a procedência dos fundamentos de inadmissibilidade avançados pelo Parlamento e pelo Conselho. Afirmam ter legitimidade para pedir a anulação do artigo 7.° e sustentam que é manifesto que essa disposição lhes diz directa e individualmente respeito. Expõem, nomeadamente, que elas não propugnam a anulação da directiva na sua totalidade nem procuram obter do Tribunal uma decisão sobre a interpretação da directiva, mas pretendem obter a anulação apenas do artigo 7.° , disposição que é, em sua opinião, destacável do resto da directiva.

18 Deve examinar-se, em primeiro lugar, o fundamento de inadmissibilidade alegado pelo Conselho com base na ilegitimidade das recorrentes para pedirem a anulação de uma disposição de uma directiva.

Quanto à falta de legitimidade para pedir a anulação de uma disposição de uma directiva

Argumentos das partes

19 O Conselho afirma que as recorrentes não têm legitimidade para pedirem a anulação de uma disposição de uma directiva. O quarto parágrafo do artigo 230.° CE não prevê, para os particulares, o recurso directo contra as directivas. O Conselho alega que, diferentemente dos regulamentos, as directivas só produzem efeitos jurídicos após a sua transposição para o direito nacional dos Estados-Membros, pois são as disposições nacionais que conferem direitos e impõem obrigações aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1996, El Corte Inglés, C-192/94, Colect., p. I-1281, n.° 15).

20 O Conselho especifica que, antes da transposição do artigo 7.° para o direito nacional dos Estados-Membros ou, pelo menos, antes da extinção do prazo previsto para essa transposição (30 de Setembro de 2003), é impossível determinar se esse artigo é susceptível de dizer directa e individualmente respeito às recorrentes. Em sua opinião, apenas nesse momento, com efeito, é que o artigo 7.° produzirá efeitos jurídicos em relação às recorrentes.

21 Acrescenta que os Estados-Membros gozam de poderes discricionários quanto à execução da directiva, de forma que não é possível, no estádio actual, conhecer o texto exacto das futuras disposições nacionais e, nomeadamente, saber se os Estados-Membros estabelecerão uma lista (não exaustiva) dos termos a proibir sobre as embalagens dos produtos do tabaco e, sendo este o caso, se o termo «mild» figurará nela, pois esse termo não é reproduzido em todas as versões linguísticas da directiva.

22 Além disso, o artigo 7.° é com toda a evidência uma disposição de carácter geral que se aplica in abstracto a situações objectivamente definidas. Não pode, portanto, considerar-se como uma decisão disfarçada e constituir, por essa razão, objecto de um pedido de anulação para efeitos do disposto no quarto parágrafo do artigo 230.° CE.

23 As recorrentes contestam a alegação segundo a qual as directivas, incluindo as «verdadeiras directivas», nunca são, por natureza, susceptíveis de constituir objecto de um pedido de anulação por parte de pessoas singulares ou colectivas, com base no quarto parágrafo do artigo 230.° CE. Se bem que nenhum pedido de anulação desse tipo tenha tido êxito até agora, a jurisprudência demonstra o carácter erróneo da referida alegação e indica que o critério correcto a aplicar é o de saber se a medida em questão diz directa e individualmente respeito às recorrentes (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1993, Gibraltar/Conselho, C-298/89, Colect., p. I-3605, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho, T-135/96, Colect., p. II-2335, e de 27 de Junho de 2000, Salamander e o./Parlamento e Conselho, T-172/98 e T-175/98 a T-177/98, Colect., p. II-2487). Por isso, não cabe às recorrentes demonstrar que o artigo 7.° tem o carácter de decisão disfarçada.

