62001J0062

Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 23 de Abril de 2002. - Anna Maria Campogrande contra Comissão das Comunidades Europeias. - Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Funcionários - Assédio sexual - Dever de assistência da Comissão - Responsabilidade. - Processo C-62/01 P.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-03793


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância Fundamentos Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova Exclusão salvo caso de desnaturação Inadmissibilidade

[Artigo 225.° CE; Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, artigo 51.° ]

2. Funcionários Recurso Reclamação administrativa prévia Identidade de objecto e de causa Fundamentos e argumentos que não constam da reclamação mas com ela estreitamente relacionados Admissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.° )

3. Funcionários Recurso Reclamação administrativa prévia Novo pedido de indemnização distinto do constante da reclamação Inadmissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.° )

Sumário


1. Em matéria de acção de indemnização, o Tribunal de Primeira Instância aprecia soberanamente a existência do prejuízo e do nexo de causalidade entre este e o facto danoso, salvo desnaturação dos elementos de prova, por força das disposições dos artigos 225.° CE e 51.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. Quando o Tribunal utilizou, sem os desnaturar, todos os elementos de prova, aliás concordantes, que pôde encontrar, a parte de um fundamento pretendendo, definitivamente, que o Tribunal de Justiça substitua a apreciação dos elementos de prova do Tribunal de Primeira Instância pela sua própria apreciação deve ser declarada inadmissível por força daquelas disposições.

( cf. n.° 24 )

2. Nos recursos de funcionários, embora os pedidos apresentados ao órgão jurisdicional devam ter o mesmo objecto que os expostos na reclamação e só possam ter acusações que assentem na mesma causa que as feitas na reclamação, essas acusações podem, na fase contenciosa, ser desenvolvidas através da apresentação de fundamentos e argumentos que não figurem necessariamente na reclamação, mas que estejam estreitamente conexos com ela.

( cf. n.° 34 )

3. O conteúdo da reclamação não tem por objecto delimitar, de modo rigoroso e definitivo, a fase contenciosa, desde que o recurso contencioso não altere a causa ou o objecto da reclamação. Desta forma, quando um funcionário pede, na reclamação, a anulação do acto tácito de indeferimento do seu pedido de assistência, esse pedido de anulação deve ser visto como incluindo um pedido de ressarcimento do prejuízo que lhe pode ter sido causado pela referida decisão. Em contrapartida, quando apresenta um novo pedido de indemnização baseado num novo dano resultante das represálias exercidas contra si após a apresentação da sua queixa e quando as referidas represálias não são a consequência do acto tácito da Administração que indefere o seu pedido de assistência, trata-se de um pedido de indemnização distinto, que deve ser analisado como um pedido novo e que é, a este título, inadmissível.

( cf. n.os 35, 37, 38 )

Partes


No processo C-62/01 P,

Anna Maria Campogrande, funcionária da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Bruxelas (Bélgica), representada por A. Krywin, avocat, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

"que tem por objecto um recurso de anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Quarta Secção) em 5 de Dezembro de 2000, Campogrande/Comissão (T-136/98, ColectFP, pp. I-A-267 e II-1225), destinado à anulação parcial deste acórdão, ao reconhecimento da existência de um acto de assédio sexual e à condenação da Comissão das Comunidades Europeias na indemnização do prejuízo moral resultante deste comportamento faltoso,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Berardis-Kayser, na qualidade de agente, assistida por D. Waelbroeck, avocat, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida na primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Terceira Secção),

composto por: F. Macken, presidente de secção, J.-P. Puissochet (relator) e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Janeiro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de Fevereiro de 2001, A. Campogrande interpôs, por força do artigo 49._ do Estatuto (CE) e das disposições correspondentes dos Estatutos (CECA e CEEA) do Tribunal de Justiça, um recurso do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias em 5 de Dezembro de 2000, Campogrande/Comissão (T-136/98, ColectFP, pp. I-A-267 e II-1225, a seguir «acórdão recorrido»), na parte em que considera que não se provou que a recorrente foi vítima de assédio sexual e que nega provimento ao seu pedido de indemnização.

Os factos na origem do litígio

2 A. Campogrande é funcionária de grau A 4 na Comissão das Comunidades Europeias. No momento em que ocorreram os factos na origem do litígio estava colocada na Direcção B «América Latina» da Direcção-Geral «Relações Externas: Mediterrâneo do Sul, Médio e Próximo Oriente, América Latina, Ásia do Sul e do Sudeste e Cooperação Norte-Sul» da Comissão. A Direcção B era então dirigida pelo Sr. A..

