62001J0220

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 3 de Julho de 2003. - Joseph Lennox contra Industria Lavorazione Carni Ovine. - Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Commercial Court) - Reino Unido. - Agricultura - Polícia sanitária - Importação de ovinos - Certificado sanitário - Medidas cautelares nacionais contra a encefalopatia espongiforme transmissível. - Processo C-220/01.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-07091


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Agricultura - Aproximação das legislações em matéria de polícia sanitária - Controlos veterinários e zootécnicos no comércio intracomunitário de animais vivos e de produtos de origem animal - Importação de ovinos destinados a abate acompanhados de um certificado sanitário que não corresponde a tal destino - Recusa, pelo Estado-Membro de destino, de proceder à importação apesar da apresentação de um certificado com todas as menções necessárias para o abate - Inadmissibilidade

[Directivas do Conselho 90/425, artigo 5.° , n.° 1, alínea b), primeiro parágrafo, i) e ii, e 91/68, anexo E]

2. Agricultura - Aproximação das legislações em matéria de polícia sanitária - Controlos veterinários e zootécnicos no comércio intracomunitário de animais vivos e de produtos de origem animal - Importação de bovinos e de ovinos provenientes de França, da Irlanda, de Portugal e do Reino Unido - Medidas cautelares nacionais contra a encefalopatia espongiforme transmissível - Compatibilidade com o direito comunitário

(Directivas do Conselho 90/425, artigo 10.° , n.° 1, quarto parágrafo, e 91/68)

Sumário


1. Um Estado-Membro não pode opor-se à importação de ovinos para abate à chegada ao seu território, para os quais o anexo E da Directiva 91/68, relativa às condições de polícia sanitária que regem as trocas comerciais intracomunitárias de ovinos e caprinos, prevê um modelo de certificado sanitário, unicamente pelo facto de estes serem acompanhados de um certificado sanitário constante do mesmo anexo, que é previsto para as trocas comerciais entre Estados-Membros de ovinos ou de caprinos para engorda.

Por um lado, com efeito, o modelo previsto para a engorda contém informações idênticas às que figuram no modelo previsto para o abate. Por outro lado, o artigo 5.° , n.° 1, alínea b), primeiro parágrafo, ii), da Directiva 90/425, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno e cujas regras são aplicáveis aos controlos no Estado-Membro de destino, prevê que, quando os animais são destinados a um matadouro colocado sob a responsabilidade de um veterinário oficial, este último deve, recorrendo, nomeadamente, ao certificado ou documento de acompanhamento, velar por que apenas sejam abatidos os animais que satisfizerem as exigências da Directiva 91/425 e, por remissão para as directivas que figuram nos anexos desta última, as da Directiva 91/68. Quanto ao n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, do mesmo artigo, este prevê que, no caso de os animais serem destinados a comerciantes, estabelecimentos, explorações, centros ou organismos, os destinatários dos animais devem, nomeadamente, verificar a existência dos certificados exigidos, assinalar à autoridade competente qualquer incumprimento ou anomalia e, neste último caso, isolar os animais em questão até que essa autoridade tenha decidido sobre o destino a dar-lhes.

Resulta destas disposições que quando os animais são acompanhados de certificados sanitários válidos, que não correspondem ao uso que será feito dos referidos animais, mas que contêm todas as indicações necessárias para essa utilização, as autoridades competentes de um Estado-Membro de destino não se podem opor à importação destes animais invocando um mero erro de certificado.

( cf. n.os 44, 48, 50, 52, 53, disp. 1 )

2. À época da importação dos ovinos provenientes do Reino Unido para o Estado-Membro em causa, o direito comunitário e, mais particularmente, a Directiva 91/68, relativa às condições de polícia sanitária que regem as trocas comerciais intracomunitárias de ovinos e caprinos, bem como o artigo 10.° da Directiva 90/425, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno, não se opunham a que um Estado-Membro exigisse, através de uma regulamentação nacional, que, quando da importação de bovinos e ovinos provenientes de França, da Irlanda, de Portugal e do Reino Unido, para fins de abate, reprodução ou engorda, o certificado sanitário que acompanhava estes animais contivesse a declaração de que estes últimos nasceram e foram criados em explorações em que não se registou qualquer caso de encefalopatia espongiforme transmissível nos últimos seis anos.

Com efeito, o artigo 10.° , n.° 1, quarto parágrafo, da Directiva 90/425 autoriza um Estado-Membro de destino a tomar, por razões graves de protecção da saúde pública ou animal, medidas cautelares enquanto se aguarda que sejam tomadas medidas pela Comissão em conformidade com o n.° 4 do mesmo artigo. Ora, a regulamentação em causa foi adoptada, por um lado, numa altura em que não existia nenhuma disposição comunitária que tomasse em consideração a possibilidade de uma contaminação dos ovinos pelo prião da encefalopatia espongiforme bovina e, por outro, após a publicação de um parecer do Spongiform Encephalopathy Advisory Committee, organismo científico independente incumbido de aconselhar o Governo do Reino Unido, podendo ser considerado a manifestação de uma zoonose, de uma doença ou de uma causa que pode constituir um perigo grave para os animais ou para a saúde humana na acepção do artigo 10.° da mesma directiva e justificar a adopção dessa regulamentação em conformidade com esta disposição. Por conseguinte, ao adoptar esta regulamentação, o Estado-Membro respeitou todas as condições previstas no referido artigo 10.°

( cf. n.os 70-72, 74, 82, 83, disp. 2 )

Partes


No processo C-220/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pela High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Commercial Court) (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Joseph Lennox, agindo sob a denominação comercial «R. Lennox & Son»,

e

Industria Lavorazione Carni Ovine,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 9.° da Directiva 91/68/CEE do Conselho, de 28 de Janeiro de 1991, relativa às condições de polícia sanitária que regem as trocas comerciais intracomunitárias de ovinos e caprinos (JO L 46, p. 19), bem como de várias outras disposições comunitárias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: D. A. O. Edward, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, A. La Pergola, P. Jann, S. von Bahr e A. Rosas (relator), juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de J. Lennox, por C. Quigley, barrister, mandatado por A. M. Burstow e D. Cooper do escritório Argles Stoneham Burstow, solicitors,

