Processos apensos C-19/01, C-50/01 e C-84/01


Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS)Milena Castellani



Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS)
contra
Alberto Barsotti e o.



Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS)



Anna Maria Venturi



(pedidos de decisão prejudicial apresentados, respectivamente, pelo Tribunale di Pisa, pelo Tribunale di Siena e pela Corte suprema di cassazione)

«Política social – Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador – Directiva 80/987/CEE – Limitação da obrigação de pagamento das instituições de garantia – Limite da garantia de pagamento – Adiantamentos pagos pelo empregador – Finalidade social da directiva»

Conclusões da advogada-geral C. Stix-Hackl apresentadas em 15 de Maio de 2003
    
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 4 de Março de 2004
    

Sumário do acórdão

Política social – Aproximação das legislações – Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador – Directiva 80/987 – Limitação da obrigação de pagamento das instituições de garantia a um montante que cubra as necessidades essenciais dos trabalhadores – Dedução dos pagamentos efectuados pelo empregador no decurso do período abrangido pela garantia – Inadmissibilidade

(Directiva 80/987 do Conselho, artigos 3.°, n.° 1 e 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, e 10.°)

Os artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, devem ser interpretados no sentido de que não autorizam um Estado‑Membro a limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a um montante que cubra as necessidades essenciais dos trabalhadores em causa e ao qual sejam deduzidos os pagamentos efectuados pelo empregador no decurso do período abrangido pela garantia.

Efectivamente, embora os Estados‑Membros tenham o direito de fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida, têm de assegurar, até esse limite, o pagamento da totalidade dos créditos em causa. Os adiantamentos eventualmente recebidos pelos trabalhadores assalariados em questão sobre os seus créditos referentes ao período de garantia devem ser deduzidos a estes com vista a determinar em que medida os mesmos estão por pagar. No entanto, uma regra de não cúmulo de acordo com a qual as remunerações pagas aos referidos trabalhadores no período abrangido pela garantia devem ser deduzidas ao limite de garantia dos créditos em dívida fixado pelo Estado‑Membro viola directamente o mínimo de protecção garantido pela directiva.

(cf. n.os 36‑38, 40, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
4 de Março de 2004(1)

«Política social – Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador – Directiva 80/987/CEE – Limitação da obrigação de pagamento das instituições de garantia – Limite da garantia de pagamento – Adiantamentos pagos pelo empregador – Finalidade social da directiva»

Nos processos apensos C-19/01, C-50/01 e C-84/01,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, respectivamente pelo Tribunale di Pisa (Itália), pelo Tribunale di Siena (Itália) e pela corte suprema di cassazione (Itália), destinados a obter, nos litígios pendentes nestes órgãos jurisdicionais entre

Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS)

e

Alberto Barsotti e o. (C-19/01),entre

Milena Castellani

e

Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS) (C-50/01),e entre

Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS)

e

Anna Maria Venturi (C-84/01),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),,



composto por: V. Skouris, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, R. Schintgen e N. Colneric (relatora), juízes,

advogada‑geral: C. Stix-Hackl,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação de A. Barsotti, por G. Giraudo, avvocato,

em representação de M. Castellani, por F. Mancuso, avvocato,

em representação de A. M. Venturi, por A. Piccinini, avvocato,

em representação do Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS), por A. Todaro e P. Spadafora, avvocati,

em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por D. Del Gaizo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues e C. Bergeot-Nunes, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Aresu, na qualidade de agente,

ouvidas as alegações do Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS), representado por A. Todaro, de A. M. Venturi, representada por A. Piccinini, do Governo francês, representado por C. Lemaire, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por A. Aresu, na audiência de 30 de Janeiro de 2003,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 15 de Maio de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Por despachos de 19 de Dezembro de 2000, 26 de Janeiro de 2001 e 18 de Janeiro de 2001, que deram entrada no Tribunal de Justiça respectivamente em 15 de Janeiro de 2001, 5 de Fevereiro e 19 de Fevereiro seguintes, o Tribunale di Pisa, o Tribunale di Siena e a Corte suprema di cassazione submeteram, nos termos do artigo 234.° CE, várias questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219, a seguir «directiva»).

