CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
ANTONIO TIZZANO
apresentadas em 22 de Maio de 2003(1)



Processos apensos C-2/01 P e C-3/01 P



Bundesverband der Arzneimittel-Importeure eV

e

Comissão das Comunidades Europeias

apoiadas pelo

Reino da Suécia

e

European Association of Euro Pharmaceutical Companies
contra
Bayer AG
e
European Federation of Pharmaceutical Industries' Associations


«Impugnação de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância – Importações paralelas de medicamentos – Artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) – Conceito de acordo – Prova da existência de um acordo»





Índice

I – Matéria de facto e tramitação processual
Matéria de facto na origem do litígio
A decisão impugnada
Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e o acórdão impugnado
Tramitação processual no Tribunal de Justiça
II – Análise jurídica
Introdução
Os fundamentos relativos ao apuramento da matéria de facto
i) A incompleta tomada em consideração dos factos no que respeita aos controlos alegadamente efectuados pela Bayer sobre o destino final dos produtos fornecidos
ii) A desnaturação ou a não tomada em consideração dos elementos de prova relativos à vontade dos grossistas de fazer crer à Bayer que passariam a efectuar encomendas em função apenas das necessidades do respectivo mercado nacional
Os fundamentos relativos a questões de direito: considerações gerais
i)
O acórdão Sandoz
ii)
Os acórdãos AEG, Ford e Bayerische Motorenwerke
Análise específica dos diversos fundamentos relativos a questões de direito
i)
Quanto à necessidade de um sistema de controlos e sanções para que possa considerar‑se concluído um acordo relativo a uma proibição de exportar
ii)
Quanto à necessidade de o produtor pretender determinado comportamento da parte dos distribuidores ou tentar obter a adesão destes à sua política destinada a impedir as importações paralelas para que possa considerar‑se concluído um acordo relativo a uma proibição de exportar
iii)
Quanto ao ónus da prova
iv)
Quanto à falta de correspondência entre a vontade declarada e a vontade real dos grossistas
v)
Quanto ao carácter só aparentemente unilateral das medidas adoptadas pela Bayer
Considerações conclusivas
III – Quanto às despesas
IV – Conclusões

1.        Os presentes processos têm por objecto o recurso que a Bundesverband der Arzneimittel‑Importeure e. V. (a seguir «BAI») e a Comissão interpuseram do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 2000, no processo T‑41/96, Bayer/Comissão (a seguir «acórdão impugnado»)  (2) , que determinou a anulação da Decisão 96/478/CE da Comissão, de 10 de Janeiro de 1996, «relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE» (a seguir «decisão impugnada»)  (3) .

I – Matéria de facto e tramitação processual

Matéria de facto na origem do litígio

2.        No acórdão impugnado, a matéria de facto na origem do litígio é descrita do seguinte modo:

«1.     A recorrente, Bayer AG (a seguir ‘Bayer’ ou ‘grupo Bayer’), é a sociedade‑mãe de um dos principais grupos químicos e farmacêuticos europeus e está presente em todos os Estados‑Membros da Comunidade através das suas filiais nacionais. Produz e comercializa há muitos anos, sob a marca ‘Adalat’ ou ‘Adalate’, uma gama de medicamentos cujo princípio activo é a nifedipina, destinada a tratar doenças cardiovasculares.

2.       Na maioria dos Estados‑Membros, o preço do Adalat é, directa ou indirectamente, fixado pelas autoridades sanitárias nacionais. De 1989 a 1993, os preços fixados pelos serviços de saúde espanhol e francês eram, em média, 40% inferiores aos aplicados no Reino Unido.

3.       Em razão destas diferenças de preços, grossistas estabelecidos em Espanha começaram, a partir de 1989, a exportar Adalat com destino ao Reino Unido. A partir de 1991, foram seguidos nesta atitude por grossistas estabelecidos em França. Segundo a recorrente, de 1989 a 1993, as vendas de Adalat efectuadas pela sua filial britânica, Bayer UK teriam baixado quase para metade em razão das importações paralelas, provocando assim uma perda de volume de negócios de 230 milhões de marcos alemães (DEM) para a sua filial britânica, representando para a Bayer uma perda de receitas de 100 milhões de DEM.

4.       Face a esta situação, o grupo Bayer alterou a sua política de fornecimento e começou a deixar de satisfazer a totalidade das encomendas, cada vez mais importantes, feitas pelos grossistas estabelecidos em Espanha e em França às suas filiais espanhola e francesa. Esta alteração ocorreu em 1989 quanto às encomendas recebidas pela Bayer Espanha e no quarto trimestre de 1991 quanto às recebidas pela Bayer França.»

A decisão impugnada

3.        Na sequência das queixas apresentadas por alguns grossistas em causa, a Comissão deu início a um procedimento administrativo de inquérito para apurar eventuais violações do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE)  (4) . Após a investigação, a Comissão adoptou a decisão impugnada, na qual:

         conclui pela existência de uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, que consiste na «proibição de exportar os produtos ADALATE e ADALATE 20 mg LP de França e os produtos ADALAT e ADALAT‑RETARD de Espanha para outros Estados‑Membros, acordada, no âmbito de relações comerciais continuadas, entre a Bayer França e os seus grossistas desde 1991 e desde pelo menos 1989 entre a Bayer Espanha e os seus grossistas» (artigo 1.°);

         ordenou à Bayer que pusesse termo à infracção verificada e, em especial: a) que «[envie], no prazo de dois meses a contar da notificação da [...] decisão, uma circular aos grossistas em França e em Espanha precisando que as exportações são permitidas na Comunidade Europeia e não são sancionadas»; b) que «[indique], no prazo de dois meses a contar da notificação da [...] decisão, esses elementos de forma clara nas condições gerais de venda aplicáveis em França e em Espanha» (artigo 2.°);

         aplicou à Bayer uma coima de 3 000 000 ecus (artigo 3.°).

4.        Na fundamentação da decisão, a Comissão tentou demonstrar, em especial: i) que a Bayer França e a Bayer Espanha tinham concluído com os grossistas um acordo que previa uma proibição de exportação (n.os 156 a 188); ii) que esse acordo tinha um objecto e efeitos restritivos da concorrência (n.os 189 a 197); iii) que o mesmo acordo afectava consideravelmente o comércio entre os Estados‑Membros (n.° 198).

5.        No que respeita especificamente ao primeiro aspecto, a Comissão tentou demonstrar a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, indicando que dos documentos juntos resultava: por um lado, que a Bayer França e a Bayer Espanha tinham imposto aos grossistas uma proibição de exportação (n.os 156 a 170); por outro, que a imposição dessa proibição não constituía um mero comportamento unilateral, na medida em que se inseria no quadro das relações comerciais continuadas entre as duas empresas do grupo Bayer com os seus clientes (n.os 171 a 185).

6.        Foi de dois «elementos complementares» que a Comissão, por sua vez, deduziu que havia sido imposta aos grossistas uma proibição de exportação: o sistema de determinação dos grossistas exportadores posto em prática pela Bayer França e pela Bayer Espanha; e as reduções subsequentes das quantidades fornecidas por essas empresas no caso de os grossistas exportarem no todo ou em parte os produtos fornecidos.

7.        Quanto a estas, a Comissão indicou, designadamente, que os elementos de que dispunha «[demonstravam] que o fornecimento das quantidades admitidas pela Bayer França e pela Bayer Espanha [estava] subordinado ao respeito de uma proibição de exportar. A redução dos volumes fornecidos pela Bayer França e pela Bayer Espanha [era] modulada por estas em função do comportamento que os grossistas [adoptavam] em relação a essa proibição de exportar. Se os grossistas [violassem] a proibição de exportar, [sofreriam] uma nova redução automática das remessas encomendadas»  (5) . Na sequência do exame dos documentos relevantes, a Comissão concluiu portanto que os «elementos do comportamento da Bayer França e da Bayer Espanha [permitiam] demonstrar que estas expuseram os seus grossistas a uma ameaça permanente de redução dos fornecimentos, ameaça concretizada repetidamente quando aqueles não [respeitavam] a proibição de exportar»  (6) .

8.        Tendo, assim, concluído pela existência de uma proibição de exportar imposta pela Bayer França e pela Bayer Espanha, para demonstrar que esta se inseria no quadro das relações comerciais continuadas com os grossistas (e não constituía, portanto, um mero comportamento unilateral), a Comissão observou, em seguida, que:

        «as encomendas regulares efectuadas pelos grossistas e regularmente renovadas [mostravam] que as relações comerciais [eram] contínuas e permanentes em relação ao produto ADALAT»  (7) .

        «a Bayer Espanha e a Bayer França aplicaram uma proibição sistemática e uniforme a todas as operações de venda entre elas e os respectivos grossistas, caso soubessem que estes eram exportadores»  (8) .

        «os grossistas adoptaram neste caso um comportamento implícito de aquiescência à proibição de exportar»  (9) .

9.        Esta aquiescência implícita deduzia‑se, em especial, do comportamento dos grossistas, o qual «[revelava] que não só tinham compreendido que uma proibição de exportar se aplicava às mercadorias fornecidas, como também que deviam adaptar o seu comportamento em função dessa proibição»  (10) . A este respeito, a Comissão esclareceu que «os grossistas, utilizando diferentes sistemas para obterem fornecimentos, em especial o sistema de repartição pelas diferentes agências das encomendas destinadas à exportação [...] e a encomenda feita a outros pequenos grossistas ‘não controlados’ [...], adaptaram‑se, na apresentação das suas encomendas, à exigência da Bayer França e da Bayer Espanha, segundo a qual era proibido exportar o produto. Passaram a encomendar apenas o necessário para cobrir as necessidades nacionais, no plano da apresentação das suas encomendas ao seu fornecedor Bayer França ou Bayer Espanha. Começaram até, depois de aquelas sociedades terem compreendido o primeiro mecanismo, a respeitar as ‘quotas’ nacionais impostas pelo seu parceiro, negociando o melhor possível para as inflacionar ao máximo, na medida em que se submeteram à aplicação estrita e ao respeito dos valores considerados normais pela Bayer França e Bayer Espanha para o abastecimento do mercado nacional»  (11) . Segundo a Comissão, «esta atitude [mostrava] que os grossistas [tinham] conhecimento dos verdadeiros motivos da Bayer França e Bayer Espanha e dos mecanismos criados por aquelas sociedades para contrariar as exportações paralelas: [adaptaram‑se] ao sistema criado pelo seu co‑contratante para respeitar as exigências do mesmo. Esse comportamento [demonstrava], pois, a sua adesão à proibição de exportar as mercadorias que se insere nas relações comerciais contínuas entre a Bayer França e a Bayer Espanha e respectivos grossistas»  (12) .

Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e o acórdão impugnado

10.      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Março de 1996, a Bayer pediu a anulação da decisão da Comissão.

11.      Em 1 de Agosto de 1996, a BAI (uma associação alemã de importadores de medicamentos) pediu para intervir em apoio da Comissão. Em 26 de Agosto de 1996, a European Federation of Pharmaceutical Industries’ Associations (uma associação, a nível europeu, que representa os interesses de dezasseis associações profissionais nacionais do sector dos medicamentos, a seguir «EFPIA») pediu para intervir em apoio da Bayer. Por despacho de 8 de Novembro de 1996, o Presidente da Quinta Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção das duas associações.

12.      Por acórdão de 26 de Outubro de 2000, o Tribunal de Primeira Instância acolheu o primeiro fundamento de recurso da Bayer, relativo à aplicabilidade ao caso vertente do artigo 85.°, n.° 1, e anulou a decisão impugnada, porque, em seu entender, «a Comissão fez uma apreciação errada dos factos do caso concreto e cometeu um erro na sua apreciação jurídica, ao considerar estabelecida uma concordância de vontades entre a Bayer e os grossistas referidos na decisão, permitindo concluir no sentido da existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, destinado a impedir ou a limitar as exportações de Adalat de França e de Espanha para o Reino Unido»  (13) .