- em representação da Industria Lavorazione Carni Ovine, por M. Sheridan, barrister, mandatado pelo escritório Beachcroft Wansbroughs, solicitors,

- em representação do Governo irlandês, por D. O'Hagan, na qualidade de agente, assistido por E. Mulloy, BL,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Bordes e K. Fitch, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de J. Lennox, representado por C. Quigley, da Industria Lavorazione Carni Ovine, representada por M. Sheridan, do Governo irlandês, representado por R. Boyle, BL, e da Comissão, representada por A. Bordes e K. Fitch, na audiência de 12 de Setembro de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Outubro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 13 de Novembro de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de Maio de 2001, a High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Commercial Court), colocou, nos termos do artigo 234.° CE, várias questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 9.° da Directiva 91/68/CEE do Conselho, de 28 de Janeiro de 1991, relativa às condições de polícia sanitária que regem as trocas comerciais intracomunitárias de ovinos e caprinos (JO L 46, p. 19), bem como de outras disposições comunitárias.

2 Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe J. Lennox, agindo sob a denominação comercial «R. Lennox & Son», exportador de gado estabelecido no Reino Unido, à Industria Lavorazione Carni Ovine (a seguir «ILCO»), uma empresa que explora um matadouro em Itália, a propósito da perda de três carregamentos de ovinos vivos pelo facto de, quando foram exportados do Reino Unido para Itália, não serem acompanhados dos certificados sanitários exigidos pela legislação italiana.

Enquadramento jurídico

Direito comunitário

Directiva 90/425/CEE

3 As trocas comerciais entre Estados-Membros de determinados animais vivos são regulamentadas pela Directiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno (JO L 224, p. 29).

4 O artigo 1.° da Directiva 90/425 visa nomeadamente os animais vivos e os produtos que são abrangidos pelas directivas enumeradas no anexo A desta. Os ovinos foram incluídos neste anexo pela Directiva 91/68.

5 A Directiva 90/425 enuncia o princípio do controlo dos animais no Estado-Membro de expedição. O seu artigo 5.° prevê, no entanto, diferentes tipos de controlos que podem ser efectuados pelo Estado-Membro de destino.

6 O artigo 5.° , n.° 1, alínea a), da Directiva 90/425 estabelece o princípio do controlo veterinário por sondagem. O n.° 1, alínea b), deste artigo prevê outros controlos, que variam segundo as situações.

7 Assim, nos termos do artigo 5.° , n.° 1, alínea b), primeiro parágrafo, i), desta directiva, a autoridade competente controla os certificados ou os outros documentos de acompanhamento quando os animais são destinados a um mercado ou a um centro de concentração autorizado conforme definido pela regulamentação comunitária. Em contrapartida, a passagem que figura em ii) deste parágrafo determina que, quando os animais são destinados a um matadouro colocado sob a responsabilidade de um veterinário oficial, este último deve, «recorrendo, nomeadamente, ao certificado ou documento de acompanhamento», velar por que apenas sejam abatidos os animais que satisfizerem as exigências da Directiva 90/425 e, por remissão para as directivas visadas nos anexos desta última, as da Directiva 91/68.

8 O artigo 5.° , n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 90/425 determina ainda que, no caso de os animais serem destinados a comerciantes, estabelecimentos, explorações, centros ou organismos, os destinatários dos animais devem, nomeadamente, verificar a presença dos certificados exigidos, assinalar qualquer incumprimento ou anomalia à autoridade competente e, neste último caso, isolar os animais em questão até que essa autoridade tenha decidido sobre o destino a dar-lhes.

9 O artigo 8.° , n.° 1, da Directiva 90/425 indica que as diferentes medidas que podem ser adoptadas pelo Estado-Membro de destino quando a existência de uma doença foi revelada por controlos. Estas medidas incluem, nomeadamente, a colocação em quarentena dos animais, o seu abate ou a sua reexpedição para o Estado-Membro de expedição. O artigo 8.° , n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, desta directiva determina, no entanto, que, no caso de terem sido verificados incumprimentos que digam respeito ao certificado ou aos documentos, deve ser concedido ao proprietário ou ao seu mandatário um prazo de regularização antes de se recorrer a esta última possibilidade.

10 O artigo 10.° , n.° 1, da Directiva 90/425 tem a seguinte redacção:

«Cada Estado-Membro assinalará imediatamente aos outros Estados-Membros e à Comissão, para além do aparecimento no seu território das doenças previstas na Directiva 82/894/CEE, o aparecimento de zoonoses, doenças ou do que quer que possa constituir um perigo grave para os animais ou para a saúde humana.

O Estado-Membro de expedição aplicará imediatamente as medidas de luta ou de prevenção previstas na regulamentação comunitária e, nomeadamente, determinará as zonas de protecção nela previstas ou decidirá qualquer outra medida que considere apropriada.

O Estado-Membro de destino ou de trânsito que, por ocasião de um dos controlos referidos no artigo 5.° , verificar a existência de uma das doenças ou factores de perigo referidos no primeiro parágrafo pode, se tal for considerado necessário, tomar as medidas de prevenção previstas na regulamentação comunitária, incluindo a colocação dos animais em quarentena.

Enquanto aguarda a tomada de medidas nos termos do n.° 4, o Estado-Membro de destino pode, por razões graves de protecção da saúde pública ou animal, tomar medidas cautelares em relação às explorações, centros ou organismos em questão ou, no caso de uma epizootia, em relação à zona de protecção prevista na regulamentação comunitária.

As medidas tomadas pelos Estados-Membros serão comunicadas sem tardar à Comissão e aos outros Estados-Membros.»