24 As recorrentes consideram que a exigência de que uma directiva deve, por natureza, ser transposta para o direito nacional não exclui a possibilidade de interpor recurso de tal acto. Se essa exigência se opusesse automaticamente a qualquer recurso interposto por uma pessoa singular ou colectiva, o Tribunal de Justiça não teria examinado, ou não deveria ter examinado, na jurisprudência citada no número precedente, se as directivas em causa diziam directa e individualmente respeito às pessoas singulares ou colectivas em questão.

25 Sustentam igualmente que o argumento do Conselho deduzido do prazo de transposição do artigo 7.° não é pertinente. Alegam que, tendo esse artigo entrado em vigor em 18 de Julho de 2001, lhes seria oponível a caducidade do direito por decurso do prazo, se tivessem aguardado até 30 de Setembro de 2003, data da produção de efeitos desse artigo, para pedir a sua anulação. Em apoio da sua argumentação, sustentam que, no processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho (C-309/89, Colect., p. I-1853), o decurso de um período de cinco anos entre a data da entrada em vigor da disposição em causa, em 1 de Setembro de 1989, e aquela em que essa disposição produziu efeitos em relação ao recorrente não constituiu de forma alguma obstáculo à admissibilidade do recurso, interposto em 9 de Outubro de 1989.

26 A título subsidiário, se se afigurasse necessário demonstrar que o artigo 7.° é, do ponto de vista material, uma decisão na acepção do artigo 230.° CE, as recorrentes sustentam que é a substância e não a forma do referido acto que determina se ele pode constituir objecto de recurso de harmonia com esse artigo. A este propósito, dever-se-ia examinar, nomeadamente, o carácter limitado do círculo de destinatários em relação ao qual o acto produz efeitos (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Confédération nationale des producteurs de fruits et légumes e o./Conselho, 16/62 e 17/62, Colect. 1962-1964, p. 175). As recorrentes alegam que o artigo 7.° , na medida em que visa «descritores» tais como «light» e «ultra light», aplica-se a todos os fabricantes de tabaco e constitui, portanto, um verdadeiro acto normativo de carácter geral. Todavia, esse artigo constitui igualmente uma decisão «de facto» em relação às recorrentes, porquanto produz um «efeito específico» na sua esfera jurídica (tal como na dos fabricantes titulares das marcas SUAVE e MILDE SORTE que são afectados da mesma maneira). As recorrentes e estes fabricantes são, com efeito, os únicos operadores cujas marcas depositadas contêm termos qualificados de «descritores» pela directiva.

Apreciação do Tribunal

27 No caso em apreço, há que apreciar a admissibilidade de um recurso de anulação interposto por uma pessoa colectiva, nos termos do quarto parágrafo do artigo 230.° CE, de uma directiva adoptada pelo Parlamento e pelo Conselho na base dos artigos 95.° CE e 113.° CE.

28 Embora o quarto parágrafo do artigo 230.° CE não se refira expressamente à admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por particulares de uma directiva, resulta, todavia, da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância que essa circunstância, por si só, não basta para declarar inadmissíveis tais recursos (v., a este propósito, acórdãos Gibraltar/Conselho, já referido, n.os 15 a 23, e UEAPME/Conselho, já referido, n.° 63). Além disso, as instituições comunitárias não podem, pela simples escolha da forma do acto em causa, excluir a protecção jurisdicional que essa disposição do Tratado proporciona aos particulares (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 1997, Federolio/Comissão, T-122/96, Colect., p. II-1559, n.° 50).

29 Por outro lado, em determinadas circunstâncias, mesmo um acto normativo que se aplica à generalidade dos operadores económicos interessados pode dizer directa e individualmente respeito a alguns deles (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 11 a 32, e acórdão Salamander e o./Parlamento e Conselho, já referido, n.° 30).

30 Segue-se que o simples facto de o artigo 7.° fazer parte de um acto que é, como o admitem as recorrentes, de carácter normativo e que constitui, portanto, uma verdadeira directiva, e não uma decisão intitulada «directiva», não basta, por si só, para excluir a possibilidade de esse artigo lhes dizer directa e individualmente respeito.

