Processo C-253/01


S. A. Krüger
contra
Directie van de rechtspersoonlijkheid bezittende Dienst Wegverkeer



(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Arrondissementsrechtbank te Rotterdam)

«Artigo 104.°, n.° 3, do Regulamento de Processo – Livre circulação de pessoas – Directiva 91/439/CEE – Carta de condução – Reconhecimento mútuo – Obrigação de troca»

Despacho do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 29 de Janeiro de 2004
    

Sumário do despacho

Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Carta de condução – Directiva 91/439 – Carta de condução emitida pelo Estado‑Membro de origem, que não pode ser inscrita no registo das cartas de condução do Estado‑Membro de acolhimento – Obrigação de trocar a carta – Inadmissibilidade – Respeito das condições relativas à renovação da carta de condução neste último Estado – Ónus da prova que incumbe ao titular da carta de condução – Discriminação em razão da nacionalidade – Proibição – Inaplicabilidade numa situação puramente interna de um Estado‑Membro

(Directiva 91/439 do Conselho, artigo 1.°)

O artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 91/439, relativa à carta de condução, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 96/47, que assegura o reconhecimento mútuo das cartas de condução de modelo comunitário, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que impõe, em determinadas circunstâncias, aos titulares de uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro estabelecidos no seu território, uma obrigação de trocar a referida carta de condução nacional com o fundamento de que uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro e que não está em conformidade com as disposições em matéria de período de validade aplicáveis no Estado‑Membro de acolhimento não pode ser inscrita no registo das cartas de condução deste último Estado.

Incumbe ao titular de uma carta de condução emitida por um Estado‑Membro que passa a ter a sua residência normal no território doutro Estado‑Membro, o qual utiliza a faculdade prevista no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 91/439, de aplicar algumas das suas disposições nacionais, fazer a prova de que reúne as condições enunciadas pelas disposições do Estado‑Membro de acolhimento relativas à renovação da carta de condução. Contudo, desde que esta prova seja feita, incumbe às autoridades deste último Estado retirar as consequências deste facto e autorizar o referido titular a conduzir um veículo ao abrigo da sua carta de condução de origem.

Esta conclusão não é posta em causa pela circunstância de um Estado‑Membro ser impedido de exigir aos cidadãos comunitários residentes no seu território que troquem a sua carta de condução emitida por outro Estado‑Membro por uma carta de condução nacional, quando os titulares de uma carta nacional, que são normalmente cidadãos do Estado‑Membro de acolhimento, são obrigados a trocar periodicamente esta carta por uma nova carta. Com efeito, as eventuais discriminações de que os nacionais de um Estado‑Membro possam ser objecto à luz do direito desse Estado enquadram‑se no âmbito de aplicação deste direito, de modo que devem ser resolvidas no quadro do sistema jurídico interno do referido Estado.

(cf. n.os 35‑37, disp.)




DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
29 de Janeiro de 2004(1)

«Artigo 104.°, n.° 3, do Regulamento de Processo – Livre circulação de pessoas – Directiva 91/439/CEE – Carta de condução – Reconhecimento mútuo – Obrigação de troca»

No processo C-253/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Arrondissementsrechtbank te Rotterdam (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

S. A. Krüger

e

Directie van de rechtspersoonlijkheid bezittende Dienst Wegverkeer,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação, por um lado, do artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 91/439/CEE do Conselho, de 29 de Julho de 1991, relativa à carta de condução (JO L 237, p. 1), com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 96/47/CE do Conselho, de 23 de Julho de 1996 (JO L 235, p. 1), e, por outro, das disposições do Tratado CE relativas à livre circulação de pessoas,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),



composto por: A. Rosas, presidente de secção, R. Schintgen (relator) e N. Colneric, juízes,

advogado-geral: P. Léger,
secretário: R. Grass,

tendo o órgão jurisdicional de reenvio sido informado de que o Tribunal de Justiça se propõe decidir por via de despacho fundamentado em conformidade com o artigo 104.°, n.° 3, do seu Regulamento de Processo,tendo os interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça sido convidados a apresentar as suas eventuais observações a este respeito,ouvido o advogado-geral,

profere o presente



Despacho



1
Por despacho de 27 de Junho de 2001, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Julho seguinte, o Arrondissementsrechtbank te Rotterdam submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação, por um lado, do artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 91/439/CEE do Conselho, de 29 de Julho de 1991, relativa à carta de condução (JO L 237, p. 1), com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 96/47/CE do Conselho, de 23 de Julho de 1996 (JO L 235, p. 1, a seguir «Directiva 91/439»), e, por outro, das disposições do Tratado CE relativas à livre circulação de pessoas.