13.      Ao apreciar as críticas da recorrente, o Tribunal de Primeira Instância reconstituiu antes de mais a jurisprudência comunitária sobre o conceito de acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. A esse respeito, salientou, em especial, que «quando uma decisão por parte do fabricante constitui um comportamento unilateral da empresa, esta decisão escapa à proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado»  (14) , uma vez que o conceito de acordo previsto nesta disposição «baseia‑se na existência de uma concordância de vontades entre duas partes pelo menos, cuja forma de manifestação não é importante desde que constitua a expressão fiel das mesmas»  (15) . Para a aplicação da disposição em causa há, portanto, que «distinguir as hipóteses em que uma empresa adoptou uma medida verdadeiramente unilateral e portanto sem a participação expressa ou tácita de uma outra empresa, daquelas em que o carácter unilateral é unicamente aparente. Se as primeiras não são abrangidas pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, as segundas devem ser vistas como revelando um acordo entre empresas e podem cair, deste modo, no âmbito de aplicação desse artigo. Tal é o caso, nomeadamente, das práticas e medidas restritivas da concorrência que, adoptadas aparentemente de modo unilateral pelo fabricante no quadro das suas relações contratuais com os seus revendedores, recebem todavia a aquiescência, pelo menos tácita, destes últimos»  (16) .

14.      Posto isto, e passando à apreciação da aplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, ao caso em análise, o Tribunal de Primeira Instância observou em seguida que «a recorrente admite que adoptou uma política unilateral destinada a reduzir as importações paralelas», mas «[c]ontesta todavia que tenha previsto e imposto uma proibição de exportar. A este respeito, alega nunca ter discutido e, ainda menos, ter celebrado um acordo com os grossistas para os impedir de exportar ou limitá‑los na exportação das quantidades fornecidas. Além disso, afirma que os grossistas de forma alguma aderiram à sua política unilateral e que não tiveram qualquer vontade de o fazer»  (17) . Perante estas objecções da recorrente, o Tribunal de Primeira Instância considerou, portanto, que «a fim de determinar se a Comissão demonstrou de modo suficiente a existência de uma concordância de vontades entre as partes quanto à limitação das exportações paralelas [havia] que examinar se, como a recorrente sustentava, a Comissão apreciou erradamente as vontades respectivas da Bayer e dos grossistas»  (18) .

15.      Começando pela «pretensa vontade de a recorrente impor uma proibição de exportar», na sequência de uma análise atenta dos documentos referidos na decisão, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que «a Comissão não demonstrou suficientemente nem que a Bayer França e a Bayer Espanha impuseram uma proibição de exportar aos seus grossistas respectivos, nem que a Bayer pôs em prática um controlo sistemático do destino final efectivo das caixas de Adalat fornecidas depois da adopção da sua nova política de fornecimento, nem que a recorrente aplicou uma política de ameaças e de sanções em relação aos grossistas exportadores, nem que subordinou os fornecimentos deste produto ao respeito dessa pretensa proibição de exportar». Segundo o Tribunal de Primeira Instância, além disso, não «resulta dos documentos reproduzidos na decisão que a recorrente tenha tentado obter qualquer acordo da parte dos grossistas relativamente à adopção da sua política destinada a reduzir as importações paralelas»  (19) .

16.      Em seguida, «quanto à pretensa vontade de os grossistas aderirem à política da recorrente de reduzir as importações paralelas», o Tribunal de Primeira Instância salientou antes de mais:

         que, como já esclareceu, «a Comissão não provou de forma suficiente nem a adopção pela Bayer de uma política sistemática de vigilância do destino final das caixas de Adalat fornecidas, nem a aplicação de uma política de ameaças e de sanções em relação aos grossistas que as exportaram, nem, deste modo, que a Bayer França e a Bayer Espanha tenham imposto uma proibição de exportar aos seus grossistas, nem, por último, que os fornecimentos foram subordinados ao respeito da pretensa proibição de exportar»  (20) ;

         que «não resulta de nenhum elemento dos autos que a Bayer França ou a Bayer Espanha tenham exigido qualquer comportamento da parte dos grossistas quanto ao destino final das caixas de Adalat fornecidas ou o respeito por uma certa maneira de fazer as encomendas, tendo a sua política consistido apenas em limitar unilateralmente os fornecimentos fixando antecipadamente as quantidades a fornecer com base nas necessidades tradicionais»  (21) ;

         que «a Comissão não demonstrou que a recorrente tenha feito uma tentativa para obter o acordo ou a aquiescência dos grossistas para a aplicação da sua prática». E, por outro lado, «nem sequer defendeu que a Bayer tentou que os grossistas mudassem de método de formulação das encomendas»  (22) .

17.      Com base nestas considerações, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que as afirmações da Comissão segundo as quais «os grossistas se alinharam pela pretensa proibição de exportar não são apoiadas por factos, porque se baseiam em circunstâncias factuais que não foram estabelecidas»  (23) .

18.      Dito isto, o Tribunal de Primeira Instância analisou posteriormente a questão de saber «se, perante os comportamentos efectivos dos grossistas na sequência da adopção pela recorrente da sua nova política de restrição dos fornecimentos, a Comissão podia concluir haver da sua parte uma aquiescência a esta política»  (24) . A esse respeito, depois de ter analisado os documentos referidos na decisão, o Tribunal de Primeira Instância afirmou:

«151
Resulta da análise da atitude e do comportamento efectivo dos grossistas que é sem fundamento que a Comissão pretende que os mesmos se alinharam pela política da recorrente destinada a reduzir as importações paralelas.

152
O argumento assente no facto de que os grossistas em causa tinham reduzido as suas encomendas para um nível determinado, a fim de dar à Bayer a impressão de que satisfaziam a sua vontade declarada de só cobrir as necessidades do seu mercado tradicional e que agiam desta forma para escaparem às suas sanções deve ser rejeitado, porque a Comissão não provou que a recorrente tenha exigido ou negociado a adopção de qualquer comportamento da parte dos grossistas quanto ao desvio para a exportação das caixas de Adalat fornecidas, e que tenha aplicado sanções aos grossistas exportadores ou ameaçado fazê‑lo.

153
Pelas mesmas razões, a Comissão não pode afirmar que a redução das encomendas só podia ser entendida pela Bayer como um sinal de que os grossistas tinham aceite as suas exigências, nem sustentar que foi porque satisfizeram as exigências da recorrente que tiveram de obter quantidades suplementares destinadas à exportação junto dos grossistas que não eram ‘suspeitos’ aos olhos daquela e cujas encomendas mais importantes seriam cumpridas sem dificuldade.

154
Além disso, resulta claramente dos considerandos da decisão examinados supra que os grossistas continuaram a tentar obter caixas de Adalat para a exportação e persistiram nesta linha de actuação, mesmo se, para o efeito, consideraram mais útil utilizar diferentes sistemas para serem fornecidos, ou seja, por um lado, o sistema de repartição das encomendas destinadas à exportação pelas diferentes agências e, por outro, o que consiste em fazer indirectamente as encomendas passando pelos pequenos grossistas. Nestas circunstâncias, o facto de os grossistas terem mudado de política quanto às encomendas e instaurado diversos sistemas de discriminação ou de diversificação das encomendas, fazendo‑as de modo indirecto, não pode ser interpretado como uma prova da sua vontade de satisfazer a Bayer nem como uma resposta a um eventual pedido ou petição desta. Pelo contrário, tal facto podia ser considerado demonstrativo da firme intenção por parte dos grossistas de continuarem a praticar exportações paralelas de Adalat.

155
Na ausência de prova de qualquer exigência da recorrente quanto ao comportamento dos grossistas em relação às exportações das caixas de Adalat fornecidas, o facto de os mesmos terem adoptado medidas para obter quantidades suplementares só pode ser interpretado como um desmentido da sua pretensa aquiescência. Por estas mesmas razões, deve ser rejeitado o argumento da Comissão segundo o qual, nas presentes circunstâncias, é normal que certos grossistas tenham tentado obter por outras vias fornecimentos suplementares dado que se deviam comprometer perante a Bayer a não exportar e, por conseguinte, a encomendar quantidades reduzidas, não susceptíveis de ser exportadas.

156
Por fim, verifica‑se que a Comissão não provou que os grossistas tenham querido prosseguir os objectivos da Bayer, nem querido fazer‑lho crer. Os documentos supra examinados demonstram pelo contrário que os grossistas adoptaram um comportamento para contornar a nova política da Bayer de restrição dos fornecimentos ao nível das encomendas tradicionais.

157
Assim, foi erradamente que a Comissão considerou que o comportamento efectivo dos grossistas prova suficientemente a sua aquiescência à política da recorrente de impedir as importações paralelas.»

19.      Respondendo aos argumentos da Comissão relativos à jurisprudência comunitária (n.os 160 a 170), o Tribunal de Primeira Instância analisou, em seguida, os acórdãos invocados pela instituição demandada, a fim de demonstrar que esta não podia «invocar utilmente os precedentes jurisprudenciais invocados para pôr em causa a análise que preced[ia], que leva[ra] o Tribunal a concluir que, no caso vertente, a aquiescência dos grossistas à nova política da Bayer não foi estabelecida, e que, por conseguinte, a Comissão não provou a existência de um acordo»  (25) .

20.      Enfim, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou a tese subjacente ao raciocínio da Comissão, segundo a qual «a mera constatação do facto de que os grossistas não interromperam as suas relações comerciais com a Bayer depois da introdução da nova política desta última destinada a restringir as exportações permit[ira]‑lhe considerar estabelecida a existência de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado»  (26) .

21.      A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância salientou em especial que «a prova de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado deve assentar na verificação directa ou indirecta do elemento subjectivo que caracteriza o próprio conceito de acordo, ou seja, uma concordância de vontades entre operadores económicos sobre a introdução de uma política, a prossecução de um objectivo ou a adopção de um comportamento determinado no mercado, abstraindo da maneira como é expressa a vontade das partes se comportarem no mercado em conformidade com os termos do referido acordo». Em sua opinião, esse conceito de «concordância de vontades» era ignorado pela Comissão ao considerar que «a prossecução das relações comerciais com o fabricante quando este adopta uma nova política, que põe em prática unilateralmente, equivale a uma aquiescência dos grossistas à mesma, quando o seu comportamento de facto é claramente contrário à referida política»  (27) .

22.      Relativamente à tese da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância entendeu precisar, além disso, que a finalidade do artigo 85.°, n.° 1, «não é ‘eliminar’ de um modo geral os obstáculos ao comércio intracomunitário; é mais limitado porque só os obstáculos à concorrência introduzidos por uma vontade conjunta entre pelo menos duas partes são proibidos por essa disposição»  (28) . Com base nisto, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, portanto, que «desde que o faça sem abusar de uma posição dominante, na ausência de qualquer concordância de vontades com os seus grossistas, um fabricante pode adoptar a política de fornecimentos que considere necessária, mesmo se, pela própria natureza do seu objectivo, como o de entravar as importações paralelas, a introdução desta política puder comportar restrições de concorrência e afectar o comércio entre Estados‑Membros»  (29) .

23.     À luz do conjunto das considerações acima referidas, o Tribunal de Primeira Instância anulou, portanto, a decisão, sem analisar os fundamentos de recurso suscitados, a título subsidiário, pela Bayer, relativos: a uma aplicação errónea do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado; à legitimidade dos comportamentos controversos na acepção do artigo 47.° do Acto de adesão de Espanha às Comunidades Europeias; e uma aplicação errónea, na condenação da Bayer no pagamento de uma coima, do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962  (30) .

