Processos apensos T‑213/01 e T‑214/01
Österreichische Postsparkasse AG e Bank für Arbeit und Wirtschaft AG
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Recurso de anulação – Concorrência – Regulamento n.° 17 – Regulamento (CE) n.° 2842/98 – Decisão 2001/462/CE/CECA – Auditor – Acto que produz efeitos jurídicos – Admissibilidade – Interesse legítimo – Qualidade de requerente ou de denunciante – Cliente final adquirente dos bens ou dos serviços – Acesso às comunicações de acusações – Informações confidenciais – Interesse suficiente»
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) de 7 de Junho de 2006
Sumário do acórdão
1. Recurso de anulação – Interesse em agir
(Artigos 230.°, quarto parágrafo, CE e 233.° CE)
2. Recurso de anulação – Actos susceptíveis de recurso – Actos que produzem efeitos jurídicos obrigatórios
(Artigo 230.°, quarto parágrafo, CE)
3. Recurso de anulação – Actos susceptíveis de recurso
(Artigo 230.°, quarto parágrafo, CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 3.°, n.° 2, e n.° 2842/98, artigo 7.°; Decisão 2001/462 da Comissão, artigo 9.°, segundo parágrafo)
4. Concorrência – Procedimento administrativo – Reconhecimento da qualidade de denunciante
(Regulamentos do Conselho n.os 17 e 2842/98)
5. Concorrência – Procedimento administrativo – Exame das denúncias
(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 3.°, n.° 2)
6. Concorrência – Procedimento administrativo – Direitos dos denunciantes
(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 10.°, n.os 3 e 6, e n.° 2842/98, artigos 7.° e 8.°; Decisão 2001/462 da Comissão, artigo 12.°, n.° 4)
7. Concorrência – Procedimento administrativo – Direitos dos denunciantes
(Regulamento n.° 2842/98 do Conselho, artigo 7.°)
8. Concorrência – Procedimento administrativo – Acesso ao processo
(Comunicação 97/C 23/03 da Comissão)
1. Um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva só é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse em que o acto impugnado seja anulado. Esse interesse só existe se a anulação do acto for susceptível, por si própria, de ter consequências jurídicas.
A este respeito, segundo o artigo 233.° do Tratado CE, a instituição de que emane o acto anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão. Essas medidas não têm que ver com o desaparecimento do acto da ordem jurídica comunitária, uma vez que isso resulta da anulação decretada pelo juiz. Dizem antes respeito à eliminação dos efeitos produzidos pelo acto em questão e que são afectados pelas ilegalidades declaradas. A anulação de um acto que já foi executado é sempre susceptível de ter consequências jurídicas. Efectivamente, o acto pôde produzir efeitos jurídicos enquanto esteve em vigor, e esses efeitos não desapareceram necessariamente com a anulação do acto. Do mesmo modo, a anulação de um acto pode permitir evitar que a ilegalidade de que este padece se reproduza no futuro. Por estas razões, um acórdão de anulação é a base a partir da qual a instituição em questão pode ser levada a efectuar uma reposição adequada da situação do recorrente ou a evitar que seja adoptado um acto idêntico.
Daqui resulta que, no âmbito de um processo por infracção às regras de concorrência, o facto de uma comunicação de acusações ter sido transmitida a um terceiro denunciante depois da interposição de um recurso de anulação cujo objecto é contestar a legalidade da decisão com base na qual essa transmissão foi feita, não tem o efeito de deixar o referido recurso sem objecto. Com efeito, a eventual anulação da decisão controvertida é susceptível, por si só, de ter consequências jurídicas para a situação das empresas às quais o processo diga respeito, nomeadamente evitando a reiteração de tal prática por parte da Comissão e tornando ilegal a utilização da comunicação de acusações que tenha sido irregularmente transmitida ao referido terceiro.
(cf. n.os 53‑55)
2. As medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem actos susceptíveis de recurso de anulação, na acepção do artigo 230.° CE.
Em princípio, as medidas intermédias cujo objectivo é o de preparar a decisão final não constituem, por conseguinte, actos recorríveis. Todavia, os actos adoptados no decurso do procedimento preparatório que constituam, por si próprios, o termo último de um procedimento especial distinto daquele que virá a permitir à Comissão decidir quanto ao mérito e que produzam efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem igualmente actos recorríveis.
Assim, a decisão da Comissão que informe uma empresa posta em causa num processo de infracção de que as informações por ela transmitidas não estão abrangidas pelo tratamento confidencial garantido pelo direito comunitário, podendo, assim, ser comunicadas a um terceiro denunciante, produz efeitos jurídicos para a empresa em causa alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, na medida em que recusa o benefício de uma protecção prevista pelo direito comunitário e se reveste de carácter definitivo e independente da decisão final que declara a existência de uma infracção às regras de concorrência.
Além disso, a possibilidade de que dispõe a empresa de interpor recurso da decisão final que declara a existência de uma infracção às regras de concorrência não é susceptível de lhe proporcionar uma protecção adequada dos seus direitos nesta matéria. Por um lado, o procedimento administrativo pode não levar a uma decisão que conclua pela existência de uma infracção. Por outro, o recurso interposto dessa decisão, se ela tiver lugar, não faculta à empresa, de qualquer modo, um meio de evitar os efeitos irreversíveis que teria uma comunicação irregular de alguns dos seus documentos.
Tal decisão pode, portanto, ser objecto de recurso de anulação.
(cf. n.os 64‑66)
3. Uma decisão de um auditor, tomada ao abrigo do artigo 9.°, segundo parágrafo, da Decisão 2001/462, relativa às funções do auditor em determinados processos de concorrência, que autorize a comunicação a um terceiro denunciante, da versão não confidencial da comunicação de acusações relativa a uma empresa à qual diz respeito um processo de infracção às regras da concorrência, constitui a última fase de um processo especial distinto do processo geral de aplicação do artigo 81.° CE, que fixa definitivamente a posição da Comissão sobre a questão da comunicação da versão não confidencial da comunicação de acusações ao referido denunciante. Essa decisão implica necessariamente o reconhecimento prévio da qualidade de requerente titular de um interesse legítimo ao terceiro denunciante, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, uma vez que é dessa qualidade que decorre o direito deste terceiro à transmissão das comunicações de acusações, nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98, relativo às audições dos interessados directos em certos processos, nos termos dos artigos [81.° CE] e [82.° CE].
Daí resulta que a empresa à qual o processo diga respeito pode impugnar nos seus recursos tanto a decisão do auditor de transmitir ao terceiro denunciante a versão não confidencial da comunicação de acusações como o elemento indispensável que está na base dessa decisão, ou seja, o reconhecimento pela Comissão do interesse legítimo do referido terceiro, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Se assim não fosse, a referida empresa não poderia impedir que as acusações que lhe foram feitas pela Comissão fossem levadas ao conhecimento de um terceiro que tivesse apresentado um requerimento ou feito uma denúncia e que não fosse titular do interesse legítimo exigido pela regulamentação comunitária, ou – no caso de essa transmissão já ter ocorrido – de pedir que fosse declarada ilegal a utilização pelo referido terceiro das informações em causa.
(cf. n.os 71‑72, 78)
4. Os Regulamentos n.° 17 e n.° 2842/98, relativo às audições dos interessados directos em certos processos, nos termos dos artigos [81.° CE] e [82.° CE], não impõem, para efeitos do reconhecimento da qualidade de requerente ou de denunciante, que o requerimento ou a denúncia em causa tenham estado na origem da abertura do processo de infracção pela Comissão, nomeadamente da fase do inquérito preliminar levado a cabo por esta última. As pessoas singulares ou colectivas que invoquem um interesse legítimo em que a Comissão declare a existência de uma infracção às normas da concorrência podem, assim, apresentar um requerimento ou uma denúncia para esse efeito mesmo depois de aberta, oficiosamente ou a requerimento de outrem, a fase do inquérito preliminar do processo de infracção. Se assim não fosse, pessoas detentoras desse interesse legítimo ver‑se‑iam impedidas de exercer no decurso do processo os direitos processuais inerentes à qualidade de demandante ou de denunciante.
Os referidos regulamentos estabeleceram uma graduação, consoante a intensidade da lesão dos seus interesses, na participação num processo de infracção de pessoas singulares ou colectivas diferentes das empresas contra as quais a Comissão formulou acusações. Esses regulamentos distinguem, nesta matéria, entre, em primeiro lugar, o «requerente ou denunciante que demonstre um interesse legítimo», a quem a Comissão envia uma cópia da versão não confidencial das acusações quando formula acusações relativas a uma questão cuja apreciação lhe foi submetida pelo requerimento ou pela denúncia em causa (artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 17 e artigos 6.° a 8.° do Regulamento n.° 2842/98); em segundo lugar, os «terceiros que invoquem um interesse relevante», que, se pedirem para ser ouvidos, têm direito a que a Comissão os informe por escrito da natureza e do objecto do processo, bem como a expressar o seu ponto de vista por escrito (artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e artigo 9.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 2842/98); em terceiro lugar, os «outros terceiros», a quem a Comissão pode dar a oportunidade de expressar oralmente o seu ponto de vista (artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2842/98).
Qualquer demandante ou denunciante que tenha invocado um interesse legítimo tem, portanto, o direito de receber uma versão não confidencial da comunicação de acusações. Relativamente aos terceiros que justifiquem um interesse suficiente, não se pode excluir que a Comissão, se as circunstâncias do caso concreto o justificarem, possa, sem que no entanto seja obrigada a fazê‑lo, transmitir‑lhes uma versão não confidencial da comunicação de acusações, para que esses terceiros possam fazer‑lhe chegar utilmente as suas observações sobre as alegadas infracções que constituem o objecto do processo em causa. Para além destes dois casos, não está previsto, no âmbito dos Regulamentos n.° 17 e n.° 2842/98, que a Comissão transmita a comunicação de acusações a pessoas singulares ou colectivas diferentes das empresas contra as quais as acusações foram formuladas.
(cf. n.os 91, 106‑108)
5. Um cliente final adquirente de bens ou de serviços pode preencher a condição relativa ao interesse legítimo na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. Com efeito, um cliente final que demonstre que os seus interesses económicos foram ou podem vir a ser lesados devido à restrição da concorrência em causa tem um interesse legítimo na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 para apresentar um requerimento ou uma denúncia destinados a que a Comissão declare a existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE.
O reconhecimento da qualidade de requerente ou de denunciante de um cliente final depende, portanto, da possibilidade de este sofrer um prejuízo económico devido às práticas em causa, e não da sua participação em cada um dos mercados de produtos objecto do inquérito da Comissão.
A este respeito, as normas que se destinam a garantir que a concorrência não seja falseada no mercado interno têm por finalidade última aumentar o bem‑estar do consumidor. Em particular, essa finalidade resulta dos termos do artigo 81.° CE. Com efeito, embora a proibição estabelecida no n.° 1 dessa disposição possa ser declarada inaplicável a acordos que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos em causa ou a promover o progresso técnico ou económico, essa possibilidade, prevista no artigo 81.°, n.° 3, CE, depende, nomeadamente, da condição de que uma parte equitativa do lucro daí resultante seja reservada aos utilizadores dos referidos produtos. O direito e a política da concorrência têm, assim, um impacto inegável nos interesses económicos concretos de clientes finais adquirentes de bens ou de serviços. Ora, o reconhecimento a esses clientes – que aleguem que sofreram um prejuízo económico devido a um contrato ou a uma actuação susceptível de restringir ou falsear a concorrência – de um interesse legítimo em que a Comissão declare a existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE contribui para a concretização dos objectivos do direito da concorrência.
Esta apreciação não equivale a esvaziar o conceito de interesse legítimo da sua substância, dando‑lhe um sentido excessivamente amplo, nem abre o caminho para uma suposta «acção popular». Com efeito, admitir que um consumidor em condições de demonstrar uma lesão aos seus interesses económicos resultante de um acordo que denuncia possa, a esse título, ter um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, não equivale a considerar que todas as pessoas singulares ou colectivas são titulares de tal interesse.
Do mesmo modo, as objecções relativas à multiplicação das denúncias e das dificuldades dos procedimentos administrativos que decorreriam do reconhecimento da qualidade de requerente ou de denunciante a clientes finais não podem ser validamente invocadas para limitar o reconhecimento de um interesse legítimo a um cliente final que demonstre ter sido economicamente lesado pela prática anticoncorrencial que denunciou.
Uma vez que o terceiro requerente ou denunciante deve invocar a existência de um interesse legítimo da sua parte em que seja declarada a existência de uma infracção às disposições do artigo 81.° CE ou do artigo 82.° CE, a Comissão está, por conseguinte, sujeita a uma obrigação de verificação do preenchimento desse requisito pelo terceiro.
Por último, quando o requerente demonstre um interesse legítimo válido, a Comissão não pode ser obrigada a verificar a possível existência de outras motivações por parte desse requerente.
(cf. n.os 114‑118, 124, 131)
6. Os Regulamentos n.° 17 e n.° 2842/98, relativo às audições dos interessados directos em certos processos, nos termos dos artigos [81.° CE] e [82.° CE], não prevêem um prazo específico para um terceiro requerente ou denunciante que justifique um interesse legítimo exercer o seu direito de receber as acusações e a ser ouvido no âmbito de um processo de infracção. Além disso, a Decisão 2001/462, relativa às funções do auditor em determinados processos de concorrência, permite ouvir o requerente ou o denunciante em qualquer fase do processo, referindo expressamente, no artigo 12.°, n.° 4, que, tendo em conta a necessidade de assegurar a observância do direito de ser ouvido, o auditor pode «dar às pessoas, associações de pessoas, empresas ou associações de empresas a oportunidade de apresentarem outras observações por escrito após a audição oral». Por conseguinte, o direito de um requerente ou de um denunciante à transmissão das acusações e a ser ouvido no âmbito do procedimento administrativo de declaração da existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE pode ser exercido até ao encerramento do processo.
Além disso, o artigo 10.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 dispõe que o Comité Consultivo em matéria de Acordos e Posições Dominantes é consultado antes de ser tomada qualquer decisão consecutiva a um processo de declaração da existência de infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Ora, tal consulta constitui a última fase do processo antes da adopção da decisão. Assim, enquanto o Comité Consultivo em matéria de Acordos e Posições Dominantes não tiver dado o parecer previsto no artigo 10.°, n.° 6, do Regulamento n.° 17 sobre o anteprojecto de decisão transmitido pela Comissão, o direito do requerente ou do denunciante de receber as acusações e de ser ouvido não se pode considerar precludido. Com efeito, enquanto o Comité Consultivo não tiver dado o seu parecer, nada impede que a Comissão possa examinar as observações dos terceiros partes no processo e possa ainda alterar, à luz dessas observações, a sua posição.
(cf. n.os 148‑149)
7. A Comissão não é obrigada a limitar, com base em simples suspeitas relativas a uma eventual utilização abusiva das acusações, o direito à transmissão das comunicações de acusações previsto no artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98, relativo às audições dos interessados directos em certos processos, nos termos dos artigos [81.° CE] e [82.° CE], a favor de um terceiro requerente que demonstre validamente um interesse legítimo.
(cf. n.° 189)
8. A comunicação da Comissão relativa às regras de procedimento interno para o tratamento dos pedidos de consulta do processo nos casos de aplicação dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CE, dos artigos 65.° e 66.° do Tratado CECA e do Regulamento n.° 4064/89 do Conselho não consagra um direito absoluto à confidencialidade dos documentos que fazem parte do património de uma empresa e em relação aos quais esta pede a não divulgação a terceiros.