2
Estas questões foram suscitadas no âmbito do litígio que opõe S. A. Krüger à Directie van de rechtspersoonlijkheid bezittende Dienst Wegverkeer (Direcção do Serviço de Circulação Rodoviária) relativamente ao registo e troca nos Países Baixos da carta de condução de que o interessado é titular.


Enquadramento jurídico

A regulamentação comunitária

3
O primeiro considerando da Directiva 91/439 tem a seguinte redacção:

«[...] em termos de política comum de transportes e tendo em vista contribuir para a melhoria da segurança da circulação rodoviária, bem como para facilitar a circulação das pessoas que se estabelecem num Estado‑Membro diferente daquele em que foram aprovadas num exame de condução, é desejável que exista uma carta de condução nacional de modelo comunitário mutuamente reconhecido pelos Estados‑Membros sem obrigação de troca;»

4
O nono considerando desta mesma directiva prevê:

«[...] o artigo 8.° da Directiva 80/1263/CEE e, nomeadamente, a obrigação de troca das cartas de condução no prazo de um ano, no caso de mudança de residência habitual, constituem um obstáculo à livre circulação das pessoas e não pode ser admitido, tendo em conta os progressos já obtidos no âmbito da integração europeia;»

5
O artigo 1.° da Directiva 91/439 dispõe:

«1.     Os Estados‑Membros estabelecerão a carta de condução nacional segundo o modelo comunitário descrito no anexo I ou I A, nos termos da presente directiva.

2.       As cartas de condução emitidas pelos Estados‑Membros são mutuamente reconhecidas.

3.       Sempre que um titular de carta de condução válida transferir a sua residência habitual para um Estado‑Membro diferente do que emitiu a carta, o Estado‑Membro de acolhimento pode aplicar ao titular da carta as suas disposições nacionais em matéria de período de validade da carta, de controlo médico e de legislação fiscal e pode inscrever na carta as referências indispensáveis à sua gestão.»

6
Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Directiva 91/439:

«Os Estados‑Membros adoptarão todas as disposições adequadas para evitar os riscos de falsificação das cartas de condução.»

7
Nos termos do artigo 7.°, n.° 5, desta mesma directiva, uma pessoa apenas pode ser titular de uma única carta de condução emitida por um Estado‑Membro.

8
O artigo 8.° da Directiva 91/439 prevê:

«1.     No caso de o titular de uma carta de condução válida emitida por um Estado‑Membro ter adquirido residência habitual noutro Estado‑Membro, pode solicitar a troca da sua carta de condução por outra carta equivalente; compete ao Estado‑Membro que proceder à troca verificar, se necessário, se a carta apresentada permanece efectivamente válida.

2.       Sem prejuízo do cumprimento do princípio da territorialidade das leis penais e das disposições de polícia, o Estado‑Membro de residência habitual pode aplicar ao titular de uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro as suas disposições nacionais em matéria de restrição, suspensão, retirada ou anulação do direito de conduzir e, se necessário, proceder, para o efeito, à troca dessa carta.

3.       O Estado‑Membro que proceder à troca enviará a antiga carta às autoridades do Estado‑Membro que a tiver emitido, especificando os motivos desta formalidade.

4.       Um Estado‑Membro pode recusar, a uma pessoa que seja objecto no seu território de uma das medidas referidas no n.° 2, reconhecer a validade de qualquer carta de condução emitida por outro Estado‑Membro.

Um Estado‑Membro pode igualmente recusar emitir uma carta de condução a um candidato que seja objecto de uma dessas medidas noutro Estado‑Membro.

[...]»

A regulamentação nacional

9
Nos Países Baixos, o essencial das disposições em matéria de cartas de condução consta da regulamentação geral relativa à circulação rodoviária, da qual a Wegenverkeerswet faz parte (lei relativa à circulação rodoviária), de 21 de Abril de 1994 (Stbl. 1994, n.° 475), na sua redacção alterada (Stbl. 1996, n.° 276, a seguir «WVW 1994»).