2
Estas questões foram suscitadas no âmbito de litígios entre o Istituto nazionale della previdenza sociale (a seguir «INPS») e A. Barsotti e o. (C‑19/01), entre o INPS e A. M. Venturi (C‑84/01), bem como entre M. Castellani e o INPS (C‑50/01), a respeito do pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados resultantes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho.


Enquadramento jurídico

Legislação comunitária

3
O primeiro considerando da directiva refere que «são necessárias disposições para proteger os trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade de um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade».

4
O artigo 1.°, n.° 1, da directiva dispõe:

«A presente directiva aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência na acepção do n.° 1 do artigo 2.°»

5
O artigo 3.° da directiva dispõe:

«1.     Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.°, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objecto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data.

2.       A data indicada no n.° 1 será, por escolha dos Estados‑Membros:

[…]

[…]

ou a da superveniência da insolvência do empregador ou a da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador em causa, ocorrida por força da insolvência do empregador.»

6
O artigo 4.° da directiva tem a seguinte redacção:

«1.     Os Estados‑Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia prevista no artigo 3.°

2.       Quando os Estados‑Membros fizerem uso da faculdade prevista no n.° 1, devem:

[…]

[…]

no caso previsto no n.° 2, terceiro travessão, do artigo 3.°, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos dezoito últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho anteriores à data da superveniência da insolvência do empregador ou à da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador assalariado, ocorrida por força da insolvência do empregador. Nestes casos, os Estados‑Membros podem limitar a obrigação de pagamento à remuneração referente a um período de oito semanas ou a diversos períodos parciais que perfaçam a mesma duração.

3.       Contudo, os Estados‑Membros podem fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social da presente directiva.

[…]»

7
Nos termos do artigo 10.°, alínea a), da directiva, a mesma não prejudica a faculdade de os Estados‑Membros «[t]omarem as medidas necessárias para evitar abusos».

Legislação nacional

8
Os artigos 1.° e 2.° do Decreto legislativo n.° 80, que transpõe a Directiva 80/987/CEE relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, de 27 de Janeiro de 1992 (GURI de 13 de Fevereiro de 1992, suplemento ordinário n.° 36, p. 26, a seguir «Decreto legislativo n.° 80/92»), regulamentam a garantia dos créditos do trabalho e a intervenção do Fundo de Garantia (a seguir «Fundo»), o qual é gerido pelo INPS.

9
O artigo 1.°, n.° 1, do Decreto legislativo n.° 80/92 dispõe, sob o título «Garantia dos créditos do trabalho»:

«No caso de ter sido movida ao empregador uma acção para declaração de falência, de concordata preventiva, de liquidação forçada administrativa ou de administração extraordinária […], os trabalhadores assalariados desse empregador ou os seus sucessores podem requerer o pagamento pelo Fundo de Garantia […] dos seus créditos laborais não pagos, referidos no artigo 2.°»

10
Nos termos do artigo 2.°, n.os 1, 2 e 4, do Decreto legislativo n.° 80/92:

«1.     O pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia nos termos do artigo 1.° do presente decreto tem por objecto os créditos resultantes de contratos de trabalho, que não os devidos pela cessação da relação laboral, relativos aos três últimos meses da referida relação compreendidos nos doze meses anteriores à: a) data da medida que determina a instauração de um dos processos a que se refere o artigo 1.°, n.° 1; b) data do início da execução forçada; c) data da decisão de colocação na situação de liquidação ou de cessação do exercício provisório ou da autorização de prosseguir a actividade empresarial, para os trabalhadores que continuaram a exercer a sua actividade profissional, ou data da cessação da relação de trabalho se esta ocorreu enquanto a empresa prosseguia a sua actividade.

2.       O pagamento efectuado pelo Fundo nos termos do n.° 1 do presente artigo não pode exceder um montante igual a três vezes o montante máximo da indemnização excepcional paga como complemento do salário mensal depois de deduzidos os descontos para a segurança social.

