Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Dezembro de 2002. - Comissão das Comunidades Europeias contra Conselho da União Europeia. - Acordos internacionais - Competência da Comunidade - Base jurídica - Artigos 133.º CE e 175.º, n.º 1, CE - Acordo Energy Star - Programas de rotulagem em matéria de eficiência energética para equipamento de escritório. - Processo C-281/01.
Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-12049
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1. Actos das instituições - Escolha da base jurídica - Critérios - Acto comunitário que prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma dupla componente - Referência à finalidade ou à componente principal ou preponderante - Finalidades indissociáveis - Cumulação da base jurídica
2. Acordos internacionais - Celebração - Acordo CE-Estados Unidos para a coordenação de programas de rotulagem em matéria de eficiência energética para equipamento de escritório (acordo Energy Star) - Acordo principalmente do âmbito da política comercial - Preponderância sobre o objectivo de protecção do ambiente - Base jurídica - Artigo 133.° CE, conjugado com o artigo 300.° , n.° 3, CE - Não incidência do carácter não obrigatório da participação no programa de rotulagem
(Artigos 133.° CE e 300.° , n.° 3, CE)
1. A escolha da base jurídica de um acto comunitário deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto. Se a análise de um acto comunitário demonstrar que este prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma dupla componente e se uma delas for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, o acto deve ser fundamentado apenas numa base jurídica, ou seja, a exigida pela finalidade ou componente principal ou preponderante. A título excepcional, se se provar que o acto prossegue simultaneamente vários objectivos, que se encontram ligados de forma indissociável, sem que um seja secundário e indirecto em relação ao outro, esse acto deverá assentar nas diferentes bases jurídicas correspondentes.
( cf. n.os 33-35 )
2. O acordo entre o Governo dos Estados Unidos da América e a Comunidade Europeia para a coordenação dos programas de rotulagem em matéria de eficiência energética para equipamento de escritório (Acordo Energy Star) prossegue simultaneamente um objectivo de política comercial e um objectivo de protecção do ambiente, pois, por um lado, essa coordenação facilita necessariamente o comércio, na medida em que os fabricantes passam a ter como referência uma única norma em matéria de rotulagem e a submeter-se a um único processo de registo junto dum único órgão de gestão para a comercialização de equipamentos que ostentem o logotipo Energy Star nos mercados europeu e americano e, por outro, ao estimular a oferta e procura de produtos energeticamente eficientes, o programa de rotulagem em questão destina-se a promover, a longo prazo, economias de energia e deve ter um efeito benéfico sobre o ambiente.
Todavia, reconhecer-se um carácter preponderante ao objectivo de política comercial, de forma que a decisão de aprovação do acordo devia ter sido baseada no artigo 133.° CE, conjugado com o artigo 300.° , n.° 3, CE, dado que o efeito benéfico sobre o ambiente apenas é indirecto e longínquo, ao contrário do efeito sobre o comércio dos equipamentos de escritório que é directo e imediato. Além disso, o próprio acordo não contém novas exigências de eficiência energética, mas limitando-se a tornar aplicáveis tanto no mercado americano como no mercado europeu as especificações inicialmente adoptadas pela Environmental Protection Agency (agência americana de protecção do ambiente) e a submeter a modificação destas ao acordo das duas partes contratantes.
O facto de a participação no programa de rotulagem Energy Star apresentar carácter não vinculativo não é susceptível de colocar de novo em questão esta conclusão, dado que, por um lado, o referido acordo nem por isso deixou de ser concebido para influenciar directamente as trocas comerciais relativas aos equipamentos de escritório, facilitando estas trocas para os fabricantes e permitindo aos consumidores escolher os produtos que consomem menos energia e, por outro, resulta claramente do acordo sobre os obstáculos técnicos ao comércio, anexo ao acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, que os regulamentos não vinculativos relativos à rotulagem poderão constituir obstáculos ao comércio internacional.