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

24.      Por petições que deram entrada em 5 de Janeiro de 2001, a BAI (processo C‑2/01 P) e a Comissão (processo C‑3/01 P) pediram ao Tribunal de Justiça que anulasse o acórdão do Tribunal de Primeira Instância e negasse directamente provimento ao recurso interposto em primeira instância ou, a título subsidiário, remetesse o processo para o Tribunal de Primeira Instância. Por despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 28 de Março de 2001, os dois processos foram apensos para os efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

25.      Por requerimentos de 9 e 23 de Abril de 2001, a European Association of European Pharmaceutical Companies (uma associação europeia que representa os interesses das empresas ligadas ao comércio dos produtos farmacêuticos; a seguir a «EAEPC») e o Reino da Suécia pediram para intervir em apoio das recorrentes  (31) . As intervenções foram admitidas por despachos do Presidente do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2001 (Reino da Suécia) e de 26 de Setembro de 2001 (EAEPC).

26.      No decurso do processo no Tribunal de Justiça, quer a Bayer quer a EFPIA apresentaram uma resposta ao abrigo do artigo 115.° do Regulamento de Processo, pedindo ambas a negação de provimento aos recursos.

II – Análise jurídica

Introdução

27.      Em apoio do recurso, a BAI apresenta três fundamentos. Em especial, invoca: uma incompleta tomada em consideração dos factos em que se baseia a decisão; uma violação das regras sobre o ónus da prova; e um erro de direito relativo aos critérios jurídicos de determinação da existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

28.      Por seu lado, a Comissão formula antes de mais uma crítica de carácter geral à abordagem restritiva do Tribunal de Primeira Instância no acórdão impugnado, sublinhando as graves consequências que daí podem advir para a sua acção repressiva das restrições da concorrência decorrentes da compartimentação dos mercados nacionais. Posto isto, a Comissão invoca cinco fundamentos de recurso, que visam, em substância, contestar uma interpretação demasiado restritiva do conceito de acordo na acepção do artigo 85.° do Tratado, um erro de direito na aplicação da referida disposição e uma desnaturação dos elementos de prova.

29.      Por razões de coerência sistemática e de clareza na exposição, creio que há que analisar antes de mais os fundamentos que se referem ao apuramento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, de modo a poder abordar as questões de direito depois de ter afastado todas as dúvidas quantos aos elementos de facto relevantes.

Os fundamentos relativos ao apuramento da matéria de facto

30.      Quer a BAI quer a Comissão criticam o apuramento da matéria de facto efectuado no acórdão impugnado, denunciando respectivamente: i) uma incompleta tomada em consideração dos factos no que respeita aos controlos alegadamente efectuados pela Bayer quanto ao destino final dos produtos fornecidos; ii) uma desnaturação ou não tomada em consideração dos elementos de prova relativos à vontade dos grossistas em fazer crer à Bayer que passariam a efectuar encomendas em função apenas das necessidades do respectivo mercado nacional.

31.      A admissibilidade destes fundamentos é, todavia, contestada pela Bayer e pela EFPIA, sustentando estas que as recorrentes não podem pôr em causa no Tribunal de Justiça a matéria de facto apurada em primeira instância pelo Tribunal de Primeira Instância.

32.      A esse respeito, há que recordar desde logo que, na acepção do artigo 225.° CE e do artigo 51.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, o recurso para o Tribunal de Justiça «é limitado às questões de direito». Daí decorre, segundo uma jurisprudência constante, que só o Tribunal de Primeira Instância «tem competência, por um lado, para apurar a matéria de facto, excepto em casos nos quais a inexactidão material das suas conclusões resulte dos documentos dos autos que lhe foram apresentados, e, por outro, para a apreciação dessa matéria de facto. Quando o Tribunal de Primeira Instância tenha conhecido ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer, por força do artigo 168.°‑A do Tratado [actual artigo 225.° CE], a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância [...]. O Tribunal de Justiça não tem, portanto, competência para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento de tais factos. Com efeito, tendo as provas sido obtidas regularmente, tendo as normas e princípios gerais de direito em matéria de prova sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos [...]. Assim, esta apreciação não constitui, excepto em caso de desnaturação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, ao controlo do Tribunal de Justiça»  (32) .

33.      Portanto, é só dentro dos estreitos limites indicados por esta jurisprudência assente que os dois fundamentos de recurso relativos ao apuramento dos factos efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância podem ser analisados pelo Tribunal de Justiça.

i) A incompleta tomada em consideração dos factos no que respeita aos controlos alegadamente efectuados pela Bayer sobre o destino final dos produtos fornecidos

34.      Com o seu primeiro fundamento, a BAI contesta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a Comissão não demonstrou «que a Bayer pôs em prática um controlo sistemático do destino final efectivo das caixas de Adalat fornecidas depois da adopção da sua nova política de fornecimento»  (33) . Essa apreciação dever‑se‑ia, com efeito, a uma incompleta tomada em consideração dos factos, visto que de dois documentos citados na decisão se deduz que em alguns casos a Bayer conseguiu chegar aos grossistas espanhóis através dos números de série dos lotes encontrados em Inglaterra  (34) . À luz desses documentos, segundo a BAI, deve portanto considerar‑se que a Bayer efectuou (embora talvez apenas em amostras) controlos sobre o destino final das embalagens de Adalat fornecidas.

35.      Quer a Bayer quer a EFPIA consideram inadmissível este fundamento de recurso, na medida em que se destina a contestar a apreciação de facto efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância. A Bayer precisa, além disso, que, mesmo que os números de série permitissem chegar aos grossistas exportadores, isto não significava que no caso vertente os controlos tenham efectivamente sido feitos. Em qualquer caso, a Bayer nega que os números de série permitam determinar certos operadores individuais, porque normalmente um dado número figura nas embalagens fornecidas a diversos grossistas.

36.      A excepção de inadmissibilidade parece‑me fundada. Vendo bem, com efeito, a BAI não sustenta que dos documentos dos autos que foram apresentados ao Tribunal de Primeira Instância resulta a inexactidão material de uma verificação por este efectuada, nem denuncia a desnaturação de elementos de facto ou de elementos de prova. Pelo contrário, a BAI contesta a apreciação do Tribunal de Primeira Instância quanto ao valor probatório de alguns documentos invocados pela Comissão, e em especial a possibilidade de desses documentos deduzir um controlo sistemático da Bayer quanto ao destino final dos produtos Adalat fornecidos aos grossistas. Tendo em consideração, portanto, que a recorrente contesta uma apreciação de facto efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância (que teve manifestamente em conta o conteúdo dos documentos invocados  (35) ), entendo que o presente fundamento de recurso deve ser declarado inadmissível.

ii) A desnaturação ou a não tomada em consideração dos elementos de prova relativos à vontade dos grossistas de fazer crer à Bayer que passariam a efectuar encomendas em função apenas das necessidades do respectivo mercado nacional

37.      Com o seu terceiro fundamento de recurso, a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter desnaturado ou de não ter tomado em consideração determinados meios de prova. Com efeito, ao contrário do que resulta manifestamente dos documentos dos autos, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que não estava demonstrada a vontade dos grossistas de dar a impressão à Bayer de que passariam a efectuar encomendas em função apenas das necessidades do respectivo mercado nacional  (36) .

38.      Referindo‑se à estratégia dos grossistas destinada a repartir «pelas diferentes agências [as] encomendas destinadas à exportação»  (37) , a Comissão observa: por um lado, que o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta que, na sequência da recusa da Bayer França em satisfazer as encomendas expressamente destinadas à exportação, as agências locais foram instadas a agir com discrição  (38) ; por outro lado, que o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta que a repartição das encomendas entre as agências locais não podia ter senão o objectivo de enganar a Bayer quanto à intenção de exportar. Relativamente a este aspecto, a Comissão sublinha, em especial, que de diversos documentos invocados na decisão resultava, além da vontade dos grossistas de enganar a Bayer  (39) , também a exigência de o terem de fazer  (40) , porque entendiam que não voltariam a receber fornecimentos ou que apenas os receberiam com dificuldades se deixassem transparecer a sua intenção de exportar.

39.      A esse respeito, a Bayer e a EFPIA replicam antes de mais que não se pode acusar o Tribunal de Primeira Instância de não ter tido em consideração alguns elementos de prova, dado que no acórdão impugnado o Tribunal de Primeira Instância analisou de modo extremamente pormenorizado todos os documentos citados pela Comissão. Relativamente à alegada desnaturação das provas, a Bayer e a EFPIA observam, além disso: por um lado, que em diversas passagens do acórdão impugnado o Tribunal de Primeira Instância indicou claramente que alguns grossistas tinham simulado necessidades para o mercado nacional superiores às reais  (41) , sem, portanto, desnaturar os elementos de prova invocados pela Comissão; por outro, que a Comissão nem sequer provou a influência da alegada «desnaturação» para a solução do litígio, limitando‑se a voltar a pôr em discussão o apuramento dos factos efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância.

40.      Por minha parte, concordo antes de mais com a Bayer e a EFPIA quando afirmam que o Tribunal de Primeira Instância não deixou de ter em consideração os documentos citados pela Comissão, aos quais, pelo contrário, se faz claramente referência nas passagens do acórdão em que se analisa «se, perante os comportamentos efectivos dos grossistas na sequência da adopção pela recorrente da sua nova política de restrição dos fornecimentos, a Comissão podia concluir haver da sua parte uma aquiescência a esta política»  (42) .

41.      Em seguida, quanto à alegada desnaturação dos documentos em questão, devo objectar que o Tribunal de Primeira Instância não negou que alguns grossistas tentaram reagir à nova política da Bayer, destinada a fornecer apenas as embalagens de Adalat necessárias para satisfazer as necessidades nacionais. Designadamente, o Tribunal de Primeira Instância não negou que para reagir a essa política alguns grossistas preferiram efectuar encomendas que, embora lhes permitam acumular um certo número de embalagens de Adalat para exportar, tinham mais possibilidades de ser executadas, por a Bayer as considerar de acordo com as respectivas necessidades nacionais. Por outras palavras, o Tribunal de Primeira Instância não negou que para contornar a política da Bayer alguns grossistas quiseram fazer crer a essa empresa que as suas encomendas estavam em consonância com o respectivo mercado nacional. O Tribunal de Primeira Instância também não negou que, para esse efeito, alguns grossistas tiveram a colaboração de outros operadores que podiam mais facilmente efectuar encomendas que a Bayer podia considerar que correspondiam às suas necessidades nacionais.

42.      Pelo contrário, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu expressamente que os sistemas de fornecimento utilizados por alguns grossistas se destinavam a «contornar a política de restrição dos fornecimentos instaurada pela Bayer»  (43) . A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou, designadamente, que «os grossistas continuaram a tentar obter caixas de Adalat para a exportação e persistiram nesta linha de actuação, mesmo se, para o efeito, consideraram mais útil utilizar diferentes sistemas para serem fornecidos, ou seja, por um lado, o sistema de repartição das encomendas destinadas à exportação pelas diferentes agências e, por outro, o que consiste em fazer indirectamente as encomendas passando pelos pequenos grossistas»  (44) .

43.      Assim sendo, não creio que se possa censurar o Tribunal de Primeira Instância de ter desnaturado o conteúdo dos documentos citados pela Comissão, dos quais decorre simplesmente a preocupação de alguns grossistas de encomendar volumes de Adalat que a Bayer podia considerar em consonância com as suas necessidades nacionais. Daí resulta, em minha opinião, que o presente fundamento de recurso deve ser declarado infundado.