(cf. n.° 213)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)
7 de Junho de 2006 (*)
«Recurso de anulação – Concorrência – Regulamento n.° 17 – Regulamento (CE) n.° 2842/98 – Decisão 2001/462/CE/CECA – Auditor – Acto que produz efeitos jurídicos – Admissibilidade – Interesse legítimo – Qualidade de requerente ou de denunciante – Cliente final adquirente dos bens ou dos serviços – Acesso às comunicações de acusações – Informações confidenciais – Interesse suficiente»
Nos processos apensos T‑213/01 e T‑214/01,
Österreichische Postsparkasse AG, com sede em Viena (Áustria), representada inicialmente por M. Klusmann, F. Wiemer e A. Reidlinger, e em seguida por H.‑J. Niemeyer, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
Bank für Arbeit und Wirtschaft AG, com sede em Viena, representada por H.‑J. Niemeyer, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrentes,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por S. Rating, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrida,
que tem por objecto a anulação das decisões do auditor de 9 de Agosto de 2001 e de 25 de Julho de 2001, respectivamente, de transmitir a um partido político austríaco (o Freiheitliche Partei Österreichs) as versões não confidenciais das comunicações de acusações respeitantes a um processo de aplicação do artigo 81.° CE relativo à fixação das taxas bancárias (COMP/36.571 – Bancos austríacos),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),
composto por: P. Lindh, presidente, R. García‑Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,
secretário: I. Natsinas, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 21 de Outubro de 2004,
profere o presente
Acórdão
Quadro jurídico
Regulamento n.° 17
1 O artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962: Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), dispõe:
«1. Se a Comissão verificar, a pedido ou oficiosamente, uma infracção ao disposto no artigo [81.°] ou no artigo [82.°] do Tratado, pode, através de decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a pôr termo a essa infracção.
2. Podem apresentar um pedido para este efeito:
[…]
b) As pessoas singulares ou colectivas que invoquem um interesse legítimo.»
2 O artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 dispõe que «[se outras pessoas singulares ou colectivas], invocando um interesse relevante, pedirem para ser ouvidas, o seu pedido deve ser satisfeito».
3 O artigo 20.° do Regulamento n.° 17, relativo ao segredo profissional, dispõe, no n.° 1, que as informações obtidas nos termos de diversas disposições desse regulamento «só podem ser utilizadas para os fins para que tenham sido pedidas» e, no n.° 2, que «sem prejuízo no disposto nos artigos 19.° e 21.°, a Comissão e as autoridades competentes dos Estados‑Membros, bem como os seus funcionários e outros agentes, são obrigados a não divulgar as informações obtidas nos termos do presente regulamento e que, pela sua natureza, estejam abrangid[a]s pelo segredo profissional».
Regulamento n.° 2842/98
4 Em 22 de Dezembro de 1998, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2842/98, relativo às audições dos interessados directos em certos processos, nos termos dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CE (JO L 354, p. 18), que substituiu o Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62). Para efeitos da participação num processo de infracção de sujeitos diferentes daqueles que a Comissão acusou, o Regulamento n.° 2842/98 distingue entre, por um lado, os «requerentes» ou «denunciantes», por outro, os «terceiros com um interesse legítimo» e, por último, os «outros terceiros».
5 No que diz respeito aos requerentes ou denunciantes, os artigos 6.°, 7.° e 8.° do Regulamento n.° 2842/98 prevêem:
«Artigo 6.°
No caso de a Comissão receber um pedido nos termos do n.° 2 do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 […] e considerar que, face aos elementos ao seu dispor, não se justifica dar seguimento ao pedido ou agir com base na denúncia, informará o requerente ou o autor da denúncia dos respectivos motivos e fixará uma data até à qual o requerente ou o autor da denúncia pode apresentar, por escrito, eventuais observações.
Artigo 7.°
No caso de a Comissão formular objecções sobre uma questão relativamente à qual tiver recebido um requerimento ou denúncia nos termos do artigo 6.°, deve fornecer ao requerente ou ao autor da denúncia uma cópia da versão não confidencial das acusações e fixar uma data até à qual o requerente ou o autor da denúncia pode apresentar as suas observações por escrito.
Artigo 8.°
Aos requerentes e aos denunciantes, a Comissão dará a oportunidade de exprimirem oralmente os respectivos pontos de vista, no caso de demonstrarem um interesse legítimo em fazê‑lo e assim o requererem nas suas observações escritas.»
6 O artigo 9.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 2842/98, esclarece:
«1. Se outros interessados que não os referidos nos capítulos II [destinatários das acusações da Comissão] e III [requerentes e autores de uma denúncia] solicitarem ser ouvidos e demonstrarem um interesse legítimo, a Comissão informá‑los‑á por escrito da natureza e do objecto do processo, fixando‑lhes uma data para se pronunciarem por escrito.
2. A Comissão convidará os interessados referidos no n.° 1 a desenvolverem os seus argumentos na audição oral dos interessados contra os quais tiverem sido formuladas objecções, se houverem demonstrado um interesse legítimo e assim o houverem requerido nas observações escritas.»
7 Por último, o artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2842/98, dispõe que a Comissão pode igualmente dar «a quaisquer outros terceiros interessados» a possibilidade de se pronunciarem oralmente.
8 Relativamente à confidencialidade das informações obtidas no âmbito do procedimento de infracção, o artigo 13.°, n.° 1, desse regulamento, dispõe que não serão comunicadas informações quando contenham segredos comerciais de qualquer interessado ou outras informações confidenciais, e que a Comissão tomará as medidas adequadas em matéria de consulta do processo para garantir que essas informações não sejam divulgadas.
Decisão 2001/462
9 Em 23 de Maio de 2001, a Comissão adoptou a Decisão 2001/462/CE, CECA, relativa às funções do auditor em determinados processos de concorrência (JO L 162, p. 21), que revogou a Decisão n.° 94/810/CECA, CE da Comissão, de 12 de Dezembro de 1994, relativa ao mandato dos conselheiros auditores no âmbito dos processos de concorrência que correm perante a Comissão (JO L 330, p. 67, a seguir «Decisão 94/810»).
10 O artigo 1.° da Decisão 2001/462 esclarece que o auditor deve «assegura[r] o respeito do exercício efectivo do direito de audição nos processos de concorrência perante a Comissão, nos termos dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE]».
11 Além disso, o artigo 9.°, primeiro e segundo parágrafos, da Decisão 2001/462, que substituiu o artigo 5.°, n.os 3 e 4, da Decisão 94/810, cujos termos eram praticamente idênticos, dispõe:
«Quando houver intenção de divulgar uma informação susceptível de constituir um segredo comercial de uma empresa, deve ser‑lhe comunicada por escrito tal intenção e as respectivas razões. Ser‑lhe‑á fixado um prazo para apresentar por escrito eventuais observações.
Quando a empresa em causa levantar objecções à divulgação da informação mas se considerar que a referida informação não é protegida, podendo por conseguinte ser divulgada, tal será indicado em decisão fundamentada, que será notificada à empresa interessada. A decisão indicará a data a partir da qual a informação será divulgada. Este prazo não será inferior a uma semana a contar da data da notificação.»
Factos na origem dos recursos
Antecedentes do litígio
12 As recorrentes, a Österreichische Postsparkasse AG (processo T‑213/01) e a Bank für Arbeit und Wirtschaft AG (a seguir «BAWAG», processo T‑214/01), são instituições de crédito austríacas.
13 Em 6 de Maio de 1997, a Comissão teve conhecimento de um documento intitulado «Lombard 8.5» e, à luz desse documento, instaurou oficiosamente um processo de infracção ao artigo 81.° CE contra as recorrentes e sete outros bancos austríacos, em conformidade com o disposto no n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 17.
14 Por carta de 24 de Junho de 1997, um partido político austríaco, o Freiheitliche Partei Österreichs (a seguir «FPÖ»), transmitiu à Comissão o documento «Lombard 8.5» e solicitou a abertura de um processo de infracção contra oito bancos austríacos – entre os quais figura a recorrente no processo T‑214/01 mas não a recorrente no processo T‑213/01 – para que fosse declarada a existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Fundamentou o seu pedido no facto de, na sua qualidade de partido político, ter por missão vigiar o livre acesso ao mercado comum e a realização de uma concorrência sem restrições.
15 Por ofício de 26 de Fevereiro de 1998, a Comissão informou o FPÖ, em conformidade com o disposto no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 (que passou a artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98), da sua intenção de indeferir o seu pedido. A Comissão referiu que só as pessoas ou as associações de pessoas que tenham um interesse legítimo, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, estão habilitadas a apresentar um pedido e que, para isso, é necessário que o requerente «[seja prejudicado] ou seja susceptível de ser prejudicado, enquanto operador económico, pela restrição da concorrência». Um interesse geral relativo à protecção da ordem jurídica não é suficiente para constituir um interesse legítimo nesta matéria.
16 O FPÖ respondeu, por carta de 2 de Junho de 1998, que participava, na sua qualidade de partido político e através dos seus numerosos membros, na vida económica, e que efectuava quotidianamente inúmeras operações bancárias, tendo, por conseguinte, sofrido um prejuízo económico devido às práticas denunciadas. Teria, portanto, um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Por essas razões, pediu de novo para participar no processo de infracção e para ter, assim, conhecimento das acusações.
17 Em Junho de 1998, a Comissão realizou inspecções em várias instituições de crédito austríacas, entre as quais as recorrentes.
18 Em 16 de Dezembro de 1998, os bancos visados pelo processo COMP/36.571 transmitiram à Comissão uma exposição comum dos factos, acompanhada de 40 000 páginas de documentos. Numa nota preliminar, pediam à Comissão que reservasse tratamento confidencial a essa exposição, solicitando à «Comissão, nos termos do artigo 20.° do Regulamento n.° 17/62, a sua não revelação a terceiros».
19 Por ofícios de 13 de Setembro de 1999, a Comissão transmitiu às recorrentes a comunicação de acusações, de 10 de Setembro de 1999, em que lhes imputava a celebração de acordos anticoncorrenciais com outros bancos austríacos relativamente aos encargos e às condições aplicáveis à clientela – particulares e empresas – e de terem, por isso, infringido o artigo 81.° CE.
20 No início de Outubro de 1999, a Comissão informou oralmente as recorrentes da sua intenção de transmitir a comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 ao FPÖ, nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98.
21 Por cartas de 6 e 12 de Outubro de 1999, as recorrentes dirigiram‑se à Comissão, opondo‑se a essa transmissão. Alegaram que o FPÖ não tinha um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e não podia, consequentemente, ser qualificado de requerente na acepção dessa disposição. Além disso, expuseram os seus receios de o FPÖ explorar as acusações para fins de natureza política.
22 Por ofícios de 5 de Novembro de 1999, os serviços da Direcção‑Geral (DG) «Concorrência» responderam às recorrentes, referindo que o FPÖ era cliente de serviços bancários e que, consequentemente, decorria do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98 a obrigação de lhe transmitir uma versão não confidencial das acusações. Esses ofícios transmitiam às recorrentes uma lista das passagens da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 que não deviam ser divulgadas, que previa a ocultação de certos nomes e lugares de pessoas singulares e a sua substituição por uma descrição genérica das suas funções (a seguir «lista 1»). Além disso, esses ofícios referiam que o anexo A da comunicação de acusações, que continha a lista dos documentos juntos, e não os documentos propriamente ditos, devia ser transmitida. De acordo com esses ofícios, em caso de desacordo, as recorrentes poder‑se‑iam dirigir ao auditor.
23 Por cartas de 17 de Novembro de 1999 e 18 de Novembro de 1999, as recorrentes dirigiram‑se ao auditor para protestar novamente contra a anunciada transmissão da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 ao FPÖ. A título subsidiário, as recorrentes referiram que deviam ser suprimidas da comunicação de acusações a transmitir todas as indicações relativas à identidade das empresas em causa. A recorrente no processo T‑213/01 também pediu a ocultação de todas as informações sobre os juros, os encargos e as condições comerciais aplicadas pelos bancos.
24 Em 18 e 19 de Janeiro de 2000, realizou‑se uma audição acerca dos comportamentos imputados na comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999. O FPÖ não participou nessa audição.
25 Por ofícios de 21 de Novembro de 2000, a Comissão notificou uma comunicação de acusações complementar às recorrentes, imputando‑lhes o facto de terem celebrado acordos anti‑concorrenciais com outros bancos austríacos relativamente aos encargos bancários aplicáveis à troca entre divisas e euros.
26 Em 27 de Fevereiro de 2001, realizou‑se uma segunda audição, a que o FPÖ também não assistiu.
27 Por carta de 13 de Março de 2001, o FPÖ reiterou o seu pedido, alegando que a Comissão lhe tinha anunciado, por ofícios de 5 de Outubro de 1999 e de 16 de Março de 2000, a transmissão das versões não confidenciais das acusações, mas que essa transmissão nunca tinha ocorrido. O FPÖ referia igualmente não ter sido informado das audições e, por conseguinte, ter sido excluído das fases essenciais do procedimento, o que violava o seu direito de audiência e de participação no processo. O FPÖ, consequentemente, reiterou o seu pedido de transmissão das comunicações de acusações, bem como das observações dos bancos em causa sobre essas comunicações e, além disso, solicitou que lhe fosse permitido formular observações e participar numa audição complementar.
28 Por ofícios de 27 de Março de 2001, o auditor deu conhecimento às recorrentes de que o FPÖ tinha reiterado o seu pedido de transmissão das comunicações de acusações e de que tinha a intenção de deferir esse pedido. No que diz respeito às informações confidenciais a suprimir da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999, o auditor juntou a lista 1 e, além disso, indeferiu os pedidos das recorrentes, formulados nas suas cartas de 17 e de 18 de Novembro de 1999, relativas à ocultação da identidade dos bancos. O auditor também indeferiu o pedido da recorrente no processo T‑213/01 respeitante à supressão de outros dados. Relativamente à comunicação suplementar de 21 de Novembro de 2000, sobre a qual as recorrentes ainda não se tinham pronunciado, o auditor transmitiu uma lista de passagens (a seguir «lista 2») que previa a ocultação de determinados nomes e lugares de pessoas singulares e a sua substituição por uma descrição das suas funções. Informou as recorrentes da possibilidade de apresentarem observações a esse respeito.
29 Por carta de 18 de Abril de 2001, a recorrente no processo T‑214/01 opôs‑se de novo à transmissão das comunicações de acusações ao FPÖ e solicitou à Comissão que esclarecesse as razões pelas quais se considerava subitamente obrigada a deferir o pedido deste último. De igual modo, por carta de 24 de Abril de 2001, a recorrente no processo T‑213/01 reiterou a sua oposição a essa transmissão e, subsidiariamente, afirmou que, se existisse uma obrigação de transmitir as acusações, a comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 deveria ser totalmente anónima. Em contrapartida, referiu que a comunicação de acusações de 21 de Novembro de 2000 não continha segredos comerciais e outras informações confidenciais para além dos que o auditor havia proposto ocultar na lista 2.
30 Por ofícios de 5 de Junho de 2001, o auditor confirmou a obrigação de transmitir as acusações ao FPÖ. Relativamente às informações confidenciais a proteger, o auditor chamou a atenção da recorrente no processo T‑214/01 para o facto de esta não ter feito, na sua correspondência precedente, nenhuma observação respeitante às informações constantes das listas 1 e 2 e que, consequentemente, deduzia que não levantava nenhuma objecção legal decisiva à transmissão ao FPÖ das versões não confidenciais das acusações. Quanto à recorrente no processo T‑213/01, comunicou‑lhe que deduzia da sua última carta que esta concordava com o conteúdo das listas 1 e 2, sem prejuízo da questão do anonimato da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999. O auditor convidou‑a, além disso, a apresentar observações e informou‑a de que, em caso de recusa, seria adoptada uma decisão nos termos do artigo 5.°, n.° 4, da Decisão 94/810 (que passou a artigo 9.°, segundo parágrafo, da Decisão 2001/462).
