Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 11 de Julho de 2002. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento de Estado - Directiva 76/464/CEE - Poluição do meio aquático - Programas de redução da poluição que incluam objectivos de qualidade para determinadas substâncias perigosas. - Processo C-130/01.
Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-05829
I - Introdução
1. A Directiva 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (a seguir «directiva»), foi por várias vezes objecto da atenção do Tribunal de Justiça .
2. Desta vez o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se sobre a acção intentada pela Comissão a respeito da aplicação da directiva pela República Francesa.
3. Mais precisamente, critica-se às autoridades francesas não terem adoptado programas de redução da poluição incluindo objectivos de qualidade para as 99 substâncias perigosas enumeradas em anexo à acção e de não ter comunicado à Comissão, de forma sucinta, os referidos programas assim como os resultados da sua aplicação, em violação do artigo 7.° da directiva.
II - Enquadramento jurídico
4. A directiva visa a eliminação da poluição do meio aquático causada por determinadas substâncias particularmente perigosas, enumeradas na lista I do seu anexo (a seguir «lista I») e a redução desta mesma poluição por determinadas outras substâncias perigosas, enumeradas na lista II do anexo (a seguir «lista II»). Para atingir este objectivo, os Estados-Membros devem, por força do artigo 2.° da directiva, tomar as medidas adequadas.
5. Em relação às substâncias incluídas na lista I, os Estado-Membros devem, por força dos artigos 3.° e 5.° da directiva, submeter qualquer descarga no meio aquático a uma autorização prévia das autoridades competentes e fixar normas de emissão que não devem ultrapassar os valores-limite fixados pelo Conselho em função dos efeitos das substâncias no meio aquático.
6. A lista II inclui, nos termos do seu primeiro travessão, as substâncias que fazem parte das famílias e grupos de substâncias constantes da lista I, para as quais porém, os valores-limite referidos no artigo 6.° da directiva ainda não foram fixados pelo Conselho. Este adoptou valores-limite para 18 substâncias e foram-lhe apresentadas propostas para outras 15. Por conseguinte, fazem actualmente parte da lista II, primeiro travessão, 99 substâncias incluídas na lista I.
7. A lista II inclui, além disso, de acordo com o seu segundo travessão, determinadas substâncias cujo efeito prejudicial no meio aquático pode ser limitado a uma certa zona e depende das características das águas de recepção e da respectiva localização.
8. O regime das substâncias constante da lista II visa, em conformidade com o artigo 2.° da directiva, reduzir a poluição das águas por estas substâncias através de medidas adequadas que os Estados-Membros devem tomar.
9. Estas medidas são precisadas no artigo 7.° da directiva, que dispõe:
«1. A fim de reduzir a poluição das águas referidas no artigo 1.° por substâncias constantes da lista II, os Estados-Membros estabelecem programas para cuja execução aplicam designadamente os meios referidos nos n.os 2.° e 3.°
2. Qualquer descarga efectuada nas águas referidas no artigo 1.° e susceptível de conter uma das substâncias constantes da lista II fica sujeita a uma autorização prévia, concedida pela autoridade competente do Estado-Membro em causa, que fixará as normas de emissão. Estas são calculadas em função dos objectivos de qualidade estabelecidos nos termos do n.° 3.
3. Os programas referidos no n.° 1 incluirão objectivos de qualidade para as águas, estabelecidos segundo as directivas do Conselho quando existam.
4. Os programas podem igualmente incluir disposições específicas relativas à composição e à utilização de substâncias ou grupos de substâncias assim como de produtos e terão em conta os últimos progressos técnicos economicamente viáveis.
5. Os programas fixarão os prazos da sua própria execução.
6. Os programas e os resultados da respectiva aplicação serão comunicados à Comissão de forma sucinta.
7. A Comissão organizará, regularmente, com os Estados-Membros, uma confrontação dos programas com vista a assegurar uma aplicação suficientemente harmoniosa e, se julgar necessário, apresentará ao Conselho, para esse efeito, propostas sobre a matéria.»
10. O artigo 13.° , n.° 1, da directiva, na redacção dada pela Directiva 91/692/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1991, relativa à normalização e à racionalização dos relatórios sobre a aplicação de determinadas directivas respeitantes ao ambiente , dispõe:
«De três em três anos os Estados-Membros transmitirão à Comissão informações sobre a aplicação da presente directiva, no âmbito de um relatório sectorial que abranja igualmente as outras directivas comunitárias pertinentes. Esse relatório deve ser elaborado com base num questionário ou num esquema elaborado pela Comissão de acordo com o procedimento previsto no artigo 6.° da Directiva 91/692/CEE [...]. Esse questionário ou esquema deve ser enviado aos Estados-Membros seis meses antes do início do período abrangido pelo relatório. O relatório deve ser enviado à Comissão num prazo de nove meses a contar do final do período de três anos a que se refere.
O primeiro relatório abrangerá o período de 1993 a 1995, inclusive.
[...]»
III - Análise
11. A Comissão indica na sua petição que, nos termos do 7.° , n.° 1, da directiva, conjugado com o seu artigo 1.° , os Estados-Membros têm a obrigação de estabelecer programas que incluam objectivos de qualidade e que tenham por finalidade reduzir a poluição das águas interiores num período determinado. Qualquer descarga efectuada nas águas referidas fica sujeita a uma autorização prévia, concedida pela autoridade competente, que fixa as normas de emissão calculadas em função dos objectivos de qualidade estabelecidos nos programas.
12. De acordo com a Comissão, os objectivos de qualidade são, por conseguinte, ao mesmo tempo uma parte consubstancial dos programas previstos por este artigo, cuja eventual inexistência os torna incompletos, e o indicador de qualidade em função do qual podem ser concedidas as autorizações de descarga. Consequentemente, na inexistência de programas e de objectivos de qualidade, as autorizações não podem ser concedidas nos termos do artigo 7.° , n.° 2, da directiva.
13. A Comissão verifica que a República Francesa não estabeleceu um (ou vários) programa(s) de redução da poluição por substâncias perigosas, na acepção do artigo 7.° da directiva. Indica que esta verificação não exclui necessariamente que, a par da inexistência de iniciativa programática em conformidade com a directiva, este Estado-Membro possa ter executado a obrigação de estabelecer objectivos de qualidade das águas receptoras, objectivos obrigatórios nos termos do artigo 7.° , n.° 2, para poder fixar normas de emissão. No entanto, a Comissão alega que não é esta a situação no caso vertente.
14. Assim, a crítica da Comissão articula-se em redor de dois pontos principais: por um lado, sustenta que as medidas comunicadas pelo Governo francês e apresentadas como tendo como objectivo a aplicação do artigo 7.° da directiva não constituem programas de redução da poluição causada por todas as substâncias relevantes da lista II, na acepção do referido artigo; por outro lado, a Comissão critica às autoridades francesas a inexistência de objectivos de qualidade para as águas receptoras destas substâncias.