44.      Dito isto, acrescento que este fundamento deve ser também declarado parcialmente inadmissível, porque, além de denunciar a alegada desnaturação dos documentos em questão, visa igualmente contestar a apreciação do Tribunal de Primeira Instância sobre o seu valor probatório, tornando deste modo a pôr em causa a apreciação dos factos operada no acórdão impugnado. Por outras palavras, o presente fundamento deve ser declarado parcialmente inadmissível, na medida em que a Comissão contesta igualmente a apreciação do Tribunal de Primeira Instância sobre o facto de os documentos em questão não serem adequados para provar que os grossistas tinham aceite (ou queriam dar a impressão de ter aceite) uma alegada proibição de exportação imposta pela Bayer, comprometendo‑se a encomendar apenas as embalagens estritamente necessárias para satisfazer as suas necessidades nacionais.

Os fundamentos relativos a questões de direito: considerações gerais

45.      Uma vez concluída (negativamente) a análise dos fundamentos de recurso relativos ao apuramento dos factos, podem agora analisar‑se as críticas relativas aos alegados erros de direito cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância, que – há que repeti‑lo – não podem tornar a pôr em causa as apreciações de facto do acórdão impugnado.

46.      Há que observar, desde logo, que grande parte dessas críticas suscitam – mais ou menos directa e claramente – um importante e delicado problema de interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e, em especial, do conceito de «acordo» aí utilizado. Trata‑se, em substância, de apurar se o Tribunal de Primeira Instância acolheu uma interpretação excessivamente restritiva da disposição em análise, excluindo que possa considerar‑se concluído um «acordo» que contenha uma proibição de exportar numa situação do tipo da em análise.

47.      Em especial, põe‑se o problema de determinar se um «acordo» que implica uma proibição de exportar pode considerar‑se concluído, quando:

a)       a fim de impedir ou limitar as importações paralelas, um produtor ponha em prática um sistema especial de contingenciamento das vendas, com base no qual fornece aos grossistas de alguns países apenas as embalagens que considera necessárias para satisfazer o seu mercado nacional tradicional, sem todavia: exigir de algum modo desses grossistas que não exportem; pretender dos grossistas qualquer comportamento quanto ao destino final das embalagens fornecidas; exigir a observância de uma determinada regra para efectuar as encomendas; efectuar controlos sistemáticos relativamente ao destino final efectivo das embalagens fornecidas; aplicar ou ameaçar aplicar sanções aos grossistas exportadores; subordinar o fornecimento das embalagens à observância de uma proibição de exportar; ou tentar obter qualquer acordo com os grossistas no que respeita à execução da sua política destinada a reduzir as importações paralelas;

b)       entre os grossistas e o produtor em questão existam relações comerciais continuadas de longa data, que não sejam todavia reguladas por um contrato de distribuição, mas se concretizem numa série de contratos de compra e venda relativos aos quantitativos de embalagens normalmente encomendadas;

c)       na sequência da introdução do sistema descrito de contingenciamento das vendas, e mesmo conhecendo as suas finalidades, os grossistas continuem a abastecer‑se junto do produtor em causa, negociando normalmente com ele as quantidades de embalagens a adquirir;

d)       a fim de continuar a exportar, os grossistas tentem contornar o sistema de contingenciamento posto em prática pelo produtor, esforçando‑se por obter a maior quantidade possível de embalagens.

48.      Embora esteja evidentemente ligada às circunstâncias de facto (cuja reconstituição compete ao Tribunal de Primeira Instância) que caracterizam o caso vertente, a referida questão da interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado reveste uma importância de princípio considerável para a aplicação da referida disposição às relações entre produtores e distribuidores. Em especial, na opinião da Comissão, e afastando‑se da jurisprudência anterior, o acórdão impugnado arrisca‑se a redefinir de modo excessivamente restritivo os critérios de prova da existência de acordos relativos a proibições de exportação; isto a ponto de tornar a pôr em causa a política da própria Comissão destinada a contrariar as restrições da concorrência decorrentes da criação de obstáculos às importações paralelas. A fim de sublinhar a importância prática da questão, a Comissão recorda, de resto, que diversos produtores (não apenas no sector farmacêutico) estariam já a imitar o sistema de contingenciamento de vendas posto em prática pela Bayer, a fim de poder compartimentar impunemente os mercados nacionais.

49.      Antes de analisar de modo específico as diversas críticas formuladas a esse respeito pelas recorrentes, parece‑me, por isso, oportuna uma análise abrangente da questão de fundo acima referida a fim de apreciar em termos gerais a interpretação do Tribunal de Primeira Instância à luz da jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça. Debruçar‑me‑ei, portanto, em seguida, sobre a questão de saber se, como sustentam as recorrentes, a interpretação do artigo 85.°, n.° 1, feita pelo Tribunal de Primeira Instância contraria a interpretação acolhida pelo Tribunal de Justiça: i) no acórdão Sandoz, relativo a uma proibição de exportação imposta pelo produtor no âmbito de relações comerciais continuadas com os grossistas  (45) ; ii) nos acórdãos AEG  (46) , Ford  (47) e Bayerische Motorenwerke  (48) , que têm por objecto medidas especiais adoptadas pelos produtores no âmbito de relações de distribuição selectiva  (49) .

i) O acórdão Sandoz

50.      A BAI e a Comissão, apoiadas quanto a este ponto pela EAEPC, entendem, em primeiro lugar, que a interpretação do artigo 85.°, n.° 1, acolhida pelo Tribunal de Primeira Instância é contrária à jurisprudência Sandoz, com base na qual um «acordo» na acepção da referida disposição existe pelo simples facto de uma proibição de exportar ser imposta por um produtor no âmbito de relações comerciais continuadas com os grossistas, independentemente do comportamento efectivo destes e mesmo na falta de controlos e sanções por parte do produtor.

51.      Nesse caso, sublinham as recorrentes, o Tribunal de Justiça esclareceu que o envio sistemático aos clientes de facturas com a menção «exportação proibida» não constituía um «comportamento unilateral» da Sandoz PF  (50) , porque se inseria «no quadro geral das relações comerciais que a empresa tinha com os seus clientes» (51) . Em especial, o acórdão sublinhava que as «encomendas reiteradas de produtos e os pagamentos que se seguiam sem que o cliente contestasse os preços indicados nas facturas com a menção ‘exportação proibida’ constituíam, da parte deste, uma aquiescência tácita às cláusulas constantes da factura e ao tipo de relações comerciais subjacentes às relações de negócios entre a Sandoz PF e a sua clientela. O acordo inicialmente dado pela Sandoz fundava‑se assim na aceitação tácita por parte dos clientes da linha de conduta adoptada pela empresa a seu respeito»  (52) . Com base nisto, o Tribunal de Justiça declarou, portanto, que «

a Comissão podia legitimamente considerar que o conjunto de relações comerciais continuadas, de que a cláusula ‘exportação proibida’ fazia parte integrante, estabelecidas entre a Sandoz PF e os seus clientes, se regiam por um acordo geral prévio aplicável às inúmeras encomendas individuais de produtos Sandoz» 53  –N.° 12..

52.      Posto isto, as recorrentes concluem que, à luz da jurisprudência Sandoz, o Tribunal de Primeira Instância não podia excluir que, no caso em apreço, existia um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, dado que a política da Bayer destinada a impedir ou restringir as importações paralelas era conhecida dos grossistas e inseria‑se no âmbito das relações comerciais continuadas que mantinhas com estes.

53.      A Bayer e a EFPIA têm uma opinião diferente. A seu ver, com efeito, a interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tribunal de Primeira Instância não contraria a interpretação acolhida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Sandoz, porque os factos na origem dos dois litígios são nitidamente diferentes, dado que no caso Sandoz existia um acordo escrito sobre uma proibição de exportar.

54.      Mas no que se refere às diferenças entre o caso Sandoz e o vertente, essas partes invocam também as apreciações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 163 do acórdão impugnado, em que se lê:

«Embora os dois processos sejam semelhantes na medida em que visam atitudes de grupos farmacêuticos destinadas a impedir as importações paralelas de medicamentos, as circunstâncias concretas que os caracterizam são muito diferentes. Em primeiro lugar, contrariamente ao presente caso, no processo Sandoz, o fabricante tinha introduzido expressamente em todas as suas facturas uma cláusula restritiva da concorrência, que, figurando reiteradamente nos documentos relativos a todas as transacções, constituía, assim, parte integrante das relações contratuais entre ele e os seus grossistas. Em segundo lugar, o comportamento efectivo destes em relação à cláusula, que a tinham de facto respeitado e sem a discutir, demonstrava a sua aquiescência tácita à referida cláusula e ao tipo de relações comerciais subjacentes. Em contrapartida, no caso vertente, não se verifica nenhuma das duas circunstâncias principais do processo Sandoz; não há nem cláusula formal de proibição de exportar nem comportamento de não contestação ou de aquiescência, nem na forma, nem na realidade.»

55.      No que me diz respeito, creio também que a solução diferente adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Sandoz e pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão impugnado se justifica pela diferente situação de facto, embora não exactamente pelas razões indicadas pela Bayer e pela EFPIA.

56.      Ao contrário da Bayer e da EFPIA, não creio, com efeito, que no caso Sandoz tenha sido concluído um acordo escrito sobre uma proibição de exportar, como de resto se deduz claramente do facto de a aquiescência dos grossistas ser meramente «tácita». Também não me parece relevante, por outro lado, que a vontade da Sandoz relativamente à proibição de exportar tenha sido manifestada por escrito, dado que, como se sabe, para efeitos da aplicação do artigo 85.°, n.° 1, não tem qualquer importância a forma como é expressa a vontade das partes  (54) .

57.      Uma diferença substancial entre o caso Sandoz e o caso vertente deve retirar‑se, a meu ver, do facto de que, ao inserir nas facturas a menção «exportação proibida», a Sandoz exprimiu a sua vontade relativamente ao comportamento que os grossistas deviam ter quanto ao destino final das embalagens fornecidas. Por outras palavras, com essa legenda, a Sandoz pediu claramente (ou impôs) aos grossistas para não exportarem as embalagens fornecidas, e portanto, através desse comportamento, para cooperarem com ela no sentido de atingir o objectivo de eliminar ou reduzir as importações paralelas.

58.      No caso em análise, pelo contrário, resulta do acórdão de primeira instância, por um lado, que «não [resultava] de nenhum elemento dos autos que a Bayer França ou a Bayer Espanha [tivessem] exigido qualquer comportamento da parte dos grossistas quanto ao destino final das caixas de Adalat fornecidas ou o respeito por uma certa maneira de fazer as encomendas, tendo a sua política consistido apenas em limitar unilateralmente os fornecimentos fixando antecipadamente as quantidades a fornecer com base nas necessidades tradicionais»; e, por outro lado, que «a Comissão não demonstrou que a recorrente [tivesse] feito uma tentativa para obter o acordo ou a aquiescência dos grossistas para a aplicação da sua prática»  (55) .

59.      Existe, portanto, uma diferença evidente entre os dois casos, que consiste principalmente no facto de que, enquanto a Sandoz procurou a cooperação dos grossistas a fim de eliminar ou reduzir as importações paralelas (evidentemente porque a sua cooperação era indispensável para atingir o objectivo prosseguido), a Bayer não exigiu ou pretendeu nenhum comportamento por parte dos grossistas relativamente ao destino final das embalagens fornecidas, mas elaborou uma estratégia que lhe permitia obter autonomamente o resultado de eliminar ou reduzir as importações paralelas sem necessidade da colaboração dos grossistas.