31 Por carta de 25 de Junho de 2001, a recorrente no processo T‑214/01 solicitou de novo ao auditor que não procedesse a essa transmissão e solicitou‑lhe que a informasse do andamento do processo.
32 Por carta de 25 de Junho de 2001, a recorrente no processo T‑213/01 pediu à Comissão que clarificasse o estado do processo, solicitando‑lhe, designadamente, que tomasse uma decisão susceptível de ser objecto de recurso.
Decisão impugnada no processo T‑214/01
33 Por ofício de 25 de Julho de 2001, o auditor adoptou a decisão que, relativamente à recorrente no processo T‑214/01, encerrou o processo relativo à transmissão ao FPÖ das comunicações de acusações de 10 de Setembro de 1999 e de 21 de Novembro de 2000 (a seguir «decisão impugnada no processo T‑214/01»). Esse ofício tem a seguinte redacção:
«Na sequência da carta de V. Ex.as [de 25 de Junho de 2001], examinei novamente o processo e os seus possíveis efeitos jurídicos. Resumo o resultado dessa análise do seguinte modo:
1. Mantenho a minha tese anterior o que diz respeito ao direito de o FPÖ apresentar um pedido. Essa questão já foi definitivamente decidida por K. Van Miert e M. Monti em 1999. Não se me afigura que a sua decisão – que é uma medida de organização do processo – possa ser objecto de um recurso independente, sendo quando muito impugnável no âmbito de uma acção intentada contra a decisão da Comissão que encerrará o processo principal.
2. A Decisão 2001/462 […] não permite optar por uma solução em contrário. O artigo 9.° dessa decisão dá ao auditor o poder de decidir, em nome da Comissão, se certas informações contidas nas peças do processo constituem segredos comerciais e são, consequentemente, protegidas contra uma divulgação. Em contrapartida, o auditor não é competente para decidir a questão de saber se uma pessoa singular ou colectiva, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, está habilitada a apresentar um pedido destinado a pôr fim a infracções. Essa competência também não pode basear‑se numa aplicação analógica do artigo 9.° da Decisão 2001/462 […]
Tendo em conta as considerações precedentes, lamento ter que indeferir, por inadmissível, o pedido apresentado por V. Ex.as em nome da BAWAG no sentido de que as acusações e as acusações complementares não sejam transmitidas ao FPÖ.
Peço que V. Ex.as me informem, no prazo de uma semana a contar da recepção do presente ofício, se pretendem interpor recurso neste processo e apresentar um pedido de medidas provisórias. Os mencionados documentos não serão transmitidos ao FPÖ, em caso algum, antes do termo desse prazo de uma semana.
[…].»
Decisão impugnada no processo T‑213/01
34 Por ofício de 9 de Agosto de 2001, o auditor adoptou a decisão que, relativamente à recorrente no processo T‑213/01, encerrou o processo relativo à transmissão ao FPÖ das comunicações de acusações de 10 de Setembro de 1999 e de 21 de Novembro de 2000 (a seguir «decisão impugnada no processo T‑213/01»). Essa decisão refere: «Após novo exame dos factos e das questões de direito, decidimos resolver as questões em que a mandante de V. Ex.as e a Comissão estão em desacordo no mesmo sentido que na nossa carta de 5 de [Junho] de 2001.»
35 Em primeiro lugar, o auditor referiu que é o membro da Comissão responsável pela concorrência que decide sobre a qualidade de requerente de um terceiro na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. A decisão favorável ao FPÖ já foi tomada no ano de 1999 por K. Van Miert e confirmada em seguida por M. Monti, razão pela qual não há que submeter de novo a questão, uma vez que não há novos elementos de facto (n.° 1 da decisão impugnada). Além disso, o reconhecimento da qualidade de requerente do FPÖ constitui um acto processual que não pode ser objecto de recurso independente, só podendo ser formuladas objecções contra essa acto no âmbito de um recurso da decisão da Comissão que ponha termo ao processo (n.° 2 da decisão).
36 Em segundo lugar, o auditor observou que o reconhecimento da qualidade de requerente na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 envolve a obrigação de lhe transmitir uma versão não confidencial das acusações, nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98. O facto de o processo ter sido aberto oficiosamente ou na sequência de um requerimento apresentado ao abrigo do referido artigo 3.° não tem nenhuma importância para esse efeito (n.° 2 da decisão).
37 Em terceiro lugar, o auditor pronunciou‑se sobre as informações a retirar das comunicações de acusações de 10 de Setembro de 1999 e de 21 de Novembro de 2000, de modo a atender aos segredos comerciais e às outras informações confidenciais (n.° 4 da decisão). Assim, decidiu ocultar todos os dados e informações constantes das listas 1 e 2 relativamente às quais a recorrente no processo T‑213/01 tinha dado o seu assentimento na sua última carta. Em contrapartida, o auditor considerou que a identidade desta última não constituía um segredo comercial nem uma informação confidencial susceptível de protecção [n.° 4, alínea a), da decisão]. Do mesmo modo, quanto às informações relativas à sua política comercial contidas na comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999, o auditor referiu que não era necessário ocultar essas informações, uma vez que eram dados numéricos já com vários anos [n.° 4, alínea b), da decisão].
38 O auditor concluiu «que há que transmitir ao FPÖ, com vista a uma tomada de posição no processo em curso COMP/36.571 – Bancos austríacos, a versão actual adaptada da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999, bem como da comunicação complementar de acusações de 21 de Novembro de 2000», e que «essa decisão é tomada com base no disposto no n.° 2 do artigo 9.° da Decisão 2001/462/CE». Por último, o auditor solicitou à recorrente que lhe comunicasse, no prazo de uma semana após a notificação da sua decisão, se tinha intenção de interpor recurso da mesma e de requerer uma medida provisória contra a respectiva execução, esclarecendo que a Comissão não transmitiria ao FPÖ as comunicações de acusações antes do termo desse prazo.
Tramitação do processo e pedidos das partes
39 Por petições iniciais apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Setembro de 2001, as recorrentes interpuseram o presente recurso de anulação das decisões impugnadas.
40 No mesmo dia, as recorrentes apresentaram um requerimento separado de medidas provisórias na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância pedindo, a título principal, a suspensão da execução das decisões impugnadas e, a título subsidiário, que fosse ordenado à Comissão que não transmitisse ao FPÖ as comunicações de acusações de 10 de Setembro de 1999 e de 21 de Novembro de 2000, no processo COMP/36.571.
41 Por despacho de 14 de Dezembro de 2001, o presidente da Quinta Secção ordenou, depois de ouvidas as partes, a apensação dos processos T‑213/01 e T‑214/01.
42 Por despachos de 20 de Dezembro de 2001, Österreichische Postsparkasse/Comissão (T‑213/01 R, Colect., p. II‑3967), e Bank für Arbeit und Wirtschaft/Comissão (T‑214/01 R, Colect., p. II‑3993), o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu os pedidos de medidas provisórias das recorrentes, considerando que não se encontravam preenchidos os requisitos relativos à urgência e que a ponderação de interesses não pendia para o lado da suspensão da execução das decisões impugnadas, e remeteu para final a decisão quanto às despesas.
43 Em Janeiro de 2002, a Comissão transmitiu ao FPÖ as versões das comunicações de acusações consideradas não confidenciais.
44 Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Fevereiro de 2002, a recorrente no processo T‑214/01 apresentou observações no processo principal que continham factos novos de que tinha tomado conhecimento depois da apresentação da sua réplica. Por escrito apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Fevereiro de 2002, a recorrente no processo T‑213/01 subscreveu inteiramente essas observações. Em 15 de Março de 2002, a Comissão apresentou observações sobre essas peças processuais.
45 Em 30 de Março de 2004 e 16 de Julho de 2004, o Tribunal de Primeira Instância, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou a Comissão a apresentar determinados documentos e a responder a questões escritas. A Comissão deu cumprimento a esses pedidos no prazo fixado.
46 Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.
47 Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 21 de Outubro de 2004.
48 A recorrente no processo T‑213/01 conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– anular a decisão do auditor de 9 de Agosto de 2001;
– condenar a Comissão nas despesas.
49 A recorrente no processo T‑214/01 conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– anular a decisão do auditor de 25 de Julho de 2001;
– condenar a Comissão nas despesas.
50 Em ambos os processos, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– julgar os recursos inadmissíveis e, de qualquer forma, improcedentes;
– condenar as recorrentes nas despesas.
Quanto à admissibilidade
51 A Comissão invoca três fundamentos de inadmissibilidade, relativos, em primeiro lugar, à falta de objecto da lide devido à transmissão efectiva das acusações ao FPÖ, em segundo lugar, à inexistência de efeitos jurídicos do acto impugnado sobre os interesses das recorrentes e, em terceiro lugar, à extemporaneidade dos recursos.
Quanto ao fundamento relativo à falta de objecto da lide na sequência da transmissão efectiva das comunicações de acusações ao FPÖ
52 A Comissão alega que os recursos têm apenas por objecto impedir que seja transmitida ao FPÖ uma versão, seja ela qual for, das comunicações de acusações e, a título subsidiário, as versões não confidenciais elaboradas pelo auditor. Ora, as comunicações de acusações foram transmitidas ao FPÖ em Janeiro de 2002. Consequentemente, os recursos ficaram sem objecto devido a essa transmissão, nos termos do artigo 113.° do Regulamento de Processo.
53 O Tribunal de Primeira Instância recordou que um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva só é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse em que o acto impugnado seja anulado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1994, Scottish Football/Comissão, T‑46/92, Colect., p. II‑1039, n.° 14). Esse interesse só existe se a anulação do acto for susceptível, por si própria, de ter consequências jurídicas (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, AKZO/Comissão, 53/85, Colect., p. 1965, a seguir «acórdão Akzo», n.° 21).
54 A este respeito, deve sublinhar‑se que, segundo o artigo 233.° do Tratado CE, a instituição de que emane o acto anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão. Essas medidas não têm que ver com o desaparecimento do acto da ordem jurídica comunitária, uma vez que isso resulta da anulação decretada pelo juiz. Dizem antes respeito à eliminação dos efeitos produzidos pelo acto em questão e que são afectados pelas ilegalidades declaradas. A anulação de um acto que já foi executado é sempre susceptível de ter consequências jurídicas. Efectivamente, o acto pôde produzir efeitos jurídicos enquanto esteve em vigor, e esses efeitos não desapareceram necessariamente com a anulação do acto. Do mesmo modo, a anulação de um acto pode permitir evitar que a ilegalidade de que este padece se reproduza no futuro. Por estas razões, um acórdão de anulação é a base a partir da qual a instituição em questão pode ser levada a efectuar uma reposição adequada da situação do recorrente ou a evitar que seja adoptado um acto idêntico (acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colect., p. I‑409, n.° 32; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.° 41).
55 No caso em apreço, o facto de as comunicações de acusações terem sido transmitidas ao FPÖ depois da interposição dos recursos, cujo objecto é contestar a legalidade das decisões com base nas quais essa transmissão foi feita, não tem o efeito de deixar os referidos recursos sem objecto. Com efeito, a eventual anulação das decisões impugnadas é susceptível, por si só, de ter consequências jurídicas para a situação das recorrentes, nomeadamente evitando a reiteração de tal prática por parte da Comissão e tornando ilegal a utilização das comunicações de acusações que tenham sido irregularmente transmitidas ao FPÖ (acórdão Akzo, já referido, n.° 21).
56 Os argumentos da Comissão relativos à falta de objecto da lide na sequência da transmissão efectiva das comunicações de acusações ao FPÖ devem, consequentemente, improceder.
Quanto ao fundamento relativo à inexistência de efeitos jurídicos dos actos impugnados
Argumentos das partes
57 A Comissão observa que a decisão impugnada no processo T‑213/01 contém um único acto decisório, concretamente, a tomada de posição do auditor sobre a confidencialidade das informações contidas nas comunicações de acusações a transmitir ao FPÖ. Com efeito, o único elemento que poderá «ter consequências» para a recorrente é a transmissão de determinados documentos confidenciais a um requerente ou a um terceiro, o que decorre do acórdão Akzo. No processo T‑214/01, a decisão impugnada não toma posição sobre essa questão, que já foi anteriormente decidida. Efectivamente, a recorrente, na sua carta de 18 de Abril de 2001, aceitou que as versões das comunicações de acusações não continham informações confidenciais. Segundo a Comissão, a decisão impugnada nesse segundo processo respeita unicamente ao indeferimento, pelo auditor, do pedido da requerente de 25 de Junho de 2001 no sentido de que o direito reconhecido ao FPÖ de obter uma versão não confidencial das comunicações de acusações fosse reexaminado. Ora, essa decisão não tem quaisquer efeitos jurídicos vinculativos para a recorrente.
58 A Comissão sustenta que o reconhecimento da qualidade de requerente ao FPÖ não tem consequências jurídicas para as recorrentes uma vez que, admitindo que a Comissão tenha tomado uma decisão sobre essa questão, trata‑se apenas de uma medida de organização do processo, que não pode ser objecto de um recurso distinto do recurso interposto da decisão final que declare a existência de uma infracção (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑10/92 a T‑12/92 e T‑15/92, Colect., p. II‑2667, a seguir «acórdão Cimenteries», n.° 28).
59 De igual modo, a Comissão observa que o direito do FPÖ à transmissão das versões não confidenciais das comunicações de acusações resulta automaticamente do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98. Consequentemente, as recorrentes não impugnam uma decisão que directamente as afecta, mas sim o artigo 7.° do referido regulamento.
60 As recorrentes alegam que os recursos são admissíveis, uma vez que têm por objecto decisões que produzem efeitos jurídicos vinculativos e que são, por conseguinte, actos recorríveis.
61 No processo T‑213/01, a transmissão das comunicações de acusações ao FPÖ lesa o direito da recorrente ao tratamento confidencial dos segredos comerciais e das outras informações confidenciais aí expostas, o que afecta de modo irreversível a sua situação jurídica e pode, consequentemente, constituir objecto de recurso autónomo (acórdão Akzo e despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Dezembro de 1994, Postbank/Comissão, T‑353/94 R, Colect., p. II‑1141, n.° 25).
62 No processo T‑214/01, a decisão impugnada acolhe o ponto de vista do auditor acerca da transmissão das comunicações de acusações ao FPÖ. Essa decisão foi tomada com base na Decisão 2001/462, que dispõe que as decisões do auditor de comunicar as acusações a um terceiro são recorríveis. A comunicação de uma versão das acusações, ainda que não confidencial, representa um prejuízo irreversível para a empresa em causa. Além disso, a versão da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 a transmitir ao FPÖ contém, de qualquer modo, numerosas informações confidenciais abrangidas pela garantia de confidencialidade, como os nomes de pessoas e de bancos envolvidos no processo. O despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Dezembro de 2001, proferido no âmbito do processo de medidas provisórias considerou, assim, que a medida impugnada podia modificar a situação jurídica da recorrente.
63 As recorrentes sustentam que o reconhecimento da qualidade de requerente ao FPÖ, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, e o direito do FPÖ à transmissão das acusações podem ser objecto de fiscalização judicial. O Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Akzo, que a transmissão de acusações está sujeita a essa fiscalização não só quanto à amplitude das informações a proteger, mas também no seu princípio. Além disso, devido à grave lesão que a transmissão das acusações poderia causar aos direitos à presunção de inocência e à protecção dos dados pessoais previstos nos artigos 8.° e 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), o reconhecimento a um terceiro da qualidade de requerente não pode estar incluído no poder de apreciação da Comissão, estando antes sujeito aos requisitos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98, o que é susceptível de fiscalização pelo Tribunal de Primeira Instância.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
64 Há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem actos susceptíveis de recurso de anulação, na acepção do artigo 230.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9, e acórdão Cimenteries, n.° 28).