[…]

4.       O pagamento referido no n.° 1 do presente artigo não é cumulável, até aos referidos montantes: a) com a indemnização excepcional paga a título de complemento do salário, recebida no decurso dos doze meses referidos no n.° 1 do presente artigo; b) com as remunerações pagas ao trabalhador no decurso do período de três meses referidos no n.° 1 do presente artigo; c) com a indemnização por mobilidade concedida, nos termos da Lei n.° 223, de 23 de Julho de 1991, nos três meses seguintes à cessação da relação laboral.»

11
A indemnização excepcional paga como complemento do salário é um subsídio pago pelo INPS, em determinadas condições, a trabalhadores suspensos ou que trabalhem a tempo reduzido por motivos económicos, designadamente devido a uma crise da empresa em questão.


Litígios no processo principal

12
A. Barsotti e o. bem como M. Castellani e A. M. Venturi são credores de parte das remunerações relativas ao último período do seu contrato ou relação de trabalho. Requereram ao Fundo o pagamento do remanescente. O INPS indeferiu esses pedidos no todo ou em parte.

13
No processo C‑19/01, cujos factos apenas dizem respeito a A. Barsotti, embora estejam em causa onze outros trabalhadores, o INPS foi condenado por despacho do Tribunale di Pisa no pagamento da soma de 4 027 377 ITL a A. Barsotti, acrescida do montante relativo a correcção monetária, juros legais e despesas. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, este montante corresponde à diferença entre os créditos da remuneração de A. Barsotti que se venceram nos três últimos meses, incluídos nos últimos doze meses que precederam a falência do empregador, e o que foi efectivamente recebido pelo demandante a título de adiantamentos e pagamentos parciais, até ao limite de 4 027 377 ITL previsto pela garantia oferecida pelo Fundo. O INPS contestou em nome do referido Fundo a intimação para pagamento, pedindo a sua revogação e alegando nada dever pagar, na medida em que o demandante, devido aos adiantamentos recebidos, tinha atingido o limite dos montantes a que tinha direito e que, a esse respeito, pouco importa que tenha sido o empregador a efectuar o pagamento. O Tribunale di Pisa, perante o qual o processo decorreu, decidiu suspender a instância e recorrer ao Tribunal de Justiça.

14
No processo C‑50/01, M. Castellani pediu a condenação do INPS a pagar‑lhe um montante igual ao crédito salarial relativo à sua remuneração referente ao trimestre que precedeu a cessação da relação de trabalho ocorrida no ano anterior à declaração de insolvência, após dedução do montante líquido das somas recebidas e nos limites do montante máximo previsto pelo Decreto legislativo n.° 80/92. Este pedido foi parcialmente acolhido pelo INPS, que, no entanto, deduziu a esse montante máximo os montantes pagos à interessada pelo seu empregador no decurso dos três últimos meses da referida relação de trabalho. O INPS alegou que o legislador italiano, ao fazer coincidir o limite mensal com a indemnização líquida excepcional paga como complemento de salário, estabeleceu implicitamente o carácter não cumulável do montante máximo susceptível de ser atribuído com os montantes pagos ao trabalhador no decurso do trimestre de referência. Por conseguinte, na sua opinião, havia que deduzir essas somas do referido montante máximo. O Tribunale di Siena, ao qual foi submetido o processo, decidiu suspender a instância e recorrer ao Tribunal de Justiça.

15
No processo C‑84/01, A. M. Venturi recebeu do seu empregador a remuneração que lhe era devida por dois dos três últimos meses de trabalho e requereu ao INPS o pagamento de um montante correspondente ao salário do terceiro mês. O INPS não pagou esse montante a A. M. Venturi pelo facto de esta última ter recebido regularmente a sua remuneração relativamente a dois dos três meses abrangidos pela garantia e ter recebido assim um montante superior ao rendimento mínimo previsto pela lei. O Tribunale di Bologna (Itália), ao qual o litígio foi submetido, deferiu o seu pedido por decisão de 28 de Maio de 1997. Este tribunal deu razão à tese de A. M. Venturi segundo a qual o que for pago pelo empregador como adiantamento deve ser previamente deduzido da remuneração efectivamente devida.

