1. Acção de indemnização - Objecto - Pedido de indemnização de um dano causado pelas instituições da Comunidade - Conceito de instituição - Competência do juiz comunitário para conhecer de uma pretensa negligência cometida pelo provedor de justiça
(Artigos 235.° CE e 288.° , segundo parágrafo, CE; Decisão 88/591 do Conselho, na redacção dada pela Decisão 1999/291)
2. Acção de indemnização - Objecto - Pedido de indemnização de um dano causado pela abstenção da Comissão de dar início a um processo por incumprimento - Inadmissibilidade - Pedido de indemnização de um dano causado por uma falta manifesta cometida pelo provedor de justiça no exercício das suas funções - Admissibilidade
(Artigos 235.° CE e 288.° , segundo parágrafo, CE; Decisão 88/591 do Conselho, na redacção dada pela Decisão 1999/291)
3. Acção de indemnização - Autonomia em relação ao recurso de anulação - Inadmissibilidade do recurso de anulação de um acto juridicamente vinculativo - Não incidência na admissibilidade de uma acção de reparação do prejuízo causado pela adopção do acto recorrido
(Artigos 235.° CE e 288.° , segundo parágrafo, CE)
4. Responsabilidade extracontratual - Condições - Ilegalidade - Prejuízo - Nexo de causalidade
(Artigo 288.° , segundo parágrafo, CE)
5. Provedor de Justiça Europeu - Via alternativa de recurso para o juiz comunitário - Impossibilidade de seguir as duas vias em paralelo - Apreciação da oportunidade de apresentação da queixa ao provedor de justiça cabendo ao cidadão
(Artigo 195.° , n.° 1, CE; estatuto do Provedor de Justiça Europeu, artigo 2.° , n.os 6 e 7)
6. Provedor de Justiça Europeu - Obrigação geral de informar os queixosos das vias de recurso e dos prazos - Inexistência
(Estatuto do Provedor de Justiça Europeu, artigo 2.° , n.° 5)
7. Provedor de Justiça Europeu - Prazo para o tratamento das queixas - Prazo indicativo de um ano - Prorrogação para além de um prazo razoável apreciado em função das circunstâncias
8. Provedor de Justiça Europeu - Procura de uma solução conforme ao interesse particular do cidadão em causa - Obrigação de cooperação com a instituição em causa
(Estatuto do Provedor de Justiça Europeu, artigo 3.° , n.° 5)
9. Provedor de Justiça Europeu - Formulação de uma observação crítica - Protecção dos interesses individuais do cidadão em causa - Inexistência
10. Processo - Despesas - Compensação - Motivos excepcionais - Apreciação
(Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 87.° , n.° 3, primeiro parágrafo)
1. Nos termos do disposto nos artigos 235.° CE e 288.° , segundo parágrafo, CE, e na Decisão 88/591, na redacção dada pela Decisão 1999/291, que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, este último é competente para conhecer dos pedidos de reparação de danos causados por instituições da Comunidade. O termo «instituição», usado no artigo 288.° , segundo parágrafo, CE, não deve ser entendido no sentido de que apenas contempla as instituições da Comunidade enumeradas no artigo 7.° CE. Esta noção abrange igualmente, para efeitos do sistema de responsabilidade extracontratual estabelecido pelo Tratado, todos os outros organismos comunitários instituídos pelo Tratado e destinados a contribuir para a realização dos objectivos da Comunidade. Por conseguinte, os actos praticados por estes organismos no exercício das competências que lhes foram atribuídas pelo direito comunitário são imputáveis à Comunidade, nos termos dos princípios gerais comuns aos Estados-Membros a que se refere o artigo 288.° , segundo parágrafo, CE. Daqui resulta que o Tribunal de Primeira Instância tem competência para se pronunciar sobre uma acção destinada a obter uma indemnização por danos alegadamente sofridos devido a uma negligência cometida pelo Provedor de Justiça Europeu no exercício das funções que lhe são atribuídas pelo Tratado.
( cf. n.os 49, 51-52 )
2. A competência do Tribunal de Primeira Instância para conhecer de uma acção fundada na pretensa negligência do Provedor de Justiça Europeu não é posta em causa pela jurisprudência segundo a qual uma acção de indemnização, fundada na responsabilidade decorrente de uma abstenção da Comissão de instaurar um processo por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, é inadmissível, porque esta instituição não está, de qualquer modo, obrigada a instaurar esse processo. Com efeito, o papel que o Tratado e a Decisão 94/262, relativa ao estatuto e às condições gerais de exercício das funções de Provedor de Justiça Europeu, atribuíram ao provedor de justiça difere, pelo menos em parte, do papel conferido à Comissão no âmbito da acção por incumprimento ao abrigo do artigo 226.° CE. No quadro da acção por incumprimento, a Comissão exerce as competências que lhe foram conferidas pelo artigo 211.° , primeiro travessão, CE, em nome do interesse geral comunitário, a fim de zelar pela aplicação do direito comunitário. Além disso, neste contexto, compete a esta instituição decidir da conveniência de instaurar uma acção por incumprimento.