65 Em princípio, as medidas intermédias cujo objectivo é o de preparar a decisão final não constituem, por conseguinte, actos recorríveis. Todavia, resulta da jurisprudência que os actos adoptados no decurso do procedimento preparatório que constituam, por si próprios, o termo último de um procedimento especial distinto daquele que virá a permitir à Comissão decidir quanto ao mérito e que produzam efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem igualmente actos recorríveis (acórdão IBM/Comissão, já referido, n.os 10 e 11).
66 Assim, resulta da jurisprudência, de modo claro e inequívoco, que a decisão da Comissão que informe uma empresa posta em causa num processo de infracção de que as informações por ela transmitidas não estão abrangidas pelo tratamento confidencial garantido pelo direito comunitário, podendo, assim, ser comunicadas a um terceiro denunciante, produz efeitos jurídicos para a empresa em causa alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, na medida em que recusa o benefício de uma protecção prevista pelo direito comunitário e se reveste de carácter definitivo e independente da decisão final que declara a existência de uma infracção às regras de concorrência. Além disso, a possibilidade de que dispõe a empresa de interpor recurso da decisão final que declara a existência de uma infracção às regras de concorrência não é susceptível de lhe proporcionar uma protecção adequada dos seus direitos nesta matéria. Por um lado, o procedimento administrativo pode não levar a uma decisão que conclua pela existência de uma infracção. Por outro, o recurso interposto dessa decisão, se ela tiver lugar, não faculta à empresa, de qualquer modo, um meio de evitar os efeitos irreversíveis que teria uma comunicação irregular de alguns dos seus documentos (acórdão Akzo, n.os 18 a 20). Tal decisão pode, portanto, ser objecto de recurso de anulação.
67 Os presentes recursos têm por objecto a anulação das decisões do auditor, de 25 de Julho de 2001 e de 9 de Agosto de 2001, de transmitir ao FPÖ as versões não confidenciais das comunicações de acusações respeitantes ao processo de aplicação do artigo 81.° relativo à fixação das taxas bancárias (COMP/36.571 – Bancos austríacos), e isto contra a posição das recorrentes, que eram visadas por essas comunicações e se tinham oposto à sua transmissão ao FPÖ.
68 A regulamentação aplicável reconhece aos terceiros que invoquem um interesse legítimo o direito de obter a transmissão de uma versão não confidencial da comunicação de acusações para poderem expressar o seu ponto de vista por escrito. Assim, o artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 17, dispõe que as pessoas singulares ou colectivas que invoquem um interesse legítimo podem apresentar um pedido no sentido de que a Comissão declare a existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE. O artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98 refere igualmente que, no caso de a Comissão formular acusações sobre uma questão relativamente à qual tiver recebido um requerimento ou denúncia, deve fornecer ao requerente ou ao autor da denúncia uma cópia da versão não confidencial das acusações para que este possa apresentar as suas observações por escrito.
69 Por essa razão, resulta do artigo 9.°, segundo parágrafo, da Decisão 2001/462 que, quando a empresa em causa num processo de infracção aos artigos 81.° e 82.° CE se opuser à divulgação a um terceiro de uma informação susceptível de constituir um segredo comercial e a Comissão considerar que a referida informação não é protegida, podendo por conseguinte ser divulgada, tal será indicado em decisão fundamentada, que será notificada à empresa interessada.
70 No caso em apreço, a decisão impugnada no processo T‑213/01 pôs termo ao processo de transmissão ao FPÖ da «versão actual adaptada» da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 e da comunicação complementar de acusações de 21 de Novembro de 2000. Essa decisão indeferiu tanto a oposição da recorrente à transmissão ao FPÖ dos seus documentos como o tratamento confidencial por esta reclamado no que diz respeito a determinadas informações que aqueles continham. A decisão impugnada no processo T‑214/01, por sua vez, indeferiu definitivamente a oposição da recorrente à transmissão das comunicações de acusações em causa ao FPÖ. Ambas as decisões foram tomadas com base no artigo 9.°, segundo parágrafo, da Decisão 2001/462, que dispõe que, quando a empresa em causa se opuser à divulgação de uma informação e o auditor considerar que a referida informação não é protegida, podendo por conseguinte ser divulgada, tal será indicado em decisão fundamentada, que será notificada à empresa interessada, devendo a decisão indicar o prazo no termo do qual a informação será divulgada, prazo que não pode ser inferior a uma semana a contar da data da notificação. No caso presente, o auditor solicitou às recorrentes que o informassem, no prazo de uma semana, se tencionavam interpor recurso ou apresentar um pedido de medidas provisórias. A este respeito, refere que as comunicações de acusações acima referidas não seriam transmitidas ao FPÖ antes do termo do referido prazo.
71 As decisões impugnadas constituem, assim, a última fase de um processo especial distinto do processo geral de aplicação do artigo 81.° CE, que fixa definitivamente a posição da Comissão sobre a questão da comunicação ao FPÖ das versões não confidenciais das comunicações de acusações. Essas decisões implicam necessariamente o reconhecimento prévio da qualidade de requerente titular de um interesse legítimo ao FPÖ, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, uma vez que é dessa qualidade que decorre o direito do FPÖ à transmissão das comunicações de acusações, nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98.
72 Consequentemente, as recorrentes podem impugnar nos seus recursos tanto a decisão do auditor de transmitir ao FPÖ a versão não confidencial das comunicações de acusações como o elemento indispensável que está na base dessa decisão, ou seja, o reconhecimento pela Comissão do interesse legítimo do FPÖ, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Se assim não fosse, as recorrentes não poderiam impedir que as acusações que lhes foram feitas pela Comissão fossem levadas ao conhecimento de um terceiro que tivesse apresentado um requerimento ou feito uma denúncia e que não fosse titular do interesse legítimo exigido pela regulamentação comunitária, ou – no caso de essa transmissão já ter ocorrido – de pedir que fosse declarada ilegal a utilização pelo referido terceiro das informações em causa.
73 Resulta das considerações precedentes que deve ser julgado improcedente o fundamento de inadmissibilidade relativo à inexistência de efeitos jurídicos, respectivamente, da decisão impugnada no processo T‑214/01 e das tomadas de posição do auditor contidas na decisão impugnada no processo T‑213/01 e relativas ao reconhecimento da qualidade de requerente ao FPÖ e ao direito do FPÖ à transmissão das comunicações de acusações.
Quanto ao fundamento relativo à extemporaneidade dos recursos
Argumentos das partes
74 A Comissão sustenta que as decisões impugnadas têm apenas um carácter confirmativo relativamente ao reconhecimento da qualidade de requerente do FPÖ e ao direito deste último à transmissão das comunicações de acusações. Os recursos, por conseguinte, foram interpostos fora do prazo.
75 Quanto ao reconhecimento da qualidade de requerente ao FPÖ na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão refere que adoptou uma decisão definitiva sobre essa questão em 1999, tendo informado as recorrentes por ofícios de 5 de Novembro de 1999. No seu ofício de 27 de Março de 2001, o auditor limitou‑se a confirmar que o interesse do FPÖ em apresentar um pedido tinha sido reconhecido e reiterou a sua explicação a esse propósito. De qualquer modo, mesmo que o ofício de 27 de Março de 2001 contivesse uma decisão a esse respeito, a recorrente também não a teria impugnado. Por último, as recorrentes foram as próprias a reconhecer, na sua petições, que a decisão impugnada não fazia senão «confirmar» a posição processual conferida ao FPÖ por uma decisão anterior.
76 Relativamente ao direito do FPÖ à transmissão das comunicações de acusações, a Comissão sustenta que já tinha prevenido as recorrentes, oralmente, no início de Outubro de 1999, e depois por ofícios de 5 de Novembro de 1999, de que tencionava proceder em conformidade com o referido artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98. Por conseguinte, mesmo que a Comissão tivesse adoptado uma «decisão» relativa ao direito do FPÖ de receber a comunicação de acusações e que esta fosse um acto impugnável, a decisão impugnada não faria senão confirmá‑la nesta matéria e não poderia, consequentemente, ser objecto de recurso.
77 As recorrentes sustentam que os recursos não foram interpostos fora de prazo. Só as decisões impugnadas estabeleceram a posição definitiva da Comissão em relação à qualidade de denunciante do FPÖ e à transmissão das comunicações de acusações ao mesmo, constituindo toda a correspondência anterior do auditor e dos serviços da Comissão meras medidas preparatórias. Consequentemente, essas decisões, que puseram termo ao processo de transmissão das comunicações de acusações ao FPÖ, não são actos puramente confirmativos.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
78 O Tribunal de Primeira Instância já acima considerou que as recorrentes podem pôr em causa, no âmbito dos presentes recursos das decisões finais que puseram termo aos processos especiais de transmissão das comunicações de acusações ao FPÖ, o elemento que está na base dessas decisões, ou seja, o reconhecimento pela Comissão do interesse legítimo e da qualidade de requerente do FPÖ na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, do qual decorre o seu direito a receber a versão não confidencial das comunicações de acusações, nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98.
79 Assim, a Comissão não pode sustentar de modo útil que as recorrentes deveriam ter interposto recurso das diferentes medidas intermédias adoptadas no âmbito desses processos de transmissão das comunicações de acusações para daí deduzir que os presentes recursos – interpostos das decisões que puseram termo aos referidos processos – não podem servir para impugnar as medidas intermédias a partir das quais as decisões foram adoptadas.
80 Resulta das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao fundamento de inadmissibilidade relativo ao carácter extemporâneo dos recursos.
Quanto ao mérito
81 As recorrentes invocam sete fundamentos de recurso. O primeiro e segundo fundamentos são relativos à violação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98, bem como à falta de fundamentação. O terceiro fundamento é relativo à violação do princípio da economia processual. O quarto fundamento é relativo à violação dos direitos de defesa devido à transmissão tardia das acusações ao FPÖ. O quinto fundamento é relativo à preclusão do direito do FPÖ de intervir no processo. O sexto fundamento é relativo à violação do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, em conjugação com o artigo 287.° CE, na medida em que a transmissão das acusações ao FPÖ violou o seu direito à confidencialidade dos seus segredos comerciais. Por último, o sétimo fundamento é relativo à violação do princípio da protecção da confiança legítima.
Quanto ao primeiro e segundo fundamentos, relativos à violação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98 e à falta de fundamentação
82 As recorrentes alegam que a decisão do auditor de transmitir as comunicações de acusações ao FPÖ é ilegal, na medida em que este último não pode ser qualificado de requerente na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98.
83 Em apoio da sua tese, as recorrentes sustentam, em primeiro lugar, que não há nexo de causalidade entre o requerimento apresentado pelo FPÖ e a abertura do processo, em segundo lugar, que o FPÖ não demonstrou um interesse legítimo na acepção das referidas disposições e, em terceiro lugar, que a Comissão não verificou nem fundamentou a existência desse interesse por parte do FPÖ.
Quanto à primeira parte, relativa à inexistência de nexo de causalidade entre o requerimento apresentado pelo FPÖ e a abertura do processo
– Argumentos das partes
84 As recorrentes alegam que o FPÖ não é um requerente na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, e do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98, uma vez que não foi o seu requerimento que deu origem ao processo de infracção. O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 dispõe que os processos são abertos «a pedido ou oficiosamente». No caso de um processo ser aberto oficiosamente, a decisão da Comissão já não tem lugar «a pedido». No caso em apreço, o FPÖ só apresentou o seu requerimento dois meses depois da abertura oficiosa de um processo pela Comissão. Por conseguinte, o FPÖ não poderia obter o estatuto de requerente na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, podendo quando muito ser qualificado como terceiro detentor de um interesse legítimo na acepção do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2842/98.
85 As recorrentes sustentam, por outro lado, que a Comissão não tem em conta a diferença entre uma denúncia formal e a transmissão informal de elementos de uma infracção. Ora, só uma denúncia formal dá origem a direitos processuais.
86 A Comissão contesta os argumentos das recorrentes, que considera errados e sem fundamento. Assim, não tem importância que o processo tenha sido aberto oficiosamente ou na sequência de uma denúncia apresentada nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. O procedimento formal de infracção só se inicia com a comunicação de acusações e tem lugar muito depois do reconhecimento de um direito a apresentar um requerimento. No caso, a Comissão deu início ao processo de infracção em 10 de Setembro de 1999, quando formulou a primeira comunicação de acusações, ou seja, dois anos depois do requerimento do FPÖ. Em todo o caso, no momento em que o FPÖ apresentou o seu requerimento, ignorava a existência de qualquer processo, uma vez que a Comissão preservou o sigilo dos trabalhos preparatórios a fim de garantir a eficácia dos resultados das inspecções efectuadas em Junho de 1998.
87 Por último, a distinção entre denúncias formais e denúncias não formais, invocada pelas recorrentes, não tem fundamento. O denunciante que invoque um interesse legítimo adquire direitos antes da abertura de um processo e mesmo que esse processo não venha a ser iniciado, como o direito de interpor recurso de anulação nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 17.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
88 O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 dispõe que, se a Comissão verificar, «a pedido ou oficiosamente», uma infracção ao disposto no artigo 81.° ou no artigo 82.° CE, pode, através de decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a pôr termo a essa infracção.
89 Resulta do artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 17 e dos artigos 6.° e 7.° do Regulamento n.° 2842/98 que o «requerente» é uma pessoa singular ou colectiva que, invocando um interesse legítimo para esse efeito, pede à Comissão que declare a existência de uma infracção às disposições do artigo 81.° CE ou do artigo 82.° CE. As referidas disposições do Regulamento n.° 2842/98 qualificam, por outro lado, esse requerente como «denunciante» para efeitos da aplicação dos Regulamentos (CEE) n.° 1017/68 do Conselho, de 19 de Julho de 1968, relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 175, p. 1; EE 08 F1 p. 106), n.° 4056/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que determina as regras de aplicação aos transportes marítimos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO L 378, p. 4), n.° 3975/87 do Conselho, de 14 de Dezembro de 1987, que estabelece o procedimento relativo às regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos (JO L 374, p. 1). Nos termos das referidas disposições, os Estados‑Membros também podem, sem que para tanto tenham que invocar qualquer interesse, apresentar esses «requerimentos» ou «denúncias» com o fim de ser declarada a existência de infracções às referidas normas do direito da concorrência.
90 As recorrentes, no essencial, mantêm que, quando um processo de infracção é aberto oficiosamente, deixa de se poder conceder a um terceiro a qualidade de requerente. Esta tese não pode, porém, proceder.
91 Com efeito, os Regulamentos n.° 17 e n.° 2842/98 não impõem, para efeitos do reconhecimento da qualidade de requerente ou de denunciante, que o requerimento ou a denúncia em causa tenham estado na origem da abertura do processo de infracção pela Comissão, nomeadamente da fase do inquérito preliminar levado a cabo por esta última. As pessoas singulares ou colectivas que invoquem um interesse legítimo em que a Comissão declare a existência de uma infracção às normas da concorrência podem, assim, apresentar um requerimento ou uma denúncia para esse efeito mesmo depois de aberta, oficiosamente ou a requerimento de outrem, a fase do inquérito preliminar do processo de infracção. Se assim não fosse, pessoas detentoras desse interesse legítimo ver‑se‑iam impedidas de exercer no decurso do processo os direitos processuais inerentes à qualidade de requerente ou de denunciante.
92 A tese das recorrentes conduziria a impor aos terceiros um requisito adicional não previsto nos Regulamentos n.° 17 e n.° 2842/98. O reconhecimento da qualidade de requerente ou de denunciante dependeria não só da apresentação de um pedido ou de uma denúncia e da demonstração de um interesse legítimo para esse efeito, mas também do facto de a Comissão não ter aberto inquérito sobre a infracção denunciada. Há que observar, além disso, que, tendo em conta que a abertura do inquérito é normalmente mantida em sigilo de modo a assegurar a eficácia das diligências a levar a cabo, os terceiros detentores de um interesse legítimo não podem saber, normalmente, se a Comissão já abriu um inquérito sobre os acordos ou as práticas em causa.