15. Ora, há que sublinhar que o artigo 7.° da directiva especifica expressamente no seu n.° 3 que os programas na acepção do n.° 1 incluem objectivos de qualidade para as águas. Daí necessariamente resulta, como, aliás, recorda a própria Comissão, que, quando um Estado-Membro se mantém em falta na fixação de tais objectivos, forçosamente incumpriu a sua obrigação de estabelecer os programas. A questão de saber se, numa tal situação, ele faltou a esta obrigação também por uma outra razão, por exemplo, por não ter previsto uma planificação global, articulada e coerente, reveste, consequentemente, na minha opinião, carácter secundário, uma vez que, na falta de objectivos de qualidade, o incumprimento da obrigação de estabelecer os programas estaria de qualquer forma constituído.
16. Por conseguinte, examinarei de imediato a alegação da Comissão relativa a tais objectivos e apresentada como segunda alegação na petição.
Quanto à alegação relativa à inexistência de objectivos de qualidade para as águas receptoras das substâncias da lista II
17. Como vimos, a demandante sublinha que os objectivos de qualidade constituem o indicador de qualidade em função do qual podem ser concedidas autorizações de descarga que, na falta de tais objectivos, não podem ter sido concedidas nos termos do artigo 7.° , n.° 2, da directiva. De acordo com a Comissão, tais objectivos deveriam ser definidos de acordo com uma abordagem relativa ao meio aquático receptor e por bacia hidrográfica, tendo em conta todas as descargas que respeitem a determinada superfície de água, quaisquer que sejam a sua natureza e origem.
18. Daí resulta que nenhuma nova descarga de dada substância poderá ser autorizada, quaisquer que sejam as normas de emissão aplicáveis, quando determinado meio aquático receptor contenha esta substância em quantidade superior àquela que resulta dos objectivos de qualidade relevantes.
19. A Comissão acrescenta que, do mesmo modo, as normas de emissão que devem estar previstas nas autorizações não poderão ser fixadas de modo geral e abstracto, mas sim caso a caso, em função da situação do meio aquático receptor em causa, de modo a permitir o respeito dos objectivos de qualidade.
20. O carácter imperativo do estabelecimento de tais objectivos, para cada volume de água e para cada substância, resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, especialmente, do seu acórdão Comissão/Alemanha, já referido .
21. Ora, as medidas comunicadas pelo Governo francês não abrangem a totalidade das massas de água relevantes e, em todo o caso, não correspondem ao conceito de objectivos de qualidade assim definido.
22. A demandada contesta a análise da Comissão e considera, pelo contrário, ter tomado as medidas que a directiva exige.
23. O Governo francês explica, especialmente, que é a Lei n.° 64-1245, de 16 de Dezembro de 1964, relativa ao regime e à repartição das águas e à luta contra a sua poluição , que estabelece a definição dos objectivos de qualidade.
24. A circular de 17 de Março de 1978, relativa à política dos objectivos de qualidade dos cursos de água, secções de cursos de água, canais, lagos ou lagoas, definiu os dois escalões relevantes para a definição destes objectivos. O regime de direito comum apoia-se na elaboração de mapas departamentais de objectivos de qualidade, elaborados em cada departamento e que reúnem os objectivos que o departamento fixa, por cada curso de água, em matéria de qualidade.
25. O Governo francês explica que estes mapas constituem um instrumento essencial na aplicação da Lei n.° 76-663, de 19 de Julho de 1976, relativa às instalações classificadas para a protecção do ambiente . Esta lei prevê, com efeito, a adopção de decisões de autorização do funcionamento de, aproximadamente, 65 000 instalações industriais e que incluam disposições em matéria de descargas, determinadas por referência aos objectivos de qualidade elaborados para cada curso de água.
26. Segundo o Governo francês, os objectivos de qualidade são definidos em conformidade com uma grelha de critérios de apreciação da qualidade geral da água, elaborada pelo Institut de Recherches Hydrologiques em 1971. Estes critérios permitem distinguir cinco níveis de qualidade das águas, cada um pressupondo o respeito de um grande número de parâmetros. O Governo francês precisa, a este respeito que, embora estes parâmetros não se inscrevam todos no âmbito da luta contra as substâncias perigosas, um deles incide, contudo, especificamente, na concentração das águas em substâncias perigosas provenientes de descargas industriais. Não se procedeu, contudo, à medição da concentração de cada uma das 99 substâncias enumeradas na lista II em todas as águas em causa.
27. Existem também objectivos específicos quando uma directiva comunitária específica se refere às águas: águas conquícolas, águas que necessitam de ser protegidas ou melhoradas para estar aptas para os peixes viverem, águas superficiais destinadas à obtenção de água potável, águas balneares.
28. Pela circular n.° 90-55, de 18 de Maio de 1990, relativa às descargas tóxicas na água (a seguir «circular de 18 de Maio de 1990»), o Ministério do Ambiente lançou a nível regional, um inventário das descargas industriais, incidindo especificamente sobre as 132 substâncias enumeradas na lista II e que deveria ser realizado por inquéritos relativos ao processo industrial das instalações classificadas e por análises das descargas efectuadas. O Governo francês sublinha que este inventário foi realizado a nível regional e permitiu rever as decisões de autorização das referidas instalações quando isso se impunha.
29. Para consolidar a base jurídica da sua regulamentação, a República Francesa adoptou a Lei n.° 93-3, de 3 de Janeiro de 1992, sobre a água , e o Decreto de 1 de Março de 1993, relativo às captações e ao consumo de água, assim como às descargas de qualquer natureza das instalações classificadas para a protecção do ambiente sujeitas a autorização . Esta regulamentação prevê a fixação de objectivos de qualidade, para cada curso de água, e a tomada em consideração destes objectivos através da aplicação da regulamentação relativa às instalações classificadas, assim como a adopção de valores-limite para as substâncias enumeradas nas listas I e II da directiva, para as quais se exige tal adopção. O Governo francês precisa que estes valores-limites nacionais podem ser endurecidos a nível departamental, se o préfet o entender necessário, baseando as suas análises nos objectivos de qualidade das águas, e que o Decreto de 1 de Março de 1993 completa as medidas sectoriais definindo uma série de regras que devem ser respeitadas principalmente pelas indústrias interessadas nas descargas das substâncias em causa.
30. O Governo francês não contesta que deve basear o seu regime de autorização em objectivos de qualidade por curso de água. Sustenta, a este respeito, que estabeleceu para cada curso de água tais objectivos, dos quais um dos parâmetros é a amplitude das descargas industriais.
31. Pelo contrário, considera que nada impõe que estes objectivos sejam enumerados substância por substância e que a interpretação do conceito de «objectivo» preconizada pela Comissão é impraticável, demasiado complexa e implica custos exagerados. Com efeito, o número de substâncias em causa e as combinações entre estas que é necessário estudar é quase infinita. Além disso, uma tal abordagem, substância por substância, negligencia os efeitos conjugados (positivos ou negativos) dos poluentes.