10
Em conformidade com o artigo 107.°, n.° 1, da WVW 1994, o condutor de um veículo a motor que circule na via pública deve estar munido de carta de condução emitida pela autoridade competente, que lhe permita conduzir esse veículo, estando subentendido que a referida autoridade é a competente nos Países Baixos. O n.° 2 deste mesmo artigo precisa as várias características que deve preencher esta carta de condução e prevê, designadamente, que a mesma deve encontrar‑se dentro do respectivo período de validade.

11
O artigo 108.°, n.° 1, alínea h), da WVW 1994 dispõe:

«1.     O artigo 107.° não se aplica aos condutores de:

[...]

h)
veículos a motor, quando os seus condutores residam nos Países Baixos e a autoridade competente de outro Estado‑Membro das Comunidades Europeias ou de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu tenha emitido em seu nome uma carta de condução válida para a condução de um veículo a motor correspondente àquele que conduzem, durante o respectivo período de validade nos Países Baixos fixado quando da inscrição desta carta de condução no registo das cartas de condução ou, se esta carta não tenha sido inscrita no registo das cartas de condução ou se o prazo de validade nos Países Baixos fixado quando do registo for inferior a um ano, enquanto não tiver decorrido um ano após o dia em que estes se tenham estabelecido nos Países Baixos.»

12
Nos termos do artigo 109.° da WVW 1994:

«1.     O período de validade nos Países Baixos fixado quando do registo, a que se refere o artigo 108.°, n.° 1, alínea h), é:

a)
dez anos a partir da data da emissão, quando a carta de condução tenha sido emitida em nome da pessoa que não tinha ainda atingido 60 anos de idade na data da sua emissão;

[...]»

13
Nos termos do artigo 122.°, n.° 1, da WVW 1994, uma carta de condução emitida a um requerente que não tenha ainda 60 anos de idade tem um período de validade de dez anos a partir da data da emissão. Quando o requerente tem entre 60 e 65 anos, a carta de condução é válida desde o dia da emissão até ao dia em que o requerente atinge a idade de 70 anos. Quando o requerente tem 65 anos ou mais, a carta de condução tem uma validade de cinco anos desde a emissão.

14
O artigo 177.°, n.° 1, da WVW 1994 prevê a aplicação, nos casos de condução sem carta de condução, com carta de condução cujo período de validade tenha expirado ou com carta de condução que não preencha as condições fixadas na matéria pela ou por força desta lei, de uma sanção de natureza penal, ou seja, uma pena de prisão de dois meses, no máximo, ou uma multa.

15
O artigo 2.°, n.° 1, da Wet administratiefrechtelijke handhaving verkeersvoorschriften (lei para a aplicação de normas administrativas no referente à circulação rodoviária), de 3 de Julho de 1989 (Stbl. 1989, n.° 300), com a mais recente alteração que lhe foi dada pela Lei de 28 de Outubro de 1999 (Stbl. 1999, n.° 469, a seguir «WAHV»), prevê, no que respeita a certos comportamentos contrários às disposições estabelecidas pela ou por força da WVW 1994, a aplicação de sanções administrativas em substituição das sanções de natureza penal previstas nesta última.


O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

16
Resulta do despacho de reenvio que S. A. Krüger, cidadã alemã, reside e trabalha nos Países Baixos desde Janeiro de 1996. É titular de uma carta de condução emitida pelas autoridades alemãs em 2 de Setembro de 1983. Esta carta tem, em conformidade com o direito alemão, uma validade ilimitada. Para cumprir o artigo 108.°, n.° 1, alínea h), da WVW 1994, S. A. Krüger pediu, por carta de 14 de Junho de 1996, à Direcção do Serviço da Circulação Rodoviária o registo da referida carta. Por decisão de 1 de Outubro de 1996, esta direcção indeferiu o referido pedido com o fundamento de a carta em causa ter sido emitida há mais de dez anos. Por aplicação da legislação neerlandesa esta carta não podia ser registada mas devia ser trocada por uma carta de condução neerlandesa.

17
S. A. Krüger recorreu desta decisão para o Arrondissementsrechtbank te Rotterdam invocando que o indeferimento do pedido de registo da carta de condução, por um lado, consiste num entrave à livre circulação de pessoas que não pode ser justificado por razões objectivas de interesse geral e, por outro, é contrário ao princípio do reconhecimento mútuo das cartas de condução constante do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 91/439, como interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 29 de Fevereiro de 1996, Skanavi e Chryssanthakopoulos (C‑193/94, Colect., p. I‑929).