60.      Esse aspecto parece‑me determinante para efeitos do presente caso. Entendo, com efeito, que apenas perante o pedido (ou a imposição) da Sandoz de não exportar é que o Tribunal de Justiça pôde reconhecer uma forma de «aquiescência tácita» no facto de os grossistas continuarem a abastecer‑se regularmente e sem contestações junto desse produtor, dado que uma proposta ou uma pretensão – manifestada seja de que maneira for, mesmo implicitamente – é, em minha opinião, sempre necessária para que um acordo possa considerar‑se concluído por aquiescência tácita.

61.      Se já o acórdão Sandoz interpretou de modo muito amplo o conceito de acordo, não creio que se possa ir ainda mais além, até ao ponto de considerar concluído um acordo relativo a uma proibição de exportar pelo simples facto de os grossistas continuarem a abastecer‑se junto de um produtor que procura retirar‑lhes a possibilidade de exportar sem todavia lhes pedir seja o que for. Deste modo, chegar‑se‑ia efectivamente ao absurdo de entender que tal acordo pode ser concluído também através da aceitação tácita de uma proposta que nunca foi (nem sequer implicitamente) formulada!

62.     À luz das considerações precedentes, entendo, portanto, que a interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado feita pelo Tribunal de Primeira Instância não contraria a interpretação acolhida pelo Tribunal de Justiça na jurisprudência Sandoz.

ii) Os acórdãos AEG, Ford e Bayerische Motorenwerke

63.      Segundo a BAI e a Comissão, apoiadas quanto a este ponto pelo Reino da Suécia e pela EAEPC, o acórdão impugnado contraria, além da jurisprudência Sandoz, várias outras decisões do Tribunal de Justiça, que consideram «acordos», na acepção do artigo 85.°, n.° 1, medidas aparentemente unilaterais adoptadas pelos produtores no âmbito de sistemas especiais de distribuição selectiva. Estas partes no processo referem‑se, em especial:

         ao acórdão AEG, em que o Tribunal de Justiça considerou que o comportamento de um produtor que, «para defender um nível de preços elevado ou para excluir algumas formas modernas de distribuição, recusa a admissão a revendedores que possuem os requisitos qualitativos próprios do sistema» de distribuição selectiva  (56) constituía um acordo;

         ao acórdão Ford, em que se considerou que a decisão de uma empresa automobilística de não fornecer veículos com volante à direita aos concessionários alemães, a fim de lhes retirar a possibilidade de exportar para o mercado britânico, constituía um acordo;

         ao acórdão Bayerische Motorenwerke, em que se considerou que o convite dirigido por um construtor automóvel aos seus distribuidores para não fornecerem «sociedades de leasing independentes, quando os veículos são colocados à disposição de locadores (em leasing) que têm a sua sede no [seu] território contratual»  (57) , constituía um acordo.

64.      Mesmo nestes casos, sublinham a BAI e a Comissão, o Tribunal de Justiça entendeu que existem acordos na acepção do artigo 85.°, n.° 1, pelo simples facto de as medidas dos produtores integrarem «as relações contratuais existentes entre a empresa e os revendedores»  (58) ou se inserirem «num conjunto de relações comerciais contínuas reguladas por um acordo geral preestabelecido»  (59) , sem atribuir, para esse efeito, qualquer relevância ao comportamento dos revendedores e à adopção de sistemas de controlos e sanções por parte dos produtores.

65.     À luz dessa jurisprudência, o Tribunal de Primeira Instância teve de reconhecer que no caso vertente tinha sido concluído um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, verificando‑se que a política da Bayer destinada a impedir ou restringir as importações paralelas se inseria no âmbito das relações comerciais continuadas que mantinha com os grossistas. A esse respeito, as recorrentes observam, de resto, que as estreitas relações que ligavam a Bayer aos seus grossistas podiam assimilar‑se às de um sistema de distribuição selectiva, porque: por um lado, essa empresa podia recorrer apenas aos grossistas que tivessem cumprido as obrigações legais relativas à venda dos medicamentos; por outro, os grossistas deviam abastecer‑se junto da Bayer para cumprir as disposições nacionais que lhes impunham a detenção permanente de um stock de medicamentos adequado.

66.      A Bayer e a EFPIA entendem, pelo contrário, que os acórdãos invocados pelas recorrentes não são relevantes, porque se referem a medidas adoptadas pelos produtores no âmbito de sistemas de distribuição selectiva. Com efeito, enquanto que nesses casos as relações entre produtores e grossistas se regiam por um contrato específico de distribuição selectiva, no qual se inseriam as medidas aparentemente unilaterais dos produtores, no caso vertente não existia nenhum contrato de distribuição entre a Bayer e os grossistas, cujas relações se concretizavam apenas na conclusão de contratos de compra e venda relativos aos quantitativos do produto normalmente encomendados. A Bayer e a EFPIA observam, em seguida, que as obrigações legais a que estão sujeitos os grossistas nada têm a ver com um contrato de distribuição selectiva concluído entre produtor e grossistas.

67.      Também me parece que os acórdãos AEG, Ford e Bayerische Motorenwerke não podem confirmar a tese das recorrentes, porque têm, a meu ver, um alcance diferente do que a BAI e a Comissão lhes atribuem.

68.      Não creio, com efeito, que nesses acórdãos o Tribunal de Justiça tenha estabelecido que as medidas adoptadas pelo produtor constituíam, em si mesmas, acordos na acepção do artigo 85.°, n.° 1, apenas porque se inscreviam no âmbito das relações comerciais continuadas com os revendedores. Vendo bem, com efeito, o Tribunal de Justiça não apreciou se as medidas adoptadas pelos produtores constituem, por si só, acordos, antes tendo examinado se essas medidas eram autónomas e distintas relativamente aos acordos que instituíam e regulavam os sistemas de distribuição selectiva, e, portanto, «unilaterais», ou se, pelo contrário, estavam abrangidas por esses acordos, dos quais passavam, em substância, a fazer parte integrante. Por outras palavras, a análise do Tribunal de Justiça não se destinava a apurar se a adopção das medidas em questão equivalia à conclusão de acordos na acepção do artigo 85.°, n.° 1, mas simplesmente a estabelecer se essas medidas deviam ser tidas em conta para apreciar a compatibilidade com as regras da concorrência dos contratos de distribuição selectiva tal como eram, em concreto, aplicados pelas partes. Com efeito, dado que, segundo a jurisprudência comunitária, as restrições da concorrência inerentes aos sistemas de distribuição selectiva podem justificar‑se apenas em determinadas condições, tratava‑se nesses casos de verificar se os acordos relativos aos referidos sistemas, tal como eram aplicados pelas partes, respeitavam as condições indicadas pela jurisprudência  (60) .

69.      O que dissemos resulta com especial evidência dos processos AEG e Ford, nos quais se tratava precisamente de estabelecer se a Comissão podia basear‑se no comportamento do produtor na aplicação de um acordo de distribuição selectiva para declarar que esse acordo, como efectivamente aplicado, era contrário ao artigo 85.°, n.° 1, (acórdão AEG) ou não podia beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado (acórdão Ford)  (61) . O Tribunal de Justiça indicou expressamente que estes eram os termos da questão no acórdão Ford, precisando que «as recorrentes e a Comissão [concordavam] em entender que o principal problema suscitado no [...] processo [era] se a Comissão podia negar ao contrato de concessão da Ford AG [ou seja ao contrato de distribuição selectiva] a isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado porque essa empresa tinha deixado de fornecer modelos VD [com volante à direita] aos seus distribuidores alemães»  (62) .

70.     É com referência a essa questão, portanto, que nos acórdãos AEG e Ford o Tribunal de Justiça precisou que o comportamento ou a decisão do produtor «não [constituía] um acto unilateral da empresa», ou seja, um acto autónomo e distinto em relação aos contratos de distribuição selectiva, mas se inseria, ao invés, nas «relações contratuais existentes entre a empresa e os revendedores»  (63) . Para esse fim, o Tribunal de Justiça salientou, em especial, que a adopção das medidas em questão estava de certo modo prevista pelos acordos que instituíam e regulavam os sistemas de distribuição selectiva, com a consequência de que, ao aderir a esses acordos, os revendedores tinham, em substância, aceite submeter‑se às medidas que seriam adoptadas pelos produtores.

71.      No acórdão AEG, o Tribunal de Justiça indicou, com efeito, que «em caso de admissão de um revendedor no sistema, a autorização [baseava‑se] na aceitação, expressa ou tácita, pelos contratantes, da política seguida pela AEG ao exigir, entre outros, a exclusão da rede distributiva dos revendedores que, embora possuindo os requisitos para serem aceites nessa rede, não [estivessem] dispostos a aderir a essa política». Segundo o Tribunal de Justiça, devia‑se «portanto entender que mesmo a recusa da admissão [era] um acto abrangido pelas relações contratuais com os revendedores autorizados, porque visava assegurar o respeito dos acordos restritivos da concorrência que [estavam] na base dos contratos entre os produtores e os revendedores autorizados»  (64) .

72.      Na mesma óptica, no acórdão Ford, o Tribunal de Justiça observou que «os acordos que [constituíam] um sistema de distribuição selectiva e que [visavam], como no caso vertente, conservar uma rede especializada susceptível de fornecer prestações específicas para produtos de alta tecnicidade, [eram] normalmente celebrados com o fim de regular a distribuição destes produtos por um certo número de anos. Dado que o progresso técnico nem sempre [era] previsível para o mesmo período, os referidos acordos [tinham, portanto, de remeter] determinados aspectos para decisões posteriores do produtor. As referidas decisões posteriores [eram] contempladas precisamente [...] no anexo I do contrato de concessão da Ford AG no que [respeitava] aos modelos de automóveis a fornecer por força do referido contrato». Tal como no processo AEG, o Tribunal de Justiça indicou que «a admissão à rede de distribuidores da Ford AG [implicava] [...] a aceitação, pelos contratantes, da política da Ford relativamente aos modelos a fornecer no mercado alemão»  (65) . Com base nisto, o Tribunal de Justiça concluiu, portanto, que «a Comissão, ao analisar o contrato de concessão para efeitos da eventual isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, podia ter em conta a cessação dos fornecimentos dos automóveis VD pela Ford AG aos seus distribuidores alemães»  (66) .

73.      Embora a argumentação do Tribunal de Justiça não deixe transparecer com tanta clareza os termos do problema e o raciocínio seguido, a mesma lógica parece estar na base do acórdão Bayerische Motorenwerke, em que se tratava de apreciar (a título prejudicial) «se o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CEE [devia] ser interpretado no sentido de que impede um construtor automóvel, que vende os seus veículos através de um sistema de distribuição selectiva, de combinar com os seus concessionários o não abastecimento de veículos às sociedades de leasing independentes, quando, sem conceder opção de compra, estas os colocam à disposição de locadores (em leasing) cujo domicílio ou sede social se situa fora do território contratual do distribuidor em causa, ou de convidar os referidos distribuidores a adoptar este comportamento»  (67) .

74.      A fim de resolver essa questão, o Tribunal de Justiça invocou, com efeito, a jurisprudência Ford e salientou que «o convite a não abastecer as sociedades de leasing independentes, contido na circular de 12 de Fevereiro de 1988, [entrava] no âmbito das relações contratuais entre a BMW e os seus distribuidores» e que essa «circular [remetia] expressamente e várias vezes para o contrato de concessão»  (68) . Pode, portanto, considerar‑se que, também no processo Bayerische Motorenwerke, o Tribunal de Justiça considerou que a adopção da medida em questão estava prevista pelo acordo de distribuição selectiva e que, portanto, como nos processos AEG e Ford, a medida adoptada pela empresa automobilística devia ser tida em conta para apreciar a compatibilidade desse acordo, tal como era aplicado em concreto, com as regras da concorrência. É neste sentido que deve ler‑se, em minha opinião, a afirmação do Tribunal de Justiça segundo a qual o convite da empresa automobilística era «considerado como um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado»  (69) .