32. Os objectivos conjugados a que se recorreu constituem, pelo contrário, uma aplicação correcta da directiva.
33. A este respeito, alega que o sistema francês permite medir especificamente as descargas de substâncias perigosas constantes das listas das directiva e fixar os objectivos de qualidade das águas, para cada curso de água, com base em vários parâmetros, um dos quais apenas diz respeito a estas substâncias.
34. Com efeito, resulta da grelha de critérios em que se baseia a apreciação dos objectivos de qualidade, que foi comunicada à Comissão em anexo à contestação, que um destes critérios, o índice biótico, incide especificamente sobre as substâncias perigosas e apenas sobre elas. De acordo com o Governo francês, um índice agregado é, portanto, igualmente um dado numérico que permite calibrar precisamente as autorizações a considerar sem fixar, substância por substância, objectivos de descarga.
35. Contrariamente à Comissão, a demandada considera que nenhum acórdão do Tribunal de Justiça contradiz a sua interpretação da directiva. Com efeito, o Tribunal nunca interpretou o artigo 7.° da directiva, impreciso quanto a este ponto, no sentido de obrigar a definir objectivos, substância por substância, para cada curso de água.
36. De acordo com o Governo francês, embora o Tribunal de Justiça tenha lembrado no seu acórdão Comissão/Alemanha, já referido, a importância de definir objectivos de qualidade no âmbito da aproximação programática, só faz referência a objectivos «para a totalidade de substâncias» e nunca especifica que estes objectivos devem incidir individualmente sobre cada substância. Portanto a questão, na realidade, diz respeito à questão de saber se cada uma das 99 substâncias deve constituir um parâmetro objecto de uma medida e de um objectivo de qualidade ou, se é possível reagrupar todas ou parte destas 99 substâncias num único parâmetro relativo às «substâncias perigosas» que seria objecto de vigilância e de um objectivo de qualidade.
37. A Comissão, duvidando que as autoridades francesas tenham, efectivamente, aplicado tais parâmetros globais, alega que, de qualquer forma, estes não correspondem às exigências da directiva. Refere, a este respeito, que os objectivos de qualidade, que devem ser elaborados nos termos do artigo 7.° da directiva devem referir-se especificamente à lista II das substâncias referidas no anexo da referida directiva. Os objectivos gerais, tais como a boa qualidade ecológica da água definida sem referência à directiva, não são aceitáveis.
38. Com efeito, segundo a Comissão embora os objectivos de qualidade possam ser fixados pela soma de parâmetros individuais, a experiência demonstra, contudo, que os parâmetros utilizados não prevêem valores suficientemente rigorosos para cada componente tomado individualmente. Refere, a este respeito, o exemplo do parâmetro AOX, que abrange a quantidade total dos compostos orgânicos clorados e que não pode, por razões técnicas, ser fixado e controlado nos fracos níveis de concentração apropriados para determinados compostos pertencentes a esta família de substâncias.
39. Os objectivos de qualidade referem-se às características químicas e biológicas do meio receptor. Devem, portanto, ser estabelecidos de modo preciso e, por conseguinte, quantificados por substância e nenhum cálculo para as normas de emissão seria possível sem tais objectivos quantificados.
40. Há que verificar que a tese da demandada não encontra apoio na jurisprudência.
41. Assim, no seu acórdão Comissão/Reino dos Países Baixos, já referido, o Tribunal de Justiça aludiu expressamente à obrigação de fixar valores-limite para as 114 substâncias prioritárias . O mesmo Tribunal aí igualmente recorda a estreita relação entre a qualidade do meio aquático e o teor em substâncias poluentes. Daí resulta que este teor deve ser determinado com precisão para cada uma das referidas substâncias, não sendo suficiente, a este respeito, um simples dado agregado.
42. Do mesmo modo, no acórdão Comissão/Bélgica, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que incumbia ao Reino da Bélgica fixar os objectivos de qualidade para as 99 substâncias enumeradas em anexo à acção, as mesmas referidas pela Comissão no presente processo.
43. Quanto ao acórdão Comissão/Alemanha, já referido, em que se baseia a demandada, embora seja verdade que a expressão «a totalidade das substâncias» usada no n.° 34 do acórdão não dá uma certeza absoluta, deve ser lida no contexto do conjunto do acórdão e, nomeadamente, da invocação pelo Tribunal de Justiça da poluição «por todas as substâncias» em causa .
44. Relativamente ao argumento que a demandada retira da impossibilidade prática de fixar objectivos para todas as substâncias, em causa, há que lembrar que uma argumentação similar foi já julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Comissão/Reino dos Países Baixos, já referido, em que decidiu que as dificuldades relativas à identificação das substâncias não dispensam um Estado-Membro da obrigação de transpor a directiva e lembra que este Estado-Membro poderia ter contactado a Comissão ou realizado estudos científicos em tempo oportuno.
45. Além disso, partilhamos da análise da Comissão, que, aliás, não é refutada pela demandada, segundo a qual o recurso a parâmetros agregados não permite sempre prever valores suficientemente rigorosos para cada componente referido individualmente. Tais parâmetros não podem, portanto, ser considerados um objectivo de qualidade relevante à luz da directiva.
46. Acrescento que, mesmo supondo que a abordagem dos objectivos agregados seja compatível, em princípio, com as exigências da directiva tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça, quod non, partilho das outras críticas formuladas pela Comissão com respeito à aplicação da abordagem seguida pelas autoridades francesas.
47. Com efeito, parece-nos inevitável que uma diligência baseada no recurso a cinco níveis globais de qualidade, definidos com base numa diversidade de parâmetros, dos quais apenas um se refere às substâncias perigosas, não pode beneficiar a luta contra estas substâncias com a prioridade que lhes concede a directiva, antes implicando, pelo contrário, que os referidos objectivos globais sejam o resultado de um compromisso entre numerosas considerações que não estão, necessariamente, todas ligadas à luta contra as substâncias enumeradas no anexo da directiva. Ora, resulta da redacção do artigo 7.° que os objectivos que ele visa devem, pelo contrário, respeitar especificamente à redução destas últimas.
48. Por fim, verifica-se que a demandada não dissipa as dúvidas expressas pela Comissão quanto à aplicação efectiva das medidas controvertidas. Assim, por exemplo, a Lei n.° 92-3 é um diploma de ordem geral, aplicado, nomeadamente, pelo Decreto de 1 de Março de 1993, que refere numerosos valores-limite, mas sobre o qual a Comissão refere, sem ser contestada pela República Francesa, que foi revogado pelo Conselho de Estado.
49. Resulta da totalidade das considerações expostas que, ao não estabelecer objectivos de qualidade quanto às 99 substâncias enumeradas em anexo à acção, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da directiva.