( cf. n.os 36-45, 48 )
No processo C-281/01,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. van Lier e B. Martenczuk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrente,
contra
Conselho da União Europeia, representado por J.-P. Jacqué e E. Karlsson, na qualidade de agentes,
recorrido,
que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2001/469/CE do Conselho, de 14 de Maio de 2001, relativa à celebração, em nome da Comunidade, do acordo entre o Governo dos Estados Unidos da América e a Comunidade Europeia para a coordenação dos programas de rotulagem em matéria de eficiência energética para equipamento de escritório (JO L 172, p. 1),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: M. Wathelet (relator), presidente de Secção, D. A. O. Edward, A. La Pergola, P. Jann e S. von Bahr, juízes,
advogado-geral: S. Alber,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 13 de Junho de 2002,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Setembro de 2002,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Julho de 2001, a Comissão das Comunidades Europeias pediu, nos termos do artigo 230.° CE, a anulação da Decisão 2001/469/CE do Conselho, de 14 de Maio de 2001, relativa à celebração, em nome da Comunidade, do acordo entre o Governo dos Estados Unidos da América e a Comunidade Europeia para a coordenação dos programas de rotulagem em matéria de eficiência energética para equipamento de escritório (JO L 172, p. 1).
Acordo Energy Star
2 Em 1992, a Environmental Protection Agency (agência americana de protecção do ambiente, a seguir «EPA») criou um programa voluntário de rotulagem para os equipamento de escritório designado «Energy Star Program». Um elevado número de fabricantes participaram neste programa, que encorajou a grande maioria deles a introduzirem funções de economia de energia e sensibilizou os consumidores para as perdas de energia dos equipamentos de escritório em modo de espera. O referido programa foi em seguida alargado, nomeadamente, aos aparelhos electrodomésticos, aquecimentos e sistemas de refrigeração, electrónica de consumo, equipamento de escritório para uso privado, equipamento de refrigeração de água, construção civil e iluminação. De modo a identificar os produtos que observem certas normas estabelecidas no âmbito do referido programa relativas ao consumo de energia, foi criado o logotipo Energy Star.
3 Em vez de desenvolver na Comunidade um programa próprio de rotulagem para equipamento de escritório energeticamente eficiente, a Comissão considerou preferível adoptar o programa Energy Star, após ter verificado que este programa constituía já a norma dos equipamentos de escritório colocados à venda no mercado americano e que os critérios do referido programa estavam em vias de adquirir o estatuto de norma internacional, inclusivamente na Comunidade.
4 Assim, foi assinado em Washington, em 19 de Dezembro de 2000, o acordo entre o Governo dos Estados Unidos da América e a Comunidade Europeia para a coordenação de programas de rotulagem em matéria de eficiência energética para equipamento de escritório (a seguir «acordo Energy Star»).
5 Resulta do preâmbulo deste acordo que as partes contratantes desejavam «maximizar a poupança de energia e os benefícios ambientais mediante estímulo da oferta e procura de produtos energeticamente eficientes».
6 Nos termos do artigo I do acordo Energy Star, intitulado «Princípios gerais»:
«1. As partes utilizam especificações comuns de eficiência energética e um logotipo comum a fim de definir objectivos coerentes para os fabricantes, e maximizar assim os efeitos dos respectivos esforços sobre a oferta e a procura deste tipo de produtos.
2. As partes utilizam o logotipo comum para identificar os tipos de produtos energicamente eficientes enumerados no anexo C [a saber, os computadores, monitores, impressoras, telecopiadoras, máquinas de franquiar, fotocopiadoras, digitalizadores e dispositivos multifunções].
3. As partes devem assegurar que as especificações comuns conduzam a uma eficiência cada vez maior, que tenha em conta as práticas técnicas mais avançadas existentes no mercado.
4. As partes devem assegurar que os consumidores tenham oportunidade de identificar os produtos eficientes por disporem do rótulo no mercado.»
