Processos apensos C‑482/01 e C‑493/01
Georgios Orfanopoulos e o.eRaffaele Oliveri
contra
Land Baden‑Württemberg
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Stuttgart)
«Livre circulação de pessoas – Ordem pública – Directiva 64/221/CEE – Decisão de expulsão com fundamento em infracções à legislação penal – Tomada em consideração da duração da residência e das condições pessoais – Direitos fundamentais – Protecção da vida familiar – Tomada em consideração das circunstâncias ocorridas entre a última decisão das autoridades administrativas e o exame, por
um órgão jurisdicional administrativo, da legalidade dessa decisão – Direito de o interessado invocar considerações de oportunidade perante uma autoridade chamada a dar um parecer»
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Conclusões da advogada-geral C. Stix‑Hackl apresentadas em 11 de Setembro de 2003 |
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Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 29 de Abril de 2004 |
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Sumário do acórdão
- 1.
- Livre circulação de pessoas – Livre prestação de serviços – Cidadania da União Europeia – Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros – Processo prejudicial sobre a conformidade com o direito comunitário de uma legislação nacional que determina, em determinadas
circunstâncias, a expulsão de cidadãos de outros Estados‑Membros – Informações que não permitem ao Tribunal de Justiça determinar as disposições comunitárias pertinentes – Verificação que cabe ao órgão jurisdicional nacional
(Artigos 18.° CE, 39.° CE, 43.° CE, 46.° CE, 49.° CE, 55.° CE e 234.° CE; Directiva 90/364 do Conselho)
- 2.
- Livre circulação de pessoas – Derrogações – Razões de ordem pública – Condenação a determinadas penas por delitos específicos – Expulsão obrigatória de um nacional comunitário sem ser tomado em conta o seu comportamento pessoal – Inadmissibilidade
(Directiva 64/221 do Conselho, artigo 3.°)
- 3.
- Livre circulação de pessoas – Derrogações – Razões de ordem pública – Expulsão de um nacional comunitário – Legislação nacional que exclui a possibilidade de tomar em consideração circunstâncias ocorridas entre a decisão administrativa
e o exame por um órgão jurisdicional da legalidade dessa decisão – Inadmissibilidade
(Directiva 64/221 do Conselho, artigo 3.°)
- 4.
- Livre circulação de pessoas – Derrogações – Razões de ordem pública – Condenação a determinadas penas por delitos específicos – Expulsão de um nacional comunitário com base numa presunção e sem tomar devidamente em conta o seu comportamento pessoal
ou o perigo para a ordem pública – Inadmissibilidade – Expulsão de um nacional comunitário que constitui uma ameaça actual para a ordem pública – Interessado que pode invocar circunstâncias de ordem familiar – Admissibilidade – Condições – Apreciação caso a caso, no respeito dos princípios gerais do direito comunitário, designadamente dos direitos fundamentais
como a protecção da vida familiar
(Artigo 39.°, n.° 3, CE; Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 8.°; Directiva 64/221 do Conselho, artigo 3.°)
- 5.
- Livre circulação de pessoas – Derrogações – Decisões em matéria de polícia de estrangeiros – Decisão de expulsão – Garantias jurisdicionais – Legislação nacional que não prevê um processo de oposição nem um recurso que abranja também o exame da oportunidade – Inadmissibilidade
(Directiva 64/221 do Conselho, artigo 9.°, n.° 1)
- 1.
- No estado actual do direito comunitário, o direito dos nacionais de um Estado‑Membro de circular e de residir no território
de outro Estado‑Membro não é incondicional. Isto decorre, por um lado, das disposições em matéria de livre circulação das
pessoas e de serviços contidas no título III da terceira parte do Tratado, isto é, dos artigos 39.° CE, 43.° CE, 46.° CE,
49.° CE e 55.° CE, bem como das disposições de direito derivado adoptadas para a sua execução e, por outro, das disposições
da segunda parte do Tratado, em especial do artigo 18.° CE, que, ao mesmo tempo que concede aos cidadãos da União o direito
de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, remete expressamente para os limites e condições previstos
no Tratado e para as disposições adoptadas em sua execução.
- Quando, no âmbito de um processo nos termos do artigo 234.° CE, é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão sobre
a conformidade com o direito comunitário de uma disposição nacional que força as autoridades competentes a expulsarem os cidadãos
de outros Estados‑Membros que foram condenados a determinadas penas por delitos específicos e as informações de que o Tribunal
de Justiça dispõe não lhe permitem afirmar com segurança se o nacional em causa pode invocar o disposto no artigo 39.° CE
ou noutras disposições do Tratado e do direito derivado relativas à livre circulação de pessoas ou à livre prestação de serviços,
sendo, embora, pacífico que, na sua qualidade de cidadão da União, o interessado dispõe, nos termos do artigo 18.° CE, do
direito de circular e de permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições
previstas no Tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio definir quais
as disposições do direito comunitário, para além do artigo 18.°, n.° 1, CE, em que o interessado pode, eventualmente, apoiar‑se.