31 O fundamento de inadmissibilidade do Conselho deduzido da ilegitimidade das recorrentes para pedirem a anulação de uma disposição de uma directiva deve ser, portanto, julgado improcedente.

Quanto à falta de legitimidade não existindo um interesse directo

Argumentos das partes

32 O Parlamento alega que uma verdadeira directiva não pode ser objecto de recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva. A directiva em causa no caso em apreço constitui incontestavelmente uma directiva tanto na substância como na forma. Ela obriga os Estados-Membros a adoptar medidas de execução e não tem em vista em parte alguma impor directamente obrigações aos operadores económicos individuais. O Conselho acrescenta que uma directiva como a que é impugnada no caso em apreço não é, em si mesma, antes da adopção das medidas nacionais de transposição, susceptível de afectar directamente a situação jurídica das recorrentes.

33 O Parlamento observa que a directiva é dirigida aos Estados-Membros e que, em conformidade com o artigo 249.° CE, vincula o «Estado-Membro destinatário» quanto ao resultado a alcançar. Até agora, o juiz comunitário nunca concluiu pela admissibilidade de tal acção. O Parlamento refere-se, a este propósito, nomeadamente ao despacho do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho (C-10/95 P, Colect., p. I-4149), e ao acórdão Salamander e o./Parlamento e Conselho, já referido. À luz dessa jurisprudência, sustenta que, uma vez que uma verdadeira directiva nunca pode impor, em si mesma, obrigações jurídicas aos particulares, é da mesma forma impossível que possa dizer directa e individualmente respeito a um particular na acepção do artigo 230.° CE. O Parlamento contesta a interpretação que as recorrentes fazem do n.° 70 do acórdão Salamander e o./Parlamento e Conselho, já referido. Esse número deve ser interpretado no sentido de que, se um texto legal comunitário for, de forma autêntica, uma directiva, não pode ser objecto de recurso de anulação por parte de uma pessoa singular ou colectiva. Daí resulta que não é pertinente, para determinar se um recurso de anulação de uma directiva é admissível ou não, afirmar que uma directiva não deixa qualquer poder de apreciação aos Estados-Membros.

34 As recorrentes não poderiam também colher argumentos dos acórdãos Piraiki-Patraiki e o./Comissão, já referido, e Codorniu/Conselho, já referido. No primeiro desses processos, o acto impugnado era uma decisão, ao passo que o segundo desses processos punha em causa um regulamento. Ora, em conformidade com o artigo 249.° CE, uma decisão ou um regulamento podem impor obrigações a particulares e dizer respeito a pessoas singulares ou colectivas na acepção do artigo 230.° CE.

35 O Parlamento considera que as recorrentes interpretaram mal a parte essencial do raciocínio do Tribunal de Justiça no acórdão Codorniu/Conselho, já referido. O simples facto de esse acórdão dizer respeito a uma limitação, por um acto legislativo comunitário, da utilização de uma marca não implica que qualquer medida legislativa análoga possa constituir objecto de um recurso de anulação por uma pessoa singular ou colectiva. De qualquer forma, a parte do referido acórdão que trata da admissibilidade concentra-se exclusivamente na questão da afectação individual (v., nomeadamente, o seu n.° 19).

36 O Conselho contesta a pertinência das referências das recorrentes ao acórdão Salamander e o./Parlamento e Conselho, já referido. Sublinha que esse acórdão reforça a sua própria tese e observa que os argumentos avançados pelas recorrentes no presente recurso estão em contradição com os avançados pelas empresas recorrentes no processo que deu lugar a esse acórdão.

37 As recorrentes sustentam que, segundo a jurisprudência, uma directiva pode «dizer directamente respeito» a um particular, mesmo que medidas suplementares sejam necessárias para que este esteja exposto a «efeitos jurídicos». Acrescentam que, mesmo que se devesse considerar que os Estados-Membros dispõem de um poder de apreciação para executar o artigo 7.° , tal não exclui que esse artigo lhes diga directamente respeito, uma vez que não existe qualquer dúvida quanto ao sentido em que os Estados-Membros exercerão esse poder (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1971, Bock/Comissão, 62/70, Colect., p. 333).