7 O anexo A do acordo Energy Star define um logotipo comum.
8 Nos termos do artigo III do acordo Energy Star, a Comunidade Europeia e os Estados Unidos da América designam a Comissão e a EPA, respectivamente, como seu órgão de gestão encarregado da aplicação do referido acordo.
9 Nos termos do artigo IV do acordo Energy Star, cada órgão de gestão está encarregado do registo voluntário dos participantes no programa de rotulagem Energy Star, da fiscalização do cumprimento das directrizes que fixam as condições de utilização do logotipo constantes do anexo B deste acordo e de sensibilizar os consumidores para as marcas Energy Star.
10 Nos termos do artigo V, n.° 1, do acordo Energy Star, todo e qualquer fabricante, vendedor ou revendedor pode participar no programa de rotulagem Energy Star mediante registo no órgão de gestão de uma das partes no referido acordo. Nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, os participantes neste programa podem utilizar o logotipo Energy Star para identificar os produtos que obedeçam às especificações relativas aos equipamentos energeticamente eficientes definidas no anexo C do mesmo acordo. Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, o registo de um participante no referido programa pelo órgão de gestão de uma das partes contratantes é reconhecido pelo órgão de gestão da outra parte. Em conformidade com o n.° 5 do mesmo artigo, os órgãos de gestão comunicam e cooperam entre si para garantir que todos os produtos que ostentem o logotipo comum obedeçam às especificações enunciadas nesse anexo C.
11 Os artigos VI a VIII do acordo Energy Star tratam da coordenação do programa de rotulagem Energy Star entre as partes contratantes, do registo das marcas Energy Star na Comunidade e da fiscalização, por cada órgão de gestão, do respeito das disposições relativas à correcta utilização das marcas Energy Star.
12 O artigo IX do acordo Energy Star estabelece os procedimentos aplicáveis para alterar o referido acordo e os seus anexos A e B, e para incluir novos anexos. O artigo X deste acordo estabelece os procedimentos de alteração das especificações técnicas constantes do Anexo C do mesmo.
13 Resulta do artigo XI do acordo Energy Star que este último não abrange outros programas de rotulagem ambiental que possam vir a ser desenvolvidos e aprovados por qualquer das partes contratantes, que cada órgão de gestão pode aplicar programas de rotulagem para tipos de produtos que não figurem no anexo C do acordo e que nenhuma das partes contratantes levantará obstáculos à importação, exportação, venda ou distribuição de um produto pelo facto de ostentar a marca de eficiência energética do órgão de gestão da outra parte.
14 Nos termos do artigo XII, n.° 2, do acordo Energy Star, este último é válido por um período inicial de cinco anos, sem prejuízo da sua eventual renovação. O artigo XIII, n.° 1, do referido acordo dispõe que qualquer das partes contratantes pode denunciar este a qualquer momento, mediante pré-aviso de três meses notificado por escrito.
15 Por outro lado, notas diplomáticas trocadas na sequência da assinatura do acordo Energy Star prevêem, no n.° 1:
«A fim de maximizar o impacto dos respectivos programas individuais em matéria de eficiência energética do equipamento de escritório, a Comunidade Europeia e o Governo dos Estados Unidos da América utilizarão um conjunto de especificações comuns de eficiência energética e um logotipo comum, em conformidade com o anexo A do acordo [Energy Star]».
Trâmites que levaram à assinatura do acordo Energy Star pela Comunidade
16 Em 1 de Julho de 1999, a Comissão apresentou ao Conselho uma proposta de decisão para a celebração do acordo Energy Star baseada no artigo 133.° CE, conjugado com o artigo 300.° , n.° 2, CE.
17 O Conselho aprovou esta proposta por unanimidade, em 14 de Dezembro de 2000, autorizando a assinatura do acordo Energy Star, com fundamento no artigo 175.° , n.° 1, CE, conjugado com o artigo 300.° , n.° 2, CE.