50. Além disso, uma vez que os programas que os Estados-Membros devem estabelecer, por força do artigo 7.° da directiva, incluem os referidos objectivos, daí necessariamente resulta que a demandada não podia estabelecer tais programas e que a alegação da Comissão relativa à inexistência destes últimos é procedente.
51. Por conseguinte, é apenas por exaustividade que há que examinar se existem outras razões para considerar que as medidas comunicadas pelas autoridades francesas não constituem um programa na acepção da directiva e se, por conseguinte, existe um duplo incumprimento do artigo 7.° da directiva.
Quanto à acusação relativa ao estabelecimento de programas de redução da poluição causada pelas substâncias da lista II
52. A Comissão deduz da jurisprudência relativa à directiva que os programas referidos pelo artigo 7.° da mesma devem:
- ser específicos e ter por objectivo a redução da poluição causada por todas as substâncias relevantes da lista II, diferenciando-se tanto de um programa geral de saneamento como de um conjunto de medidas pontuais com vista à redução da poluição das águas;
- incluir uma estrutura transparente, completa e coerente com o carácter de uma planificação concreta e articulada;
- incluir a fixação de objectivos concretos de redução das emissões a atingir em prazos fixados;
- abranger a totalidade do Estado em causa;
- referir as substâncias e grupos de substâncias da lista II susceptíveis de estarem presentes nas águas do Estado-Membro, a identificação das substâncias relevantes a ser realizada pelas autoridades competentes com base num estudo prévio das águas receptoras - entendendo-se que as 99 substâncias mencionadas na Comunicação da Comissão de 1982 devem ser incluídas nas medidas tomadas pelo Estado-Membro, salvo se estas substâncias não estiverem presentes nas suas águas;
- incluir, como vimos, objectivos de qualidade com base na análise específica de cada massa de água receptora particular, objectivos em função dos quais devem ser calculadas as normas de emissão fixadas nas autorizações; e
- ser comunicados à Comissão sob uma forma que permita um exame facilitado para os poder confrontar e aplicar harmoniosamente em todos os Estados-Membros.
53. A Comissão examina, depois, as medidas adoptadas pelas autoridades francesas à luz destes critérios.
54. Procede, em primeiro lugar, a uma análise global do «programa nacional» ou do «programa de acções para a redução das descargas de substâncias tóxicas» comunicados em anexo à carta, de 25 de Outubro de 1991, pela qual a demandada respondeu à notificação de incumprimento de 26 de Fevereiro de 1991. Na sua opinião, este programa apresenta-se como uma série de medidas descoordenadas entre si e não está dotado de objectivos nem de calendário global. Consequentemente não tem o carácter de planificação concreta e articulada de fixação de objectivos concretos de redução de emissões a atingir nos prazos fixados.
55. A Comissão salienta que não é abrangida a totalidade das águas receptoras do território francês e que não é mencionado qualquer elemento relativo à cobertura territorial nesta carta. Além disso, não foi comunicado qualquer elemento relativo às águas marítimas litorais e às superfícies de água.
56. Por outro lado, o «programa nacional» não visa, globalmente, qualquer substância precisa cuja redução esteja planificada. A Comissão sustenta que, embora determinadas medidas contidas neste programa (tais como o inventário prévio das substâncias descarregadas e as medidas que regulamentam as descargas das instalações classificadas) refiram as 99 substâncias prioritárias, elas não podem, todavia, ser qualificadas de «programas». Quanto às outras medidas incluídas no «programa nacional», elas não referem com precisão as substâncias perigosas referidas na lista II. A este respeito, a Comissão precisa que, na prática, os Estados-Membros podiam concentrar os seus esforços nas substâncias expressamente referidas, individualização que, por outro lado, facilita a fixação dos objectivos de qualidade e permite assegurar uma melhor fiscalização da aplicação dos programas em questão.
57. Conclui a Comissão que este «programa nacional» não corresponde ao conceito de «programa», na acepção do artigo 7.° , n.os 1, 5 e 6, da directiva.
58. O Governo francês confirma que a sua resposta à notificação de incumprimento pode ser qualificada de resumo das medidas tomadas pela República Francesa em aplicação do artigo 7.° da directiva.
59. Assinalando que a própria Comissão reconhece que a circular de 18 de Maio de 1990, anexa à contestação, inclui um objectivo quantificado de redução da poluição que cobre a totalidade do território para os anos de 1985 a 1995, a demandada sustenta que, embora não exista um calendário global nem um objectivo global, isto deve-se ao facto de os objectivos e os programas deverem ser determinados para cada curso de água. Efectivamente, a disposição principal do programa francês consiste na justaposição de milhares de calendários de trabalhos que visam respeitar os objectivos determinados localmente e que constituem outras tantas planificações concretas.
60. Em relação à observação da Comissão segundo a qual o programa não visa qualquer substância precisa, o Governo francês explica que é a nível do despacho de autorização de instalação individual que são determinadas as substâncias perigosas susceptíveis de ser lançadas na água, o impacto das descargas destas substâncias na água, a necessidade, sendo caso disso, de trabalhos suplementares e o calendário de realização destes trabalhos.
61. O mesmo governo insiste, especialmente, no facto de que o elemento fundamental da sua acção se deduz dos critérios que regem a concessão de autorizações às instalações classificadas, autorizações que são concedidas por decisão a nível departamental, com base nos objectivos de qualidade das águas destinadas a receber as descargas. De acordo com o Governo francês, estes objectivos orientam toda a acção dos serviços locais da administração francesa, que têm por objectivo reduzir a poluição industrial.
62. O Governo francês precisa também que, quando se trata de fazer uma aplicação localmente relevante da directiva identificando as substâncias e realizando trabalhos para reduzir as descargas destas substâncias, não há qualquer utilidade em identificar a nível nacional uma substância particular. Na medida em que o programa apresentado é sobretudo a justaposição de um grande número de programas locais, a Comissão devia ter em conta a relação existente entre o regime francês das instalações classificadas e o programa nacional de luta contra a poluição.
63. Em segundo lugar, a Comissão analisa mais em detalhe as diversas medidas incluídas neste «programa nacional» para verificar se elas não seriam susceptíveis de, em conjunto ou separadamente, constituir programas de redução da poluição por substâncias perigosas nos termos do artigo 7.° da directiva. Esclarece que este programa foi apresentado como incluindo cinco partes autónomas: programas sectoriais, programas locais de supressão das principais descargas industriais, medidas relativas às fontes difusas (pilhas e acumuladores, limpeza de têxteis a seco) objectivos de qualidade e medidas relativas a acidentes.
64. Em relação aos «programas sectoriais», a Comissão considera que eles se resumem a uma exposição do quadro regulamentar aplicado (ou mesmo apenas projectado), resultante da legislação nacional das instalações classificadas para a protecção do ambiente e que não contêm, nem planificação, nem objectivos concretos de redução da poluição pelas substâncias perigosas referidas na lista II ou para aquelas 99 substâncias prioritárias que são relevantes no contexto nacional francês, nem prazos de aplicação.