16
O INPS recorreu da referida decisão. Em apoio deste recurso, alegou que o adiantamento sobre o crédito relativo aos três últimos meses de salário deve ser deduzido do limite da garantia assegurada pelo Fundo. A Corte suprema di cassazione decidiu suspender a instância e recorrer ao Tribunal de Justiça.


Despachos de reenvio e questões prejudiciais

17
No seu despacho de reenvio, a Corte suprema di cassazione parte da verificação segundo a qual é evidente que, se a interpretação da legislação nacional efectuada pelo INPS fosse acolhida, os trabalhadores cuja remuneração era superior ao limite da garantia assegurada pelo Fundo nada obteriam ou obteriam, no máximo, o ressarcimento parcial do seu crédito (no caso de o adiantamento recebido do empregador ser de um montante igual ou superior ao referido limite), de modo que não receberiam qualquer montante ou não seriam totalmente ressarcidos. Em contrapartida, os trabalhadores cuja remuneração estivesse compreendida no referido limite poderiam obter o pagamento integral do seu crédito, pagamento esse efectuado em parte pelo empregador e em parte pelo Fundo.

18
A Corte suprema di cassazione alega que a sua jurisprudência admitiu, após uma primeira orientação contrária, que o artigo 2.° do Decreto legislativo n.° 80/92 deve ser interpretado no sentido de que o Fundo é obrigado a pagar a soma que eventualmente continue em dívida após a dedução ao limite de garantia dos adiantamentos efectivamente recebidos sobre as remunerações (v. acórdãos de 11 de Agosto de 1999, n.° 8607; de 19 de Fevereiro de 2000, n.° 1937, e de 2 de Outubro de 2000, n.° 13939, em publicação). O referido órgão jurisdicional considera que esta interpretação é conforme à «finalidade social» da directiva, como resulta do seu artigo 4.°, n.° 3, segundo a qual as necessidades dos trabalhadores são protegidas nos limites compatíveis com os recursos financeiros previstos (v. acórdão de 2 de Outubro de 2000, n.° 13939, já referido).

19
No entanto, a Corte suprema di cassazione verifica que, ao confrontar o artigo 4.°, n.° 3, da directiva com outros princípios dela decorrentes, levantam‑se dúvidas quanto à exactidão da interpretação que adoptou. Com efeito, resulta dos artigos 1.° e 4.° da directiva que tanto a definição do seu âmbito de aplicação como a determinação dos limites que os Estados‑Membros podem fixar à obrigação de pagamento são formulados, em todo o caso, sem prejuízo dos «créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho».

20
Foi nestas circunstâncias que a Corte suprema di cassazione decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 4.°, n.° 3, da Directiva 80/987/CEE, de 20 de Outubro de 1980 – na parte em que prevê que os Estados Membros, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social da directiva, podem fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados relativos aos últimos três meses da relação de trabalho –, permite impor o sacrifício de parte do crédito daqueles que, sendo o montante da sua remuneração superior ao limite, tenham recebido, nos últimos três meses da relação de trabalho, adiantamentos de montante igual ou superior ao referido limite, ao passo que aqueles que, sendo a sua remuneração inferior ao limite, podem depois obter, somando os adiantamentos pagos pelo empregador e os pagamentos concedidos pelo organismo público, o ressarcimento total (ou em percentagem maior) do seu crédito?»

21
O Tribunale di Pisa não aprova a nova jurisprudência da Corte suprema di cassazione. Segundo este órgão jurisdicional, essa jurisprudência tende apenas a considerar legal o recurso ao Fundo no caso de os adiantamentos sobre a remuneração serem inferiores ao limite da garantia proporcionada por este e até à diferença entre o montante deste limite e o dos referidos adiantamentos. O Tribunale di Pisa considera que a actual interpretação do artigo 2.°, n.° 4, alínea b), do Decreto legislativo n.° 80/92 introduz uma disparidade na protecção dos interesses dos trabalhadores assalariados, protecção essa que a directiva e o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1997, Maso e o. (C‑373/95, Colect., p. I‑4051), quiseram, pelo contrário, garantir de forma uniforme.

22
De acordo com as explicações do Tribunale di Pisa, é o próprio Decreto legislativo n.° 80/92 que se afasta da directiva.