93 Assim, importa observar que, no caso em apreço, o FPÖ apresentou o seu requerimento imediatamente a seguir à abertura oficiosa do processo de inquérito. Com efeito, o FPÖ apresentou o seu requerimento inicial em 24 de Junho de 1997, ou seja, sete semanas depois do início, em 6 de Maio de 1997, do processo do inquérito. Não resulta dos autos que a Comissão tenha tornado pública a abertura desse inquérito.
94 Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que o facto de o inquérito relativo à infracção alegadamente cometida pelas recorrentes ter sido aberto antes de o FPÖ ter apresentado o seu requerimento não pode impedir que seja reconhecida a este último a qualidade de requerente na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 e do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98.
95 Por último, quanto à diferença entre uma denúncia formal e a «transmissão informal de elementos de uma infracção» invocada pelas recorrentes, a mesma é irrelevante para efeitos dos presentes processos. Com efeito, resulta dos autos que o FPÖ não se limitou, no caso vertente, a prestar informações à Comissão, antes solicitou a abertura de um inquérito destinado a apurar a existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE, a obrigar os estabelecimentos bancários em causa a pôr termo a essa infracção e a aplicar‑lhes coimas.
96 Por conseguinte, esta primeira parte não procede.
Quanto à segunda parte, relativa à falta de demonstração pelo FPÖ de um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17
– Argumentos das partes
97 As recorrentes sustentam que o FPÖ não pode ser qualificado de requerente, uma vez que o interesse económico invocado por esse partido político não constitui um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.
98 Em primeiro lugar, alegam que o facto de ser cliente de bancos é um mero pretexto e que o interesse do FPÖ é exclusivamente político. O FPÖ pretende ter acesso às comunicações de acusações com o único objectivo de as explorar politicamente. Os factos ocorridos depois da transmissão das comunicações de acusações ao FPÖ corroboram a afirmação precedente. Por conseguinte, em caso algum o interesse do FPÖ é «legítimo» na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17.
99 Em segundo lugar, as recorrentes sustentam que, de qualquer modo, o simples facto de ser cliente de bancos não permite que seja reconhecido que o FPÖ tem um interesse legítimo. O interesse legítimo previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 pressupõe que a alegada actuação anticoncorrencial possa afectar os interesses económicos do requerente, no sentido de que deve operar no mercado em causa para poder invocar um prejuízo pessoal. Assim, até à data, a Comissão circunscreveu o reconhecimento da existência desse interesse legítimo unicamente às pessoas singulares ou colectivas «cujas actividades comercias sejam afectadas» por uma actuação anticoncorrencial. Tem inclusivamente tendência a interpretar de modo estrito o conceito de interesse legítimo, recusando reconhecer a existência desse interesse aos concorrentes que não exercem uma actividade no mesmo mercado que a empresa objecto do processo. A posição da Comissão no caso em apreço constitui, consequentemente, uma alteração radical da sua prática. Com efeito, nem a Comissão nem o Tribunal de Primeira Instância reconheceram, até ao presente, um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, aos clientes finais do mercado retalhista, como os clientes dos bancos. Neste sentido, a remissão efectuada pela Comissão para o processo dos Ferries gregos (v. n.° 103, infra) é enganosa, uma vez que, nesse processo, não autorizou a transmissão das comunicação de acusações a clientes finais.
100 Em terceiro lugar, as recorrentes sustentam que uma interpretação mais ampla do interesse legítimo levaria a abrir o caminho para a acção popular, o que traria consequências perniciosas. Por um lado, a Comissão seria obrigada a examinar e a apreciar uma enorme quantidade de denúncias e, além disso, o facto de qualquer consumidor ter o direito de aceder às acusações e de participar na audição faria com que fosse impossível conduzir diligentemente os processos. Por outro lado, poderia levar a abusos, nomeadamente nos processos com repercussões no grande público, uma vez que qualquer pessoa poderia aceder às acusações pelo simples facto de ser cliente final.
101 Por outro lado, essa interpretação opõe‑se à lógica dos Regulamentos n.° 17 e n.° 2842/98. Ao distinguir os «requerentes que demonstrem um interesse legítimo» (artigos 6.° e 7.° do Regulamento n.° 2842/98), os «terceiros que invoquem um interesse relevante» (artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2842/98) e os «outros terceiros» (artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2842/98), o legislador estabeleceu uma graduação consoante a intensidade do prejuízo causado aos interesses económicos dos terceiros. Essa distinção não faria sentido se qualquer cliente final fosse considerado um requerente titular de um interesse legítimo na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. O cliente final tem a possibilidade de denunciar as empresas que suspeita terem entre si acordos contrários ao direito da concorrência, e o seu interesse em ser integrado no processo pode ser acautelado, se demonstrar um «interesse relevante», sendo ouvido e informado pela Comissão sobre o andamento do processo, mas sem que a sua denúncia seja qualificada de denúncia na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e sem que lhe sejam transmitidas as comunicações de acusações. A protecção dos consumidores pelo direito da concorrência não pode, assim, ir ao ponto de se lhes reconhecer, por princípio, um interesse legítimo se não estiverem em jogo aspectos suplementares.
102 A Comissão contesta os argumentos das recorrentes por não terem fundamento. O alegado acordo diz respeito ao FPÖ, enquanto beneficiário de serviços bancários e, portanto, este tem um interesse legítimo em apresentar um requerimento na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, não desempenhando o seu eventual interesse político nenhum papel no reconhecimento desse estatuto. No caso de o FPÖ ter um interesse legítimo na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, a Comissão não é obrigada a verificar a existência de outras motivações da sua parte.
103 No que diz respeito ao interesse económico do FPÖ, a Comissão alega que o requisito suplementar invocado pelas recorrentes de «exercer uma actividade no sector de actividade em causa» não tem nenhum fundamento jurídico. O direito da concorrência tem mais a finalidade de proteger o consumidor que, por essa razão, tem um interesse legítimo em queixar‑se se for afectado por uma actuação no mercado. Aliás, a prática da Comissão confirma esse princípio [v., por exemplo, a sua Decisão 1999/271/CE, de 9 de Dezembro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.466 – Ferries gregos)] (JO L 109, p. 24). Isto não significa que a Comissão equipare o interesse legítimo do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 a um «interesse popular que toda e qualquer pessoa pode invocar». Nem todo o cliente final tem, em princípio, interesse em apresentar um requerimento, mas tão‑só os clientes finais directamente afectados pelo acordo. No caso em apreço, a Comissão afirmou que o processo não dizia respeito ao FPÖ da mesma maneira que a «toda e qualquer pessoa», mas sim que ele era directamente afectado nos seus interesses económicos enquanto cliente dos serviços bancários por um acordo que abrangia todas as vertentes desses serviços.
104 Além disso, segundo a Comissão, a questão das dificuldades colocadas por processos administrativos que envolvem vários denunciantes e os argumentos relativos à admissibilidade de «denúncias populares» não têm nenhuma relação com o interesse legítimo em apresentar um requerimento nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Por outro lado, as observações das recorrentes sobre os direitos dos terceiros titulares de um interesse «relevante» não são aplicáveis. O Regulamento n.° 2842/98 protege a posição processual do denunciante, que é nitidamente mais privilegiada do que a dos outros terceiros partes no processo.
105 Por último, a Comissão sustenta que, de qualquer modo, a questão do reconhecimento da qualidade processual do FPÖ não tem importância no caso presente, uma vez que pode, em todos os casos, transmitir versões não confidenciais das comunicações de acusações mesmo a pessoas a quem o processo não diz respeito, se o considerar útil. Por conseguinte, mesmo se o Tribunal de Primeira Instância viesse a declarar que o FPÖ não tinha um interesse legítimo em apresentar um requerimento na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, manter‑se‑ia no âmbito do poder de apreciação da Comissão transmitir‑lhe versões não confidenciais das comunicações de acusações (despacho Postbank/Comissão, já referido, n.° 8).
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
106 Para efeitos do presente processo, a participação num processo de infracção de pessoas singulares ou colectivas diferentes das empresas contra as quais a Comissão formulou acusações é disciplinada pelos Regulamentos n.° 17 e n.° 2842/98. Esses regulamentos distinguem, nesta matéria, entre, em primeiro lugar, o «requerente ou denunciante que demonstre um interesse legítimo», a quem a Comissão envia uma cópia da versão não confidencial das acusações quando formula acusações relativas a uma questão cuja apreciação lhe foi submetida pelo requerimento ou pela denúncia em causa (artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 17 e artigos 6.° a 8.° do Regulamento n.° 2842/98); em segundo lugar, os «terceiros que invoquem um interesse relevante», que, se pedirem para ser ouvidos, têm direito a que a Comissão os informe por escrito da natureza e do objecto do processo, bem como a expressar o seu ponto de vista por escrito (artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e artigo 9.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 2842/98); em terceiro lugar, os «outros terceiros», a quem a Comissão pode dar a oportunidade de expressar oralmente o seu ponto de vista (artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2842/98). Assim, o legislador estabeleceu uma graduação, consoante a intensidade da lesão dos seus interesses, na participação num processo de infracção por esses diferentes terceiros.
107 Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que qualquer requerente ou denunciante que tenha invocado um interesse legítimo tem o direito de receber uma versão não confidencial da comunicação de acusações. Relativamente aos terceiros que justifiquem um interesse suficiente, não se pode excluir, em conformidade com o disposto no artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2842/98, que a Comissão, se as circunstâncias do caso concreto o justificarem, possa, sem que no entanto seja obrigada a fazê‑lo, transmitir‑lhes uma versão não confidencial da comunicação de acusações, para que esses terceiros possam fazer‑lhe chegar utilmente as suas observações sobre as alegadas infracções que constituem o objecto do processo em causa.
108 Para além dos dois casos descritos no número anterior, não está previsto, no âmbito do Regulamento n.° 17 e do Regulamento n.° 2842/98, que a Comissão transmita a comunicação de acusações a pessoas singulares ou colectivas diferentes das empresas contra as quais as acusações foram formuladas.
109 No caso em apreço, a Comissão atribuiu ao FPÖ a qualidade de requerente no processo de infracção instaurado contra as recorrentes, entre outras empresas. Coloca‑se, portanto, a questão de saber se o FPÖ tinha um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.
110 Na sua carta de 2 de Junho de 1998, o FPÖ sustentou que tinha sido economicamente lesado, enquanto cliente final dos serviços bancários austríacos, pelo acordo denunciado. O facto de, no seu primeiro requerimento de 24 de Junho de 1997, o FPÖ ter invocado um interesse geral, como a protecção da ordem jurídica, não podia privá‑lo da possibilidade de invocar posteriormente, para demonstrar um interesse legítimo na acepção do Regulamento n.° 17, a sua qualidade de cliente dos bancos contra os quais o processo tinha sido instaurado, bem como o prejuízo de natureza económica que alegadamente sofreu em virtude dos acordos em causa.
111 As recorrentes sustentam, todavia, no essencial, que o simples facto de ser cliente final de serviços bancários não é suficiente para demonstrar a existência de um interesse legítimo, que só existe quando o requerente opera no mercado em causa e é prejudicado nas suas actividades comerciais pela alegada actuação anticoncorrencial.
112 No entanto, há que observar que o Tribunal de Primeira Instância já declarou que uma associação de empresas podia invocar um interesse legítimo em apresentar um requerimento na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, ainda que não fosse directamente afectada, como empresa que opera no mercado em causa, pelo comportamento denunciado, na condição, porém, de, nomeadamente, o comportamento denunciado ser susceptível de lesar os interesses dos seus membros. (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1995, BEMIM/Comissão, T‑114/92, Colect., p. II‑147, n.° 28).
113 Mais especificamente, no que diz respeito aos clientes finais adquirentes de bens ou serviços, a Comissão sustenta que a sua prática corrente demonstra que o consumidor tem um interesse legítimo em queixar‑se se for afectado por uma actuação anticoncorrencial no mercado. Todavia, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância, foi a própria Comissão a admitir que nenhum consumidor final tinha obtido uma versão não confidencial das acusações depois de ter sido tomada uma decisão sobre o seu interesse legítimo. Consequentemente, o FPÖ foi o primeiro cliente final ao qual a Comissão reconheceu um interesse legítimo na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 e, por conseguinte, o direito à transmissão da comunicação de acusações.
114 Ora, o Tribunal de Primeira Instância considera que nada impede que um cliente final adquirente de bens ou de serviços possa preencher a condição relativa ao interesse legítimo na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância considera que um cliente final que demonstre que os seus interesses económicos foram ou podem vir a ser lesados devido à restrição da concorrência em causa tem um interesse legítimo na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 para apresentar um requerimento ou uma denúncia destinados a que a Comissão declare a existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE.
115 A este respeito, há que recordar que as normas que se destinam a garantir que a concorrência não seja falseada no mercado interno têm por finalidade última aumentar o bem‑estar do consumidor. Em particular, essa finalidade resulta dos termos do artigo 81.° CE. Com efeito, embora a proibição estabelecida no n.° 1 dessa disposição possa ser declarada inaplicável a acordos que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos em causa ou a promover o progresso técnico ou económico, essa possibilidade, prevista no artigo 81.°, n.° 3, CE, depende, nomeadamente, da condição de que uma parte equitativa do lucro daí resultante seja reservada aos utilizadores dos referidos produtos. O direito e a política da concorrência têm, assim, um impacto inegável nos interesses económicos concretos de clientes finais adquirentes de bens ou de serviços. Ora, o reconhecimento a esses clientes – que aleguem que sofreram um prejuízo económico devido a um contrato ou a uma actuação susceptível de restringir ou falsear a concorrência – de um interesse legítimo em que a Comissão declare a existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE contribui para a concretização dos objectivos do direito da concorrência.
116 Contrariamente ao que alegam as recorrentes, essa apreciação não equivale a esvaziar o conceito de interesse legítimo da sua substância, dando‑lhe um sentido excessivamente amplo, nem abre o caminho para uma suposta «acção popular». Com efeito, admitir que um consumidor em condições de demonstrar uma lesão aos seus interesses económicos resultante de um acordo que denuncia possa, a esse título, ter um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, não equivale a considerar que todas as pessoas singulares ou colectivas são titulares de tal interesse.
117 Do mesmo modo, os argumentos das recorrentes relativos à multiplicação das denúncias e das dificuldades dos procedimentos administrativos que decorreriam do reconhecimento da qualidade de requerente ou de denunciante a clientes finais também não podem ser acolhidos. Como correctamente afirma a Comissão, essas objecções não podem ser validamente invocadas para limitar o reconhecimento de um interesse legítimo a um cliente final que demonstre ter sido economicamente lesado pela prática anticoncorrencial que denunciou.
118 Por último, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, e como observa a Comissão, quando o requerente demonstre um interesse legítimo válido, esta não pode ser obrigada a verificar a possível existência de outras motivações por parte desse requerente.
119 Por conseguinte, há que concluir que o FPÖ podia validamente invocar a sua situação de cliente de serviços bancários na Áustria e o facto de ter sido lesado nos seus interesses económicos pelas práticas anticoncorrenciais, para efeitos de demonstrar um interesse legítimo em apresentar um requerimento destinado a que a Comissão declarasse que as referidas práticas constituíam uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE.
120 Consequentemente, não procede esta segunda parte, relativa à alegada inexistência de um interesse legítimo, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, por parte do FPÖ.
Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a Comissão não ter verificado nem fundamentado a existência de um interesse legítimo do FPÖ
– Argumentos das partes
121 As recorrentes alegam que a Comissão não verificou nem fundamentou o preenchimento dos requisitos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98 no caso em apreço. Assim, por um lado, a Comissão não demonstrou que o FPÖ tinha um interesse legítimo, não tendo verificado se este tinha efectuado operações bancárias nos bancos em causa, que serviços utilizou e por que razão o seu interesse iria além de um interesse «relevante» ou de «outro» interesse. O facto de esse partido afirmar ter contas bancárias não é suficiente para lhe reconhecer a qualidade de requerente, tanto mais que essa circunstância era um facto já conhecido pela Comissão quando adoptou a decisão de indeferimento de 26 de Fevereiro de 1998. Por outro lado, a Comissão não explicou em que medida a denúncia do FPÖ apresentava as características de um requerimento na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, e também não expôs as razões que apontaram para o reconhecimento de um interesse legítimo do FPÖ, uma vez que, inicialmente, era de opinião contrária, e que o FPÖ renunciou, pela sua inércia durante mais de dois anos, a reivindicar o seu interesse em participar no processo.
122 As recorrentes também notam que, no processo que deu origem ao acórdão Cimenteries, a Comissão distinguiu dois tipos de acusações, consoante o mercado em causa, e transmitiu de modo diverso as acusações, consoante os mercados em que se encontravam as empresas em causa (acórdão Cimenteries, n.os 4 a 7). Por conseguinte, a Comissão também deveria ter demonstrado e fundamentado, no caso vertente, o interesse económico do FPÖ em relação aos diferentes mercados bancários em causa. Além disso, o auditor tinha o dever de verificar, antes de transmitir a comunicação de acusações, se o FPÖ era titular de um interesse legítimo, em vez de considerar que a questão já tinha sido decidida pelo ofício da DG «Concorrência» da Comissão, de 5 de Novembro de 1999. Com efeito, não só o Regulamento n.° 2842/98 não fornece nenhum indício relativamente ao alegado efeito interno vinculativo da referida tomada de posição da DG «Concorrência», mas também as Decisões n.° 94/810 e n.° 2001/462 relativas ao mandato do auditor lhe atribuíram amplas competências no que diz respeito às questões relativas ao direito de audiência [v., nomeadamente, artigo 4.°, n.os 1 e 2, alínea b), da Decisão n.° 2001/462].
123 A Comissão alega que as críticas das recorrentes são inoperantes, uma vez que o reconhecimento do interesse legítimo do FPÖ é uma simples medida de organização do processo, que não produz efeitos jurídicos em relação às recorrentes. Consequentemente, as afirmações relativas ao ónus da prova não têm fundamento, uma vez que esta questão apenas diz respeito à Comissão e ao requerente, ou seja, o FPÖ. De qualquer modo, a descrição do serviço bancário concretamente utilizado pelo FPÖ não era necessária no caso presente, uma vez que o alegado acordo abrangia todas as facetas do sistema bancário austríaco.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
124 Em primeiro lugar, no que diz respeito ao argumento das recorrentes relativo à obrigação de verificação do interesse legítimo do FPÖ e do correspondente ónus da prova da Comissão nesta matéria, importa recordar que, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o terceiro requerente ou denunciante deve invocar a existência de um interesse legítimo da sua parte em que seja declarada a existência de uma infracção às disposições do artigo 81.° CE ou do artigo 82.° CE. A Comissão está, por conseguinte, sujeita a uma obrigação de verificação do preenchimento desse requisito pelo terceiro.
125 No caso em apreço, resulta da correspondência trocada entre a Comissão e as recorrentes durante o processo administrativo que a Comissão reconheceu o interesse legítimo do FPÖ devido à sua condição de cliente de serviços bancários na Áustria. No entanto, não resulta dos autos que a Comissão tenha pedido ao FPÖ documentos susceptíveis de demonstrar que era efectivamente cliente dos bancos a que o processo em causa diz respeito ou que tinham sido aplicadas taxas bancárias concertadas nas suas contas em conformidade com os acordos em questão. Em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância, a Comissão confirmou essa circunstância, reconhecendo que não tinha procedido a nenhuma verificação, nem tinha considerado necessário exigir a efectiva produção das provas apresentadas pelo FPÖ, relativas ao interesse legítimo desse partido na acepção do referido artigo 3.° do Regulamento n.° 17. A Comissão justificou, porém, a sua posição, afirmando que era óbvio que o FPÖ era cliente dos bancos em causa e que, tendo em conta o alcance dos referidos acordos, era inegável que os acordos entre os bancos «teriam necessariamente lesado do ponto de vista económico» o FPÖ e o «teriam forçosamente prejudicado».
126 Relativamente à condição de cliente de serviços bancários do FPÖ, o Tribunal de Primeira Instância considera que era perfeitamente lógico considerar que, para a gestão das suas actividades, esse partido político devia dispor de diversas contas bancárias e efectuava operações bancárias regulares na Áustria. De facto, as recorrentes nunca contestaram, durante todo o processo administrativo, que o FPÖ recorria a tais serviços bancários.
127 No que diz respeito ao alcance das práticas denunciadas, resulta da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 que os acordos objecto do processo eram relativos a «todas as prestações de serviços» tipicamente fornecidas aos particulares e às empresas pela banca universal (depósitos, créditos, operações de pagamento, etc.) (n.° 10 da comunicação de acusações), e que os acordos celebrados «eram muito completos no seu conteúdo, institucionalizados em grande parte e estreitamente correlacionados e abrangiam a totalidade do território austríaco ‘até à mais pequena aldeia’» (n.° 42 da comunicação de acusações). Além disso, segundo essa comunicação de acusações, um número muito elevado de bancos participou nas práticas em causa (n.° 383 da comunicação de acusações). Assim, os destinatários da comunicação de acusações tiveram «um papel importante no mercado bancário austríaco devido à sua dimensão» (n.° 383 da comunicação de acusações). Trata‑se dos principais bancos e grupos bancários austríacos, cuja quota de mercado representa 99 % do mercado austríaco (n.° 10 da comunicação de acusações). Além disso, resulta do anexo A dessa comunicação de acusações, que enumera todas as entidades bancárias que participaram nas diferentes reuniões, que os estabelecimentos bancários envolvidos nos acordos eram muitos mais do que os oito destinatários das acusações.
128 Por sua vez, a comunicação de acusações de 21 de Novembro de 2000 dirigia‑se aos mesmos destinatários que a comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999, no que diz respeito ao acordo relativo à fixação das taxas de câmbio de notas e moedas da zona euro. As mesmas considerações acima expostas quanto ao alcance do acordo são, por conseguinte, aplicáveis ao acordo objecto desta comunicação.
129 Por conseguinte, as práticas imputadas no processo administrativo em causa estavam amplamente difundidas, abrangendo todas as vertentes do sistema bancário austríaco, bem como todo o território austríaco. Assim, não se pode deixar de observar que os acordos imputados nas comunicações de acusações eram necessariamente susceptíveis de lesar economicamente o FPÖ, enquanto cliente dos serviços bancários austríacos.
130 Acresce que o Tribunal de Primeira Instância verifica que, embora seja exacto que o banco identificado pela recorrente na audiência – ou seja, o banco pertencente ao Governo do Land da Caríntia – como o banco em que o FPÖ tinha as suas contas não era um dos oito destinatários da decisão impugnada, não é menos verdade que esse banco constava entre as entidades bancárias enumeradas no anexo A da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999, que participaram habitualmente nas reuniões relativas aos acordos em causa.
131 Quanto ao argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão deveria ter expressamente fundamentado o interesse económico do FPÖ em relação a cada um dos mercados bancários em causa, o mesmo não pode ser acolhido. Com efeito, o reconhecimento da qualidade de requerente ou de denunciante de um cliente final depende, como foi referido, da possibilidade de este sofrer um prejuízo económico devido às práticas em causa, e não, portanto, da sua participação em cada um dos mercados de produtos objecto do inquérito da Comissão (v. n.os 112 e 114, supra). Além disso, há que observar que as recorrentes não podem basear a sua argumentação na prática seguida pela Comissão no processo administrativo correspondente ao processo que deu origem ao acórdão Cimenteries. Nesse processo, a Comissão tinha distinguido os comportamentos correspondentes ao plano internacional dos comportamentos relativos a cada mercado nacional afectado, sendo os capítulos da comunicação de acusações relativos a estes últimos apenas enviados aos destinatários das acusações feitas no Estado‑Membro em questão (acórdão Cimenteries, n.° 6). Ora, há que recordar que a comunicação de acusações em causa nos presentes processos fazia referência a um único mercado geográfico, concretamente, o mercado constituído por todo o território austríaco.
132 Por último, também não há que acolher a tese das recorrentes segundo a qual o próprio auditor deveria ter verificado se o FPÖ tinha um interesse legítimo antes de proceder à transmissão da comunicação de acusações. Com efeito, nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98, a transmissão ao requerente ou ao denunciante da comunicação de acusações decorre necessariamente do reconhecimento dessa qualidade aos terceiros que tenham um interesse legítimo. Segundo a Decisão n.° 2001/462, o auditor tem unicamente por função assegurar o bom desenrolar da audição, contribuindo para o seu carácter objectivo, bem como para o de qualquer decisão ulterior (artigo 5.°), conhecer dos pedidos de audição de terceiros (artigos 6.° e 7.°) e de pedidos de consulta dos autos (artigo 8.°), e velar pela não divulgação de informações protegidas que constituam segredos comerciais das empresas (artigo 9.°).
133 Daí resulta que, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, a Comissão não infringiu a obrigação de verificação da existência de um interesse legítimo do FPÖ na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.
134 Em segundo lugar, relativamente à observância do dever de fundamentação, é jurisprudência assente que a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto cumpre as exigências do referido artigo deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C‑350/88, Colect., p. I‑395, n.° 16, e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63).
135 No caso vertente, resulta do contexto em que as decisões impugnadas foram adoptadas, em particular do conteúdo dos ofícios de 5 de Novembro de 1999 dos serviços da DG «Concorrência» e de 27 de Março de 2001 do auditor, que referiam que o FPÖ era cliente dos serviços bancários, que as decisões impugnadas reconheceram implicitamente o interesse legítimo do FPÖ na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 devido à sua condição de cliente final dos serviços bancários austríacos visados pelas práticas denunciadas.
136 Ora, no caso presente, tendo em conta as características e o alcance das práticas denunciadas, tal fundamentação deve ser considerada suficiente.
137 Consequentemente, a alegação das recorrentes não pode proceder.
138 Resulta das considerações precedentes que esta terceira parte, segundo a qual a Comissão não cumpriu as obrigações de verificação e de fundamentação da existência de um interesse legítimo do FPÖ, não tem fundamento.
139 Os fundamentos relativos à violação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 6.° do Regulamento n.° 2842/98, bem como à falta de fundamentação devem, por conseguinte, ser julgados improcedentes.
Quanto aos terceiro, quarto e quinto fundamentos, relativos à violação do princípio da economia processual e dos direitos de defesa, bem como à preclusão do direito do FPÖ a intervir no processo
140 As recorrentes alegam que, se existisse um eventual direito do FPÖ a que a comunicação de acusações lhe fosse transmitida, essa transmissão, nessa fase do processo, por um lado, seria ilegal devido ao facto de ter precludido o direito do FPÖ a intervir nesse processo e, por outro lado, constituiria uma violação do princípio da economia processual e dos direitos de defesa.
Quanto à primeira parte, relativa à preclusão do direito do FPÖ a intervir no processo
– Argumentos das partes
141 As recorrentes alegam que, mesmo que o FPÖ tivesse direito à transmissão das comunicações de acusações e a participar no processo, esse direito teria precludido. O FPÖ, depois do indeferimento do seu requerimento em Fevereiro de 1998, não efectuou nenhuma diligência no sentido de lhe ser permitido participar no processo antes das audições e, portanto, através do desinteresse que manifestou, renunciou ao seu direito.
142 Além disso, as recorrentes alegam que, ainda que o atraso da comunicação de acusações fosse imputável à Comissão, o princípio da preclusão seria igualmente aplicável. A Comissão já não teria o direito de transmitir as acusações por força do princípio geral segundo o qual a autoridade administrativa deve exercer os seus poderes em prazo razoável (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, Boehringer/Comissão, 45/69, Recueil, p. 769, n.° 6; Colect. 1969‑1970, p. 505). Diferentemente das decisões de mérito que põem termo ao processo, em que deve ser feita uma instrução prolongada, a questão de facultar a consulta dos autos a terceiros poderia ter sido examinada e decidida em qualquer altura, antes das audições. Nessa fase do processo, a Comissão tinha forçosamente que recusar a participação do FPÖ, uma vez que as acusações já tinham sido enviadas aos bancos em causa, as audições já se tinham realizado, os factos estavam assentes e o processo estava praticamente encerrado. Por conseguinte, essa transmissão, cuja função essencial é a de permitir ao denunciante, antes da audição, contribuir para a especificação dos factos e preparar‑se para a audição, já não tinha sentido nenhum.
143 A Comissão considera que esses argumentos são irrelevantes. O FPÖ não renunciou aos seus direitos, uma vez que não teve conhecimento das acusações. Além disso, o FPÖ não perdeu o seu direito à transmissão das acusações pelo facto de não ter imediatamente invocado o seu interesse e de não ter participado nas audições, uma vez que uma pessoa a quem tenha sido reconhecida a qualidade de requerente pode intervir até ao termo do processo, e que a Comissão não enviou um anteprojecto de decisão ao Comité Consultivo em matéria de Acordos e Posições Dominantes. No caso em apreço, o processo não estava encerrado, na medida em que não tinha sido adoptada nenhuma decisão definitiva, e a Comissão ainda podia alterar, tendo em conta as observações das partes, incluindo o FPÖ, as acusações inicialmente deduzidas.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
144 Há que observar, em primeiro lugar, que resulta da carta enviada pelo FPÖ à Comissão em 13 de Março de 2001 que o FPÖ não foi informado do desenrolar do processo nem das datas das audições. Assim, essa carta expunha que a Comissão lhe tinha anunciado, por ofícios de 5 de Outubro de 1999 e de 16 de Março de 2000, que receberia uma versão não confidencial das comunicações de acusações mas que, pelo facto de não lhe ter sido transmitida, o FPÖ tinha contactado a Comissão, que o tinha informado de que as audições já tinham tido lugar e de que o processo ia ser encerrado. O FPÖ pediu então a transmissão imediata das acusações e que lhe fosse dada possibilidade de formular observações e de participar num audição oral complementar.
145 Por outro lado, resulta dos referidos ofícios da Comissão de 5 de Outubro de 1999 e de 16 de Março de 2000, apresentados pela Comissão a pedido do Tribunal de Primeira Instância, que esta notificou o FPÖ de que receberia as acusações sem demora, referindo mesmo, no ofício de 5 de Outubro de 1999, que «[se esforçaria] por [lhe] fazer chegar a referida versão não confidencial na segunda quinzena [desse] mês» e, no ofício de 16 de Março de 2000, que «não [tinha] ainda sido possível transmitir […] a versão não confidencial da comunicação de acusações como tinha previsto a Direcção‑Geral da Concorrência […] porque exist[iam] questões relativas a segredos comerciais que ainda não [tinham] sido definitivamente resolvidas». Consequentemente, não pode acusar‑se o referido partido de não ter efectuado nenhuma diligência no sentido de obter as acusações anteriormente, uma vez que, tendo em conta essas informações, o FPÖ podia validamente contar receber a referida transmissão de modo a exercer o seu direito de audiência e de participar no processo.
146 Por conseguinte, a tese das recorrentes de que o FPÖ renunciou ao seu direito à transmissão das acusações não pode ser acolhida.
147 As recorrentes alegam que, em todo o caso, nessa fase do processo, o direito do FPÖ tinha precludido e, consequentemente, a Comissão já não tinha o direito de lhe transmitir as comunicações de acusações.