65. A demandante alega que a directiva distingue claramente «autorização prévia» e «programas de redução da poluição» e que não considera em parte alguma a possibilidade de um destes instrumentos se substituir ao outro. Na sua opinião, não se pode considerar que os programas em causa poderiam ser utilizados simultaneamente com o sistema de autorização prévia, cuja aplicação é ela própria exigida pela referida directiva. A Comissão explica que os programas de redução da poluição têm por objectivo planificar, na medida do possível, esta redução a um nível inferior ao que existe no momento da sua redacção e aplicação e isto, em prazos razoáveis a determinar pelas autoridades competentes. Nesta perspectiva, é claro, na sua opinião, que não se pode considerar que um sistema de autorização prévia de descarga de substâncias perigosas, por indispensável que seja, torna supérfluos os programas referidos no artigo 7.° da directiva.
66. Por conseguinte, a Comissão conclui que a parte do «programa nacional» relativa aos «programas sectoriais» não pode constituir um «programa de redução» na acepção desta disposição.
67. Do mesmo modo, critica os programas locais de redução referidos pela demandada.
68. Com efeito, de acordo com a Comissão, a carta das autoridades francesas, datada de 30 de Julho de 1993, que refere «dificuldades metodológicas», os «limites de aproximação» pelos programas de redução por substância e a instauração de normas mínimas nacionais de descarga pelo Decreto de 1 de Março de 1993, tende a sugerir que os programas locais de redução não foram, efectivamente prosseguidos, se é que alguma vez foram iniciados.
69. Daí a Comissão deduz que os «programas locais de supressão» não foram aplicados para tratar especificamente a poluição por todas as substâncias relevantes da lista II.
70. O Governo francês considera que a tese da Comissão não é exacta e reflecte uma má compreensão deste mecanismo. Com efeito o conceito de «programa local» visa o recurso às decisões de autorização adoptadas em aplicação do regime das instalações classificadas, cujas características, expostas por várias vezes pelas autoridades francesas, seriam susceptíveis de responder às interrogações da Comissão relativas ao carácter local e enquadrado no tempo do programa francês, à aplicação das medidas enumeradas, à inexistência de tratamento específico das substâncias perigosas e à inexistência de calendário.
71. Quanto às medidas relativas às fontes difusas, a demandada não contesta que, quando elas não podem ser identificadas e tratadas através da regulamentação sobre instalações classificadas, estas fontes são, no essencial, apreendidas de forma incidental, para não dizer contingente, pelas regulamentações gerais relativas à fabricação de produtos ou à gestão de resíduos, o que não corresponde manifestamente ao conceito de programa na acepção da directiva, mas antes, quanto muito ao das medidas que vêm completar um programa, na acepção do artigo 7.° , n.° 4 , da directiva, disposição à qual se refere, aliás, o Governo francês neste contexto.
72. Do mesmo modo, as medidas relativas aos acidentes não constituem um programa.
73. Em terceiro lugar a Comissão analisa as outras medidas apresentadas pela demandada como medidas que visam a aplicação do artigo 7.° da directiva.
74. Em relação ao Decreto de 1 de Março de 1993, a Comissão indica, designadamente, que, embora seja verdade que este decreto prevê normas de descarga para as 99 substâncias prioritárias da lista II, apenas cobre, por definição, as fontes pontuais e não as fontes difusas. Além disso, entre as fontes pontuais, apenas estão cobertas as que se incluem nas instalações classificadas sujeitas a autorização, ou seja apenas 65 000 das 500 000 instalações francesas classificadas. Finalmente, e em todo o caso, a Comissão alega, como vimos, que o referido decreto foi anulado pelo Conselho de Estado, em 21 de Outubro de 1996, privando assim a directiva de transposição, inclusive retroactivamente.
75. A este respeito, o Governo francês alega que o regime de autorização das instalações classificadas cobre as instalações que apresentem graves perigos ou inconvenientes para o comodidade dos residentes, para a saúde, a segurança, a salubridade públicas, a agricultura, a protecção da natureza e do ambiente, incluindo o meio aquático, ou a protecção dos locais e monumentos. Por conseguinte, conclui que, por definição, o conceito de instalação classificada inclui as instalações fixas susceptíveis de despejar as substâncias constantes das listas I e II e acrescenta que, se se verificar que uma instalação não sujeita a autorização apresente graves perigos ou inconvenientes, por exemplo devido a descargas de substâncias no meio aquático, o préfet pode impor prescrições sobre os valores das descargas, até mesmo, suspender o funcionamento da referida instalação.
76. A Comissão responde que o método que consiste em remeter para cada decisão departamental que autoriza uma instalação individual o cuidado de precisar as normas de emissão para as substâncias perigosas, não constitui um programa, na acepção do artigo 7.° da directiva, uma vez que se baseia em medidas pontuais sem enquadramento global que fixe objectivos de qualidade relativos aos diferentes cursos ou superfícies de água para cada uma das substâncias em causa. A Comissão recorda, a este respeito, que resulta do n.° 58 do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, que «nem uma regulamentação geral nem as medidas pontuais tomadas por um Estado-Membro, as quais, embora contenham uma vasta série de normas com vista à protecção das águas, não fixam contudo objectivos de qualidade relativos a este ou aquele curso ou superfície de água, podem ser consideradas um programa na acepção do artigo 7.° da directiva».
77. Quanto aos «programas plurianuais de intervenção das seis agências financeiras de bacia» relativamente aos quais a Comissão considera que nada indica que contenham uma planificação que inclua objectivos concretos de redução da poluição pelas substâncias da lista II e prazos de aplicação, a República Francesa sublinha a importância quantitativa destes programas que cobrem a totalidade das bacias hidrográficas da França metropolitana e constituem a vertente financeira do programa de despoluição das águas receptoras de substâncias perigosas referidas na directiva e a poluição de origem industrial em geral.
78. Assim, são financiados, especialmente, os trabalhos ordenados no quadro das decisões de autorização de instalações classificadas, à realização dos quais as referidas agências financeiras de bacia afectam somas consideráveis.
79. A República Francesa admite, contudo, que embora a acção destas agências seja susceptível de contribuir para a aplicação dos programas referidos na directiva, não pode, em caso algum, substituir-se-lhes.
80. O Governo francês afirma, não obstante, ter cumprido as obrigações que lhe impõe a directiva e ter aplicado um «programa» na acepção desta última.
81. A este respeito, explica que a disposição fundamental deste programa é a relação que existe com a concessão, por decisão departamental, de autorizações às instalações classificadas, com base nos objectivos de qualidade das águas destinadas a receber as descargas, e que cada decisão contém um calendário dos trabalhos a ser levados a cabo pelo industrial paralelamente à adopção de uma nova decisão de autorização da prossecução da exploração da instalação. Para facilitar a aplicação deste dispositivo, existem, por um lado, possibilidades de financiamento dos trabalhos de despoluição exigidos nas decisões de autorização de descarga graças aos programas das agências da água e, por outro lado, regulamentações sectoriais aplicáveis a todo o tempo e na totalidade do território francês, destinadas a reduzir globalmente determinados tipos de descargas. As referidas regulamentações, aplicadas através de decisões de autorização, constituem medidas nacionais aplicáveis a ramais particularmente poluentes.
