62000S0001

Despacho do Tribunal de 29 de Maio de 2001. - Cotecna Inspection SA contra Comissão das Comunidades Europeias. - Pedido de autorização para proceder a uma penhora de créditos na posse da Comissão. - Processo C-1/00 SA.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-04219


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Privilégios e imunidades das Comunidades Europeias - Pedido de autorização para proceder a uma penhora de créditos na posse de uma instituição - Necessidade de uma autorização do Tribunal de Justiça - Alargamento da competência do Tribunal de Justiça - Medidas coercivas que afectam o financiamento das políticas comuns ou a execução de programas de acção definidos pelas Comunidades - Risco de entrave ao bom funcionamento das Comunidades

(Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, artigo 1.° )

Sumário


$$O artigo 1.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, por força do qual os bens e haveres das Comunidades não podem ser objecto de qualquer medida coerciva administrativa ou judicial sem autorização do Tribunal de Justiça, visa evitar entraves ao funcionamento e independência das Comunidades. Por conseguinte, a competência do Tribunal nos casos de penhora deve limitar-se à análise da questão de saber se essa medida, tendo em conta os efeitos que implica consoante o direito nacional aplicável, é susceptível de colocar entraves ao bom funcionamento e à independência das Comunidades Europeias. A este propósito, importa precisar que o funcionamento das Comunidades pode efectivamente ser entravado por medidas coercivas que afectem o financiamento das políticas comuns ou a execução de programas de acção definidos pelas Comunidades.

( cf. n.os 9-10, 12 )

Partes


No processo C-1/00 SA,

Cotecna Inspection SA, com sede em Genebra (Suíça), representada por J. H. J. Bourgeois, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

requerente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. de Pauw e B. Martenczuk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

requerida,

que tem por objecto um pedido de autorização para proceder a uma penhora de créditos na posse da Comissão das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. Gulmann, A. La Pergola, M. Wathelet e V. Skouris, presidentes de secção, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet, P. Jann, L. Sevón, R. Schintgen, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr (relator), J. N. Cunha Rodrigues e C. W. A. Timmermans, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: R. Grass,

ouvido o advogado-geral,

profere o presente

Despacho

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Dezembro de 2000, a sociedade Cotecna Inspection SA (a seguir «Cotecna») requereu, nos termos do artigo 1.° , terceiro período, do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias (a seguir «protocolo»), autorização para proceder à penhora na Comissão de certos créditos devidos pela Comunidade Europeia à República de Jibuti.

Matéria de facto subjacente ao pedido

2 Os factos que interessam à decisão da causa, descritos nos autos, podem ser assim resumidos:

3 A Cotecna celebrou, em 20 de Janeiro de 1996, com a República do Jibuti, um contrato que tinha por objecto a prestação de serviços de inspecção e de verificação das importações neste país. Não tendo a República de Jibuti pago as facturas mensais emitidas entre 3 de Junho de 1997 e 30 de Novembro de 1997, com excepção de uma única, a Cotecna recorreu a uma cláusula compromissória prevista no contrato.

4 Por decisão arbitral de 28 de Janeiro de 2000, a República de Jibuti foi condenada no pagamento à Cotecna, por um lado, de um montante de 2 265 550,63 USD, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor em Jibuti a contar da data da decisão arbitral, e, por outro, de um montante de 66 000 USD. Não tendo a República de Jibuti cumprido a obrigação de pagamento destes montantes, a Cotecna pediu o exequatur da decisão arbitral ao Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas (Bélgica). Este concedeu o exequatur por despacho de 16 de Novembro de 2000, nos termos do artigo 1710.° do código de processo judicial belga.

5 Por carta de 1 de Setembro de 2000, a Cotecna pediu à Comissão que a informasse se uma penhora de créditos, na posse da Comissão, dos montantes por ela devidos à República de Jibuti era susceptível de afectar o funcionamento e a independência das Comunidades Europeias.