A Directiva 91/68

11 A Directiva 91/68 determina, no artigo 3.° , que os ovinos e caprinos de abate apenas podem ser destinados a trocas comerciais se satisfizerem as condições previstas no artigo 4.° da mesma directiva, ao passo que os ovinos e caprinos de reprodução, de produção e de engorda apenas podem ser destinados a trocas comerciais se satisfizerem as condições previstas nos artigos 4.° a 6.° da referida directiva, sem prejuízo de eventuais garantias complementares exigíveis nos termos dos artigos 7.° e 8.° desta.

12 O artigo 4.° , n.° 1, da Directiva 91/68 prevê que os ovinos e os caprinos devem ser identificados e registados, que não devem apresentar nenhum sinal clínico de doença quando da inspecção, que não devem provir de uma exploração sobre a qual recaia uma proibição por motivos de polícia sanitária ou por terem estado em contacto com animais originários de tais explorações nem ser objecto de medidas de polícia sanitária ao abrigo da Directiva 85/511/CEE do Conselho, de 18 de Novembro de 1985, que estabelece medidas comunitárias de luta contra a febre aftosa (JO L 315, p. 11; EE 03 F39 p. 33). O artigo 4.° , n.° 2, da Directiva 91/68 determina que os Estados-Membros devem excluir das trocas comerciais os ovinos e os caprinos que devam ser eliminados no âmbito de um programa nacional de erradicação de determinadas doenças e os que não possam ser comercializados no seu próprio território por motivos sanitários ou de polícia sanitária justificados pelo artigo 36.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 30.° CE).

13 O artigo 5.° da Directiva 91/68 impõe determinadas condições relativas à brucelose para os ovinos e os caprinos destinadas a reprodução, produção e engorda.

14 O artigo 6.° da mesma directiva prevê condições suplementares para os animais de produção e de reprodução. Especifica, nomeadamente, que estes animais devem provir de uma exploração e só podem ter estado em contacto com animais de uma exploração na qual certas doenças não tenham sido clinicamente declaradas durante determinados períodos mínimos. Mais particularmente, no que respeita ao tremor epizoótico, os ovinos devem preencher as condições suplementares fixadas na passagem que consta da alínea b) deste artigo, que determina, nomeadamente, que nenhum caso de tremor epizoótico deve ter sido confirmado na exploração em causa nos dois últimos anos.

15 A obrigação relativa ao certificado sanitário é enunciada no artigo 9.° da Directiva 91/68:

«Os ovinos e os caprinos objecto de trocas comerciais entre Estados-Membros devem ser acompanhados, no decurso do seu transporte para o local de destino, de um certificado assinado por um veterinário oficial, em conformidade com o anexo E (modelos I, II e III), que deverá ser elaborado no dia da inspecção prevista no n.° 1, alínea b), do artigo 4.° , pelo menos numa das línguas oficiais do Estado-Membro de destino, e cujo período de validade será de dez dias. Este certificado deve ser constituído por uma única folha.»

16 Três modelos de formulários são apresentados no anexo E da Directiva 91/68. O modelo I fixado por este anexo (a seguir «modelo I») é destinado à troca de animais para abate, o modelo II previsto no referido anexo (a seguir «modelo II») ao dos animais de engorda e o modelo III fixado no mesmo anexo ao dos animais de reprodução e de criação. A única diferença entre os modelos I e II é que o modelo II contém uma frase que declara que os animais são admissíveis numa exploração oficialmente indemne de brucelose.

17 O artigo 10.° , n.° 1, da Directiva 91/68 tem a seguinte redacção:

«As regras previstas pela Directiva 90/425/CEE são aplicáveis, nomeadamente no que respeita aos controlos na origem, à organização e ao seguimento a dar aos controlos a efectuar pelo Estado-Membro de destino e às medidas de salvaguarda a aplicar.»

Direito italiano

18 Por despacho de 24 de Dezembro de 1996 (n.° 600.3/VET/340/2/8990, a seguir «despacho de 24 de Dezembro de 1996»), o Ministério da Saúde italiano regulamentou a importação para a Itália de bovinos e ovinos para a reprodução e engorda, provenientes da França, da Irlanda, de Portugal e do Reino Unido.

19 No seu preâmbulo, o despacho de 24 de Dezembro de 1996 faz referência à existência de casos de encefalopatia espongiforme bovina (a seguir «ESB») em diferentes Estados-Membros, aos programas de fiscalização adoptados em determinados Estados-Membros, bem como ao facto de a Itália se encontrar numa situação sanitária diferente, que não necessita de medidas análogas. Faz aí referência ao parecer de um grupo nacional de trabalho para as encefalopatias espongiformes transmissíveis (a seguir «EET») e enuncia que é adoptado «enquanto se aguardam eventuais medidas comunitárias».

20 Nos termos do despacho de 24 de Dezembro de 1996, a importação de ovinos vivos para reprodução ou para engorda só podia ocorrer na condição de a seguinte declaração ser incluída no certificado sanitário:

«Os animais referidos neste certificado nasceram e foram criados em explorações em que não se registou qualquer caso de encefalopatia espongiforme transmissível (EET) nos últimos seis anos.»

21 O despacho de 24 de Dezembro de 1996 previa igualmente a destruição, quando do corte, de determinados materiais de risco específicos.

22 Uma nota explicativa n.° 600.3/340/8/73, de 3 de Janeiro de 1997 (a seguir «nota de 3 de Janeiro de 1997»), esclareceu que as importações de animais destinados a abate estavam igualmente sujeitas à inclusão, nos certificados sanitários, da declaração relativa à EET prevista no despacho de 24 de Dezembro de 1996.

23 Estes dois textos foram notificados à Comissão por telecópia de 10 de Janeiro de 1997.

24 A pedido do Tribunal de Justiça, o Governo do Reino Unido confirmou, por carta de 31 de Maio de 2002, ter sido notificado do despacho de 24 de Dezembro de 1996 bem como da nota de 3 de Janeiro de 1997.