18
Neste órgão jurisdicional, a Direcção do Serviço de Circulação Rodoviária sustentou que a impossibilidade de registar uma carta de condução emitida há mais de dez anos não constitui um entrave à livre circulação de pessoas uma vez que é indistintamente aplicada aos titulares de uma carta de condução neerlandesa e aos titulares de uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro. Em qualquer caso, mesmo admitindo que a legislação neerlandesa seja constitutiva de um entrave deste tipo, este seria justificado em relação ao objectivo prosseguido, a saber, a renovação das cartas de condução de dez em dez anos. Acrescentou ainda que a Directiva 91/439 não se opõe a que o titular de uma carta de condução alemã que se estabelece nos Países Baixos seja obrigado a proceder à troca desta carta por uma carta neerlandesa.

19
No seu despacho de reenvio, o Arrondissementsrechtbank te Rotterdam refere que, para uma pessoa que se encontra numa situação como a de S. A. Krüger, as disposições da WVW 1994 levam de facto à existência ou, pelo menos, à nascença de uma obrigação de trocar a sua carta de condução num prazo de um ano se não quiser entrar em conflito com a lei. Ora, parece resultar quer do nono considerando da Directiva 91/439 quer do n.° 42 do acórdão de 29 de Outubro de 1998, Awoyemi (C‑230/97, Colect., p. I‑6781), que a referida directiva impõe aos Estados‑Membros a obrigação de evitar que o titular de uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro seja obrigado a trocar esta carta por uma carta de condução neerlandesa.

20
Considerando que, nestas condições, a solução do litígio pendente perante si necessita da interpretação do direito comunitário, o Arrondissementsrechtbank te Rotterdam decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)
A Directiva 91/439 – e mais precisamente o seu artigo 1.°, n.os 1 e 2 – deve ser interpretada no sentido de que não está em contradição com ela uma regulamentação nacional que transpõe as suas disposições para o direito interno, nos termos da qual é imposta ao titular de uma carta de condução emitida pelas autoridades competentes na República Federal da Alemanha, e que tem um prazo de validade vitalício, a obrigação de trocar essa carta no prazo de um ano a contar da fixação da sua residência normal nos Países Baixos, porque a carta de condução emitida há mais de dez anos num outro Estado‑Membro não pode ser registada nos Países Baixos e, no caso de falta de registo da carta de condução, o seu titular comete um facto penalmente sancionável ao conduzir um veículo a motor nos Países Baixos?

2)
Uma regulamentação nacional como a descrita na primeira questão, com as consequências aí descritas, constitui um obstáculo à livre circulação de pessoas e, em caso afirmativo, esse obstáculo pode ser justificado por considerações que se prendem com a renovação periódica dos dados indicados nesse documento e a adaptação desse documento aos progressos técnicos relativos às exigências impostas ao documento em matéria de protecção e de luta contra a fraude?»


Quanto à primeira questão

21
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 91/439 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que impõe aos titulares de uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro estabelecidos no seu território uma obrigação de trocar a referida carta de condução nacional com o fundamento de que uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro e que não está em conformidade com as disposições em matéria de validade aplicáveis no Estado‑Membro de acolhimento não pode ser inscrita neste Estado no registo das cartas de condução.

22
Considerando que a resposta à questão prejudicial submetida pode inferir‑se claramente da sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça, em conformidade com o disposto no artigo 104.°, n.° 3, do seu Regulamento de Processo, informou o órgão jurisdicional de reenvio de que tencionava pronunciar‑se por despacho fundamentado e convidou as partes a que se refere o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça a apresentar eventuais observações a esse respeito.

23
O Governo do Reino Unido e a Comissão não contestaram a intenção do Tribunal de decidir através de despacho fundamentado; em contrapartida, S. A. Krüger, o Governo espanhol, o Governo finlandês e o Governo neerlandês manifestaram uma opinião contrária.

24
Para responder à questão que foi formulada, há que observar, em primeiro lugar, que resulta dos n.os 60 a 63 e 67 a 70 do acórdão de 10 de Julho de 2003, Comissão/Países Baixos (C‑246/00, Colect., p. I‑0000), que a Directiva 91/439 se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê o registo obrigatório das cartas de condução emitidas por outros Estados‑Membros quando os seus titulares se estabelecem no seu território.