38 As recorrentes afirmam que o artigo 7.° tem por efeito proibir a utilização de marcas como MILD SEVEN, de forma que não deixa qualquer poder de apreciação aos Estados-Membros. O presente processo distingue-se, quanto a este ponto, do processo que deu lugar ao acórdão Salamander e o./Parlamento e Conselho, já referido, em que o Tribunal de Primeira Instância baseou o seu raciocínio no facto de a directiva deixar aos Estados-Membros um poder de apreciação. Esse acórdão, longe de estabelecer uma regra geral aplicável a todas as directivas, apenas contemplou as consequências específicas das disposições da directiva controvertida para as recorrentes nesse processo.

39 As recorrentes precisam que nenhum dos exemplos citados pelo Conselho dá conta de um poder de apreciação deixado aos Estados-Membros quanto à questão de saber se, para além de 30 de Setembro de 2003, os cigarros da marca MILD SEVEN poderão legalmente ser fabricados e/ou vendidos no seio da Comunidade. Esses exemplos apenas dizem respeito à forma e ao método pelos quais os Estados-Membros cumprem a sua obrigação de executar o artigo 7.° , e não ao âmbito de aplicação material desse artigo.

40 Contestam o argumento do Conselho segundo o qual a existência de divergências entre as diferentes versões linguísticas da directiva prova que o artigo 7.° deixa às autoridades nacionais um poder de apreciação quanto aos termos a proibir. Mesmo que termos como «light» e «mild» possam ainda ser utilizados nos Estados-Membros quando a versão da directiva na língua desses Estados-Membros não contenha esses termos, não é menos verdade que o artigo 7.° não será válido em relação aos Estados-Membros cuja versão linguística contenha a palavra «mild», nos quais a utilização da marca MILD SEVEN será, portanto, proibida.

41 A necessidade de transposição da directiva não poderá também impedir que o artigo 7.° diga directamente respeito às recorrentes. No n.° 7 do acórdão Piraiki-Patraiki e o./Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça declarou claramente que a necessidade de medidas de execução da decisão controvertida a tomar pelo governo em causa não tinha rompido o nexo de causalidade entre essa decisão e os seus efeitos em relação às recorrentes em questão. No caso em apreço, nenhum Estado-Membro teve a intenção, antes da adopção da directiva, de proibir a utilização de descritores e ainda menos de expropriar marcas. Só o artigo 7.° é a causa da expropriação.

42 Segundo as recorrentes, para determinar se um acto é susceptível de ser impugnado, importa saber se ele é a «causa directa de um efeito» em relação ao recorrente. A este propósito, citam, nomeadamente, as conclusões do advogado-geral J.-P. Warner com vista ao acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1975, CAM/Comissão (100/74, Recueil, pp. 1393, 1406, Colect., pp. 471, 473). Não há, portanto, que demonstrar que o acto é susceptível de impor obrigações aos particulares.

43 As recorrentes contestam, a esse respeito, a interpretação que o Parlamento e o Conselho fazem do acórdão Salamander e o./Parlamento e Conselho, já referido. Em sua opinião, o elemento decisivo desse acórdão é o reconhecimento de que a disposição impugnada tinha uma «formulação muito genérica» e, por conseguinte, «a sua execução efectua[va]-se no âmbito do amplo poder de apreciação do Estado-Membro» (n.° 69 do acórdão). O referido acórdão não incidia portanto sobre a questão de saber se uma disposição de uma directiva, inequívoca e enunciadora de uma proibição, tal como o artigo 7.° , pode dizer directamente respeito a um particular.