25 O despacho de 24 de Dezembro de 1996 foi revogado na sequência da adopção, pela Comissão, da Decisão 98/272/CE, de 23 de Abril de 1998, relativa à vigilância epidemiológica das encefalopatias espongiformes transmissíveis e que altera a Decisão 94/474/CE (JO L 122, p. 59).

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26 Resulta do despacho de reenvio que foi celebrado um contrato, regulado pelo direito inglês, entre J. Lennox e a ILCO em Junho de 1997 para a exportação de três carregamentos de ovinos vivos do Reino Unido para a sede de exploração da ILCO em Itália.

27 Os ovinos deviam ser entregues em 6 de Julho de 1997. J. Lennox sabia que a ILCO explorava um matadouro, mas as partes não tinham discutido a questão de saber se os ovinos eram para abate imediato ou para acabamento da engorda antes do abate.

28 Os certificados sanitários previstos na Directiva 91/68 para o comércio de ovinos vivos destinadas a abate ou a acabamento da engorda eram emitidos no Reino Unido pelo Ministry of Agriculture, Fisheries and Food (a seguir «MAFF»). No que respeita aos ovinos expedidos à ILCO, J. Lennox obteve certificados sanitários intitulados «Certificado sanitário para comércio de ovinos e caprinos para engorda entre Estados-Membros da Comunidade Europeia».

29 Em 1 de Julho de 1997, a ILCO pediu a J. Lennox que lhe enviasse pormenores relativos aos carregamentos, incluindo os certificados sanitários. Segundo J. Lennox, um funcionário do MAFF enviou à ILCO os referidos certificados sanitários, por telecópia, na sexta-feira, 4 de Julho de 1997. A ILCO tomou conhecimento dos certificados na segunda-feira, 7 de Julho de 1997.

30 Os animais foram carregados em 4 de Julho de 1997 e chegaram às instalações da ILCO em 7 de Julho de 1997. No dia desta chegada, a ILCO informou J. Lennox de que os certificados sanitários estavam errados na medida em que referiam que os ovinos eram para engorda e não para abate. A ILCO solicitou a J. Lennox que lhe enviasse certificados para abate, sem o que os ovinos seriam reexpedidos para o Reino Unido.

31 Um veterinário oficial italiano colocou os ovinos sob sequestro. Em 8 de Julho de 1997, o Ministério da Saúde italiano enviou à Embaixada do Reino Unido em Roma (Itália) uma telecópia pedindo autorização de reenvio dos ovinos para o Reino Unido, nos termos da Directiva 89/608/CEE do Conselho, de 21 de Novembro de 1989, relativa à assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros e à colaboração entre estas e a Comissão, tendo em vista assegurar a boa aplicação das legislações veterinária e zootécnica (JO L 351, p. 34), e da Directiva 90/425. A razão indicada para esse pedido era que os certificados sanitários usados se referiam a acabamento da engorda «para o qual é necessária a certificação relativa às EET (encefalopatia espongiforme transmissível), nos termos do despacho n.° 6003/VET/340/2/8920 de 24 de Dezembro de 1996».

32 A Embaixada do Reino Unido em Roma recusou o pedido, tendo sido informada pelo MAFF de que este considerava a exigência de incluir uma declaração relativa à EET uma restrição ilegal às trocas comerciais. J. Lennox tentou obter a confirmação de que os ovinos provinham de uma exploração indemne de EET. Nenhum certificado relativo a animais para abate foi enviado.

33 Em resultado disso, os ovinos foram destruídos. J. Lennox pediu à ILCO o pagamento de 57 254,40 GBP, alegando que tinha cumprido as suas obrigações contratuais. Uma vez que a ILCO se recusou a efectuar este pagamento, J. Lennox intentou uma acção judicial para obter o pagamento e a ILCO apresentou um pedido reconvencional de reparação dos danos sofridos.

34 A ILCO apresentou no órgão jurisdicional de reenvio uma declaração de direito italiano, emitida por um advogado italiano, segundo a qual a importação em Itália de ovinos vivos para abate, acompanhados de certificados sanitários para as trocas comerciais de ovinos para engorda, constitui uma violação deste direito. A referida declaração indica ainda que a inobservância das condições relativas à apresentação de certificados regulares, por parte do exportador, constitui um ilícito penal e que a utilização de certificados não conformes constitui crime de fraude.

35 Tendo em conta estes elementos, a High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Commercial Court), colocou ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1) a) Se uma partida de ovinos for exportada de um Estado-Membro para outro Estado-Membro, sendo os ovinos para abate no destino, está cumprida a exigência do artigo 9.° da Directiva 91/68/CEE se o certificado sanitário que a acompanha não for um certificado modelo I, nos termos do anexo E da mesma directiva, mas sim um certificado modelo II?

b) No caso de resposta negativa à questão 1, alínea a), a partida de ovinos apenas puder ser acompanhada de um certificado modelo I, a responsabilidade pela identificação do certificado correcto antes da exportação cabe ao exportador ou ao destinatário dos ovinos, ou é a lei nacional aplicável ao contrato que determina a qual das partes cabe essa responsabilidade?

c) Se uma partida de ovinos for exportada de um Estado-Membro para outro Estado-Membro e os ovinos forem para abate no destino e o certificado que os acompanha for um certificado modelo II, pode a legislação nacional do Estado de destino considerar a importação ilegal com base no facto de o certificado não ser um certificado modelo I?