- A este respeito, incumbe em particular ao referido órgão jurisdicional verificar se o interessado está abrangido pelo âmbito
de aplicação do artigo 39.° CE, na qualidade de trabalhador ou como qualquer outra pessoa que possa beneficiar, ao abrigo
das disposições do direito derivado adoptadas nos termos deste artigo, da livre circulação, ou se pode invocar outras disposições
do direito comunitário, como a Directiva 90/364, relativa ao direito de residência, ou o artigo 49.° CE que se aplica, designadamente,
aos destinatários de serviços.
(cf. n.os 47, 52‑54, disp. 1)
- 2.
- O artigo 3.° da Directiva 64/221, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação
e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, que prevê que as medidas em causa devem
fundamentar‑se exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo em causa e que a mera existência de condenações penais
não pode automaticamente ser motivo para tais medidas, opõe‑se a uma legislação nacional que força as autoridades a expulsar
do território cidadãos de outros Estados‑Membros que foram condenados a uma pena para menores no mínimo de dois anos ou a
uma pena privativa de liberdade por crime intencional prevista na lei alemã sobre os estupefacientes, na medida em que a execução
da pena não tenha sido suspensa.
(cf. n.° 71, disp. 2)
- 3.
- O artigo 3.° da Directiva 64/221, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação
e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, que prevê que as medidas em causa devem
fundamentar‑se exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo em questão e que a mera existência de condenações penais
não pode automaticamente justificar tais medidas, opõe‑se a uma prática nacional segundo a qual os órgãos jurisdicionais nacionais
não são obrigados a tomar em consideração, ao verificar a legalidade da expulsão determinada em relação a um cidadão de outro
Estado‑Membro, os elementos de facto ocorridos após a última decisão das autoridades competentes que possam implicar o desaparecimento
ou a diminuição significativa da ameaça actual que constitui, para a ordem pública, o comportamento da pessoa em causa. É
esse o caso sobretudo se decorrer um longo prazo entre a data da decisão de expulsão, por um lado, e a data da apreciação
desta decisão pelo órgão jurisdicional competente, por outro.
(cf. n.° 82, disp. 3)
- 4.
- Os artigos 39.° CE e 3.° da Directiva 64/221, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria
de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, que prevêem que as medidas
em causa devem fundamentar‑se exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo em questão e que a mera existência de condenações
penais não pode automaticamente justificar tais medidas, opõem‑se a uma legislação ou uma prática nacional segundo a qual
a expulsão do território de um cidadão de outro Estado‑Membro que foi condenado a uma determinada pena por delitos específicos
é proferida, apesar de se terem em conta considerações de ordem familiar, baseando‑se na presunção de que este deve ser expulso,
sem que seja devidamente tido em conta o seu comportamento pessoal nem o perigo que representa para ordem pública.
- Em contrapartida, o artigo 39.° CE e a Directiva 64/221 não se opõem à expulsão de um cidadão de um Estado‑Membro que foi
condenado a uma determinada pena por delitos específicos e que, por um lado, constitui uma ameaça actual para a ordem pública
e, por outro, residiu vários anos no Estado‑Membro de acolhimento e pode invocar circunstâncias de ordem familiar contra a
referida expulsão, desde que a apreciação efectuada caso a caso pelas autoridades nacionais da questão de saber onde se situa
o justo equilíbrio entre os interesses legítimos em presença seja feita de acordo com os princípios gerais do direito comunitário
e, designadamente, tendo devidamente em conta o respeito dos direitos fundamentais, como a protecção da vida familiar.
(cf. n.° 100, disp. 4‑5)
- 5.
- O artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 64/221, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de
deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, que tem por objectivo assegurar
uma garantia processual mínima às pessoas atingidas por uma decisão de expulsão do território, opõe‑se a uma disposição de
um Estado‑Membro que não prevê um processo de oposição nem um recurso, que abranja também um exame da oportunidade, contra
uma decisão de expulsão de um cidadão de outro Estado‑Membro tomada por uma autoridade administrativa, quando não tenha sido
criada uma autoridade independente dessa administração.
- Quando é pacífico que a fiscalização das decisões em causa é efectuada por órgãos jurisdicionais administrativos no âmbito
de processos jurisdicionais, mas existam dúvidas quanto à amplitude dessa fiscalização, compete ao órgão jurisdicional nacional
verificar se os órgãos jurisdicionais competentes nessa matéria estão em posição de examinar a oportunidade das medidas de
expulsão.
(cf. n.os 105, 107, 112, 116, disp. 6)