Despacho do presidente do Tribunal de 11 de Abril de 2001. - Comissão das Comunidades Europeias contra Cambridge Healthcare Supplies Ltd. - Processo C-471/00 P (R).
Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-02865
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória
1. Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Fundamentos - Apreciação errada dos factos - Inadmissibilidade - Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova submetidos ao Tribunal de Primeira Instância - Exclusão excepto em caso de desnaturação
[Artigo 225.° CE; Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, artigo 51.° ]
2. Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Admissibilidade - Apreciação em relação ao litígio objecto da instância
[Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, artigo 49.° ]
3. Aproximação das legislações - Especialidades farmacêuticas - Autorização de colocação no mercado - Avaliação dos medicamentos - Apreciação da sua nocividade e da sua eficácia - Exame em relação de reciprocidade - Carácter evolutivo
(Directivas do Conselho 65/65, artigo 5.° , e 75/318, anexo)
4. Aproximação das legislações - Especialidades farmacêuticas - Autorização de colocação no mercado - Revogação da autorização - Poder de apreciação das autoridades comunitárias - Fiscalização jurisdicional - Limites
(Directivas do Conselho 65/65, artigo 11.° , e 75/319, artigos 13.° e 14.° )
1. Só o Tribunal de Primeira Instância é competente, por um lado, para apurar os factos, salvo nos casos em que a inexactidão material das suas conclusões resulte das peças do processo que lhe foram submetidas, e, por outro, para apreciar esses factos. A apreciação dos factos não constitui, portanto, excepto em caso de desnaturação dos elementos que lhe foram submetidos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.
( cf. n.° 48 )
2. As condições de admissibilidade dos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância fixadas pelo artigo 49.° do Estatuto do Tribunal de Justiça são apreciadas relativamente ao litígio objecto da instância e a ele só. A circunstância de os fundamentos de um despacho do Tribunal de Primeira Instância que se tornou definitivo serem idênticos aos de um despacho objecto de recurso não impede que o autor deste recurso conteste esses fundamentos.
( cf. n.° 51 )
3. Segundo o artigo 5.° da Directiva 65/65 relativa às especialidades farmacêuticas, a avaliação de qualquer medicamento reporta-se à sua eficácia, à sua inocuidade e à sua qualidade. O respeito destas três condições visa proteger a saúde pública. Com efeito, a própria noção de protecção da saúde pública implica que o medicamento em causa não só não seja nocivo como também seja eficaz. O grau de nocividade que a autoridade competente pode considerar aceitável depende assim dos benefícios que o medicamento é suposto oferecer. Com efeito, como resulta dos sétimo e oitavo considerandos da Directiva 75/318 relativa às normas e protocolos analíticos, tóxico-farmacológicos e clínicos em matéria de ensaios de especialidades farmacêuticas, as noções de «nocividade» e de «efeito terapêutico» só podem ser examinadas em relação de reciprocidade. Deste modo, as razões que conduziram uma autoridade competente a manter a autorização de colocação no mercado de um medicamento, apesar da existência de certos efeitos nocivos, podem desaparecer se essa autoridade considerar que os benefícios que justificavam tal autorização, a saber, a existência de um efeito terapêutico, deixaram de se produzir. Com efeito, resulta da introdução do anexo da Directiva 75/318, modificada pela Directiva 91/507, que todos os dados ou informações novos serão transmitidos às autoridades competentes após a emissão da autorização de colocação no mercado «por forma a monitorizar a avaliação risco/benefício».
( cf. n.os 60, 63 )
4. Qualquer decisão de revogação de uma autorização de colocação no mercado, adoptada em aplicação do procedimento previsto nos artigos 13.° e 14.° da Directiva 75/319 relativa às especialidades farmacêuticas, deve respeitar as condições materiais exigidas pelo artigo 11.° da Directiva 65/65, condições estas relativas à eficácia, à segurança e à qualidade do medicamento. Este tipo de decisão é, portanto, o resultado de apreciações complexas do domínio médico-farmacológico. Em princípio, tais apreciações são objecto de fiscalização jurisdicional restrita. Com efeito, quando uma autoridade comunitária é chamada, no quadro da sua missão, a efectuar avaliações complexas, goza por este motivo de um amplo poder de apreciação, cujo exercício está sujeito a uma fiscalização jurisdicional limitada, que implica que o juiz comunitário não pode substituir pela sua apreciação dos factos a apreciação levada a cabo pela referida autoridade. Assim, este último limita-se, nesse caso, a examinar a materialidade dos factos e as qualificações jurídicas que essa autoridade daí deduz e, em especial, se a acção desta última não está viciada de erro manifesto ou de desvio de poder, ou ainda se a mesma autoridade não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação.