2) a) Em Julho de 1997, era compatível com o direito comunitário, em particular com os artigos 28.° CE a 30.° CE (ex-artigos 30.° a 36.° do Tratado CE) e/ou com o artigo 152.° CE (ex-artigo 129.° do Tratado CE) e/ou com os artigos 6.° CE e 174.° CE (ex-artigo 130.° R do Tratado CE), e com as Directivas 89/662/CEE [do Conselho, de 11 de Dezembro de 1989, relativa aos controlos veterinários aplicáveis ao comércio intracomunitário, na perspectiva da realização do mercado interno (JO L 395, p. 13)], 90/425/CEE e 91/68/CEE do Conselho a exigência de um Estado-Membro de os certificados sanitários previstos no artigo 9.° da Directiva 91/68/CEE incluírem a seguinte declaração: Os animais referidos neste certificado nasceram e foram criados em explorações em que não se registou qualquer caso de encefalopatia espongiforme transmissível (EET) nos últimos seis anos?

b) No caso de resposta negativa à segunda questão, alínea a), se, nos termos da lei aplicável ao contrato, o exportador tiver cumprido quanto ao resto as suas obrigações de entrega dos ovinos na sede do destinatário, deve o tribunal nacional, numa acção cível entre o exportador e o destinatário relativa aos respectivos direitos e obrigações contratuais emergentes da importação dos ovinos, deixar de aplicar qualquer obrigação prevista na lei nacional do Estado-Membro de destino de o certificado sanitário que os acompanha conter essa declaração?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

36 Através da primeira questão, alíneas a) e c), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um Estado-Membro se pode opor à importação de ovinos para abate à chegada ao seu território quando estes são acompanhados de um certificado sanitário modelo II, que é previsto para as trocas comerciais entre Estados-Membros de ovinos ou de caprinos para engorda. Através da primeira questão, alínea b), este órgão jurisdicional pretende saber, em caso afirmativo, quem é o responsável pela identificação do certificado adequado para a operação em causa.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

37 J. Lennox, o Governo irlandês e a Comissão consideram que, em caso de trocas comerciais entre Estados-Membros de animais para abate, a condição prevista no artigo 9.° da Directiva 91/68 está preenchida mesmo quando o certificado apresentado for do modelo II, previsto para a engorda, e não do modelo I, previsto para o abate. Salientam que os ovinos destinados a engorda devem preencher as condições previstas nos artigos 4.° a 8.° da Directiva 91/68, enquanto os ovinos para abate deveriam preencher apenas as condições fixadas no artigo 4.° desta directiva. Daí resulta que os ovinos que respondam às condições de engorda preenchem necessariamente as condições de abate.

38 Atendendo a que as condições de fundo se encontram preenchidas, o vício de forma ligado ao modelo de certificado utilizado também não deve ter consequências quanto ao fundo e, por conseguinte, não deve tornar a importação ilegal. A Comissão esclarece que os controlos efectuados no Estado-Membro de importação em conformidade com as directivas aplicáveis devem igualmente incluir controlos veterinários e que um veterinário deve declarar que um animal acompanhado de um certificado que ateste que preenche as condições de engorda preenche necessariamente as condições de abate. J. Lennox e o Governo irlandês alegam que o objectivo das Directivas 90/425 e 91/68 é facilitar as trocas comerciais e que estas directivas devem ser objecto de uma interpretação razoável da parte dos Estados-Membros, bem como dos seus funcionários e agentes.

39 A ILCO considera, pelo contrário, que a condição prevista no artigo 9.° da Directiva 91/68 não se encontrava preenchida quando da troca comercial dos animais em causa no processo principal. Insiste no objectivo de simplificação dos controlos prosseguido pelas Directivas 90/425 e 91/68, segundo as quais o Estado-Membro de destino poderia limitar-se a um controlo administrativo e a controlos veterinários por sondagem. A fiabilidade do sistema dos certificados poderia ser posta em causa se uma margem de apreciação fosse deixada às autoridades nacionais desse Estado.

40 Quanto à responsabilidade das partes no contrato na determinação do certificado adequado, a ILCO defende que as Directivas 90/425 e 91/68, que enunciam o princípio dos controlos no Estado-Membro de expedição, atribuem ao expedidor a responsabilidade de identificar, antes da exportação, o certificado exigido. O direito nacional aplicável ao contrato pode, no entanto, impor esta responsabilidade a pessoa diferente do expedidor em determinadas circunstâncias.

41 Quanto às consequências da inadequação do certificado, a ILCO alega que poderia considerar-se a possibilidade de dissociar o problema da livre circulação das mercadorias do problema da sanção. A apresentação de um certificado do modelo inadequado poderia não impedir a importação dos ovinos, mas originar simplesmente o pagamento de uma coima.

Apreciação do Tribunal de Justiça

42 A título liminar, há que declarar que, nos termos da Directiva 91/68, os ovinos para abate são aqueles que devem preencher o mínimo de condições sanitárias para poderem ser objecto de trocas comerciais entre Estados-Membros. Com efeito, devem preencher unicamente as condições previstas no artigo 4.° desta directiva, ao passo que os ovinos para engorda, produção ou reprodução devem, além disso, preencher as condições enunciadas nos artigos 5.° e 6.° da referida directiva, sem prejuízo das eventuais garantias suplementares exigíveis em aplicação dos artigos 7.° e 8.° desta.

43 Daqui resulta que um ovino que preencha as condições sanitárias para ser destinado ao abate, à criação ou à reprodução preenche necessariamente as condições às quais deve responder um ovino destinado a abate.

44 Quanto à questão de saber se a importação de um ovino para abate pode ser recusada por um Estado-Membro de destino pelo facto de ser acompanhado de um certificado sanitário que ateste que preenche as condições para engorda, há que responder, em primeiro lugar, que o modelo II de certificado sanitário, previsto para a engorda, contém informações idênticas às que figuram no modelo I, previsto para o abate, e uma informação suplementar relativa à brucelose.

45 Importa, em segundo lugar, verificar se as Directivas 90/425 e 91/68 prevêem sanções específicas em caso de apresentação, no Estado-Membro de destino, de um certificado de um modelo diferente daquele que corresponde ao uso que será feito do animal.

46 Em conformidade com o artigo 10.° da Directiva 91/68, são as regras previstas na Directiva 90/425 que são aplicáveis no que respeita aos controlos no Estado-Membro de destino.

47 A este respeito, há que recordar que o artigo 5.° da Directiva 90/425, que descreve os controlos neste Estado, prevê diferentes tipos de controlos. O artigo 5.° , n.° 1, alínea a), fixa o princípio do controlo veterinário por sondagem. O n.° 1, alínea b), deste artigo prevê outros controlos, que variam conforme as situações.