18 Após parecer favorável do Parlamento Europeu, o Conselho aprovou, em 14 de Maio de 2001, pela Decisão 2001/469, o acordo Energy Star em nome da Comunidade, com fundamento no artigo 175.° , n.° 1, CE, conjugado com o artigo 300.° , n.os 2, primeiro parágrafo, primeiro período, 3, primeiro parágrafo, e 4, CE.
19 O acordo Energy Star entrou em vigor, nos termos do seu artigo XII, n.° 1, em 7 de Junho de 2001.
Recurso
Argumentos das partes
20 A Comissão sustenta que a Decisão 2001/469 deveria ter sido adoptada com fundamento no artigo 133.° CE, relativo à política comercial comum, dado que o acordo Energy Star visa facilitar o comércio. Com efeito, possibilita aos fabricantes comercializar os seus produtos tanto no mercado europeu como no americano através da utilização de um único rótulo, que poderá ser obtido através de um único processo de registo. Os fabricantes de equipamento de escritório podem, assim, poupar os custos inerentes à criação de programas de rotulagem distintos, contendo requisitos e processos de registo diferentes. O objectivo deste acordo, tal como resulta do seu título, é, pois, a coordenação dos programas de rotulagem europeu e americano, com a consequência de se eliminaram eventuais obstáculos ao comércio que resultariam da existência de programas concorrentes.
21 A Comissão cita, aliás, um certo número de acordos celebrados pela Comunidade com países terceiros com fundamento nos artigos 113.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.° CE) ou 133.° CE, a propósito do reconhecimento mútuo de normas técnicas.
22 O facto de a participação no programa de rotulagem Energy Star ser voluntária e a aposição do logotipo Energy Star não ser um pressuposto da colocação de produtos no mercado não justifica que se adopte uma base jurídica diferente, já que normas facultativas também podem constituir obstáculos ao comércio.
23 Além disso, segundo a Comissão, uma medida respeitante ao comércio internacional não se subtrai ao domínio da política comercial comum apenas porque toma em conta, nos termos do artigo 6.° CE, as exigências de protecção do ambiente. Tendo igualmente em conta que os efeitos das regras ambientais sobre o comércio são tomados em consideração, nomeadamente, pela Organização Mundial do Comércio, uma interpretação estrita que exclua os aspectos relativos ao ambiente do âmbito de aplicação da política comercial comum constituiria um passo atrás em relação à jurisprudência e à prática jurídica habituais e afectaria a eficácia da política comercial comunitária.
24 A Comissão alega também que a escolha da base jurídica para a adopção de um acto jurídico comunitário interno não prejudica a escolha da base jurídica para a celebração de um acordo internacional pela Comunidade. Assim, o Regulamento (CE) n.° 1980/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Julho de 2000, relativo a um sistema comunitário revisto de atribuição de rótulo ecológico (JO L 237, p. 1), não diz respeito, contrariamente ao acordo Energy Star, nem à coordenação do programa comunitário com programas de Estados terceiros, nem ao reconhecimento de certificações emitidas por Estados terceiros no âmbito desses programas. O facto de este regulamento ter sido adoptado com fundamento no artigo 175.° , n.° 1, CE não é, por isso, de modo nenhum, incompatível com a posição da Comissão de que o acordo Energy Star devia ter sido celebrado com base no artigo 133.° CE.
25 A título subsidiário, a Comissão alega que o artigo 175.° , n.° 1, CE não deverá ser, em caso algum, a base jurídica para a celebração de um acordo internacional, já que esta disposição apenas é pertinente para a adopção de actos internos. A celebração de acordos internacionais no domínio da política do ambiente deve basear-se no artigo 174.° , n.° 4, CE.
26 No entender do Conselho, a finalidade e o conteúdo do acordo Energy Star integram-se completamente na política comunitária do ambiente, como é definida pelo artigo 174.° CE.
27 Com efeito, o acordo Energy Star visa, pelo menos principalmente, diminuir o consumo de energia mediante o estímulo da oferta e da procura de aparelhos energeticamente eficientes. O Conselho apoia a sua interpretação no preâmbulo e no artigo I, n.° 1 do referido acordo, bem como no ponto 1 das notas diplomáticas trocadas no contexto da celebração do acordo.