3 Em 27 de Junho de 1997, após diversas diligências informais, a recorrente dirigiu à Comissão um pedido de assistência, em conformidade com o artigo 24._ do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), equivalente também a um requerimento na acepção do artigo 90._, n._ 1, do Estatuto. Neste requerimento, a recorrente afirmou que, em 27 de Fevereiro de 1997, no decurso de uma reunião, o Sr. A. lhe dera uma palmada na parte inferior das costas, acompanhando este gesto da afirmação seguinte: «Como podem verificar, a minha direcção está muito bem representada pelas mulheres». Segundo a recorrente, tinha suportado durante anos, sob a direcção do Sr. A., uma série de «comentários sobre [a sua] pessoa e avanços inoportunos, repetidos e completamente estranhos ao âmbito de uma relação profissional normal». O episódio de 27 de Fevereiro de 1997 tinha sido «a gota que [tinha] feito transbordar o vaso».

4 Não tendo recebido qualquer resposta ao seu pedido de assistência, a recorrente apresentou, em 21 de Janeiro de 1998, uma reclamação em conformidade com o artigo 90._, n._ 2, do Estatuto, tendo por objecto o acto tácito de indeferimento daquele mesmo pedido.

5 Na sequência desta reclamação, o director-geral da Direcção-Geral «Pessoal e Administração» (DG IX) deu início a um inquérito administrativo, tendo como objecto o Sr. A. Admitindo que tinha praticado o gesto de que era acusado, este último deu, contudo, uma versão dos factos diferente da de A. Campogrande, negando ser culpado de assédio sexual. Além disso, verificou-se que nenhuma das outras pessoas que tinham participado na reunião de 27 de Fevereiro de 1997 recordavam o incidente de que, de resto, não tinham ouvido falar.

6 Ao inquérito administrativo não se seguiu qualquer decisão expressa sobre o pedido de assistência da recorrente ou sobre a sua reclamação. O director-geral da DG IX comunicou, entretanto, à recorrente, em 29 de Outubro de 1998, o relatório deste inquérito, que concluía designadamente que «nada permitia afirmar com certeza que o gesto de que era acusado o Sr. A tinha sido praticado com a intenção de humilhar A. Campogrande como mulher».

7 Foi neste contexto e antes de ter recebido o relatório do inquérito que, em 20 de Agosto de 1998, a recorrente interpôs no Tribunal de Primeira Instância um recurso em que pede a anulação do acto tácito de indeferimento da sua reclamação de 21 de Janeiro de 1998, assim como a condenação da Comissão na reparação do prejuízo moral que sofreu por causa da decisão impugnada.

O acórdão recorrido

8 No que se refere, em primeiro lugar, à regularidade da recusa da Comissão em prestar assistência a A. Campogrande, o Tribunal de Primeira Instância recordou que a Administração tem o dever de analisar seriamente, com rapidez e com toda a confidencialidade, as queixas em matéria de assédio sexual e de informar o queixoso do seguimento dado à sua queixa. Decidiu que, no caso em apreço, sendo contestado o alegado assédio sexual, a Comissão tinha obrigação de abrir um inquérito para apurar os factos e, se fosse o caso, decidir a reparação adequada. O Tribunal considerou, em especial, que era indiferente que a recorrente não provasse ter sofrido um dano material na sequência dos alegados actos de assédio e que não fosse provado que o Sr. A a tivesse querido humilhar, tendo-lhe, em seguida, pedido desculpa.

9 Não havendo dúvidas quanto à obrigação de abrir e conduzir um inquérito com solicitude, rapidez e diligência, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que abrir um inquérito sete meses após a apresentação do pedido de assistência, como tinha feito a Comissão, não estava de acordo com as exigências inerentes à obrigação de assistência. Verificou também que, mesmo que o artigo 90._ do Estatuto não imponha que se pronuncie sobre todos os pedidos, a Comissão tinha obrigação de analisar com rapidez as queixas em matéria de assédio sexual. Além disso, o Tribunal considerou que o facto de o Sr. A ter abandonado os serviços da Comissão e, por isso, o alegado assédio ter forçosamente cessado não tinha por efeito afastar a obrigação de abertura de um inquérito com rapidez.