82. Por outro lado, de acordo com o Governo francês, as disposições do artigo 7.° , n.os 2 e 4, da directiva indicam claramente que o regime de autorização que estabelece normas de emissão calculadas em função de objectivos de qualidade das águas deve constituir um elemento determinante dos programas de despoluição. Contesta, além disso, a interpretação do n.° 28 do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, defendida pela Comissão.
83. Resulta do exposto que existe um duplo desacordo entre a Comissão e a demandada. Por um lado, não têm a mesma concepção da extensão das obrigações impostas pela directiva e, por outro, opõem-se, consequentemente, quanto à questão de saber se a demandada cumpriu as referidas obrigações.
84. Quanto ao primeiro ponto, as duas partes opõem-se quanto ao alcance do artigo 7.° da directiva, que, convém recordar, está redigido do seguinte modo:
«1. A fim de reduzir a poluição das águas referidas no artigo 1.° por substâncias constantes da lista II, os Estados-Membros estabelecem programas para cuja execução aplicam designadamente os meios referidos nos n.os 2 e 3.
2. Qualquer descarga efectuada nas águas referidas no artigo 1.° e susceptível de conter uma das substâncias constantes da lista II fica sujeita a uma autorização prévia, concedida pela autoridade competente do Estado-Membro em causa, que fixará as normas de emissão. Estas são calculadas em função dos objectivos de qualidade estabelecidos nos termos do n.° 3.
3. Os programas referidos no n.° 1 incluirão objectivos de qualidade para as águas, estabelecidos segundo as directivas do Conselho quando existam.
4. Os programas podem igualmente incluir disposições específicas relativas à composição e à utilização de substâncias ou grupos de substâncias assim como de produtos e terão em conta os últimos progressos técnicos economicamente viáveis.
5. Os programas fixarão os prazos da sua própria execução.
6. Os programas e os resultados da respectiva aplicação serão comunicados à Comissão de forma sucinta.
7. A Comissão organizará, regularmente, com os Estados-Membros, uma confrontação dos programas com vista a assegurar uma aplicação suficientemente harmoniosa e, se julgar necessário, apresentará ao Conselho, para esse efeito, propostas sobre a matéria.»
85. Resulta, de forma indiscutível, na minha opinião, que a obrigação primordial dos Estados-Membros consiste em elaborar programas. Estes incluem objectivos e são aplicados por meio de um regime de autorização. Estas autorizações são concedidas à luz do objectivo prefixado.
86. Por conseguinte, resulta claramente dos termos desta disposição que os regimes de autorização são apenas um instrumento ao serviço da realização de um programa e que um Estado-Membro não pode, portanto, afirmar ter cumprido as suas obrigações pelo simples facto de ter aplicado um tal regime.
87. Os argumentos que a demandada retira desta disposição não conduzem, aliás, a uma conclusão diferente. Com efeito, salienta que os regimes de autorização constituem um elemento determinante dos programas de redução e que só o emprego do termo «designadamente» no artigo 7.° , n.° 1, indica que outras medidas podem constar destes programas. O carácter facultativo de tais medidas resulta ainda do uso do termo «podem» no n.° 4 do mesmo artigo.
88. Ora, há que observar que o facto de os regimes de autorização constituírem um elemento determinante dos programas de redução, em nada implica ainda que tais programas se devam limitar a um regime de autorização.
89. Isto resulta, aliás, explicitamente do artigo 7.° , n.° 3, da directiva, que não apresenta o carácter facultativo do n.° 4 do mesmo artigo, e que dispõe que os programas referidos no seu n.° 1 incluirão objectivos de qualidade para as águas. Daí resulta, inevitavelmente, que tais programas não se podem limitar a um regime de autorização.
90. Esta conclusão impõem-se igualmente na leitura da jurisprudência.
91. Com efeito, resulta do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, que o artigo 7.° da directiva «exige que os Estados-Membros, nomeadamente, estabeleçam programas que incluam objectivos de qualidade para as águas, por um lado, e sujeitem qualquer descarga de substâncias incluídas na lista II a uma autorização prévia que fixe normas de emissão calculadas em função dos referidos objectivos de qualidade, por outro» .
92. De acordo com o Governo francês, o Tribunal de Justiça confirmou, assim, o carácter central, até quase exclusivo, das disposições relativas ao mecanismo de autorização nos programas, o que contradiz a tese da Comissão segundo a qual os programas são distintos do regime de autorização prévia.
93. Com efeito, segundo a demandada, a oração introduzida por «incluam» e a introduzida por «sujeitem» qualificam ambas o conceito de programa. Este ponto deve, assim, ser lido como uma definição dos programas com base no artigo 7.° da directiva, os quais devem, no essencial, sujeitar qualquer despejo de substância incluída na lista II a uma autorização e, consequentemente, como uma confirmação do programa francês.
94. É ainda verdade que, como indica a utilização, por parte do Tribunal de Justiça, da expressão «por um lado [...] por outro», o mesmo Tribunal considerou que a aplicação de um regime de autorização e de um programa são duas coisas diferentes e que, por conseguinte, não basta, para um Estado-Membro prever um para ter automaticamente o outro e assim cumprir as suas obrigações por força do artigo 7.° da directiva.
95. O facto de a argumentação da demandada relativa ao alcance desta disposição não convencer não significa ainda que o incumprimento esteja constituído. Com efeito, e é aí o segundo ponto da nossa análise, há que verificar se as várias medidas aplicadas pelas autoridades francesas e invocadas supra não constituem, mesmo assim, um programa na acepção da directiva.
96. Resulta da jurisprudência que os programas a estabelecer em execução do artigo 7.° da directiva «deve[m] constituir uma abordagem global e coerente, tendo o carácter de uma planificação concreta e articulada abrangendo todo o território nacional e respeitante à redução da poluição causada por todas as substâncias da lista II que são relevantes no contexto nacional de cada Estado-Membro, em ligação com os objectivos de qualidade das águas receptoras fixados nesses mesmos programas. Distinguem-se assim tanto de um programa geral de saneamento como de um conjunto de medidas pontuais destinadas a reduzir a poluição das águas».
97. Todavia, há que verificar que resulta dos autos que é precisamente com tal conjunto que somos confrontados no presente processo.
98. Com efeito, a apresentação a que procede a Comissão revela que as autoridades francesas lhe comunicaram, a título de medidas de transposição da directiva, uma grande variedade de elementos entre os quais se revela difícil discernir uma programação de conjunto na acepção da jurisprudência.