Em contrapartida, no que respeita ao tratamento das queixas pelo provedor, há que ter presente que o Tratado confere a qualquer cidadão, por um lado, o direito subjectivo de apresentar ao provedor queixas relativas a casos de má administração das instituições ou dos organismos comunitários, com excepção do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância no exercício das suas funções jurisdicionais, e, por outro, o direito de ser informado do resultado dos inquéritos conduzidos a esse respeito pelo provedor nas condições previstas pela Decisão 94/262 e pelas disposições de execução. A Decisão 94/262 confiou ao provedor a tarefa não apenas de identificar e procurar eliminar os casos de má administração em nome do interesse geral, mas igualmente a de procurar, na medida do possível, uma solução conforme ao interesse particular do cidadão em causa. É certo que o provedor dispõe de uma larga margem na apreciação do mérito das queixas e do seguimento a dar-lhes e que não está sujeito a nenhuma obrigação de resultado. Ainda que a fiscalização pelo juiz comunitário tenha, por conseguinte, que ser limitada, nem por isso se pode excluir a hipótese de que, em circunstâncias totalmente excepcionais, um cidadão possa demonstrar que o provedor cometeu uma falta manifesta no exercício das suas funções susceptível de causar um prejuízo a esse cidadão.
( cf. n.os 53-57 )
3. A acção de indemnização foi instituída pelo Tratado como uma via processual autónoma, com uma função particular no quadro do sistema processual e está subordinada a condições de exercício concebidas em atenção ao seu objecto específico. Enquanto o recurso de anulação e a acção por omissão se destinam a obter condenação da ilegalidade de um acto juridicamente vinculativo ou da inexistência de tal acto, a acção de indemnização tem como objecto a reparação de um prejuízo decorrente de um acto, quer este seja juridicamente vinculativo quer não, ou de um comportamento, imputável a uma instituição ou a um organismo comunitário. Assim, o comportamento culposo do Provedor de Justiça Europeu na procura de uma solução extrajudicial para um caso de má administração pode causar prejuízo aos direitos dos cidadãos.
( cf. n.os 58-59 )
4. Decorre do artigo 288.° CE que a responsabilidade da Comunidade pressupõe que o demandante prove a ilegalidade do comportamento imputado ao organismo em causa, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre este comportamento e o prejuízo alegado.
( cf. n.° 62 )
5. Ao instituir um Provedor de Justiça Europeu, o Tratado abriu aos cidadãos da União, e mais precisamente aos funcionários e outros agentes da Comunidade, uma via alternativa ao recurso para o juiz comunitário, tendo em vista a defesa dos seus interesses. Esta via alternativa extrajudicial responde a critérios específicos e não tem necessariamente o mesmo objectivo que uma acção judicial. Além disso, como resulta do artigo 195.° , n.° 1, CE e do artigo 2.° , n.os 6 e 7, da Decisão 94/262, relativa ao estatuto e às condições gerais de exercício das funções de Provedor de Justiça Europeu, estas duas vias de acção não podem ser seguidas em paralelo. Com efeito, embora as queixas apresentadas ao provedor não interrompam os prazos de interposição de recursos aplicáveis à instauração do processo no tribunal comunitário, o provedor deve pôr termo à sua apreciação e declarar a queixa inadmissível se o cidadão em causa tiver simultaneamente interposto recurso para o juiz comunitário a respeito dos mesmos factos. Compete, portanto, ao cidadão decidir qual das duas vias ao seu dispor é susceptível de melhor servir os seus interesses. Tratando-se de uma queixa apresentada por um agente das Comunidades, é de presumir que, em qualquer caso, o demandante conhecia as possibilidades de recurso para o Tribunal, dado que estas são expressamente previstas pelo estatuto.
( cf. n.os 65-67 )
6. O Provedor de Justiça Europeu «pode», nos termos do artigo 2.° , n.° 5, da Decisão 94/262, relativa ao estatuto e às condições gerais de exercício das funções de Provedor de Justiça Europeu, e do artigo 3.° , n.° 2, das disposições de execução, aconselhar o cidadão em causa a dirigir-se a uma outra autoridade e, se for caso disso, a interpor no Tribunal de Primeira Instância um recurso de anulação. Pode acontecer efectivamente que, no interesse do bom cumprimento da missão que lhe foi confiada pelo Tratado, o provedor deva informar, de modo sistemático, o cidadão em causa das medidas a tomar a fim de melhor cuidar dos seus interesses, inclusivamente indicando-lhe as vias de acção judicial à sua disposição e o facto de a queixa ao provedor não ter efeito suspensivo sobre o prazo para agir em juízo nesses casos. Não existe, no entanto, nenhuma disposição expressa impondo ao provedor que actue desse modo. Não pode, pois, criticar-se o provedor por se ter abstido de chamar a atenção do demandante para o facto de a sua queixa não ter carácter suspensivo e por não o ter aconselhado a interpor recurso para o tribunal comunitário. Neste aspecto, o provedor não cometeu, portanto, qualquer falta de serviço susceptível de fazer a Comunidade incorrer em responsabilidade extracontratual.