10 O Tribunal de Primeira Instância concluiu que a Comissão violou o artigo 24._ do Estatuto, assim como a Resolução 90/C 157/02 do Conselho, de 29 de Maio de 1990, relativa à protecção da dignidade das mulheres e dos homens no trabalho (JO C 157, p. 3), e a Recomendação 92/131/CEE da Comissão, de 27 de Novembro de 1991, relativa à protecção da dignidade da mulher e do homem no trabalho (JO 1992, L 49, p. 1), e, com estes fundamentos, anulou o acto tácito de indeferimento do pedido de assistência da recorrente.

11 O Tribunal de Primeira Instância não foi, contudo, totalmente favorável às pretensões de A. Campogrande, uma vez em que não julgou procedente o seu pedido de indemnização. Decidiu, em primeiro lugar, que o pedido de reparação do prejuízo sofrido devido às alegadas represálias de que a recorrente terá sido vítima após a apresentação da sua reclamação era inadmissível por falta de prévio e regular processo pré-contencioso, pois a recorrente não mencionou estas represálias na sua reclamação.

12 Em segundo lugar, declarou que o pedido da recorrente, destinado a que o Tribunal de Primeira Instância ordene à Comissão que reconstitua a sua carreira, excedia as competências do juiz comunitário, que não pode dirigir injunções às instituições.

13 Em terceiro lugar, no que respeita ao prejuízo moral sofrido pela recorrente devido à incerteza em que a Comissão a tinha deixado quanto ao tratamento dado ao seu pedido de assistência e quanto aos resultados do inquérito administrativo, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, nas circunstâncias do caso em apreço, a anulação da decisão impugnada constituía, em si mesma, uma reparação adequada deste prejuízo. O Tribunal decidiu, por outro lado, que a recorrente não tinha sofrido qualquer prejuízo moral.

14 O Tribunal de Primeira Instância considerou, portanto, improcedente o pedido de indemnização.

O recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância

15 No seu recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância A. Campogrande conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

- anular o acórdão recorrido na parte em que nega provimento ao seu pedido de indemnização;

- reconhecer a existência do acto de assédio sexual de que foi vítima e do prejuízo moral que daí resultou para ela;

- condenar a Comissão no pagamento dos danos e respectivos juros que o Tribunal se digne arbitrar, e

- condenar a Comissão nas despesas.

16 A. Campogrande invoca quatro fundamentos baseados, o primeiro, em violação do dever de fundamentar devida, principalmente, a contradição entre os fundamentos do acórdão recorrido, o segundo, em violação do direito comunitário e da jurisprudência do Tribunal de Justiça aplicável aos fundamentos novos, o terceiro, em denegação de justiça, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância não se pronunciou sobre as condições da responsabilidade da Comissão, e, o último, em violação do direito de defesa.

17 A Comissão pede ao Tribunal de Justiça, a título principal, que julgue o recurso inadmissível, ou pelo menos improcedente, e, a título subsidiário, no caso de decidir anular o acórdão recorrido, que devolva o processo ao Tribunal de Primeira Instância para que se pronuncie novamente sobre o recurso da recorrente. A Comissão pede, seja como for, a condenação de A. Campogrande nas despesas do recurso.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto ao primeiro fundamento, baseado em violação do dever de fundamentar

18 Segundo a primeira parte deste fundamento, o acórdão recorrido está viciado por uma contradição nos fundamentos, uma vez que, ao recusar condenar a Comissão a indemnizar a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não retira todas as consequências da gravidade, que reconheceu nos fundamentos do acórdão recorrido, dos factos censurados à Comissão.

19 Mas, como salienta a Comissão, cabe ao Tribunal de Primeira Instância, seja qual for a gravidade dos factos, apreciar qual a reparação mais adequada do prejuízo deles resultante. Mesmo supondo que tal apreciação se revela, depois, infundada, não pode ser considerada constitutiva de contradição nos fundamentos do acórdão recorrido. A primeira parte do primeiro fundamento deve, portanto, ser rejeitada por improcedente.

20 De acordo com a segunda parte do fundamento, a fundamentação do acórdão recorrido é contraditória, insuficiente e errada no que respeita ao assédio sexual de que a recorrente foi objecto. Há contradição entre a verificação, no acórdão recorrido, de um comportamento sexual do Sr. A. para com a recorrente e a afirmação do Tribunal de Primeira Instância, além disso formulada com lacunas, de que aquela não tinha provado ter sido sujeita a actos de assédio sexual e ter sofrido um prejuízo moral.