99. Aliás, se a demandada, como acabamos de ver, contesta a argumentação da Comissão relativa a um ou outro elemento preciso, não consegue, em contrapartida, demonstrar que estabeleceu um programa global e coerente de redução da totalidade das substâncias prioritárias em todas as águas receptoras.
100. Com efeito, ela própria admite que o essencial do dispositivo é constituído pela justaposição de milhares de calendários de trabalhos que visam respeitar os objectivos determinados localmente e que constituem outras tantas planificações concretas, o que explicaria a inexistência de um calendário global e, sendo caso disso, de um objectivo global.
101. Portanto, há que concluir que, de acordo com a descrição que fazem as próprias autoridades francesas, as medidas que adoptaram não preenchem as condições enumeradas nesta jurisprudência.
102. Pelo contrário, estas medidas apresentam-se como «medidas pontuais e não a materialização de uma programação global e coerente da redução da poluição, alicerçada num estudo da situação das águas receptoras e fixando objectivos de qualidade a atingir» .
103. Isto verifica-se não apenas pelo exame da afirmação das autoridades francesas, acima referida, mas resulta igualmente do facto de, como salientam as referidas autoridades, o eixo principal dos programas em causa ser o mecanismo de autorização a nível local.
104. Com efeito, a demandada coloca a tónica nas diferentes características do regime de autorização para ilustrar a sua importância central para o estabelecimento de um conjunto de medidas relativas especificamente à redução da poluição por substâncias perigosas, incluindo os elementos de calendário e baseando-se na consideração do estado das águas locais e não sobre um valor nacional único.
105. Com efeito, o regime de autorização abrange a totalidade das instalações relevantes, uma vez que a lei inclui no conceito de «instalação classificada» todas as que possam descarregar as substâncias em causa. Além disso, as autorizações, tanto quanto necessário, são acompanhadas de um calendário que impõe a realização dos trabalhos necessários para atingir os objectivos de qualidade definidos para as águas em causa.
106. Além disso, poderão vir a completar o dispositivo medidas administrativas ad hoc, assim como medidas sectoriais relativas a substâncias específicas.
107. A demandada considera assim ter refutado as acusações da Comissão relativas, designadamente, à cobertura geográfica das medidas francesas, à inexistência de substâncias precisas visadas por estas medidas, ou ainda ao seu grau de realização efectiva.
108. Todavia há que observar que, pela sua própria natureza, tal mecanismo não constitui um programa. Com efeito, as autorizações são concedidas em função de diversas considerações ligadas a um contexto local e não em função de uma planificação global centrada na redução, em cada curso de água, das substâncias prioritárias, definidas globalmente.
109. Milhares de medidas locais, mesmo supondo que abrangem a totalidade do território e das instalações relevantes, não suprem a falta de uma planificação global. O exemplo das fontes difusas, que não são susceptíveis de ser apreendidas por um regime de autorização, constitui uma ilustração eloquente. Também revelador é o exemplo da própria circular de 18 de Maio de 1990, anexa à contestação, que invoca o carácter «parcelar» das acções empreendidas até aí e sobre a qual a Comissão salienta que não abrange todas as substâncias controvertidas e que se limita a convidar a definir um programa, críticas que a demandada não refuta.
110. Resulta do exposto que, como salienta a Comissão, a regulamentação francesa, na medida em que se baseia na concessão de autorizações, responde a uma obrigação distinta da que consiste em estabelecer um programa de redução da poluição, uma vez que o regime de autorizações efectivamente exigido pela directiva não se confunde com a obrigação de decretar programas que incluam objectivos de qualidade para as águas. Portanto, seria errado considerar que o Governo francês cumpriu as suas obrigações decorrentes da directiva pelo facto de ter estabelecido um sistema de autorização prévia.
111. Daí decorre que o incumprimento ao artigo 7.° da directiva está igualmente constituído pelo facto de as autoridades francesas não terem estabelecido um programa na acepção desta disposição.
Quanto à alegação de notificação defeituosa dos programas
112. A Comissão critica a República Francesa por ter igualmente violado o artigo 7.° da directiva ao não ter comunicado, de forma sucinta, os programas, assim como os resultados da sua aplicação. Lembra a especial importância desta obrigação no caso vertente, uma vez que esta comunicação deve permitir à Comissão, nos termos do n.° 7 do referido artigo, organizar regularmente com os Estados-Membros uma confrontação dos programas com vista a assegurar que a sua aplicação é suficientemente harmonizada e, se julgar necessário, apresentar propostas ao Conselho sobre a matéria.
113. A Comissão salienta que muitos documentos não lhe foram comunicados em tempo útil e que os dados que recebeu o foram de uma forma que não lhe permitiu a comparação com os programas de outros Estados-Membros requerida pela directiva.
114. A República Francesa afirma ter comunicado numerosos dados à Comissão, quanto mais não seja, em último lugar, em anexo à sua contestação. O Governo francês não contesta que a apresentação dos documentos comunicados à Comissão no decurso do procedimento pré-contencioso pode ter dificultado a apreensão da lógica fundamental da sua estratégia de transposição da directiva. Por conseguinte, considera necessário retomar estes diferentes elementos para demonstrar que as medidas apresentadas nessas várias trocas tinham sido notificadas à Comissão, em aplicação do artigo 7.° , n.° 6, da directiva.
115. Por fim, mesmo admitindo que, atendendo ao carácter muito descentralizado deste programa, as insuficiências da comunicação à Comissão não puderam ser evitadas, este Governo alega que as autoridades francesas trabalham na elaboração de instrumentos que permitem melhor assegurar a recuperação de informações e a comunicação dos resultados obtidos à Comissão.
116. No entanto, devo recordar, em todo o caso, que já acima considerámos que as medidas adoptadas pelas autoridades francesas não constituem um programa, na acepção da directiva. Daí resulta inevitavelmente que as referidas autoridades não puderam comunicar tal programa à Comissão, quaisquer que sejam, por outro lado, as informações que lhe tenham comunicado.
117. Daí resulta necessariamente que, igualmente quanto a este ponto, o incumprimento está constituído.
118. Consequentemente, é a título puramente subsidiário que passamos a analisar de forma mais detalhada a argumentação das partes quanto a este ponto.
119. A Comissão insiste, repetidamente, sobre as insuficiências da informação que recebeu por parte das autoridades francesas.
120. Assim, por exemplo, indica que os resultados concretos da aplicação do «programa nacional» nunca lhe foram comunicados. Quanto aos «programas sectoriais», invocados pela demandada, a Comissão salienta que nunca recebeu comunicações dos seus resultados em termos de redução da poluição nem da sua evolução à luz da técnica e do enquadramento jurídico. Também não foi informada quanto à questão de saber se os dez ramos industriais abrangidos pelos referidos programas são os únicos a descarregar as 99 substâncias prioritárias que são relevantes no contexto nacional francês.