25
Assim, depois de ter recordado nos n.os 60 e 61 do acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, que, em conformidade com a jurisprudência, por um lado, o reconhecimento mútuo das cartas de condução previsto no artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 91/439, deve ser assegurado sem qualquer formalidade (v. acórdãos, já referidos, Skanavi e Chryssanthakopoulos, n.° 26, bem como Awoyemi, n.° 41), e por outro, a obrigação de reconhecimento mútuo das cartas de condução é uma obrigação precisa e incondicional em relação à qual os Estados‑Membros não dispõem de qualquer margem de apreciação quanto às medidas a adoptar para com esta se conformarem (v. acórdão Awoyemi, já referido, n.° 42), o Tribunal de Justiça decidiu, no n.° 63 do mesmo acórdão, que o registo obrigatório de uma carta de condução emitida por um outro Estado‑Membro, previsto pela legislação neerlandesa, constitui uma formalidade, na acepção da jurisprudência já referida e, portanto, é contrário ao princípio do reconhecimento mútuo das cartas de condução constante do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 91/439.

26
O Tribunal de Justiça decidiu também, nos n.os 67 a 70 do acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, que o registo obrigatório das cartas de condução emitidas por um outro Estado‑Membro não é indispensável para permitir a um Estado‑Membro de utilizar a faculdade, prevista no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 91/439, de aplicar ao titular de uma carta de condução emitida por um outro Estado‑Membro que se estabelece nos Países Baixos as suas disposições nacionais em matéria de período de validade da carta, de exames médicos, bem como de fiscalidade e de inscrição das anotações indispensáveis à gestão.

27
A este respeito, o Tribunal de Justiça referiu, em primeiro lugar, que o facto de uma carta emitida por outro Estado‑Membro não ser registada nos Países Baixos não impede que, por ocasião de controlos rodoviários, as autoridades neerlandesas possam correctamente aplicar as disposições nacionais em matéria de período de validade das cartas de condução, calculando um período de dez anos a contar da data de emissão mencionada na referida carta de condução.

28
Seguidamente, decidiu que o registo controvertido também não se revelava indispensável para permitir às autoridades nacionais competentes verificarem se as disposições nacionais referentes à renovação da carta de condução e aos exames médicos eram respeitadas, pois incumbe ao titular de uma carta de condução fazer a prova de que respeitou as disposições em causa. Bastará, portanto, informar os titulares das cartas de condução emitidas por outros Estados‑Membros das obrigações que lhes incumbem por força da legislação interna, quando efectuem as diligências necessárias para se estabelecerem nos Países Baixos, e aplicar as sanções previstas em caso de incumprimento das disposições em causa.

29
Por último, decidiu que a existência, em certos Estados‑Membros, de cartas de condução de plástico também não torna indispensável o registo obrigatório destas cartas, pois, contrariamente ao que sustenta o Governo neerlandês, estas cartas devem, como decorre do anexo I A, ponto 2, da Directiva 91/439, conter um espaço reservado à inscrição eventual, pelo Estado‑Membro de acolhimento, das menções indispensáveis à sua gestão.

30
Importa recordar, em segundo lugar, que o Tribunal de Justiça decidiu também que os artigos 1.°, n.° 2, e 8.°, n.° 1, da Directiva 91/439, lidos em conjugação com o nono considerando desta mesma directiva, proíbem que os Estados‑Membros, designadamente, exijam a troca das cartas de condução emitidas por um outro Estado‑Membro, sem consideração da nacionalidade do titular (v., neste sentido, acórdão Awoyemi, já referido, n.° 42).

31
Esta interpretação foi recentemente confirmada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Comissão/Países Baixos, já referido. Com efeito, no n.° 72 deste acórdão, decidiu que resulta do nono considerando da Directiva 91/439 que esta última pretendeu expressamente abolir os sistemas de troca de cartas de condução.

32
Assim, há que referir que resulta claramente da jurisprudência que a Directiva 91/439 se opõe a que um Estado‑Membro exija o registo ou a troca das cartas de condução que não sejam emitidas pelas suas próprias autoridades quando os titulares das referidas cartas se estabelecem no seu território.