21 Mas cabe dizer que, nos n.os 68 a 70 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância distinguiu o prejuízo moral sofrido pela recorrente devido à inacção da Comissão na sequência da sua reclamação, sendo este prejuízo reparado através da anulação da decisão impugnada, e o prejuízo moral invocado pela recorrente que resultaria de um assédio sexual que ela não tinha provado, assédio sexual, de resto, distinto do incidente isolado de 27 de Fevereiro de 1997 que o Sr. A. não contestou.

22 Tal fundamentação é coerente e clara e responde precisamente aos argumentos apresentados por A. Campogrande. Também a segunda parte do primeiro fundamento é igualmente improcedente.

23 Na terceira parte do primeiro fundamento, A. Campogrande afirma que há contradição nos fundamentos do acórdão recorrido, revelando uma denegação de justiça, tendo em conta a utilização pelo Tribunal de Primeira Instância, a título de prova, de um inquérito administrativo criticado por este e cujo conteúdo, de resto, a recorrente contestou.

24 É, entretanto, pacífico que, em matéria de acção de indemnização, o Tribunal de Primeira Instância aprecia soberanamente a existência do prejuízo e do nexo de causalidade entre este e o facto danoso, salvo desnaturação dos elementos de prova, por força das disposições dos artigos 225._ CE e 51._ do Estatuto CE (acórdão de 16 de Setembro de 1997, Blackspur DIY e o./Conselho e Comissão, C-362/95 P, Colect., p. I-4775, n.os 28 e 29). Ora, no caso em apreço, resulta dos autos que o Tribunal utilizou, sem os desnaturar, todos os elementos de prova, aliás concordantes, que pôde encontrar e cujo fundamento A. Campogrande não pôs utilmente em causa. Pretendendo, definitivamente, esta parte do primeiro fundamento que o Tribunal de Justiça substitua a apreciação dos elementos de prova do Tribunal de Primeira Instância pela sua própria apreciação, ela deve ser declarada inadmissível por força dos artigos 225._ CE e 51._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça.

25 Segundo a quarta parte do primeiro fundamento, a fundamentação do acórdão recorrido é insuficiente e errada, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância interpretou mal a notação da recorrente, servindo-se dessa notação para considerar que as suas dificuldades profissionais não tinham sido provocadas por actos de assédio sexual. Ora, a recorrente defende, precisamente, que a descida, aliás passageira, da sua notação está relacionada com o assédio de que foi alvo.

26 Nesta parte do fundamento, a recorrente critica a apreciação soberana do juiz da primeira instância. Como se recordou no n._ 24 do presente acórdão, os fundamentos baseados numa apreciação errada dos factos pelo Tribunal de Primeira Instância são inadmissíveis. A quarta parte do primeiro fundamento é, consequentemente, inadmissível.

27 Na última parte do primeiro fundamento A. Campogrande afirma que a falta de resposta do Tribunal de Primeira Instância quanto à existência do assédio sexual e às modalidades do inquérito administrativo revela uma denegação de justiça tanto mais grave quanto a sua contestação estava associada ao princípio geral do respeito pelos direitos de defesa e da confiança legítima.

28 Entretanto, resulta claramente do n._ 70 do acórdão recorrido, por um lado, que o assédio sexual não foi aceite pelo Tribunal de Primeira Instância, que qualifica o comportamento de que a recorrente se queixa de «simples afirmações amigáveis ou simples coincidências», e, por outro, que é, designadamente, retirada do relatório do inquérito criticado por A. Campogrande a exposição dos factos que a própria redigiu e que está anexa a esse mesmo relatório. Verifica-se, assim, que foi dada resposta às queixas da recorrente, que esta resposta é suficiente e que, por isso, a última parte do primeiro fundamento é também improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação de disposições do direito comunitário e da jurisprudência aplicáveis aos fundamentos novos

29 No âmbito do seu segundo fundamento, a recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter violado as disposições do direito comunitário e a jurisprudência do Tribunal de Justiça aplicáveis aos fundamentos novos, ao negar provimento ao seu pedido de indemnização, destinado à reparação do prejuízo sofrido devido às represálias que se seguiram à apresentação da sua reclamação, por inadmissível devido a falta de prévio e regular processo pré-contencioso.