44 Por fim, as recorrentes observam que a obrigação dos Estados-Membros de executar o artigo 7.° tem um carácter absoluto e que o resultado que eles devem alcançar é a proibição de utilizar certos termos nas embalagens dos produtos do tabaco.

Apreciação do Tribunal

45 Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a afectação directa exige que a medida comunitária em causa produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua implementação, já que esta é de carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias (v., neste sentido, designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1971, International Fruit Company e o./Comissão, 41/70 a 44/70, Colect., p. 131, n.os 23 a 29; de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colect., p. 407, n.os 25 e 26; de 26 de Abril de 1988, Apesco/Comissão, 207/86, Colect., p. 2151, n.° 12; de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C-152/88, Colect., p. I-2477, n.° 9, e de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C-386/96 P, Colect., p. I-2309, n.° 43).

46 Isto significa que, no caso de um acto comunitário ser dirigido a um Estado-Membro por uma instituição, se a acção que deve empreender o Estado-Membro na sequência desse acto tiver um carácter automático, ou se, de qualquer forma, o resultado não é duvidoso, então o acto diz directamente respeito a toda e qualquer pessoa que seja afectada por essa acção. Se, pelo contrário, o acto deixa ao Estado-Membro a possibilidade de agir ou não agir, é a acção ou a inacção do Estado-Membro que diz directamente respeito à pessoa afectada, e não o acto em si mesmo. Por outras palavras, o acto em questão não deve depender, para produzir os seus efeitos, do exercício de um poder discricionário por terceiro, a menos que seja evidente que tal poder só pode exercer-se num determinado sentido (v., neste sentido, as conclusões do advogado-geral J.-P. Warner com vista ao acórdão CAM/Comissão, já referidas, p. 1410, e as remissões que aí figuram, bem como as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs com vista ao acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C-358/89, Colect., pp. I-2501, 2507).

47 No caso em apreço, é evidente que o artigo 7.° não terá por consequência qualquer modificação da situação jurídica das recorrentes até à sua transposição para direito nacional de, pelo menos, um Estado-Membro ou até à extinção do prazo previsto para a sua transposição, isto é, 30 de Setembro de 2003. As recorrentes continuarão proprietárias e titulares da marca MILD SEVEN e continuarão a ter direito a fazer uso dela para a comercialização de cigarros na Comunidade. Segue-se que, no estado actual das coisas, a directiva, e, em particular, o seu artigo 7.° , não produziu o menor efeito em relação a elas.

48 As recorrentes sustentam, todavia, que o artigo 7.° faz já parte integrante do direito comunitário, de forma que lhes seria oponível a caducidade do direito por decurso do prazo, em aplicação do quinto parágrafo do artigo 230.° CE, se esperassem até 30 de Setembro de 2003 para interpor o seu recurso de anulação. Afirmam que a sua situação jurídica está já modificada, porquanto os Estados-Membros estão já sujeitos à obrigação de executar uma medida que terá por efeito expropriá-los dos seus direitos de propriedade intelectual.

49 Deve notar-se, a esse respeito, que, em conformidade com o disposto no artigo 249.° CE, uma directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. No que respeita ao artigo 7.° , o resultado a alcançar é assegurar, pela via de regras nacionais apropriadas, que, a partir de 30 de Setembro de 2003, não figurará nas embalagens dos produtos do tabaco qualquer texto, designação, marca e símbolo figurativo ou outros sinais que sugiram que um determinado produto do tabaco é menos prejudicial do que os outros. Tendo presentes os termos em que o objectivo em questão é enunciado no artigo 7.° , é evidente que nenhuma margem discricionária é deixada aos Estados-Membros quanto à possibilidade de agir ou não agir para alcançar esse resultado.

50 Todavia, mesmo que se deva supor que os Estados-Membros transporão o artigo 7.° para o seu direito nacional segundo os seus termos precisos, não resultará dessa circunstância uma modificação automática e imediata dos direitos existentes ou da situação jurídica das recorrentes.