148 Há que observar que os Regulamentos n.° 17 e n.° 2842/98 não prevêem um prazo específico para um terceiro requerente ou denunciante que justifique um interesse legítimo exercer o seu direito de receber as acusações e a ser ouvido no âmbito de um processo de infracção. Assim, os artigos 7.° e 8.° do Regulamento n.° 2842/98 limitam‑se a dispor que a Comissão transmite as acusações ao referido requerente ou denunciante e fixa um prazo dentro do qual este pode expressar o seu ponto de vista por escrito, podendo também esse terceiro ser ouvido oralmente, se o requerer. Além disso, a Decisão 2001/462 permite ouvir o requerente ou o denunciante em qualquer fase do processo, referindo expressamente, no artigo 12.°, n.° 4, que, tendo em conta a necessidade de assegurar a observância do direito a ser ouvido, o auditor pode «dar às pessoas, associações de pessoas, empresas ou associações de empresas a oportunidade de apresentarem outras observações por escrito após a audição oral», fixando um prazo para a sua apresentação. Por conseguinte, o direito de um requerente ou de um denunciante à transmissão das acusações e a ser ouvido no âmbito do procedimento administrativo de declaração da existência de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE pode ser exercido até ao encerramento do processo.
149 Além disso, o artigo 10.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 dispõe que o Comité Consultivo em matéria de Acordos e Posições Dominantes é consultado antes de ser tomada qualquer decisão consecutiva a um processo de declaração da existência de infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Ora, de acordo com a jurisprudência, tal consulta constitui a última fase do processo antes da adopção da decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 35). Assim, enquanto o Comité Consultivo em matéria de Acordos e Posições Dominantes não tiver dado o parecer previsto no artigo 10.°, n.° 6, do Regulamento n.° 17 sobre o anteprojecto de decisão transmitido pela Comissão, o direito do requerente ou do denunciante de receber as acusações e de ser ouvido não se pode considerar precludido. Com efeito, enquanto o Comité Consultivo não tiver dado o seu parecer, nada impede que a Comissão possa examinar as observações dos terceiros partes no processo e possa ainda alterar, à luz dessas observações, a sua posição.
150 No caso em apreço, não foi contestado que, aquando da adopção da decisão impugnada, a Comissão ainda não tinha enviado o anteprojecto de decisão ao referido comité. Daqui decorre que, no momento em que foi tomada a decisão impugnada, o direito do FPÖ a receber as acusações e a participar no processo não estava precludido.
151 Por último, relativamente ao argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão não tinha o direito de transmitir a comunicação de acusações por não ter adoptado uma decisão num prazo razoável, há que observar, em primeiro lugar que, no caso presente, a constante oposição das recorrentes à transmissão das acusações ao FPÖ foi, em grande medida, a causa do prolongamento da duração do processo de transmissão das acusações. Ora, as recorrentes não podem invocar uma situação para a qual elas próprias contribuíram. Em segundo lugar, há que referir que as recorrentes não fizeram prova de que o processo de transmissão das acusações ao FPÖ tenha provocado qualquer atraso da decisão de declaração da existência da infracção susceptível de lesar os seus direitos de defesa. Com efeito, as recorrentes limitam‑se a invocar situações futuras e hipotéticas, que não podem servir de fundamento a essa lesão.
152 Consequentemente, a alegação de ter sido ultrapassado o prazo razoável também não pode ser acolhida.
153 Tendo em conta as considerações precedentes, os argumentos das recorrentes relativos à preclusão do direito do FPÖ a intervir no processo devem ser julgados improcedentes.
Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da economia processual e dos direitos de defesa
– Argumentos das partes
154 As recorrentes alegam que a transmissão das acusações nesta fase do processo viola o princípio da economia processual e os seus direitos de defesa.
155 Segundo as recorrentes, a possibilidade de transmitir as acusações a qualquer requerente até ao momento em que é elaborado o anteprojecto da decisão que põe termo ao processo impede a Comissão de conduzir diligentemente o processo. Com efeito, se o terceiro fornecesse mais informações, seria necessário ouvir de novo as empresas e o processo atrasar‑se‑ia, em violação do princípio da economia processual.
156 Além disso, uma transmissão tardia também constitui uma violação dos direitos de defesa das recorrentes. Se a transmissão das acusações não tivesse o efeito de permitir ao FPÖ expressar o seu ponto de vista, não seria necessário transmitir‑lhe as acusações, sendo suficiente uma simples comunicação informal sobre o estado do processo. Em contrapartida, se o FPÖ expressasse o seu ponto de vista e a Comissão desse novamente aos destinatários das acusações a oportunidade de se defenderem, o processo seria indevidamente prolongado, em prejuízo dos interesses das empresas em causa, impedindo‑as de organizar a sua defesa. Por último, se a Comissão não concedesse às empresas nova oportunidade de se pronunciarem na sequência da intervenção do FPÖ, os direitos de defesa seriam igualmente violados, uma vez que as empresas só poderiam tomar conhecimento dessa intervenção no âmbito de um recurso judicial interposto da decisão ulterior. Assim, conceder aos terceiros o poder de influenciar os processos escolhendo o momento da sua intervenção afectaria irrazoavelmente os seus direitos de defesa.
157 Por último, segundo as recorrentes, a Comissão nem sequer explicou a razão pela qual esperava que a transmissão de acusações ao FPÖ trouxesse à instrução elementos de prova suplementares, uma vez que, até então, o FPÖ não tinha dado nenhuma contribuição para o esclarecimento dos factos.
158 A Comissão considera que esses argumentos não têm fundamento. A transmissão das acusações não entrava o normal desenrolar do processo enquanto a Comissão não tiver enviado um anteprojecto de decisão aos membros do Comité Consultivo, como aconteceu. Além disso, o artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98 protege os terceiros que tenham apresentado um requerimento ao abrigo do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, e essa posição processual é claramente mais vantajosa do que a dos outros terceiros partes no processo. A Comissão, por conseguinte, não está autorizada a limitar o direito de audiência desse terceiro.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
159 Os argumentos invocados pelas recorrentes não podem ser acolhidos.
160 Em primeiro lugar, no que diz respeito ao argumento relativo às exigências de economia processual, há que recordar que o direito do FPÖ a receber a comunicação de acusações não pode considerar‑se precludido enquanto o processo administrativo estiver ainda em curso e o Comité Consultivo não tenha ainda recebido um anteprojecto de decisão de mérito. Assim, não podem ser validamente invocadas considerações de economia processual para limitar o direito do requerente ou do denunciante a receber a comunicação de acusações.
161 Em seguida, relativamente ao argumento das recorrentes respeitante à violação dos seus direitos de defesa devido à transmissão tardia das acusações ao FPÖ, há que mencionar que, no caso, as recorrentes apenas invocam situações futuras e hipotéticas em que os seus direitos de defesa poderiam alegadamente ser violados devido à transmissão tardia das acusações ao FPÖ. Ora, a protecção dos direitos de defesa deve ser apreciada à luz da situação de facto e de direito existente na data em que a decisão impugnada foi adoptada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7, e de 17 de Maio de 2001, IECC/Comissão, C‑449/98 P, Colect., p. I‑3875, n.° 87). Logo, não pode ser avaliada em função de acontecimentos futuros e hipotéticos.
162 Consequentemente, a alegação de violação dos direitos de defesa não tem fundamento.
163 Por último, o argumento invocado pelas recorrentes segundo o qual a Comissão não explicou por que razão esperava que a transmissão de acusações ao FPÖ trouxesse elementos de prova adicionais ao processo é irrelevante. Os artigos 7.° e 8.° do Regulamento n.° 2842/98 não sujeitam a transmissão das acusações aos requerentes ou aos denunciantes que preenchem os requisitos previstos no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 ao facto de esses terceiros virem depois a fornecer à Comissão contribuições para o esclarecimento dos factos em causa no processo em curso.
164 Daqui decorre que improcedem os argumentos relativos à violação do princípio da economia processual e dos direitos de defesa.
165 Tendo em conta as considerações precedentes, os terceiro, quarto e quinto fundamentos invocados pelas recorrentes devem ser julgados improcedentes na íntegra.
Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, em conjugação com o artigo 287.° CE, na medida em que a transmissão das acusações ao FPÖ viola o direito à confidencialidade dos segredos comerciais
166 As recorrentes sustentam que as decisões impugnadas são ilegais, uma vez que as comunicações de acusações a transmitir ao FPÖ contêm segredos comerciais e outras informações confidenciais em relação ao referido terceiro, em violação dos seus direitos à confidencialidade dos respectivos segredos comerciais previstos no artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, em conjugação com o artigo 287.° CE.
Quanto à admissibilidade
– Quanto ao preenchimento dos requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo
167 A Comissão contesta a admissibilidade desse fundamento, alegando que as petições dos presentes processos não preenchem os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Assim, no processo T‑213/01, a recorrente limita‑se a enumerar princípios de direito, sem indicar os factos e os subsumir a uma norma, e sem invocar razões que justifiquem o carácter confidencial das indicações controvertidas. De igual modo, no processo T‑214/01, a recorrente limitou‑se a fazer uma simples referência, na réplica, «a um grande número de informações» que estariam abrangidas pela confidencialidade (n.° 44) e a «provas consideráveis» postas à disposição da Comissão (n.° 49), sem citar uma única passagem das comunicações de acusações em relação à qual poderia requerer um tratamento confidencial.
168 O Tribunal de Primeira Instância recorda que o artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo dispõe que a petição deve ser suficientemente clara e precisa para que o demandado possa preparar a sua defesa e o Tribunal possa exercer a sua fiscalização. É necessário, para que o recurso ou acção seja admissível à luz do referido artigo, que os elementos essenciais de facto e de direito em que assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de uma maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1993, De Hoe/Comissão, T‑85/92, Colect., p. II‑523, n.° 20).
169 No que diz respeito ao processo T‑213/01, resulta do teor dos n.os 18 e 29 da petição inicial que a recorrente contesta a recusa da Comissão de considerar que as indicações relativas à identidade e à extensão da participação da recorrente no acordo, bem como as informações textualmente citadas nas comunicações de acusações extraídas dos documentos anexos a estas e em relação às quais tinha sido pedida a garantia de confidencialidade, merecem tratamento confidencial. Além disso, as razões pelas quais a recorrente considera que essas informações deveriam ser consideradas confidenciais decorrem suficientemente dos seus articulados.
170 Relativamente ao processo T‑214/01, importa observar que a recorrente sustentou na petição inicial que a Comissão está obrigada a não divulgar as informações que recolheu e que estão abrangidas pelo sigilo profissional, esclarecendo que as comunicações de acusações incluem segredos comerciais e alegando que, no caso concreto, o seu direito à não divulgação das informações contidas nas comunicações de acusações seria irremediavelmente violado em caso de transmissão ao FPÖ (v. n.os 44 a 46 da petição inicial). A recorrente observou, designadamente, que o anonimato da versão «não confidencial» das acusações elaborada pelo auditor não foi suficientemente garantido (v. n.° 17 da petição inicial). A recorrente, em seguida, esclareceu e desenvolveu essa alegação na réplica, recordando particularmente que a Comissão deveria ter suprimido das acusações todos os nomes de pessoas e bancos (v. n.os 44 a 49).
171 Daqui decorre que os argumentos invocados pelas recorrentes preenchem os requisitos previstos no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo.
172 Este fundamento de inadmissibilidade deve, portanto, ser julgado improcedente.
– Quanto ao preenchimento dos requisitos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo
173 No processo T‑213/01, a Comissão contesta a admissibilidade dos argumentos da recorrente relativos à confidencialidade de todas as acusações em relação ao FPÖ e à invocação dos artigos 8.° e 48.° da Carta, devido à sua alegação extemporânea, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo. No processo T‑214/01, alega que os argumentos invocados pela recorrente na réplica segundo os quais as referidas versões contêm informações confidenciais constituem um fundamento novo e, portanto, extemporâneo.
174 O Tribunal de Primeira Instância recorda que o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo proíbe a dedução de fundamentos novos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.
175 No caso em apreço, a recorrente no processo T‑213/01 alegou, na réplica, que todas as acusações eram confidenciais em relação ao FPÖ, na medida em que esse partido político não demonstrou um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e que, assim sendo, não tem fundamento jurídico para aceder às comunicações de acusações. No mesmo sentido, a recorrente invocou os princípios consagrados nos artigos 8.° e 48.° da Carta para reforçar a sua tese, constante da petição inicial, segundo a qual, na medida em que o FPÖ não tem um interesse legítimo na acepção do referido artigo 3.° do Regulamento n.° 17 e, portanto, não tem a qualidade de requerente ou de denunciante, todas as acusações deveriam ser tratadas, por força desses princípios, como confidenciais em relação ao FPÖ. Ora, o Tribunal de Primeira Instância considera que os argumentos da recorrente se conjugam correctamente com os elementos de direito que se revelaram durante o processo.
176 Relativamente ao processo T‑214/01, basta observar que, como foi referido, os argumentos acima mencionados constantes da réplica apenas esclarecem e desenvolvem a acusação formulada pela recorrente na sua petição inicial.
177 Consequentemente, há que julgar improcedente o fundamento de inadmissibilidade relativo ao artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.
Quanto ao mérito
– Argumentos das partes
178 As recorrentes sustentam que a transmissão das acusações ao FPÖ viola o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, em conjugação com o artigo 287.° CE, uma vez que as comunicações de acusações a transmitir a esse partido contêm segredos comerciais e outras informações confidenciais.
179 As recorrentes alegam, a título principal, que todas as informações contidas nas acusações são confidenciais em relação ao FPÖ. Por força dos artigos 8.° e 48.° da Carta, todas as acusações deveriam ser consideradas confidenciais em relação a terceiros que não tenham fundamento legítimo previsto na lei, para não violar a presunção de inocência. No caso em apreço, a Comissão não demonstrou que o FPÖ tinha um interesse legítimo e, consequentemente, todas as acusações seriam confidenciais. Além disso, as acusações não foram formuladas no âmbito de um processo contraditório e, portanto, se o FPÖ tivesse acesso a essas acusações, poderia extrair conclusões erradas e condenar antecipadamente as recorrentes.
180 Acresce que, segundo as recorrentes, essa confidencialidade é especialmente necessária em relação ao FPÖ, uma vez que a sua actividade não consiste em proteger os seus próprios interesses enquanto cliente, mas unicamente em defender interesses políticos. A Comissão não dispõe de meios jurídicos para evitar que as acusações transmitidas sejam objecto de abuso, não permitindo uma acção de indemnização intentada contra a Comissão ressarcir um prejuízo à reputação das recorrentes. Por conseguinte, o interesse legítimo destas em que as acusações permaneçam secretas deve prevalecer sobre o alegado interesse do FPÖ. Além disso, as recorrentes confirmam que, depois da transmissão, o FPÖ explorou efectivamente as acusações para efeitos políticos, comunicando‑as à imprensa e dando uma imagem deformada do seu conteúdo e do seu significado. Assim, em 27 de Janeiro de 2002, o governador do Land da Caríntia, membro e antigo presidente do FPÖ, J. Haider, expôs, numa entrevista televisiva, o conteúdo das comunicações de acusações transmitidas pela Comissão, e proferiu acusações contra os bancos em causa. Em seguida, essas críticas foram publicadas em diversos sítios Internet, entre eles, o do FPÖ. Em 1 de Fevereiro de 2002, J. Haider reiterou as suas acusações numa conferência de imprensa. Essas declarações foram publicadas pelos meios de comunicação social austríacos em artigos que citavam literalmente extractos da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999. Os nomes das recorrentes foram citados por diversas vezes. Estas, devido à condenação feita pelos meios de comunicação social, ficaram impotentes face à perda de confiança por parte dos clientes.