121. Em relação aos «programas locais de supressão das principais descargas industriais», a Comissão observa que nenhum texto legislativo, regulamentar ou administrativo que constituiria a sua base lhe foi comunicado, mesmo apesar de o enquadramento jurídico parecer ter evoluído.
122. A Comissão salienta igualmente que os elementos comunicados pelo Governo francês sobre estes programas locais são muito pouco precisos. Insiste no facto de nenhum exemplo de um destes programas ter sido fornecido, mesmo sob forma sucinta, o que aliás bastaria para constituir uma violação do artigo 7.° , n.° 6, da directiva, e de nenhuma correspondência das autoridades francesas demonstrar que os referidos programas tenham sido efectivamente aplicados.
123. A demandante apresenta críticas similares relativamente às medidas relativas às fontes difusas.
124. Quanto ao sistema de autorização prévia das descargas, a Comissão assinala que o Decreto de 25 de Abril de 1995, que completou o de 1 de Março de 1993, não lhe foi notificado. O mesmo sucede com os resultados do inventário das substâncias descarregadas nas águas, cuja referência acabou por desaparecer totalmente da correspondência dirigida pelo Governo francês, a ponto de o seu termo não ter sido comprovado. Do mesmo modo, a Comissão não recebeu qualquer comunicação do quadro jurídico dos «programas plurianuais de intervenção das seis agências financeiras de bacia».
125. A Comissão indica, em seguida, que o facto de o Governo francês não ter indicado os diferentes elementos incluídos num relatório comunicado, em 26 de Novembro de 1996, relativo à transposição da directiva enquanto programa, constitui, em todo o caso, uma violação da obrigação decorrente do artigo 7.° , n.° 6, da directiva, que é distinta da obrigação do artigo 13.° , n.° 1, na redacção dada pela Directiva 91/692.
126. Acrescenta que o referido relatório inclui diferenças substanciais e inexplicáveis com a correspondência anterior do Governo francês igualmente relativa à transposição da directiva, uma vez que este relatório já não referia qualquer programa nacional nem os programas locais de reabsorção, nem as medidas relativas às fontes difusas e aos acidentes. Pelo contrário, continha alusões a um «programa», sem qualquer elemento que permita identificá-lo e a um programa referente à região Nord-Pas-de-Calais, do qual a Comissão também não recebeu cópia.
127. Quanto à circular de 18 de Maio de 1990, igualmente referida no relatório de 1996, a Comissão salienta que ela não lhe foi comunicada.
128. A demandada recorda, igualmente neste contexto, o carácter fundamental das decisões de autorização para o seu programa de redução da poluição.
129. A este respeito, o Governo francês refere, em primeiro lugar, que notificou o seu método à Comissão, designadamente na resposta à notificação de incumprimento e nas peças posteriores, e que o conteúdo do relatório de 26 de Novembro de 1996 não resumia um novo programa, limitando-se a precisar as grandes orientações do programa francês cujo eixo essencial, isto é, a realização de trabalhos nas instalações classificadas quando as descargas destas não são conformes aos objectivos de qualidade das águas definidos localmente, tinha sido determinado desde o princípio.
130. Referindo-se ao acórdão Comissão/Alemanha, já referido , o Governo francês alega que não considerou útil notificar cada análise das descargas e cada decisão de determinação de trabalhos, quando o principal objectivo da comunicação dos programas à Comissão é o de organizar uma «confrontação» entre os programas aplicados, com o objectivo de trocar experiências ou de facilitar a elaboração de futuras normas comunitárias. Considera, portanto, que, menos que o detalhe de cada obra empreendida, é sobretudo a relação entre a luta contra a poluição das águas e o regime de autorizações de instalações classificadas que parece relevante no âmbito da confrontação organizada pelo artigo 7.° , n.° 7, da directiva.
131. Com efeito, é evidente para o Governo francês que a Comissão não pede para dispor de uma notificação de cada análise das descargas e de todos os trabalhos prescritos, na medida em que o objectivo principal da comunicação dos programas à Comissão é ter como resultado um sistema o mais eficaz possível graças à contribuição dos Estados-Membros.
132. Em relação à falta de notificação dos «programas locais», as autoridades francesas indicam que estes programas são os referidos pelo dispositivo constante da segunda parte da resposta à notificação de incumprimento e que a sua base jurídica, o artigo 68.° do decreto relativo às descargas das instalações classificadas, foi comunicado à Comissão. Salientam que não se trata de documentos que deveriam ter sido comunicados à Comissão, mas sim de um termo de descrição das modalidades de recurso às decisões de autorização.
133. A demandada considera, portanto, ter comunicado um programa nacional cuja descrição expunha claramente os grandes princípios: aplicação local através da regulamentação relativa às instalações classificadas em relação com os objectivos de qualidade definidos localmente, co-financiamento dos trabalhos pelas agências da água e medidas sectoriais, ou por produto, para as descargas minoritárias, não provenientes das instalações classificadas. Julga, consequentemente, que não é exacto descrever o relatório de 1996 como resumindo um programa inteiramente novo que nunca tinha sido notificado, quando este relatório se limita a precisar as grandes orientações do programa francês e a fornecer os primeiros resultados avaliados.
134. Quanto ao inventário anteriormente referido, a demandada considera ter demonstrado que foi levado a bom termo e foi comunicado, sob forma sintética, à Comissão.
135. Finalmente, a circular de 18 de Maio de 1990 foi dirigida informalmente à Comissão por fax de 27 de Junho de 2000, e, em todo o caso, anexa à contestação.
136. Deve-se, no entanto, salientar que, para efeitos de declaração de um eventual incumprimento, apenas se devem tomar em consideração as informações comunicadas antes do termo do prazo fixado no parecer fundamentado . Além disso, uma simples transmissão informal não pode ser considerada uma notificação de medidas de transposição de uma directiva.
137. A demandada acrescenta que lhe parece contraditório exigir a notificação da circular relativa ao inventário, alegando que este não constitui um programa na acepção da directiva. No entanto a Comissão responde acertadamente que, na falta de tal notificação, é-lhe impossível apreciar a conformidade do conteúdo da circular com o conceito de programa na acepção da directiva.
138. Verifica-se, em face do exposto, que a República Francesa não responde a todas as críticas formuladas pela Comissão. Além disso, e principalmente, ela própria admite, como já se viu, que, devido tanto às diferentes terminologias utilizadas como ao carácter muito descentralizado do seu programa, o envio de informações à Comissão foi imperfeito e que devem ser tomadas medidas para remediar esta situação.
139. Daí resulta que, em todo o caso, o incumprimento está constituído.
Conclusões
140. À luz das considerações anteriores, propomos ao Tribunal de Justiça que:
- declare que, ao não adoptar programas de redução da poluição que incluam objectivos de qualidade para as 99 substâncias enumeradas em anexo à petição e, ao não comunicar à Comissão, sob forma sucinta, os referidos programas, bem como os resultados da sua aplicação, em violação do artigo 7.° da Directiva 74/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE;
- condene a República Francesa nas despesas.