30 A recorrente afirma que este pedido de indemnização não é um novo fundamento proibido pelo artigo 42._ do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, mas um argumento novo em apoio de fundamentos já contidos na petição. Explica que sempre solicitou, quer na sua reclamação, quer na sua petição, uma indemnização destinada a reparar todos os prejuízos relacionados com o assédio sexual de que foi vítima. O prejuízo resultante das represálias que se seguiram à apresentação da sua reclamação não é mais que uma modalidade do prejuízo de que ela se queixou desde o início.

31 A recorrente pergunta-se, por outro lado, se o artigo 42._, n._ 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que permite ao recorrente deduzir fundamentos novos no decurso da instância desde que «tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo» escrito, deve ser interpretado no sentido de que autoriza também o recorrente a invocar fundamentos novos baseados num facto que surge entre a apresentação da queixa e a da petição no Tribunal de Primeira Instância.

32 Quanto a este último ponto, cabe dizer que a situação no caso em apreço é radicalmente diferente das circunstâncias visadas pelo Regulamento de Processo, uma vez que, quando um facto novo se revela após a apresentação da reclamação mas antes da interposição do recurso no Tribunal de Primeira Instância, como é o caso no presente processo, é sempre possível ao recorrente completar ou modificar a sua reclamação inicial antes de apresentar a sua petição no Tribunal.

33 No que diz respeito à justificação desta cristalização do conteúdo da reclamação prévia, cabe recordar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante, o processo pré-contencioso tem por objecto permitir, prioritariamente, a composição amigável dos diferendos surgidos entre os funcionários ou agentes e a Administração. Para que tal procedimento possa atingir o seu objectivo, é necessário que a autoridade investida do poder de nomeação esteja em condições de conhecer, de modo suficientemente preciso, as críticas que os interessados fazem à decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão de 1 de Julho de 1976, Sergy/Comissão, 58/75, Recueil, p. 1139, n._ 32, Colect., p. 457). O Tribunal de Justiça precisa, por outro lado, que a Administração não deve interpretar as reclamações de modo restritivo, mas deve, pelo contrário, analisá-las com espírito de abertura.

34 Em segundo lugar, é de jurisprudência constante que, nos recursos de funcionários, embora os pedidos apresentados ao órgão jurisdicional devam ter o mesmo objecto que os expostos na reclamação e só possam ter acusações que assentem na mesma causa que as feitas na reclamação, essas acusações podem, na fase contenciosa, ser desenvolvidas através da apresentação de fundamentos e argumentos que não figurem necessariamente na reclamação, mas que estejam estreitamente conexos com ela (acórdão de 20 de Maio de 1987, Geist/Comissão, 242/85, Colect., p. 2181, n._ 9).

35 Daqui resulta que, como defende A. Campogrande, o conteúdo da reclamação não tem por objecto delimitar, de modo rigoroso e definitivo, a fase contenciosa, desde que o recurso contencioso não altere a causa ou o objecto da reclamação (acórdão de 7 de Maio de 1986, Rihoux e o./Comissão, 52/85, Colect., p. 1555, n._ 12). Desta forma, o Tribunal de Justiça pôde admitir que, quando um recorrente pede, na reclamação, a anulação do acto tácito de indeferimento do seu pedido de assistência, esse pedido de anulação deve ser visto como incluindo um pedido de ressarcimento do prejuízo que lhe pode ter sido causado pela referida decisão (v., neste sentido, acórdão de 26 de Janeiro de 1989, Koutchoumoff/Comissão, 224/87, Colect., p. 99, n._ 10).

36 No caso em apreço, resulta claramente dos termos da sua reclamação que o pedido preciso de reparação de A. Campogrande se baseou somente no prejuízo resultante da recusa irregular de assistência da Comissão.

37 Em contrapartida, no Tribunal de Primeira Instância, A. Campogrande não apresentou argumentos ou fundamentos suplementares em apoio deste pedido de indemnização; apresentou, na realidade, um novo pedido de indemnização baseado num novo dano, a saber, o resultante das represálias exercidas contra si, no seu serviço, após a apresentação da sua queixa.