28 Pelo contrário, o acordo Energy Star não tem efeitos significativos sobre o comércio internacional. Com efeito, na opinião do Conselho, o logotipo Energy Star já constituía uma norma de facto para os fabricantes. Por outro lado, este acordo não impede as partes contratantes ou os Estados-Membros de criarem outros programas de rotulagem com o objectivo de favorecerem as economias de energia.
29 Quanto ao conteúdo do acordo Energy Star, o Conselho sustenta que este não contém qualquer disposição que esteja especialmente relacionada com a política comercial comum ou que vise directamente a promoção do comércio internacional. Pelo contrário, o objectivo de realização de economias de energia está no cerne de disposições do acordo, como as que constam dos artigos IV a VI e VIII a X, relativas à informação dos consumidores, aos controlos e às medidas para correcta utilização do logotipo, à cooperação entre as partes contratantes e ao reconhecimento mútuo dos registos.
30 Em apoio da sua tese, o Conselho alega, por um lado, que numerosos acordos internacionais foram celebrados com base no artigo 175.° CE, embora se relacionem com questões de política comercial e, por outro, que as medidas internas da Comunidade relativas à atribuição dum rótulo ecológico facultativo também têm como base jurídica as disposições do Tratado relativas à política do ambiente. O Conselho cita, em especial, o seu Regulamento (CEE) n.° 880/92, de 23 de Março de 1992, relativo a um sistema comunitário de atribuição de rótulo ecológico (JO L 99, p. 1), adoptado com base no artigo 130.° -S do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 175.° CE), e a Decisão 1999/205/CE da Comissão, de 26 de Fevereiro de 1999, que estabelece os critérios ecológicos para a atribuição do rótulo ecológico comunitário aos computadores pessoais (JO L 70, p. 46). Nos considerandos desta decisão, referem-se precisamente as negociações relativas ao acordo Energy Star e prevê-se «que é conveniente no prazo de dois anos rever os critérios de modo a adaptar as exigências energéticas à inovação tecnológica, à evolução do mercado e ao programa Energy Star». Na sequência da celebração deste acordo, não se julgou necessário repetir esta decisão nos termos do regime revisto de atribuição do rótulo ecológico introduzido pelo Regulamento n.° 1980/2000, também adoptado com base no artigo 175.° CE.
31 O Conselho invoca também, em apoio da sua tese, a faculdade que os Estados-Membros têm de adoptar rótulos próprios ecológicos, como os rótulos «Blauer Angel» na Alemanha, «Svanen» nos países nórdicos e o «GEA» para os equipamentos de escritório na Alemanha. Se a introdução de um rótulo ecológico fosse uma medida de política comercial, esta competência pertenceria exclusivamente à Comunidade e a actuação dos Estados-Membros neste domínio seria contrária à lei.
32 Quanto à alegação subsidiária de que a base jurídica correcta para a celebração do acordo Energy Star não é, de qualquer modo, o artigo 175.° , n.° 1, CE, mas o artigo 174.° , n.° 4, CE, o Conselho remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça da qual resulta que o artigo 174.° , n.° 4, CE apenas define os objectivos gerais da política ambiental, enquanto o artigo 175.° CE constitui a base jurídica para actos comunitários que visam a execução desta política (v. acórdãos de 14 de Julho de 1998, Safety Hi-Tech, C-284/95, Colect., p. I-4301, n.° 43, e Bettati, C-341/95, Colect., p. I-4355, n.° 41). O parecer 2/00, de 6 de Dezembro de 2001 (Colect., p. I-9713, n.os 23 a 25), confirma esta interpretação.
Apreciação do Tribunal de Justiça
33 Segundo jurisprudência assente, a escolha da base jurídica de um acto comunitário deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho, C-300/89, Colect., p. I-2867, n.° 10, e de 4 de Abril de 2000, Comissão/Conselho, C-269/97, Colect., p. I-2257, n.° 43).