181 Por último, as recorrentes alegam que, dado que, no caso presente, a transmissão das acusações já não podia desempenhar a sua função essencial, que consiste em permitir ao denunciante preparar‑se para a audição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Postbank/Comissão, T‑353/94, Colect., p. II‑921, n.° 10), uma vez que esta já se tinha realizado, a Comissão efectuou uma errada ponderação dos interesses em jogo ao subordinar o interesse legítimo das recorrentes em que as acusações fossem mantidas em total sigilo ao respeito formal de um direito de consulta do processo alegado pelo FPÖ.
182 A título subsidiário, as recorrentes referem que as versões alegadamente não confidenciais das comunicações de acusações a transmitir ao FPÖ contêm um número significativo de informações cuja confidencialidade têm o direito de exigir.
183 Assim, por um lado, a recorrente no processo T‑213/01 sustenta que as informações contidas nos n.os 216, 218 e 219 da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999, relativas ao modo e à extensão da sua participação no acordo, devem receber tratamento confidencial em relação ao FPÖ. A afirmação da Comissão de que essas informações não são segredos comerciais, uma vez que o FPÖ já conhecia a identidade da recorrente, não é exacta, na medida em que o FPÖ não a citou no seu requerimento. Por outro lado, as informações resultantes dos documentos transmitidos voluntariamente pela recorrente e citados na comunicação de acusações também são confidenciais, nos termos do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2842/98 e da comunicação da Comissão relativa às regras de procedimento interno para o tratamento dos pedidos de consulta do processo nos casos de aplicação dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CE, dos artigos 65.° e 66.° do Tratado CECA e do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho (JO C 23, de 23 de Janeiro de 1997, p. 3). Ora, a decisão do auditor de não transmitir esses documentos não é suficiente para garantir a sua confidencialidade, pois os mesmos foram literalmente reproduzidos na comunicação de acusações.
184 No processo T‑214/01, a recorrente observa que o auditor indeferiu erradamente o seu requerimento de 18 de Novembro de 1999 no sentido de que fossem ocultados os nomes das pessoas e dos bancos em causa, considerando que só os segredos comerciais beneficiam de tratamento confidencial. Acrescenta que as comunicações de acusações contêm numerosas outras informações abrangidas pela garantia de confidencialidade.
185 A Comissão considera que esses argumentos não têm qualquer fundamento.
– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
186 As recorrentes alegam, a título principal, que todas as informações contidas nas comunicações de acusações são confidenciais em relação ao FPÖ, uma vez que este não tem um interesse legítimo na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.
187 Esta alegação não pode ser acolhida. Com efeito, já acima se considerou que o FPÖ tinha, no caso presente, um interesse legítimo em que fosse declarada a existência da alegada infracção ao artigo 81.° CE, nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 (v. n.os 110 a 118, infra). Por conseguinte, nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98, o FPÖ, na sua condição de requerente, tinha o direito de receber uma versão não confidencial das comunicações de acusações.
188 Esta apreciação não pode ser posta em causa pelos argumentos invocados pelas recorrentes respeitantes à eventual exploração abusiva das acusações pelo FPÖ nem devido aos factos que ocorreram depois da transmissão efectiva das acusações ao FPÖ.
189 Em primeiro lugar, a Comissão não é obrigada a limitar, com base em simples suspeitas relativas a uma eventual utilização abusiva das acusações, o direito à transmissão das comunicações de acusações previsto no artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98 a favor de um terceiro requerente que demonstre validamente um interesse legítimo. Além disso, importa observar que, no caso vertente, a Comissão chamou a atenção do FPÖ para o facto de a transmissão das acusações ter lugar apenas no âmbito e apenas para efeitos do processo de infracção. Assim, resulta do ofício do auditor de 30 de Janeiro de 2002 que a Comissão informou o FPÖ de que a transmissão tinha por única finalidade facilitar‑lhe o exercício dos seus direitos de requerente, de que as acusações reflectiam a opinião provisória da Comissão, de que era proibida toda e qualquer utilização dos documentos ou do seu conteúdo para fins estranhos ao processo e de que os bancos em causa no processo – que tinham contestado as acusações – deviam ser considerados inocentes enquanto a Comissão não tomasse uma decisão de mérito no processo.
190 Em segundo lugar, relativamente aos factos que ocorreram depois da transmissão das acusações ao FPÖ, há que recordar que a legalidade de um acto deve ser apreciada face às circunstâncias de direito e de facto existentes no momento em que essa decisão foi adoptada, pelo que os actos posteriores à adopção de uma decisão não podem afectar a sua validade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.° 16, e Dow Benelux/Comissão, 85/87, Colect., p. 3137, n.° 49). Consequentemente, esses acontecimentos não podem ser validamente invocados para contestar o acerto da decisão impugnada.
191 Por último, também não há que acolher o argumento das recorrentes segundo o qual, no caso em apreço, a transmissão das acusações já não podia desempenhar a sua função essencial de permitir ao denunciante preparar‑se para a audição, pelas razões acima expostas no n.° 148.
192 Por conseguinte, os argumentos das recorrentes relativos à confidencialidade de todas as acusações em relação ao FPÖ não podem ser acolhidos.
193 A título subsidiário, as recorrentes sustentam que certas informações contidas nas comunicações de acusações são confidenciais em relação ao FPÖ.
194 Assim, a recorrente no processo T‑213/01 alega que as informações contidas nos n.os 216, 218 e 219 da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 no que respeita à sua identidade bem como o modo e a extensão da sua participação no acordo deveriam ser considerados confidenciais e, consequentemente, suprimidas das versões das comunicações de acusações a transmitir ao FPÖ.
195 Relativamente à identidade da recorrente, importa observar que esta não explica em que medida o seu nome se reveste de carácter confidencial. Assim, deve improceder esta alegação, visto estar insuficientemente fundamentada. De resto, há que observar que, antes da transmissão da comunicação de acusações ao FPÖ, a recorrente já era citada como uma das demandadas na acção colectiva instaurada a propósito dessas mesmas práticas nos órgãos jurisdicionais dos Estados Unidos da América. De igual modo, há que referir que, na audiência do processo de medidas provisórias, a recorrente não contestou que o seu nome já era mencionado pela imprensa em relação ao processo em causa. Consequentemente, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o seu alegado envolvimento nos inquéritos em causa já era conhecido pelo público. Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que o simples facto de o nome da recorrente não aparecer no requerimento apresentado pelo FPÖ à Comissão em 24 de Junho de 1997 não é suficiente para fazer do seu nome uma informação confidencial em relação a terceiros requerentes.
196 Consequentemente, a alegação relativa ao carácter confidencial da identidade da recorrente não pode ser acolhida.
197 Quanto às informações relativas à extensão da participação da recorrente no processo T‑213/01 nas práticas denunciadas, os referidos números da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 contêm referências aos lugares de pessoas que trabalham para a recorrente que teriam participado em reuniões anticoncorrenciais. Todavia, a recorrente não explica em que medida essas referências lesam os seus interesses, nem por que razão essas referências deveriam ser abrangidas pelo benefício da confidencialidade em relação aos terceiros requerentes.
198 Por último, relativamente às condições bancárias referidas no n.° 219 da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999, que foram alegadamente discutidas numa reunião entre os bancos acusados, há que observar que as informações sensíveis de ordem comercial das empresas em causa no processo de infracção constituem informações confidenciais susceptíveis de beneficiar da garantia de confidencialidade. Com efeito, o artigo 287.° CE faz expressamente referência às informações «respeitantes às empresas e respectivas relações comerciais ou elementos dos seus preços de custo» como informações abrangidas pelo sigilo profissional.
199 Todavia, importa observar que o carácter confidencial desses dados pode razoavelmente ser afastado devido à antiguidade das informações em causa (despachos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Novembro de 1990, Rhône‑Poulenc e o./Comissão, T‑1/89 a T‑4/89 e T‑6/89 a T‑15/89, Colect., p. II‑637, n.° 23, e de 19 de Junho de 1996, NMH Stahlwerke e o./Comissão, T‑134/94, T‑136/94 a T‑138/94, T‑141/94, T‑145/94, T‑147/94, T‑148/94, T‑151/94, T‑156/94 e T‑157/94, Colect., p. II‑537, n.° 24). No caso em apreço, resulta dos n.os 216, 218 e 219 da comunicação de acusações que as informações controvertidas são relativas, no essencial, às taxas de juro mínimas para os empréstimos para diversos produtos bancários que foram alegadamente concedidos pela recorrente e pelos outros bancos acusados em Abril de 1996. Por conseguinte, tendo essas informações mais de cinco anos à data da adopção da decisão impugnada, o auditor podia validamente concluir que tinham adquirido carácter histórico e que, consequentemente, podiam ser comunicadas ao FPÖ.
200 Consequentemente, os argumentos invocados pela recorrente no processo T‑213/01, relativos ao carácter confidencial das informações contidas nos n.os 216, 218 e 219 da comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999, devem ser julgados improcedentes.
201 Além disso, a recorrente no processo T‑213/01 sustenta que as informações textualmente citadas nas comunicações de acusações extraídas dos respectivos documentos anexos e em relação aos quais foi dada uma garantia de confidencialidade também deveriam ser considerados confidenciais.
202 Todavia, há que observar que a recorrente se limita a invocar esse argumento, sem identificar que informações são essas, em que partes das comunicações de acusações se encontram e por que razões precisas e específicas são susceptíveis de beneficiar da garantia de confidencialidade.
203 Consequentemente, há que concluir que os argumentos da recorrente no processo T‑213/01 relativos ao carácter confidencial de determinadas informações contidas nas acusações são improcedentes.
204 Por sua vez, a recorrente no processo T‑214/01 sustenta que o auditor teve que suprimir os nomes das pessoas e dos bancos em causa. Ora, há que observar que a recorrente era expressamente citada no requerimento apresentado pelo FPÖ junto da Comissão em 24 de Junho de 1997. De igual modo, constava igualmente entre as demandadas na acção colectiva intentada nos órgãos jurisdicionais dos Estados Unidos da América. Por outro lado, no que diz respeito aos nomes das pessoas em causa, importa observar que a sua identidade não constava das versões não confidenciais das comunicações de acusações, que, como referido, só faziam referência aos lugares ocupados e às funções genéricas exercidas por essas pessoas.
205 Por último, a recorrente no processo T‑214/01 alega igualmente que as comunicações de acusações contêm numerosas outras informações abrangidas pela garantia de confidencialidade. A este respeito, basta observar que a recorrente de modo nenhum identificou essas informações ou fundamentou o seu alegado carácter confidencial.
206 Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que as alegações da recorrente no processo T‑214/01, relativas ao carácter confidencial de determinadas informações contidas nas comunicações de acusações em causa, também devem ser julgadas improcedentes.
207 Consequentemente, o sexto fundamento, relativo à violação do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, em conjugação com o artigo 287.° CE, deve ser julgado improcedente.
Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do princípio da protecção da confiança legítima
Argumentos das partes
208 As recorrentes alegam que a transmissão das comunicações de acusações ao FPÖ também viola o princípio da protecção da confiança legítima. Cooperaram com a Comissão na reconstrução comum dos factos, tendo fornecido um grande número de documentos, na condição de essas informações não serem acessíveis a terceiros. Todavia, a Comissão, na acusação, citou literalmente passagens desses documentos transmitidos sob reserva de confidencialidade. Ao permitir que o FPÖ lhes acedesse, a Comissão violou a confiança legítima que criou nos bancos relativamente à confidencialidade dessas informações (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1978, Töpfer/Comissão, 112/77, Colect., p. 357, 367). A tese da Comissão contraria, além disso, a sua comunicação relativa às regras de procedimento interno para o tratamento dos pedidos de consulta do processo, já referida, que alude à necessidade de proteger as informações em relação às quais foi pedida confidencialidade e que incluem «determinados tipos de informações comunicadas à Comissão, […] designadamente de documentos recolhidos no âmbito de uma verificação que pertençam ao património de uma empresa e relativamente aos quais esta tenha solicitado a não divulgação» (n.° I A 2, segundo parágrafo, da comunicação).
209 A Comissão observa que o artigo 7.° do Regulamento n.° 2842/98 reconhece a qualquer denunciante o direito à transmissão de uma versão não confidencial das acusações. Todas as promessas feitas pelas partes quanto à protecção da confidencialidade das informações fornecidas de livre vontade pelos bancos em causa em nada podem alterar esse direito.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
210 É jurisprudência assente que o direito de invocar o princípio da protecção da confiança legítima se estende a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a Administração comunitária lhe criou expectativas fundadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1987, Van den Bergh en Jurgens/Comissão, 265/85, Colect., p. 1155, n.° 44, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1998, Embassy Limousines & Services/Parlamento, T‑203/96, Colect., p. II‑4239, n.° 74). Por outro lado, ninguém pode invocar uma violação desse princípio na falta de garantias precisas fornecidas pela Administração (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão, T‑113/96, Colect., p. II‑125, n.° 68, e de 18 de Janeiro de 2000, Mehibas Dordtselaan/Comissão, T‑290/97, Colect., p. II‑15, n.° 59).
211 Há que recordar que as recorrentes e os outros bancos a quem o processo diz respeito, por uma nota preliminar junta à exposição comum apresentada à Comissão em 16 de Dezembro de 1998, solicitaram que fosse dado tratamento confidencial à referida exposição em relação a terceiros. No entanto, não resulta dos autos que a Comissão tenha dado às recorrentes a garantia de que não comunicaria os dados contidos nessa exposição a terceiros requerentes. Por outro lado, as recorrentes também não apresentaram elementos nem indícios susceptíveis de provar a existência de um acordo da Comissão relativamente a um tratamento absolutamente confidencial desses anexos.
212 Nestas circunstâncias, não se pode sustentar validamente que o princípio da protecção da confiança legítima foi violado.
213 Essa apreciação não pode ser posta em causa pelo facto de o auditor ter expressamente referido na lista 1 que os documentos juntos à comunicação de acusações de 10 de Setembro de 1999 não iam ser transmitidos aos terceiros requerentes. O conteúdo dessa lista não pode ter criado uma confiança legítima nas recorrentes uma vez que, para além do facto de se referir estritamente aos documentos anexos enquanto tais, a enumeração pormenorizada, nessa lista, dos pontos da comunicação de acusações que iam ser notificados nunca incluiu a supressão nem a dissimulação dos extractos desses anexos reproduzidos na comunicação. Por último, há que observar que, contrariamente ao que as recorrentes sustentam, a comunicação da Comissão sobre o tratamento dos requerimentos para consulta do processo, já referida, não consagra um direito absoluto à confidencialidade dos documentos que fazem parte do património de uma empresa e em relação aos quais esta pede a não divulgação a terceiros.
214 Consequentemente, o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.
215 Tendo em conta as considerações precedentes, há que negar provimento aos recursos na íntegra.
Quanto às despesas
216 Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal de Primeira Instância pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.
217 Tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente o facto de a Comissão ter sido vencida na questão relativa à admissibilidade dos recursos, há que condenar a Comissão a suportar as despesas decorrentes dos fundamentos relativos à admissibilidade, que o Tribunal de Primeira Instância fixa num terço das despesas relativas ao processo principal. As recorrentes suportarão dois terços das despesas relativas ao processo principal e a totalidade das despesas relativas aos processos de medidas provisórias.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)
decide:
1) É negado provimento aos recursos.
2) As recorrentes suportarão dois terços das despesas relativas ao processo principal e a totalidade das despesas relativas aos processos de medidas provisórias.
3) A Comissão suportará um terço das despesas relativas ao processo principal.
Lindh |
García‑Valdecasas |
Cooke |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Junho de 2006.
O secretário |
O presidente |
E. Coulon |
P. Lindh |
* Língua do processo: alemão.