23
O legislador italiano concebeu, essencialmente, um sistema inovador em que o objecto do direito do trabalhador é a prestação concedida pelo Fundo, que passou de uma medida da responsabilidade ao conteúdo da obrigação e do direito daí resultante, libertando‑se, assim, de qualquer relação com a situação jurídica subjectiva inicial. Isto resulta da conjugação das disposições dos artigos 2.°, n.os 4 e 1, e 1.° do Decreto legislativo n.° 80/92.

24
Foi nestas circunstâncias que o Tribunale di Pisa decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A Directiva 80/987/CEE e os actos derivados (acórdãos de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, Colect., p. I‑5357, e de 10 de Julho de 1995, Maso e o., Colect., p. I‑4051), podem ser interpretados no sentido de que, dentro de um limite máximo, só é legítima a proibição de cumulação entre a prestação atribuída pelo Fondo de Garanzia e a parte das retribuições pagas pela entidade patronal nos últimos três meses em relação ao montante que exceder o que corresponde à indemnização por mobilidade prevista, ratione temporis, para o mesmo período, tendo em conta que os adiantamentos pagos directamente, bem como a indemnização por mobilidade e até à mesma importância, têm por finalidade prover às necessidades primárias do trabalhador despedido?»

25
O Tribunale di Siena tem dúvidas no que respeita à questão de saber se a nova jurisprudência da Corte suprema di cassazione está em conformidade com o direito comunitário.

26
De acordo com este órgão jurisdicional, a redacção do artigo 2.° do Decreto legislativo n.° 80/92 afigura‑se ambígua, tanto devido à ordenação das diferentes alíneas dessa disposição como à natureza do limite previsto, do qual se pode deduzir uma remissão para uma outra norma aplicável.

27
A nova jurisprudência da Corte suprema di cassazione relativa ao limite da garantia concedida pelo Fundo remete para a legislação italiana em matéria de auxílio social, sem ter em conta a divergência existente entre esta última e a finalidade social que constitui o fundamento da directiva. O Tribunale di Siena tem dúvidas quanto ao facto de que a ambiguidade do artigo 2.° do Decreto legislativo n.° 80/92 poder ser suprimida através de uma redução ou perda completa – na maioria dos casos – dos direitos dos trabalhadores a receberem créditos salariais efectivamente vencidos e não recebidos, quando a aquisição de tais direitos é garantida pela directiva.

28
Foi nestas circunstâncias que o Tribunale di Siena decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A regra da não cumulação do valor contabilístico da indemnização excepcional a título de complemento salarial com a retribuição paga ao trabalhador no período de referência (artigo 2.°, n.° 4, do Decreto legislativo n.° 80/1992) é compatível – também à luz das anteriores decisões do Tribunal de Justiça sobre o referido decreto legislativo – com a Directiva 80/897/CEE? No caso em apreço:

a)
a referida regra de não cumulação pode ser considerada conforme com o objectivo da directiva (artigo 3.°, n.° 1) de assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração respeitante a um determinado espaço de tempo (artigo 3.°, n.° 2) e relativa a um determinado período (artigo 4.°, n.os 1 e 2), ou

b)
esta regra de não cumulação assenta num critério de assistência social, não conforme ao critério social que está na base da Directiva 80/987?

c)
a referida regra de não cumulação conduz à anulação ou à aplicação parcial da directiva?

d)
a referida regra de não cumulação pode ser admitida tendo em conta a possibilidade de os Estados‑Membros fixarem um máximo para a garantia do pagamento dos créditos dos trabalhadores (artigo 3.°, n.° 4), sendo certo que o legislador italiano já introduziu esse máximo mediante o artigo 2.°, n.° 2, do decreto legislativo em causa?

e)
por conseguinte, a remissão para o ‘limite máximo da indemnização excepcional a título de complemento salarial’ na acepção do artigo 2.°, n.° 2, já referido, deve ser considerada de natureza meramente formal e contabilística, ou remete para outra norma (que consiste na integração, no Decreto legislativo n.° 80/1992, das normas da assistência social relativas à indemnização excepcional a título de complemento salarial, incluindo a da não cumulação)?

f)
por último, a regra da não cumulação pode ser considerada admissível tendo em conta a faculdade de os Estados‑Membros adoptarem as medidas necessárias para evitar abusos [artigo 10.°, alínea a)]?»