48 Assim, o artigo 5.° , n.° 1, alínea b), primeiro parágrafo, i), desta directiva prevê que a autoridade competente controla os certificados ou os outros documentos de acompanhamento quando os animais são destinados a um mercado ou a um centro de concentração autorizado como definido na regulamentação comunitária. Em contrapartida, a passagem que figura em ii) deste parágrafo determina que, quando os animais são destinados a um matadouro colocado sob a responsabilidade de um veterinário oficial, este último deve, «recorrendo, nomeadamente, ao certificado ou documento de acompanhamento», velar por que apenas sejam abatidos os animais que satisfizerem as exigências da Directiva 91/425 e, por remissão para as directivas que figuram nos anexos desta última, as da Directiva 91/68.

49 Resulta desta última disposição que o controlo do veterinário oficial incide sobre as condições de fundo e não sobre o simples título dos certificados. Daqui resulta que, se são apresentados ovinos destinados a abate mas acompanhados de um certificado sanitário do modelo II, previsto para a engorda, a um matadouro colocado sob a supervisão de um veterinário oficial, este deverá, sem se deter no título do formulário, mas examinado as menções que figuram neste último, atestar, de acordo com o certificado, que estes ovinos preenchem efectivamente todas as condições sanitárias para o abate.

50 Há que recordar igualmente que o artigo 5.° , n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 90/425 prevê que, no caso de os animais serem destinados a comerciantes, estabelecimentos, explorações, centros ou organismos, os destinatários dos animais devem, nomeadamente, verificar a existência dos certificados exigidos, assinalar à autoridade competente qualquer incumprimento ou anomalia e, neste último caso, isolar os animais em questão até que essa autoridade tenha decidido sobre o destino a dar-lhes.

51 Consequentemente, se ovinos destinados a abate mas acompanhados de certificados do modelo II são apresentados a um matadouro que não está colocado sob a fiscalização de um veterinário oficial, o responsável do matadouro deve contactar a autoridade competente a fim de lhe assinalar a anomalia. Todavia, também neste caso, a autoridade competente apenas poderá, tendo em conta as indicações do certificado, declarar que estes contêm todas as indicações necessárias quanto às condições sanitárias de abate.

52 Resulta destas disposições que, quando os animais são acompanhados de certificados sanitários válidos, que não correspondem ao uso que será feito dos referidos animais, mas que contêm todas as indicações necessárias para essa utilização, as autoridades competentes de um Estado-Membro de destino não se podem opor à importação destes animais invocando um mero erro de certificado.

53 Assim, à primeira questão, alíneas a) e c), deve responder-se que um Estado-Membro não se pode opor à importação de ovinos para abate à chegada ao seu território unicamente pelo facto de estes serem acompanhados de um certificado sanitário modelo II, que é previsto para as trocas comerciais entre Estados-Membros de ovinos ou de caprinos para engorda.

54 Atendendo a esta resposta, não há que responder à primeira questão, alínea b).

Quanto à segunda questão

55 Na segunda questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, no momento dos factos no processo principal, o direito comunitário se opunha a que um Estado-Membro exigisse, através de uma regulamentação nacional como o despacho de 24 de Dezembro de 1996, clarificada pela nota de 3 de Janeiro de 1997, que, quando da importação de bovinos e ovinos provenientes da França, da Irlanda, de Portugal e do Reino Unido, para fins de abate, reprodução ou engorda, o certificado sanitário que acompanhava estes animais contivesse a declaração de que estes últimos nasceram e foram criados em explorações em que não se registou qualquer caso de EET nos últimos seis anos.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

56 J. Lennox sustenta que a exigência, em causa no processo principal, de uma declaração relativa à EET não era conforme com o direito comunitário. Sustenta que não existiu na matéria o «aparecimento de zoonoses, doenças ou do que quer que possa constituir um perigo grave para os animais ou para a saúde humana» na acepção do artigo 10.° , n.° 1, da Directiva 90/425, que autoriza a República Italiana a adoptar medidas cautelares. Observa que o tremor epizoótico é uma doença referida na parte II do anexo B da Directiva 91/68. Se o Estado-Membro em causa quisesse instituir um programa nacional de luta ou de fiscalização desta doença ou se considerasse que estava dela indemne, deveria, em aplicação, respectivamente, dos artigos 7.° e 8.° desta directiva, ter comunicado à Comissão as medidas que tinha intenção de adoptar.

57 Quanto ao parecer de 10 de Julho de 1996 do Spongiform Encephalopathy Advisory Committee (a seguir «SEAC»), organismo científico independente incumbido de aconselhar o Governo do Reino Unido, através do qual este comité chamou a atenção para o risco de infecção dos ovinos pela ESB através de farinhas animais, J. Lennox considera que não se tratava de um risco de importância tal que justificasse adoptar uma medida equivalente a uma proibição de importação.

58 A título subsidiário, J. Lennox considera que a medida resultante do despacho de 24 de Dezembro de 1996 não era proporcionada. Teria sido suficiente, em conformidade com as recomendações do SEAC, a destruição dos materiais de risco específicos.

59 J. Lennox alega igualmente que lhe era impossível responder a uma exigência para ele desconhecida, mas que reconhece ser do conhecimento das autoridades do Reino Unido.

60 A ILCO considera, pelo contrário, que uma regulamentação nacional que impõe uma declaração relativa à EET era justificada ao abrigo do artigo 36.° do Tratado, tendo em conta o estado de incerteza existente quanto a um risco de contaminação cruzada entre a ESB e o tremor epizoótico. Esta empresa chama a atenção para um certificado sanitário que responde às condições da legislação nacional, elaborado por um veterinário oficial britânico na época da exportação em causa no processo principal, mas relativo à carne de ovino. Conclui que as autoridades do Reino Unido tinham tomado as medidas necessárias para elaborar os certificados bilingues adequados, mas que estes não abrangiam a hipótese de exportação de animais vivos.