34 Se a análise de um acto comunitário demonstrar que este prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma dupla componente e se uma delas for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas acessória, o acto deve ser fundamentado apenas numa base jurídica, ou seja, a exigida pela finalidade ou componente principal ou preponderante (v. acórdãos de 17 de Março de 1993, Comissão/Conselho, C-155/91, Colect., p. I-939, n.os 19 e 21; de 23 de Fevereiro de 1999, Parlamento/Conselho, C-42/97, Colect., p. I-869, n.os 39 e 40, e de 30 de Janeiro de 2001, Espanha/Conselho, C-36/98, Colect., p. I-779, n.° 59).
35 A título excepcional, se se provar que o acto prossegue simultaneamente vários objectivos, que se encontram ligados de forma indissociável, sem que um seja secundário e indirecto em relação ao outro, esse acto deverá assentar nas diferentes bases jurídicas correspondentes (v. acórdãos de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho, já referido, n.os 13 e 17; Parlamento/Conselho, já referido, n.os 38 e 43, e de 19 de Setembro de 2002, Huber, C-336/00, ainda não publicado na Colectânea, n.° 31, bem como o parecer 2/00, já referido, n.° 23).
36 Neste caso concreto, é pacífico que o acordo Energy Star tem por objectivo, como resulta expressamente do seu título, coordenar os programas de rotulagem relativos à eficiência energética do equipamento de escritório.
37 Como observa a Comissão, essa coordenação facilita necessariamente o comércio, na medida em que os fabricantes passam a ter como referência uma única norma em matéria de rotulagem e a submeter-se a um único processo de registo junto dum único órgão de gestão para a comercialização de equipamentos que ostentem o logotipo Energy Star nos mercados europeu e americano. Esta coordenação constitui, por conseguinte, seguramente, uma medida de política comercial.
38 Todavia, há que igualmente reconhecer-se, lendo o preâmbulo e o artigo I do acordo Energy Star, que, ao estimular a oferta e procura de produtos energeticamente eficientes, o programa de rotulagem em questão se destina a promover economias de energia e constitui portanto em si mesmo uma medida de política ambiental.
39 Daí resulta que o acordo Energy Star prossegue simultaneamente um objectivo de política comercial e um objectivo de protecção do ambiente. Por isso, para definir a base jurídica apropriada para o acto de celebração deste acordo, deve determinar-se se este prossegue principalmente ou de forma preponderante um dos dois objectivos, caso em que o referido acto deveria basear-se numa base jurídica única, ou se os objectivos prosseguidos são indissociáveis, sem que um seja secundário e indirecto em relação ao outro, caso em que o acto deve assentar numa dupla base jurídica.
40 A este propósito, deve reconhecer-se que resulta dos termos do acordo Energy Star, em particular dos seus artigos I e V, que o programa de rotulagem Energy Star visa, em primeiro lugar, permitir aos fabricantes o uso, através de um processo de reconhecimento de registos, de um logotipo comum para identificar, aos olhos dos consumidores, certos produtos que respeitam especificações comuns de eficiência energética, que entendem comercializar nos mercados americano e comunitário. Trata-se, portanto, de um instrumento que influencia directamente o comércio dos equipamentos de escritório.
41 É verdade que, a longo prazo, em função do comportamento efectivo dos fabricantes e dos consumidores, o programa em questão deverá ter um efeito benéfico sobre o ambiente, em virtude da redução do consumo de energia que deverá gerar. Mas trata-se todavia de um efeito indirecto e longínquo, ao contrário do efeito sobre o comércio dos equipamentos de escritório que é directo e imediato.