33
Daqui resulta que a Directiva 91/439 se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe, aos titulares de uma carta de condução emitida por um Estado‑Membro diferente do de acolhimento, uma obrigação de registo e, eventualmente, uma obrigação de troca da referida carta por uma carta de condução nacional.

34
Importa acrescentar que, como já resulta do n.° 28 do presente despacho, incumbe ao titular de uma carta de condução emitida por um Estado‑Membro que passa a ter a sua residência normal no território doutro Estado‑Membro, o qual utiliza a faculdade prevista no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 91/439, fazer a prova de que reúne as condições enunciadas pelas disposições do Estado‑Membro de acolhimento relativas à renovação da carta de condução. Contudo, desde que esta prova seja feita, incumbe às autoridades do Estado‑Membro de acolhimento retirar as consequências deste facto e autorizar o referido titular a conduzir um veículo ao abrigo da sua carta de condução de origem.

35
Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento do Governo neerlandês segundo o qual a circunstância de um Estado‑Membro ser impedido de exigir aos cidadãos comunitários residentes no seu território que troquem a sua carta de condução emitida por outro Estado‑Membro por uma carta de condução nacional, quando os titulares de uma carta nacional, que são normalmente cidadãos do Estado‑Membro de acolhimento, são obrigados a trocar de dez em dez anos esta carta por uma nova carta, constitui uma discriminação em relação aos cidadãos deste Estado‑Membro.

36
Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, as eventuais discriminações de que os nacionais de um Estado‑Membro possam ser objecto à luz do direito desse Estado enquadram‑se no âmbito de aplicação deste direito, de modo que devem ser resolvidas no quadro do sistema jurídico interno do referido Estado (acórdão de 5 de Junho de 1997, Uecker e Jacquet, C‑64/96 e C‑65/96, Colect., p. I‑3171, n.° 23).

37
Face a estas considerações, há que responder à primeira questão, na versão reformulada, que o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 91/439 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que impõe, em determinadas circunstâncias, aos titulares de uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro estabelecidos no seu território uma obrigação de trocar a referida carta de condução nacional com o fundamento de que uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro e que não está em conformidade com as disposições em matéria de período de validade aplicáveis no Estado‑Membro de acolhimento não pode ser inscrita neste Estado no registo das cartas de condução deste último Estado.

Incumbe ao titular de uma carta de condução emitida por um Estado‑Membro que passa a ter a sua residência normal no território doutro Estado‑Membro, o qual utiliza a faculdade prevista no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 91/439, fazer a prova de que reúne as condições enunciadas pelas disposições do Estado‑Membro de acolhimento relativas à renovação da carta de condução. Contudo, desde que esta prova seja feita, incumbe às autoridades do Estado‑Membro de acolhimento retirar as consequências deste facto e autorizar o referido titular a conduzir um veículo ao abrigo da sua carta de condução de origem.


Quanto à segunda questão

38
Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.


Quanto às despesas

39
As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, espanhol, italiano, finlandês e do Reino Unido, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

em relação às questões que lhe foram submetidas pelo Arrondissementsrechtbank te Rotterdam, por despacho de 27 de Junho de 2001, declara:

O artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Directiva 91/439/CEE do Conselho, de 29 de Julho de 1991, relativa à carta de condução, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 96/47/CE do Conselho, de 23 de Julho de 1996, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que impõe, em determinadas circunstâncias, aos titulares de uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro estabelecidos no seu território uma obrigação de trocar a referida carta de condução nacional com o fundamento de que uma carta de condução emitida por outro Estado‑Membro e que não está em conformidade com as disposições em matéria de período de validade aplicáveis no Estado‑Membro de acolhimento não pode ser inscrita neste Estado no registo das cartas de condução deste último Estado.

Incumbe ao titular de uma carta de condução emitida por um Estado‑Membro que passa a ter a sua residência normal no território doutro Estado‑Membro, o qual utiliza a faculdade prevista no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 91/439, fazer a prova de que reúne as condições enunciadas pelas disposições do Estado‑Membro de acolhimento relativas à renovação da carta de condução. Contudo, desde que esta prova seja feita, incumbe às autoridades do Estado‑Membro de acolhimento retirar as consequência deste facto e autorizar o referido titular a conduzir um veículo ao abrigo da sua carta de condução de origem.

Proferido no Luxemburgo, em 29 de Janeiro de 2004.

O secretário

O presidente da Terceira Secção

R. Grass

A. Rosas


1
Língua do processo: neerlandês.