6 Em 2 de Outubro de 2000, a Comissão respondeu que, caso a penhora de créditos tivesse incidência sobre o financiamento de uma política comunitária e, em especial, sobre a cooperação para o desenvolvimento da República de Jibuti, a Comissão lhe oporia a imunidade que lhe é conferida pelo protocolo.

Pedidos das partes

7 No requerimento, a Cotecna conclui pedindo que o Tribunal se digne autorizá-la a penhorar os créditos na posse da Comissão pelo valor de 2 265 550,63 USD, acrescido de juros à taxa legal em vigor em Jibuti a contar da decisão arbitral de 28 de Janeiro de 2000, e de 66 000 USD.

8 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne indeferir o pedido da Cotecna, condenando esta nas despesas da instância.

Apreciação do Tribunal de Justiça

9 Recorde-se liminarmente que o artigo 1.° do protocolo prevê: «Os bens e haveres das Comunidades não podem ser objecto de qualquer medida coerciva, administrativa ou judicial sem autorização do Tribunal de Justiça». Esta disposição visa evitar entraves ao funcionamento e independência das Comunidades (despacho de 11 de Abril de 1989, Générale de Banque/Comissão, 1/88 SA, Colect., p. 857, n.° 2).

10 Por conseguinte, como foi decidido pelo Tribunal de Justiça no n.° 3 do seu despacho de 17 de Junho de 1987, Universe Tankship/Comissão (1/87 SA, Colect., p. 2807), a competência do Tribunal nos casos de penhora deve limitar-se à análise da questão de saber se essa medida, tendo em conta os efeitos que implica consoante o direito nacional aplicável, é susceptível de colocar entraves ao bom funcionamento e à independência das Comunidades Europeias.

11 A Cotecna considera que, no presente caso, a penhora não iria colocar entraves ao bom funcionamento da Comunidade. Para prova do que afirma, avança vários argumentos baseados na importância para o desenvolvimento de um país como o Jibuti dos serviços que presta, na ausência de consequências da penhora para as acções futuras da Comunidade e na existência de práticas que afectam a política agrícola comum em termos semelhantes aos de uma penhora.

12 A este propósito, importa precisar que o funcionamento das Comunidades pode efectivamente ser entravado por medidas coercivas que afectem o financiamento das políticas comuns ou a execução de programas de acção definidos pelas Comunidades (despacho Générale de Banque/Comissão, já referido, n.° 13).

13 Segundo o artigo 177.° , n.° 1, CE, a política da Comunidade em matéria de cooperação para o desenvolvimento deve fomentar designadamente o desenvolvimento económico e social sustentável dos países em vias de desenvolvimento.

14 A Comunidade organizou a sua cooperação para o desenvolvimento nos países de África, das Caraíbas e do Pacífico, através de uma série de convenções celebradas sucessivamente com esses países. É neste contexto que se inscreve a cooperação financeira da Comunidade para o desenvolvimento da República de Jibuti. O quadro específico desta cooperação é definido nos programas indicativos nacionais relativos aos sexto, sétimo e oitavo Fundos Europeus de Desenvolvimento. Estes programas determinam o montante global disponível para a cooperação para o desenvolvimento da República de Jibuti e definem os domínios e os objectivos e modalidades da intervenção comunitária.

15 Resulta das observações apresentadas pelas partes que o pedido da Cotecna se refere a fundos que a Comissão decidiu retirar do Fundo Europeu de Desenvolvimento para os afectar, no quadro da política comunitária de cooperação para o desenvolvimento, à realização de programas específicos a favor da República de Jibuti.

16 A autorização de penhora no presente caso teria como consequência a afectação a interesses privados - que, embora legítimos, são estranhos à política de cooperação para o desenvolvimento - dos fundos expressamente destinados pela Comunidade à realização desta política.

17 Nestas circunstâncias, há que concluir pela rejeição do pedido da Cotecna.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

18 Nos termos do artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Cotecna nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1) O pedido é indeferido.

2) A Cotecna Inspection SA é condenada nas despesas.