51 Em primeiro lugar, o simples facto de o termo «mild» figurar entre os adjectivos mencionados a título de exemplo no considerando 27 da directiva não implica que os Estados-Membros sejam obrigados a proibir expressamente a utilização desse termo para executar o artigo 7.° a nível do seu direito nacional. Tal como o Parlamento e o Conselho indicaram com razão, a decisão de incluir ou de não incluir no direito nacional, a título de exemplo ou em relação com uma proibição específica, palavras ou sinais tais como os enunciados no considerando 27 da directiva ou palavras ou sinais equivalentes cabe, em conformidade com o disposto no artigo 249.° CE, na competência dos Estados-Membros quanto à forma e aos meios.

52 Não poderá, portanto, excluir-se que um Estado-Membro decida transpor o artigo 7.° para o seu direito nacional em conformidade com o seu texto actual, deixando, no entanto, aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes ou às outras autoridades encarregadas de fazer respeitar a regulamentação em causa o cuidado de decidir, caso a caso, se os termos que figuram numa embalagem particular caem no âmbito de aplicação da proibição.

53 Em segundo lugar, as próprias recorrentes não admitem que a palavra «mild», tal como figura na denominação MILD SEVEN, tenha a função de descritor. Elas sublinham que a palavra «mild» não é colocada após o nome da marca como é o caso, por exemplo, nas denominações «Marlboro lights» ou «Camel lights». Pelo menos, a questão de saber se, após a sua transposição para os direitos nacionais, o artigo 7.° terá por efeito proibir a utilização da marca MILD SEVEN pela simples razão de que a presença na embalagem da palavra «mild», qualquer que seja o seu contexto, indica necessariamente que o produto é menos prejudicial que os outros resta, portanto, por decidir.

54 De qualquer forma, esta questão não pode ser resolvida no quadro do presente recurso mas será da competência do tribunal nacional, quando a directiva tiver sido executada, com base na apreciação por esse tribunal das provas aduzidas e, tal sendo o caso, à luz de uma interpretação do artigo 7.° , pelo Tribunal de Justiça, no quadro do artigo 234.° CE.

55 Enquanto a questão de saber se a denominação MILD SEVEN é proibida pelo artigo 7.° não for definitivamente resolvida, nenhuma modificação dos direitos das recorrentes sobre a marca MILD SEVEN ou que diga respeito à comercialização dos seus produtos sob essa marca poderá ocorrer pelo simples facto da adopção desse artigo.

56 Daí resulta que o alegado efeito do artigo 7.° sobre a marca MILD SEVEN e sobre as operações comerciais das recorrentes não pode resultar da simples adopção da directiva, mas depende da intervenção subsequente de, pelo menos, uma ou outra das duas acções de terceiros, isto é: a opção, por um ou vários Estados-Membros, de incluir no seu direito nacional uma proibição explícita de usar termos do tipo dos enunciados no considerando 27 da directiva e, em particular, da palavra «mild», ou uma decisão de um órgão jurisdicional nacional que declare que a marca MILD SEVEN utilizada na embalagem dos produtos do tabaco comercializados pelas recorrentes tem, de facto, por consequência indicar que esses produtos são menos prejudiciais do que os outros.

57 O artigo 7.° não pode, portanto, dizer directamente respeito às recorrentes.

58 Segue-se que o recurso é inadmissível e, por isso, sem que seja necessário examinar a questão de saber se o artigo 7.° diz individualmente respeito às recorrentes, deve ser-lhe negado provimento.

59 Nestas circunstâncias, não há que conhecer dos pedidos de intervenção.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

60 Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená-las nas despesas, em conformidade com os pedidos do Parlamento e do Conselho.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1) O recurso é julgado inadmissível.

2) As recorrentes são condenadas nas despesas.

3) Não há que conhecer dos pedidos de intervenção.