75.      Ao contrário do que sustentam as recorrentes, portanto, dos acórdãos analisados não decorre que um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, deve considerar‑se concluído pelo simples facto de um produtor adoptar medidas especiais de contingenciamento das vendas no âmbito de relações comerciais continuadas com os seus distribuidores. Como se viu, com efeito, nesses casos não se punha o problema de demonstrar a conclusão de acordos na acepção do artigo 85.°, n.° 1 (sendo pacífico que os contratos relativos aos sistemas de distribuição selectiva constituíam acordos na acepção da disposição referida), mas tratava‑se apenas de estabelecer se as medidas adoptadas pelos produtores estavam de algum modo abrangidas pelos acordos de distribuição selectiva e deviam, portanto, ser tidas em conta para apreciar a compatibilidade dos mesmos com as regras da concorrência.

76.      Os acórdãos invocados pelas recorrentes não podem, portanto, ser invocados num caso como o vertente (no qual produtor e grossistas não concluíram nenhum contrato de distribuição) para sustentar que a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, pode ser demonstrada através da simples verificação de que as medidas adoptadas pelo produtor para impedir ou restringir as importações paralelas se inserem no âmbito de relações comerciais continuadas mantidas com os grossistas. Na falta de um contrato de distribuição a que sejam reconduzíveis as medidas adoptadas pelo produtor, um acordo relativo às referidas medidas pode, portanto, considerar‑se concluído apenas quando esteja demonstrada uma concordância de vontades das partes (expressa, de qualquer modo).

77.      Não creio, de resto, que possa chegar‑se a uma conclusão diferente tendo em conta as obrigações impostas aos grossistas pelas disposições nacionais relativas à distribuição dos medicamentos, que – segundo a BAI e a Comissão – permitiriam, em substância, assimilar as relações entre a Bayer e os seus grossistas às de um sistema de distribuição selectiva. Parece‑me, com efeito, evidente que para determinar a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, as obrigações legais impostas aos grossistas não podem suprir a falta de um acordo de distribuição ao qual se possam reconduzir as medidas adoptadas pelo produtor.

78.     À luz das considerações precedentes, entendo, portanto, que a interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado feita pelo Tribunal de Primeira Instância também não contraria a interpretação acolhida pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos invocados pelas recorrentes.

Análise específica dos diversos fundamentos relativos a questões de direito

79.      Dito isto, em termos gerais, quanto à jurisprudência do Tribunal de Justiça invocada pelas recorrentes, posso agora passar a analisar rapidamente os diversos fundamentos de recurso que estas apresentaram, remetendo na medida do possível para as considerações expostas acima.

i) Quanto à necessidade de um sistema de controlos e sanções para que possa considerar‑se concluído um acordo relativo a uma proibição de exportar

80.      Com o primeiro fundamento e com a primeira parte, alínea i), do terceiro fundamento, respectivamente, a Comissão e a BAI, apoiadas neste ponto pelo Reino da Suécia, acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter interpretado de modo excessivamente restritivo o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, na medida em que considerou erradamente que a existência de um sistema de controlos e sanções constitui uma condição necessária para poder considerar‑se concluído um acordo relativo a uma proibição de exportar.

81.      Em especial, a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter considerado que um acordo relativo a uma proibição de exportar existe apenas quando seja instituído um sistema de controlos a posteriori sobre o destino efectivo dos produtos fornecidos e sejam aplicadas sanções repressivas para garantir que os produtos não sejam exportados. Em sua opinião, ao invés, tal acordo existe também quando o produtor restringe a título preventivo os fornecimentos devido a indícios que permitem supor a existência de exportações, sancionando assim a montante as possíveis exportações. Com este sistema, com efeito, não era necessário proibir directamente as exportações, dado que a proibição de exportar é imposta indirectamente no momento em que são feitas as encomendas. A Comissão sublinha, além disso, que, ao adoptar uma interpretação excessivamente restritiva do artigo 85.°, n.° 1, o Tribunal de Primeira Instância afastou‑se do acórdão Sandoz, no qual se reconheceu existir um acordo relativo a uma proibição de exportar mesmo na falta de controlos e sanções pelo produtor.

82.      A BAI teceu considerações análogas, sublinhando que, embora seja verdade que um sistema de controlos e sanções pode representar um indício da existência de um acordo relativo a uma proibição de exportar, não se afirma, ao invés, que a falta de tal sistema baste por si só para excluir a conclusão de um acordo. Em apoio dessa afirmação, a BAI invoca designadamente os acórdãos Sandoz e Ford, que demonstram precisamente que um sistema de controlos e sanções não é necessário para se reconhecer a existência de um acordo relativo a uma proibição de exportar.

83.      Por seu lado, a Bayer e a EFPIA objectam antes de mais que, com a crítica em análise, as recorrentes visam, em substância, contestar o apuramento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância. Mas objectam sobretudo que essa acusação se baseia numa leitura errada do acórdão, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não afirmou, de modo nenhum, que um sistema de controlos e sanções é um elemento indispensável para se poder considerar existir um acordo relativo a uma proibição de exportar.

84.      No que me diz respeito, observo desde logo que a crítica em análise não pode voltar a pôr em causa, sob pena de inadmissibilidade, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual «a Comissão não demonstrou suficientemente [...] que a Bayer pôs em prática um controlo sistemático do destino final efectivo das caixas de Adalat fornecidas depois da adopção da sua nova política de fornecimento, nem que a recorrente aplicou uma política de ameaças e de sanções em relação aos grossistas exportadores, nem que subordinou os fornecimentos deste produto ao respeito dessa pretensa proibição de exportar»  (70) .

85.      Visto isto, tenho de concordar com a Bayer e a EFPIA que o Tribunal de Primeira Instância não afirmou, de modo nenhum, que um acordo relativo a uma proibição de exportar só pode existir se houver um sistema de controlos e sanções posto em execução pelo produtor. Foi, com efeito, a Comissão que sustentou que no caso vertente a imposição de uma proibição de exportar «depreende‑se dos elementos complementares seguintes: sistema de detecção dos grossistas exportadores [a)]; reduções sucessivas dos volumes fornecidos pela Bayer França e pela Bayer Espanha, caso os grossistas exportem total ou parcialmente esses produtos [b)]»  (71) . Relativamente a este aspecto, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se, portanto, a avaliar a correcção das afirmações da Comissão, verificando em especial se, como indicava a decisão impugnada, os «elementos de que a Comissão dispõe [demonstravam] que o fornecimento das quantidades admitidas pela Bayer França e pela Bayer Espanha [era] subordinado ao respeito de uma proibição de exportar»  (72) e se os «comportamento[s] da Bayer França e da Bayer Espanha [permitiam] demonstrar que estas expuseram os seus grossistas a uma ameaça permanente de redução dos fornecimentos, ameaça concretizada repetidamente quando aqueles não respeitaram a proibição de exportar»  (73) . Ao contrário, portanto, do que sustentam as recorrentes, ao efectuar essas apreciações específicas, o Tribunal de Primeira Instância não afirmou de modo algum que a adopção de um sistema de controlos e sanções constitui em geral uma condição necessária para se poder concluir que existe um acordo relativo a uma proibição de exportar.

86.      Daí resulta que a crítica em análise se baseia numa leitura errada do acórdão impugnado e, por esse motivo, deve ser declarada infundada.

ii) Quanto à necessidade de o produtor pretender determinado comportamento da parte dos distribuidores ou tentar obter a adesão destes à sua política destinada a impedir as importações paralelas para que possa considerar‑se concluído um acordo relativo a uma proibição de exportar

87.      Com o segundo fundamento e a primeira parte, alínea ii), do terceiro fundamento, respectivamente, a Comissão e a BAI acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter interpretado de modo excessivamente restritivo o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, na medida em que teria erradamente considerado que um acordo relativo a uma proibição de exportar pode considerar‑se concluído apenas se o produtor pretender dos grossistas um determinado comportamento ou tentar obter a adesão destes à sua política destinada a impedir as importações paralelas.

88.      Em especial, a Comissão sustenta que, ao adoptar essa interpretação, o Tribunal de Primeira Instância afastou‑se dos acórdãos AEG e Ford, nos quais o Tribunal de Justiça não apreciou se os produtores tinham pretendido um determinado comportamento dos revendedores ou tinham tentado obter o seu consentimento relativamente às medidas adoptadas. A Comissão acusa, além disso, o Tribunal de Primeira Instância de não ter considerado que no caso vertente os grossistas compreenderam bem que, através da sua política, a Bayer lhes impunha que se limitassem a encomendar embalagens de Adalat unicamente para as necessidades do mercado nacional.

89.      Nesta mesma linha, invocando designadamente os acórdãos Sandoz e Ford, a BAI sustenta que um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, deve considerar‑se concluído pelo simples facto de os grossistas continuarem a abastecer‑se junto de um produtor que manifestou a sua vontade de impedir as exportações, porque desse modo aceitam de facto a política do produtor.

90.      A Bayer e a EFPIA, por seu lado, contestam antes de mais a admissibilidade da acusação, na medida em que, em sua opinião, torna a pôr em causa matéria de facto apurada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão impugnado. Em qualquer caso, entendem que a crítica deve ser rejeitada, porque o Tribunal de Primeira Instância não afirmou em termos gerais que um acordo relativo a uma proibição de exportar pode considerar‑se concluído apenas se o produtor pretender dos grossistas um determinado comportamento ou tentar obter a adesão destes à sua política destinada a impedir as importações paralelas. A Bayer e a EFPIA observam, em seguida, que o caso em apreço é diferente dos da Sandoz, AEG e Ford, e negam, por conseguinte, que o Tribunal de Primeira Instância se tenha afastado dessa jurisprudência do Tribunal de Justiça.

91.      No que me diz respeito, começo por observar que a presente crítica não pode tornar a pôr em causa, sob pena de inadmissibilidade, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual «não [resultava] de nenhum elemento dos autos que a Bayer França ou a Bayer Espanha [tivessem] exigido qualquer comportamento da parte dos grossistas quanto [...] ao respeito por uma certa maneira de fazer as encomendas»  (74) . A Comissão não pode, portanto, sustentar que, com a sua política, a Bayer pretendia, em substância, uma alteração da forma como os grossistas efectuavam as encomendas, dando‑lhes a entender que deviam limitar‑se a encomendar apenas para o mercado nacional.

92.      Posto isto, e quanto ao mérito da crítica, devo concordar com a Bayer e a EFPIA que o Tribunal de Primeira Instância não afirmou de modo nenhum que um acordo relativo a uma proibição de exportar pode considerar‑se concluído apenas se o produtor pretender dos grossistas um determinado comportamento ou tentar obter a adesão destes à sua política destinada a impedir as importações paralelas. Com efeito, foi a Comissão que sustentou na decisão impugnada que a Bayer França e a Bayer Espanha tinham imposto aos grossistas uma «proibição de exportar» e, deste modo, lhes exigiram que não exportassem as embalagens de Adalat fornecidas. O Tribunal de Primeira Instância, portanto, não fez mais do que verificar a correcção das afirmações da Comissão.

93.      Por outro lado, e ao contrário do que sustentam as recorrentes, não creio que, ao apreciar se a Bayer tinha exigido alguma coisa dos seus grossistas, o Tribunal de Primeira Instância se tenha afastado da jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça.