38 Ora, mesmo admitindo que estão provadas, as referidas represálias não são a consequência do acto tácito da Comissão que indefere o pedido de assistência da recorrente, anulado pelo acórdão recorrido, mas sim a consequência, directa, da apresentação da sua queixa. Consequentemente, ainda que este pedido se inscreva no mesmo contexto, trata-se de um pedido de indemnização distinto do que a reclamação contém, que deve ser analisado como um pedido novo e que é, a este título, inadmissível.

39 Assim, o segundo fundamento, baseado no erro de direito que o Tribunal de Primeira Instância teria cometido ao concluir pela inadmissibilidade deste pedido mostra-se improcedente e deve ser afastado.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado em denegação de justiça praticada pelo Tribunal de Primeira Instância, ao não se pronunciar sobre as condições da responsabilidade da Comissão

40 Em apoio deste fundamento, A. Campogrande afirma que os três elementos constitutivos da responsabilidade estão reunidos: a falta da Comissão, o prejuízo moral sofrido pela recorrente e o nexo de causalidade entre a falta e o prejuízo. Acusa o Tribunal de Primeira Instância de não se ter pronunciado sobre os factos geradores que são, por um lado, o assédio sexual e, por outro, o comportamento faltoso da Comissão. Do mesmo modo, o Tribunal não se pronunciou sobre a existência do prejuízo moral sofrido pela recorrente porque não é permitido àquele dirigir injunções à Administração.

41 Ora, cabe dizer que o Tribunal de Primeira Instância decidiu que a Comissão tinha cometido uma falta, que consistiu em ter deixado a recorrente na incerteza quanto ao seguimento reservado ao seu pedido de assistência, e que esta falta tinha causado a A. Campogrande um prejuízo moral. Considerou, contudo, que a anulação da decisão impugnada constitui, em si mesma, uma reparação adequada deste prejuízo.

42 Quanto, em contrapartida, aos factos relativos ao assédio sexual, o Tribunal de Primeira Instância, após ter analisado as alegações da recorrente a este respeito, considerou que não foram provadas e rejeitou o respectivo pedido de reparação.

43 Finalmente, foi somente com o objectivo de rejeitar o pedido da recorrente de que a sua carreira fosse reconstituida e não para recusar pronunciar-se sobre a realidade do prejuízo alegado que o Tribunal de Primeira Instância recordou, correctamente, que os órgãos jurisdicionais comunitários não têm competência para dirigir injunções à Comissão.

44 Além disso, embora as alegações de A. Campogrande pretendessem demonstrar que a reparação concedida pelo acórdão recorrido é insuficiente, é necessário sublinhar que, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância verificou a existência de um prejuízo, só ele é competente para apreciar, dentro dos limites do pedido, o modo e a medida da reparação dos danos (acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C-136/92 P, Colect., p. I-1981, n._ 81), de forma que esta apreciação já não pode ser discutida no Tribunal de Justiça.

45 Resulta do exposto que o terceiro fundamento deve, seja como for, ser rejeitado.

Quanto ao quarto fundamento, baseado em violação do direito de defesa

46 A. Campogrande defende que, ao basear a sua decisão num inquérito administrativo que viola os direitos da defesa, o próprio Tribunal de Primeira Instância ignorou estes direitos.

47 Só com esta alegação a recorrente não demonstra, por um lado, que este inquérito foi realizado com violação dos direitos da defesa. Por outro lado, não demonstra que o Tribunal se baseou unicamente neste inquérito, visto que pôde, ao longo da instância, exprimir-se livremente na petição e num articulado posterior e que, além disso, como foi sublinhado no n._ 28 do presente acórdão, entre os elementos do inquérito retomados na fundamentação do acórdão recorrido constam as declarações da própria A. Campogrande.

48 Assim, o quarto fundamento deve ser rejeitado por improcedente.

49 Resulta das considerações expostas que deve ser negado provimento ao recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

50 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Embora o artigo 122._ deste regulamento disponha que, em derrogação do disposto no n._ 2 do artigo 69._, nos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância interpostos pelos funcionários ou outros agentes de uma instituição, o Tribunal de Justiça pode decidir, por razões de equidade, compensar as despesas, não cabe, nas circunstâncias do caso em apreço, aplicar estas disposições. Tendo a recorrente sido vencida na totalidade do seu recurso e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, há que condená-la nas despesas do presente recurso.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Terceira Secção)

decide:

1) O recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância é julgado improcedente.

2) A. Campogrande é condenada nas despesas do presente recurso.