( cf. n.os 68-69 )
7. A Decisão 94/262, relativa ao estatuto e às condições gerais de exercício das funções de Provedor de Justiça Europeu, e as disposições de execução não prevêem um prazo preciso para o tratamento das queixas pelo Provedor de Justiça Europeu. Só no seu relatório anual relativo ao ano de 1997 veio o provedor declarar que «[o] objectivo deveria ser o de realizar os inquéritos necessários a uma queixa e comunicar ao cidadão o resultado no prazo de um ano, excepto em circunstâncias especiais que exijam uma investigação mais demorada» (antepenúltimo parágrafo do preâmbulo). Através desta declaração, o provedor limitou-se a fixar-se a ele próprio um prazo indicativo e não um prazo peremptório para o tratamento das queixas. Importa precisar, porém, que sob pena de infringir, entre outros, o princípio da boa administração, o processo perante o provedor não pode prolongar-se para além de um prazo razoável, que deve ser apreciado em função das circunstâncias de cada caso. Neste contexto, deve ter-se em consideração que o Tratado e a Decisão 94/262 conferiram ao provedor a tarefa não só de procurar, na medida do possível, uma solução conforme ao interesse particular do cidadão em causa, mas igualmente a de identificar e procurar eliminar os casos de má administração em nome do interesse geral. Quando, na sequência da intervenção do provedor motivada pela queixa do demandante, a Comissão alterou, no interesse de uma boa administração, a sua prática administrativa relativa à convocatória dos candidatos às provas orais de um concurso, o decurso de quase dezasseis meses entre a apresentação da queixa pelo demandante e a decisão do provedor não pode constituir incumprimento das suas obrigações pelo provedor.
( cf. n.os 74-77 )
8. Se a Decisão 94/262, relativa ao estatuto e às condições gerais de exercício das funções de Provedor de Justiça Europeu, conferiu ao provedor a missão de procurar, na medida do possível, uma solução conforme ao interesse particular do cidadão em causa, ele dispõe, no entanto, nesta matéria, de uma larga margem de apreciação. Por conseguinte, só pode incorrer em responsabilidade extracontratual em caso de incumprimento flagrante e manifesto dos deveres que lhe incumbem neste contexto. Resulta do artigo 3.° , n.° 5, da Decisão 94/262 e do artigo 6.° das disposições de execução que o provedor deve, para realizar este objectivo, cooperar com a instituição em questão e não pode, em princípio, limitar-se a transmitir o parecer da instituição ao cidadão em causa. O provedor deve, designadamente, examinar se a procura de uma solução que dê satisfação ao cidadão é possível e adoptar, no prosseguimento deste objectivo, um papel activo em relação à instituição em causa.
( cf. n.os 79-80 )
9. Uma violação do artigo 7.° das disposições de execução da Decisão 94/262, relativa ao estatuto e às condições gerais de exercício das funções de Provedor de Justiça Europeu, por força do qual o provedor pode fazer uma observação crítica se o caso de má administração não tiver implicações gerais, não pode de modo nenhum prejudicar o demandante. Com efeito, nem a formulação de uma observação crítica nem a elaboração de um relatório com uma recomendação dirigida à instituição em causa foram pensados para proteger os interesses individuais do cidadão em causa contra um eventual prejuízo sofrido devido a um caso de má administração de uma instituição ou de um organismo comunitário.
( cf. n.os 86-87 )
10. Nos termos do artigo 87.° , n.° 3, primeiro parágrafo, do seu regulamento de processo, o Tribunal pode, em derrogação do artigo 87.° , n.° 2, primeiro parágrafo, desse regulamento, por motivos excepcionais, determinar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Quanto a este aspecto, há que tomar em consideração, primeiro, o facto de que foi por causa da queixa apresentada pelo demandante ao provedor que a Comissão alterou a sua prática administrativa sem que esta modificação tenha podido aproveitar, eventualmente, ao próprio demandante. Em segundo lugar, importa ter presente que as circunstâncias de facto do presente caso são próximas das de um litígio entre as Comunidades e os seus agentes, em que, segundo o artigo 88.° do Regulamento de Processo, as despesas das instituições e organismos comunitários ficam a cargo destes.
( cf. n.os 91-93 )