94.      Como precisei acima relativamente ao acórdão Sandoz (n.os 55 a 62), creio, com efeito, que uma proposta ou uma pretensão do produtor – manifestada seja de que maneira for, mesmo implicitamente – é sempre necessária para que um acordo possa considerar‑se concluído por aquiescência tácita dos grossistas. Visto, portanto, que a Comissão tentou demonstrar a conclusão do acordo impugnado referindo o facto de «os grossistas [terem adoptado] neste caso um comportamento implícito de aquiescência à proibição de exportar»  (75) imposto pela Bayer, entendo que o Tribunal de Primeira Instância teve razão ao apreciar se essa empresa exigiu alguma coisa dos seus grossistas.

95.      Em seguida, quanto aos acórdãos AEG e Ford, creio ter demonstrado amplamente que essa jurisprudência não pode ser invocada no caso em apreço, porque as medidas de contingenciamento das vendas adoptadas pela Bayer não eram reconduzíveis a nenhum contrato de distribuição concluído com os grossistas (v. n.os 67 a 78).

96.     À luz de tais considerações, entendo portanto que a presente crítica deve ser rejeitada.

iii) Quanto ao ónus da prova

97.      Com o seu segundo fundamento, a BAI acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido um erro de direito impondo exclusivamente à Comissão o ónus da prova da conclusão de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Deste modo, o Tribunal de Primeira Instância não aplicou o princípio afirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Anic  (76) , do qual resulta que, quando os elementos recolhidos pela Comissão forem suficientes para demonstrar prima facie a conclusão de um acordo, incumbe à empresa interessada a prova da falta de concordância de vontades.

98.      No caso vertente, segundo a BAI, a existência de um acordo entre a Bayer e os grossistas resultava prima facie, por um lado, do facto de, no decurso de diversas reuniões com os grossistas, a Bayer ter manifestado a sua vontade de impedir as importações paralelas através de um contingenciamento das vendas; por outro, do facto de, na sequência da oposição inicial e de duras negociações, os grossistas terem aceite, em substância, esse contingenciamento, contentando‑se em adquirir quantidades reduzidas de Adalat. Perante estes factos, apurados pela Comissão e não contestados pela Bayer, o Tribunal de Primeira Instância deveria, portanto, ter imposto à Bayer o ónus da prova da falta de concordância de vontades.

99.      Também relativamente a esta acusação a Bayer e a EFPIA suscitam uma excepção de inadmissibilidade, sustentando que a BAI, em substância, torna a pôr em causa o apuramento dos factos efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância para estabelecer se estaria ou não demonstrada a conclusão de um acordo. Quanto ao mérito, a Bayer e a EFPIA entendem que o acórdão Anic não pode ser invocado em apoio da tese da recorrente, porque se refere a um caso em que, ao contrário do caso vertente, tinha sido provada a conclusão de um acordo. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça, com efeito, limitou‑se a precisar que, uma vez demonstrado que no decurso de uma reunião entre empresas concorrentes foi concluído um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, uma empresa que estava presente nessa reunião só pode sustentar que na realidade não quis participar na execução do acordo se conseguir fazer prova disso.

100.    Por minha parte, entendo que a crítica em análise é admissível, mas infundada.

101.    No que respeita à admissibilidade, observo, em especial, que a BAI contestou do ponto de vista jurídico a repartição do ónus da prova sobre o qual se funda o acórdão impugnado. Ao contrário do que entendem a Bayer e a EFPIA, a BAI não tornou a pôr em causa os factos apurados pelo Tribunal de Primeira Instância, mas sustentou simplesmente que, analisando esses factos à luz de um critério diferente sobre a repartição do ónus da prova, a conclusão jurídica a retirar quanto à existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, é oposta à conclusão a que chegou o Tribunal de Primeira Instância.

102.    A presente acusação parece‑me, ao invés, infundada quanto ao mérito, porque o Tribunal de Primeira Instância ateve‑se correctamente ao princípio segundo o qual «em caso de litígio sobre a existência de uma infracção às regras de concorrência, compete à Comissão apresentar a prova das infracções por ela verificadas e produzir os elementos probatórios adequados à demonstração juridicamente satisfatória da existência dos factos constitutivos da infracção» (77) . Não creio, com efeito, que esse princípio fundamental tenha sido desnaturado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Anic, impondo à Comissão apenas o ónus da prova prima facie da conclusão de um acordo.

103.    Como sublinharam, com razão, a Bayer e a EFPIA, naquele caso a Comissão tinha, com efeito, feito prova plena de que no decurso de determinadas reuniões entre empresas concorrentes «foram decididas, organizadas e controladas iniciativas de preços»  (78) , e portanto se concluíram acordos restritivos da concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Só em presença dessa prova é que o Tribunal de Justiça precisou que, se uma das empresas participantes nas referidas reuniões tivesse querido sustentar que não tinha subscrito as iniciativas em matéria de preços nelas acordadas, deveria ter feito prova da sua afirmação.

104.   À luz das considerações precedentes, entendo portanto que a crítica em análise deve ser declarada infundada.

iv) Quanto à falta de correspondência entre a vontade declarada e a vontade real dos grossistas

105.    Com o seu quarto fundamento de recurso, a Comissão, apoiada pela EAEPC, acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido um erro de direito ao referir‑se à vontade real dos grossistas (encomendar também para exportação) e não à sua vontade declarada (encomendar apenas para as necessidades do mercado nacional). A esse respeito, a Comissão sustenta, em especial, que nos acórdãos Sandoz e Altochem  (79) o órgão jurisdicional comunitário não deu importância à vontade real das empresas ou a eventuais «reservas mentais» das mesmas, porque para a conclusão de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, apenas é determinante a vontade declarada das empresas interessadas. Em apoio dessa tese, a EAEPC invoca, em seguida, o acórdão Courage  (80) , do qual resulta que um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, existe mesmo que uma parte seja forçada a concluí‑lo contra a sua vontade.

106.    Segundo a Bayer e a EFPIA, este fundamento é igualmente inadmissível, porque, em substância, torna a pôr em causa a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual, com o seu comportamento relativamente às encomendas e as suas tentativas para obter maiores quantidades de produto, os distribuidores não aceitaram explícita nem tacitamente uma proibição de exportar  (81) . Quanto ao mérito, a Bayer acrescenta, em seguida, que só em presença de uma «declaração explícita de vontade» seria relevante a «vontade declarada» e não seria tida em consideração uma eventual «reserva mental». Quando, pelo contrário, como no caso vertente, se estiver em presença de «declarações implícitas de vontade», deve ser tida em consideração apenas a «vontade real» da parte interessada, resultante do seu comportamento. A EFPIA, por seu lado, limita‑se, ao invés, a afirmar que os acórdãos Sandoz e Altochem não são relevantes para efeitos do presente processo, porque se referem a situações diferentes das do caso em apreço.

107.    Por minha parte, observo antes de mais que a acusação em análise não me parece inadmissível, porque não visa contestar o apuramento dos factos efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, mas o valor jurídico que este atribuiu à vontade real dos grossistas em presença de uma vontade declarada de sinal contrário.

108.    A crítica parece‑me, todavia, infundada, na medida em que parte do pressuposto inexacto de que no caso vertente existe a «vontade declarada» dos grossistas de concluir o acordo impugnado (relativo a uma alegada proibição de exportar imposta pela Bayer), à qual se contrapõe uma «vontade real» de sentido contrário ou, se quisermos, uma «reserva mental». Tal pressuposto parece‑me, com efeito, desmentido pela reconstituição dos factos operada pelo Tribunal de Primeira Instância (que não pode tornar a ser posta em causa nesta sede), segundo o qual dos documentos invocados na decisão impugnada não resultava que os grossistas tivessem manifestado à Bayer a sua vontade de se limitarem no futuro a encomendar apenas os volumes de Adalat estritamente necessários para satisfazer as suas necessidades nacionais, empenhando‑se desse modo a respeitar uma alegada proibição de exportar imposta pela referida empresa.

109.    Por outras palavras, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que no caso vertente não estava demonstrado que os grossistas tivessem de algum modo «declarado» à Bayer que tinham encomendado apenas para o seu mercado nacional ou que não tinham exportado os produtos fornecidos, de modo a conformar a sua conduta futura com uma alegada proibição de exportar imposta pela referida empresa. Segundo a reconstituição do Tribunal de Primeira Instância, não existia portanto uma «vontade declarada» dos grossistas relativamente à conclusão do acordo impugnado.

110.    O facto de, mesmo sem «declarar» à Bayer que tinham encomendado apenas para o seu mercado nacional ou que não exportariam, os grossistas continuarem a abastecer‑se junto dessa empresa, adquirindo caixas de Adalat que a Bayer julgava corresponderem às suas necessidades nacionais, poderia certamente ser tido em conta para demonstrar, no sentido da jurisprudência Sandoz, uma «aceitação tácita» da alegada proibição de exportar imposta pela Bayer. Mas, como se disse acima (n.os 55 a 62), isso pressuporia que a Bayer tivesse efectivamente pedido ou imposto (mesmo só implicitamente) aos grossistas que encomendassem apenas para as suas necessidades nacionais ou que não exportassem, o que, segundo a reconstituição dos factos operada pelo Tribunal de Primeira Instância, não se demonstrou.

111.    Dado que, segundo a reconstituição dos factos operada no acórdão impugnado, no caso vertente não existia uma «vontade declarada» dos grossistas relativamente à conclusão do acordo impugnado, entendo que não se pode censurar o Tribunal de Primeira Instância por não ter tido em consideração essa vontade. Daí resulta que, a meu ver, o presente fundamento de recurso deve ser declarado improcedente.

v) Quanto ao carácter só aparentemente unilateral das medidas adoptadas pela Bayer

112.    Com a primeira parte, alínea iii), e com a segunda parte do seu terceiro fundamento, a BAI acusa, em substância, o Tribunal de Primeira Instância de não ter verificado se as medidas controvertidas eram só aparentemente unilaterais, na medida em que se inseriam no âmbito das relações comerciais continuadas com os grossistas. Em especial, a BAI acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter tido em conta o facto de, na sequência da introdução da nova política da Bayer, os grossistas terem continuado a abastecer‑se junto da referida empresa, aceitando adquirir quantidades reduzidas de Adalat.

113.    Na mesma linha, com o seu quinto fundamento, a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter aplicado de modo erróneo o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, exigindo a prova da vontade dos grossistas quanto às medidas adoptadas pela Bayer, apesar de estas se inserirem no âmbito de relações comerciais continuadas entre produtor e distribuidores.

114.    Visto que com essas críticas as recorrentes acusam, em substância, o Tribunal de Primeira Instância de se ter afastado, sob diversos aspectos, da jurisprudência do Tribunal de Justiça nos processos Sandoz, AEG, Ford e Bayerische Motorenwerke, as referidas críticas devem, em minha opinião, ser rejeitadas por infundadas pelos motivos indicados nos parágrafos dedicados à análise dos acórdãos em questão.

Considerações conclusivas

115.    Dado que todos os fundamentos de recurso propostos pela BAI e pela Comissão devem, em minha opinião, ser rejeitados por inadmissíveis ou infundados, proponho ao Tribunal de Justiça que negue provimento aos recursos no seu conjunto.

III – Quanto às despesas

116.   À luz do artigo 69.°, n.os 2 e 4, do Regulamento de Processo e tendo em atenção as conclusões a que cheguei relativamente à negação de provimento aos recursos, entendo que a BAI e a Comissão devem ser condenadas nas despesas, incluindo as suportadas pela EFPIA. O Reino da Suécia e a EAEPC devem, ao invés, suportar as suas próprias despesas.