61 O Governo irlandês e a Comissão sustentam que a República Italiana podia adoptar uma regulamentação que impusesse uma declaração relativa à EET, enquanto medida cautelar, em aplicação do artigo 10.° , n.° 1, da Directiva 90/425. Defendem que o artigo 36.° do Tratado não é aplicável uma vez que o sector em causa é harmonizado pelas Directivas 90/425 e 91/68. A Comissão considera, por outro lado, que estas directivas não são contrárias ao artigo 129.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 152.° CE) e que o artigo 130.° -R do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 174.° CE), relativo ao ambiente, não é aplicável ao caso em apreço no processo principal. Quanto à Directiva 89/662, igualmente visada pela segunda questão prejudicial, refere-se às trocas comerciais de produtos animais e de origem animal pelo que não é aplicável ao processo principal.

62 A Comissão alega que, embora a Directiva 90/425 tenha sido adoptada com base no artigo 43.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 37.° CE), constitui, no entanto, uma medida de harmonização. Recorda, a este respeito, que o artigo 100.° -A, n.° 5, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° , n.° 10, CE) exige que as medidas de harmonização adoptadas ao abrigo deste artigo «compreend[am], nos casos adequados, uma cláusula de salvaguarda que autorize os Estados-Membros a tomarem, por uma ou mais razões não económicas previstas no artigo 36.° , medidas provisórias sujeitas a um processo comunitário de controlo».

63 A Comissão defende que a descoberta científica de elementos relativos à EET equivale a um caso de aparecimento de uma doença na acepção do artigo 10.° , n.° 1, da Directiva 90/425.

64 Ao examinar se as medidas em causa no processo principal eram justificadas e proporcionadas, a Comissão observa que foram adoptadas cinco meses depois da publicação, em 10 de Julho de 1996, do parecer do SEAC que chamava a atenção para o risco de infecção de ovinos pela ESB através das farinhas animais. Por outro lado, apenas foi proibida a importação de ovinos provenientes de explorações que tivessem conhecido recentemente casos de tremor epizoótico, o que permite pensar que as referidas medidas eram proporcionadas. A Comissão observa, no entanto, que, na falta de disposição comunitária que imponha o registo dos casos de tremor epizoótico dos ovinos, coloca-se a questão de saber se as informações necessárias à certificação exigida pelas autoridades italianas se encontravam disponíveis. Em caso negativo, poderia concluir-se que as medidas em causa eram desproporcionadas.

65 De qualquer forma, a Comissão conclui, de modo geral, que a questão de saber se as condições previstas no artigo 10.° da Directiva 90/425 estavam preenchidas pelo despacho de 24 de Dezembro de 1996 é essencialmente uma questão de facto e que, tendo em conta a necessidade imperativa de proteger a saúde pública, os problemas práticos particulares suscitados pela tomada de decisão a nível comunitário no caso da ESB e as incertezas científicas, há que considerar que este despacho, na sua totalidade, preenchia as referidas condições.

66 O Governo irlandês e a Comissão afirmam que o procedimento de notificação à Comissão foi respeitado pelo Governo italiano. A Comissão assinala que não pode apurar se os outros Estados-Membros foram regularmente informados.

67 A ILCO, o Governo irlandês e Comissão afirmam que o despacho de 24 de Dezembro de 1996 foi revogado a partir do momento em que foram adoptadas medidas comunitárias na matéria, o que demonstra igualmente o carácter proporcionado das medidas em causa no processo principal.

Apreciação do Tribunal de Justiça

68 Deve recordar-se que, segundo jurisprudência assente, quando directivas comunitárias prevêem a harmonização das medidas necessárias para garantir a protecção da saúde dos animais e das pessoas e instituem procedimentos comunitários de controlo da sua observância, o recurso ao artigo 36.° do Tratado deixa de ser justificado e é no âmbito traçado pela directiva de harmonização que devem ser efectuados os controlos adequados e adoptadas as medidas de protecção (v., nomeadamente, acórdão de 22 de Outubro de 2002, National Farmers' Union, C-241/01, Colect., p. I-9079, n.° 48).

69 As trocas comerciais de ovinos vivos são regulamentadas pela Directiva 91/68. No que respeita à adopção de eventuais medidas de salvaguarda, o artigo 10.° , n.° 1, desta directiva remete, porém, para a Directiva 90/425. Daqui decorre que é à luz da Directiva 90/425 que há que verificar se deviam ser adoptadas medidas de salvaguarda.

70 O artigo 10.° , n.° 1, quarto parágrafo, da Directiva 90/425 autoriza o Estado-Membro de destino a tomar, por razões graves de protecção da saúde pública ou da saúde dos animais, medidas cautelares, como uma proibição de importação, enquanto se aguarda que sejam tomadas medidas pela Comissão em conformidade com o n.° 4 do mesmo artigo (v., por analogia, em relação ao artigo 9.° , n.° 1, quarto parágrafo, da Directiva 89/662, acórdão de 5 de Dezembro de 2000, Eurostock, C-477/98, Colect., p. I-10695, n.os 57 e 79).

71 A este respeito, há, antes de mais, que observar que as partes não contestam que, quando foi adoptado o despacho de 24 de Dezembro de 1996, não existia nenhuma disposição comunitária que tomasse em consideração a possibilidade de uma contaminação dos ovinos pelo prião da ESB. A artigo 6.° , alínea b), da Directiva 91/68 visa unicamente o tremor epizoótico que, no entanto, é uma EET diferente da ESB, uma vez que esta última é uma EET que originariamente se pensava ser uma doença própria dos bovinos.

72 Seguidamente, em relação à questão de saber se existia, no caso em apreço no processo principal, «aparecimento de zoonoses, doenças ou do que quer que possa constituir um perigo grave para os animais ou para a saúde humana», na acepção do artigo 10.° , n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 90/425, há que recordar que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta condição pode ser preenchida quando informações novas modificam de forma importante a percepção do perigo que constitui uma doença (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Maio de 1998, National Farmers' Union e o., C-157/96, Colect., p. I-2211, n.os 29 a 32, e Reino Unido/Comissão, C-180/96, Colect., p. I-2265, n.os 50 a 53).