29
Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2001, os processos C‑19/01, C‑50/01 e C‑84/01 foram apensos para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.


Quanto às questões prejudiciais

30
Em primeiro lugar, cumpre recordar que, no âmbito do artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça não pode pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições legislativas ou regulamentares nacionais nem sobre a conformidade de tais disposições com o direito comunitário. Pode, no entanto, fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação pertencentes ao direito comunitário que lhe permitirão resolver o problema jurídico submetido à sua apreciação (v., designadamente, acórdãos de 18 de Novembro de 1999, Teckal, C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.° 33, e de 23 de Janeiro de 2003, Makedoniko Metro e Michaniki, C‑57/01, Colect., p. I‑1091, n.° 55).

31
Por conseguinte, é à luz desta jurisprudência que há que responder às questões submetidas.

32
Estas questões, que importa analisar conjuntamente, devem ser entendidas como perguntando, essencialmente, se os artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da directiva devem ser interpretados no sentido de que autorizam um Estado‑Membro a limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a um montante que cubra as necessidades elementares dos trabalhadores em causa e ao qual sejam deduzidos os pagamentos efectuados pelo empregador no decurso do período abrangido pela garantia.

33
Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da directiva, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.° desta directiva, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados tendo por objecto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data.

34
O artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da directiva prevê que os Estados‑Membros podem fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social desta directiva.

35
Essa finalidade social consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo comunitário de protecção em caso de insolvência do empregador, através do pagamento dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho respeitantes à remuneração de um determinado período (acórdãos Maso e o., já referido, n.° 56; de 14 de Julho de 1998, Regeling, C‑125/97, Colect., p. I‑4493, n.° 20, e de 18 de Outubro de 2001, Gharehveran, C‑441/99, Colect., p. I‑7687, n.° 26, e de 11 de Setembro de 2003, Walcher, C‑201/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38).

36
Embora os Estados‑Membros tenham o direito de fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida, têm de assegurar, até esse limite, o pagamento da totalidade dos créditos em causa.

37
Os adiantamentos eventualmente recebidos pelos trabalhadores assalariados em questão sobre os seus créditos referentes ao período de garantia devem ser deduzidos a estes com vista a determinar em que medida os mesmos estão por pagar.

38
No entanto, uma regra de não cúmulo de acordo com a qual as remunerações pagas aos referidos trabalhadores no período abrangido pela garantia devem ser deduzidas ao limite de garantia dos créditos em dívida fixado pelo Estado‑Membro viola directamente o mínimo de protecção garantido pela directiva.

39
Além disso, embora o artigo 10.° da directiva permita que os Estados‑Membros adoptem as medidas necessárias para evitar abusos, as informações resultantes dos processos não contêm desenvolvimentos que demonstrem a existência de qualquer abuso que a regra do não cúmulo em causa no processo principal tenha por objectivo prevenir.

40
Vistas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que os artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da directiva devem ser interpretados no sentido de que não autorizam um Estado‑Membro a limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a um montante que cubra as necessidades essenciais dos trabalhadores em causa e ao qual sejam deduzidos os pagamentos efectuados pelo empregador no decurso do período abrangido pela garantia.


Quanto às despesas

41
As despesas efectuadas pelos Governos francês e italiano, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

pronunciando‑se sobre as questões submetidas pelo Tribunale di Pisa, por despacho de 19 de Dezembro de 2000, pelo Tribunale di Siena, por despacho de 26 de Janeiro de 2001, e pela Corte suprema di cassazione, por despacho de 18 de Janeiro de 2001, declara:

Os artigos 3.°, n.° 1, e 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, devem ser interpretados no sentido de que não autorizam um Estado‑Membro a limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a um montante que cubra as necessidades essenciais dos trabalhadores em causa e ao qual sejam deduzidos os pagamentos efectuados pelo empregador no decurso do período abrangido pela garantia.

Skouris

Schintgen

Colneric

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Março de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: italiano.