IV – Conclusões

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare:

é negado provimento aos recursos;

a BAI e a Comissão são condenadas nas despesas;

o Reino da Suécia e a EAEPC suportarão as suas próprias despesas.


1
Língua original: italiano.


2
Colect., p. II‑3383.


3
JO L 201, p. 1.


4
Como se sabe, nos termos desta disposição, «são incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum [...]».


5
N.° 163 da decisão.


6
N.° 170.


7
N.° 174.


8
N.° 175.


9
N.° 176.


10
N.° 180.


11
N.os 182 e 183.


12
N.° 184.


13
N.° 183.


14
N.° 66.


15
N.° 69.


16
N.° 71.


17
N.° 76.


18
N.° 77.


19
N.os 109 e 110.


20
N.° 119.


21
N.° 120.


22
N.° 121.


23
N.° 122.


24
N.° 124.


25
N.° 159.


26
N.° 172.


27
N.° 173.


28
N.° 174.


29
N.° 176.


30
Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).


31
Mais exactamente, a EAEPC pediu para intervir em apoio da BAI e da Comissão e o Reino da Suécia pediu para intervir apenas em apoio da Comissão.


32
Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, John Deere (C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.os 21 e 22). No mesmo sentido, v., entre outros, acórdãos de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão (C‑53/92 P, Colect., p. I‑667, n.os 42 e 43), e de 28 de Maio de 1998, New Holland Ford/Comissão (C‑8/95 P, Colect., p. I‑3175, n.° 26).


33
N.° 109.


34
A BAI refere‑se a esse respeito aos documentos referidos pela Comissão nos n.os 140 e 180 da decisão.


35
V., em especial, os n.os 103 e 104 do acórdão impugnado.


36
No recurso, a Comissão refere‑se essencialmente à apreciação expressa no n.° 126 do acórdão impugnado, onde se indica que os documentos invocados nos considerandos 97‑101 da decisão, «consagrados à estratégia posta em prática pelo grossista CERP Rouen para contornar a política de restrição dos fornecimentos instaurada pela Bayer», «não são susceptíveis de provar que este grossista tenha aceite deixar de exportar, reduzir as suas encomendas ou limitar as suas exportações, nem que tenha tentado dar a impressão à Bayer de que o ia fazer. A única coisa que reflectem é a reacção de uma empresa para tentar continuar, na medida do possível, as suas actividades de exportação. Não há qualquer menção directa ou qualquer indício evocando a vontade de subscrever a política da Bayer destinada a entravar as exportações, que o grossista conhecia perfeitamente, conforme assinalado no considerando 94 da decisão» (o sublinhado é meu). Na réplica a Comissão refere‑se, pelo contrário, ao n.° 156 do acórdão, em que, conclusivamente, se «verifica [...] que a Comissão não provou que os grossistas tenham querido prosseguir os objectivos da Bayer, nem querido fazer‑lho crer» (o sublinhado é meu).


37
N.° 182 da decisão impugnada.


38
A Comissão refere‑se a esse respeito a uma carta de um grossista francês, invocada no n.° 98 da decisão impugnada, em que se lê: «URGENTE

Para ajudar a agência de Boulogne a reunir 20 000 ADALATE LP 20 mg código PHON:TE 360 solicitamos que façam a seguinte encomenda:

[...]

Após recepção, enviar estes produtos à Boulogne.

Agradecemos a vossa colaboração e discrição» (o sublinhado é meu).


39
A Comissão refere‑se, a esse respeito, a dois documentos.

i) Em primeiro lugar, refere‑se a uma acta relativa à reunião de um grossista espanhol com a Bayer Espanha (n.° 127 da decisão), citando em especial as seguintes passagens: «Na sequência do último encontro com os dirigentes da Bayer, estes declararam não poderem aceitar as quantidades solicitadas pela HUFASA, por um lado, porque representam 50% do mercado nacional e, por outro, porque são muito superiores às de outras empresas da mesma zona [...]. Este facto fá‑los supor que uma importante proporção dos produtos se destinava a exportação.

Perante estas afirmações, referi que a HUFASA precisava de quantidades significativas de ADALAT [...].

[N]ão convinha apresentar valores que não seriam aceites como possíveis para a HUFASA e que denunciariam o interesse em realizar um volume importante de exportações. Por esta razão, considerei ser mais importante obter um volume de ADALAT para exportação através de valores altamente credíveis do que manter um valor muito elevado de encomendas, a que não fosse dado seguimento. O importante é o que se obtém, não o que se encomenda. Esta é sem dúvida a razão pela qual [...] encomenda menos do que o previsto» (o sublinhado é da Comissão).

ii) Em segundo lugar, a Comissão refere‑se a uma carta de um grossista espanhol, invocada no n.° 129 da decisão, sublinhando em especial a seguinte passagem: «posso dar a minha palavra de que estou a tentar o impossível para conseguir um abastecimento superior às nossas necessidades» (o sublinhado é da Comissão).


40
A Comissão refere‑se a esse respeito a uma carta de um grossista espanhol, invocada no n.° 129 da decisão, sublinhando em especial a seguinte passagem: «se quisermos um produto que se venda bem no nosso mercado, poderemos encomendá‑lo nas encomendas habituais, mas se for raro, não poderemos dissimulá‑lo» (o sublinhado é da Comissão).


41
A Bayer e a EFPIA referem‑se em especial aos n.os 125, 128, 131 e 143 a 152.


42
N.° 124. Em especial, faz‑se referência aos documentos invocados pela Comissão nos n.os 126, 129, 130, 144 e 146 a 150.


43
N.° 126 do acórdão. No mesmo sentido v. o n.° 135 do acórdão, onde se indica que alguns grossistas tinham «posto em prática uma estratégia de evasão à política da Bayer», e o n.° 156, onde se refere que os documentos analisados pelo Tribunal de Primeira Instância «demonstram pelo contrário que os grossistas adoptaram um comportamento para contornar a nova política da Bayer de restrição dos fornecimentos ao nível das encomendas tradicionais».


44
N.° 154 do acórdão.


45
Acórdão de 11 de Janeiro de 1990, Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão (C‑277/87, Colect., p. I‑45, publicação sumária).


46
Acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão (107/82, Recueil, p. 3151).


47
Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1985, Ford/Comissão (25/84 e 26/84, Recueil, p. 2725).


48
Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1995, Bayerische Motorenwerke (C‑70/93, Colect., p. I‑3439).


49
A esse respeito as partes invocam igualmente, de modo mais ou menos directo, alguns acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, que seguiram a interpretação acolhida nos referidos acórdãos do Tribunal de Justiça (trata‑se, em especial, dos acórdãos de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, Colect., p. II‑441; de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T‑49/95, Colect., p. II‑1799; e de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707). Para efeitos do presente recurso, parece todavia oportuno concentrarmo‑nos apenas na jurisprudência do Tribunal de Justiça, para verificar se no acórdão impugnado o Tribunal de Primeira Instância se ateve aos critérios de interpretação aí indicados.


50
Sandoz Produtos Farmacêuticos, filial italiana do grupo Sandoz.


51
Acórdão Sandoz, já referido, n.° 10.


52
N.° 11.


53
N.° 12.


54
V., a esse respeito, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão (41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.° 112), e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 86), invocados a esse propósito também no acórdão impugnado (n.° 68).


55
N.os 120 e 121.


56
N.° 37.


57
N.° 19.


58
Acórdãos AEG, n.° 38, e Ford, n.° 21.


59
Acórdão Bayerische Motorenwerke, n.° 16.


60
A esse respeito, no acórdão AEG sublinha‑se, em especial, que «os acordos que instituem um sistema de distribuição selectiva afectam necessariamente a concorrência no mercado comum. Como reconheceu o Tribunal de Justiça na sua jurisprudência, existem, todavia, exigências legítimas, como a protecção de um comércio especializado, susceptível de fornecer prestações específicas para produtos de alto nível qualitativo e tecnológico, que justificam a limitação da concorrência sobre os preços em benefício da concorrência relativa a factores que não sejam os preços. Na medida em que visam atingir um resultado legítimo, que pode contribuir para melhorar a concorrência quanto esta não se exerce unicamente sobre os preços, os sistemas de distribuição selectiva constituem portanto um factor de concorrência conforme ao artigo 85.°, n.° 1. As limitações inerentes a um sistema de distribuição selectiva são, todavia, admitidas apenas na condição de visarem efectivamente realizar uma melhoria da concorrência no sentido referido. De outro modo, não se justificariam, porque o seu único efeito seria o de limitar a concorrência sobre os preços. Para garantir que os sistemas de distribuição selectiva sejam informados unicamente por esse fim e não possam ser instituídos e usados para atingir objectivos não conformes ao direito comunitário, o Tribunal de Justiça precisou, no acórdão de 25 de Outubro de 1977 [Metro/Comissão, Colect., p. 659], que estes sistemas são admissíveis ‘sob a condição de a escolha dos revendedores se operar em função de critérios objectivos de natureza qualitativa, relativos à qualificação profissional do revendedor, do seu pessoal e das suas instalações, de estas condições serem fixadas de maneira uniforme em relação a todos os potenciais revendedores e aplicadas de forma não discriminatória’. Daí resulta que a aplicação de um sistema de distribuição selectiva fundado em critérios diferentes dos indicados constitui uma violação do artigo 85.°, n.° 1. O mesmo deve afirmar‑se quando um sistema, em princípio, conforme ao direito comunitário seja aplicado, na prática, de modo incompatível com esse direito» (n.os 33 a 36).


61
Em especial, no acórdão AEG foi impugnada uma decisão em que a Comissão declarava que «na forma praticada na realidade, o sistema de distribuição selectiva da AEG [constituía] uma violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado»; e isto porque «a AEG [aplicou] de modo abusivo o seu sistema de distribuição selectiva, discriminando alguns revendedores e influenciando directa ou indirectamente os preços de venda praticados pelos revendedores autorizados, [...] com o objectivo de excluir em princípio algumas formas de distribuição e de manter os preços a um nível determinado» (n.° 5 do acórdão; o sublinhado é meu). No processo Ford, ao invés, foi impugnada uma decisão em que a Comissão, por um lado, declarou que «o contrato de concessão da Ford AG [restringia] a concorrência e [afectava] o comércio entre os Estados‑Membros na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado» e, por outro lado, [rejeitou] «a isenção, ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, do mesmo contrato tal como [era] aplicado pela Ford AG a partir de 1 de Maio de 1982, data de entrada em vigor da circular»com a qual tinha informado os distribuidores alemães de que já não aceitaria encomendas de veículos com volante à direita (n.° 10 do acórdão, o sublinhado é meu).


62
N.° 12.


63
N.° 38 do acórdão AEG e n.° 21 do acórdão Ford.


64
N.os 38 e 39.


65
N.os 20 e 21.


66
N.° 26.


67
N.° 14.


68
N.° 17.


69
N.° 18.


70
N.° 109 do acórdão impugnado; o sublinhado é meu.


71
N.° 156 da decisão impugnada.


72
N.° 163 da decisão.


73
N.° 170 da decisão.


74
N.° 120 do acórdão impugnado; o sublinhado é meu. No n.° 121, o Tribunal de Primeira Instância precisou, além disso, que a Comissão «nem sequer defendeu que a Bayer tentou que os grossistas mudassem de método de formulação das encomendas».


75
N.° 176 da decisão impugnada.


76
Acórdão de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic (C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 96).


77
Acórdão Anic, n.° 86.


78
Acórdão Anic, n.° 96.


79
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1991 (T‑3/89, Colect., p. II‑1177).


80
Acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2001 (C‑453/99, Colect., p. I‑6297).


81
A esse respeito, a Bayer invoca, em especial, os n.os 151 a 153 do acórdão impugnado.