73 Observe-se, a este respeito, que o despacho de 24 de Dezembro de 1996 foi adoptado alguns meses depois da publicação de um parecer do SEAC, em 10 de Julho de 1996, segundo o qual não era de excluir que a ESB fosse transmissível aos ovinos e tivesse sido transmitida por farinhas animais. Este parecer dava ele próprio seguimento a outro parecer do SEAC, de 20 de Março de 1996, segundo o qual era provável que a ESB fosse transmissível ao homem.

74 Resulta destes elementos que o parecer do SEAC de 10 de Julho de 1996 pôde ser considerado a manifestação de uma zoonose, de uma doença ou de uma causa que pode constituir um perigo grave para os animais ou para a saúde humana na acepção do artigo 10.° da Directiva 90/425 e justificar a adopção de uma medida como a que está em causa no processo principal, em conformidade com esta disposição.

75 O artigo 10.° , n.° 1, quinto parágrafo, da Directiva 90/425 determina que as medidas tomada pelos Estados-Membros sejam imediatamente comunicadas à Comissão e aos outros Estados-Membros. Foi o que aconteceu no caso em apreço no processo principal. Segundo as indicações do Governo italiano, o despacho de 24 de Dezembro de 1996 foi notificado aos outros Estados-Membros e à Comissão por nota de 10 de Janeiro de 1997. Em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, o Governo do Reino Unido confirmou que este despacho e a nota de 3 de Janeiro de 1997 lhe tinham sido notificados.

76 Quanto à proporcionalidade da medida, há que recordar que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, exige que os actos adoptados não ultrapassem os limites do adequado e necessário à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo-se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (v. acórdãos de 4 de Junho de 1992, Debus, C-13/91 e C-113/91, Colect., p. I-3617, n.° 16, e Reino Unido/Comissão, já referido).

77 No caso vertente, o despacho de 24 de Dezembro de 1996 era motivado pelo número preocupante de focos de ESB detectados em França, na Irlanda, em Portugal e no Reino Unido.

78 É ponto assente que este despacho foi revogado por um decreto de 15 de Junho de 1998, ou seja, pouco tempo depois da entrada em vigor da Decisão 98/272, através da qual a Comissão impôs uma regulamentação comunitária na matéria.

79 Em relação ao período de seis anos referido na declaração, imposto pelo despacho de 24 de Dezembro de 1996, não se verifica, como observa o advogado-geral no n.° 74 das suas conclusões, que se tratava de uma medida inadequada, tendo em conta as disposições comunitárias então aplicáveis aos bovinos, que faziam referência ao mesmo período.

80 Tendo em conta as incertezas que existiam na época quanto aos modos de transmissão da doença, não é evidente que a destruição dos materiais de risco deveria ter sido preferida porque teria constituído uma medida igualmente eficaz mas menos restritiva para atingir o objectivo prosseguido.

81 Além disso, não é evidente que o despacho de 24 de Dezembro de 1996 criasse dificuldades particulares para os Estados-Membros uma vez que, como decorre do processo remetido ao Tribunal de Justiça pela ILCO, as autoridades competentes do Reino Unido tinham adoptado, na época da exportação em causa no processo principal, embora unicamente para a carne de ovino, um modelo de certificado sanitário que incluía a declaração exigida por este despacho.

82 Daqui resulta que, ao adoptar o despacho de 24 de Dezembro de 1996 e a nota de 3 de Janeiro de 1997, as autoridades italianas respeitaram todas as condições previstas no artigo 10.° da Directiva 90/425.

83 À segunda questão, alínea a), deve, portanto, responder-se que, na época dos factos no processo principal, o direito comunitário e, mais particularmente, a Directiva 91/68 bem como o artigo 10.° da Directiva 91/68 não se opunham a que um Estado-Membro exigisse, através de uma regulamentação nacional como o despacho de 24 de Dezembro de 1996, clarificada pela nota de 3 de Janeiro de 1997, que, quando da importação de bovinos e ovinos provenientes da França, da Irlanda, de Portugal e do Reino Unido, para fins de abate, reprodução ou engorda, o certificado sanitário que acompanhava estes animais contivesse a declaração de que estes últimos nasceram e foram criados em explorações em que não se registou qualquer caso de EET nos últimos seis anos.

84 Atendendo à resposta dada à segunda questão, alínea a), não há que responder à segunda questão, alínea b).

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

85 As despesas efectuadas pelo Governo irlandês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Commercial Court), por despacho de 13 de Novembro de 2000, declara:

1) Um Estado-Membro não pode opor-se à importação de ovinos para abate à chegada ao seu território unicamente pelo facto de estes serem acompanhados de um certificado sanitário modelo II previsto no anexo E da Directiva 91/68/CEE do Conselho, de 28 de Janeiro de 1991, relativa às condições de polícia sanitária que regem as trocas comerciais intracomunitárias de ovinos e caprinos, que é previsto para as trocas comerciais entre Estados-Membros de ovinos ou de caprinos para engorda.

2) Na época dos factos no processo principal, o direito comunitário e, mais particularmente, a Directiva 91/68 bem como o artigo 10.° da Directiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa aos controlos veterinários e zootécnicos aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos, na perspectiva da realização do mercado interno, não se opunham a que um Estado-Membro exigisse, através de uma regulamentação nacional como o despacho italiano n.° 600.3/VET/340/2/8920, de 24 de Dezembro de 1996, clarificada pela nota explicativa n.° 600.3/340/2/73, de 3 de Janeiro de 1997, que, quando da importação de bovinos e ovinos provenientes da França, da Irlanda, de Portugal e do Reino Unido, para fins de abate, reprodução ou engorda, o certificado sanitário que acompanhava estes animais contivesse a declaração de que estes últimos nasceram e foram criados em explorações em que não se registou qualquer caso de encefalopatia espongiforme transmissível nos últimos seis anos.