42 Além disso, se é pacífico, por um lado, que o programa americano Energy Star foi concebido para estimular a oferta e a procura de produtos energeticamente eficientes, e, portanto, para favorecer economias de energia, e, por outro, que a sua extensão à Comunidade contribui seguramente para a realização deste mesmo objectivo, não é menos verdade que o acordo Energy Star em si mesmo não contém novas exigências de eficiência energética. Limita-se, com efeito, a tornar aplicáveis tanto no mercado americano como no mercado europeu as especificações inicialmente adoptadas pela EPA e a submeter a modificação destas ao acordo das duas partes contratantes.
43 Deve, pois, reconhecer-se um carácter preponderante ao objectivo de política comercial prosseguido pelo acordo Energy Star, de forma que a decisão de aprovação deste acordo devia ter sido baseada no artigo 133.° CE, conjugado com o artigo 300.° , n.° 3, CE.
44 O facto de a participação no programa de rotulagem Energy Star apresentar carácter não vinculativo não é susceptível de colocar de novo em questão esta conclusão. Com efeito, o referido acordo nem por isso deixou de ser concebido para influenciar directamente as trocas comerciais relativas aos equipamentos de escritório, facilitando estas trocas para os fabricantes e permitindo aos consumidores escolher os produtos que consomem menos energia.
45 Além disso, como observou o advogado-geral no n.° 62 das suas conclusões, resulta claramente do acordo sobre os obstáculos técnicos ao comércio, anexo ao acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, aprovado em nome da Comunidade e em relação às matérias da sua competência pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 336, p. 1), que os regulamentos não vinculativos relativos à rotulagem poderão constituir obstáculos ao comércio internacional.
46 Por outro lado, o facto de as disposições do Tratado relativas à política do ambiente terem sido escolhidas como base jurídica para a adopção de actos internos como os Regulamentos n.os 880/92 e 1980/2000 não é suficiente para demonstrar que esta mesma base deve ser igualmente utilizada para a aprovação do acordo internacional que tem um objectivo semelhante. Basta reconhecer a este propósito que, como observou o advogado-geral no n.° 78 das suas conclusões, referindo-se o artigo 133.° CE ao comércio externo, o mesmo não pode, em todo o caso, servir de base jurídica para uma medida que tem apenas efeitos intracomunitários. No que respeita precisamente à realização do mercado interno, haveria que recorrer, se fosse caso disso, ao artigo 95.° CE. Foi, de resto, com base no artigo 100.° -A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE) que foi adoptada a Directiva 92/75/CEE do Conselho, de 22 de Setembro de 1992, relativa à indicação do consumo de energia dos aparelhos domésticos por meio de rotulagem e outras indicações uniformes relativas aos produtos (JO L 297, p. 16).
47 Além disso, o facto de certos Estados-Membros terem adoptado o seu próprio rótulo ecológico não obsta a que o acordo Energy Star seja considerado uma medida de política comercial abrangida pelo artigo 133.° CE e, portanto, abrangida por um domínio em que a Comunidade dispõe de competência exclusiva. Com efeito, os rótulos ecológicos adoptados pelos Estados-Membros, a que o Conselho se referiu, não respeitam precisamente ao comércio externo da Comunidade.
48 Resulta das considerações precedentes que o Conselho deveria ter considerado o artigo 133.° CE, conjugado com o artigo 300.° , n.° 3, CE, como base jurídica da decisão relativa à celebração do acordo Energy Star em nome da Comunidade.
49 Nestas condições, visto que o artigo 175.° , n.° 1, CE, conjugado com o artigo 300.° , n.° 2, primeiro parágrafo, primeiro período, n.° 3, primeiro parágrafo, e n.° 4, CE, é a única base jurídica mencionada nesse acto, deve anular-se a Decisão 2001/469.
Quanto às despesas
50 Nos termos do artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Conselho nas despesas e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
decide:
1) A Decisão 2001/469/CE do Conselho, de 14 de Maio de 2001, relativa à celebração, em nome da Comunidade, do acordo entre o Governo dos Estados Unidos da América e a Comunidade Europeia para a coordenação dos programas de rotulagem em matéria de eficiência energética para equipamento de escritório, é anulada.
2) O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.