(cf. n.os 95-96)
No processo C-471/00 P(R),
Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. Støvlbæk, M. Shotter e K. Fitch, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrente,
apoiada por
República Francesa, representada por G. de Bergues e R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes,
interveniente no presente recurso,
que tem por objecto um recurso do despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 31 de Outubro de 2000, Cambridge Healthcare Supplies/Comissão (T-137/00 R, Colect., p. II-3653), em que se pede a anulação desse despacho,
sendo a outra parte no processo:
Cambridge Healthcare Supplies Ltd, com sede em Norfolk (Reino Unido), representada por D. Vaughan e K. Bacon, barristers, mandatados por S. Davis, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrente em primeira instância,
O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
ouvida a advogada-geral C. Stix-Hackl,
profere o presente
Despacho
1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de Dezembro de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias interpôs, nos termos do artigo 225.° CE e 50.° , segundo parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, recurso do despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Outubro de 2000, Cambridge Healthcare Supplies/Comissão (T-137/00 R, Colect., p. II-3653, a seguir «despacho impugnado»), pelo qual este suspendeu a execução da decisão C(2000) 452 da Comissão, de 9 de Março de 2000, relativa à revogação das autorizações de colocação no mercado de medicamentos para uso humano que contenham a seguinte substância: «fentermina» (a seguir «decisão impugnada»).
2 Por articulados entrados na Secretaria em 16 de Fevereiro de 2001, Cambridge Healthcare Supplies Ltd (a seguir «CHS»), sociedade recorrente em primeira instância, apresentou as suas observações escritas ao Tribunal de Justiça.
3 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de Janeiro de 2001, a República Francesa pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.
4 Nos termos dos artigos 37.° , primeiro e quarto parágrafos, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 93.° , n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo, há que deferir o pedido de intervenção da República Francesa no presente processo.
5 Esta última apresentou as suas alegações em 19 de Fevereiro de 2001.
6 Foram ouvidas as observações orais das partes em 7 de Março de 2001.
Enquadramento jurídico
7 Em 26 de Janeiro de 1965, o Conselho adoptou a Directiva 65/65/CEE relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18). Esta directiva foi modificada por diversas vezes, nomeadamente, pelas Directivas 89/341/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989 (JO L 142, p. 11), e 93/39/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993 (JO L 214, p. 22, a seguir «Directiva 65/65»). O artigo 3.° desta directiva estabelece o princípio segundo o qual nenhuma especialidade farmacêutica pode ser colocada no mercado de um Estado-Membro sem que uma autorização tenha sido previamente concedida pela autoridade competente deste Estado-Membro, nos termos da referida directiva, ou sem que uma autorização tenha sido concedida em conformidade com o Regulamento (CEE) n.° 2309/93 do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1).
8 O artigo 4.° da Directiva 65/65 determina, nomeadamente, que, tendo em vista a concessão da autorização de colocação no mercado (a seguir «ACM») prevista no artigo 3.° , o responsável por essa colocação apresentará à autoridade competente do Estado-Membro o respectivo pedido.
9 De acordo com o artigo 5.° da Directiva 65/65:
«A autorização prevista no artigo 3.° será recusada quando, após verificação das informações e documentos enumerados no artigo 4.° , se revelar que a especialidade é nociva em condições normais de emprego, ou que falta o efeito terapêutico da especialidade ou está insuficientemente comprovado pelo requerente, ou que a especialidade não tem a composição qualitativa e quantitativa declarada.
A autorização será igualmente recusada se a documentação e as informações apresentadas em apoio do pedido não estiverem conformes com o disposto no artigo 4.° »
10 O artigo 10.° da Directiva 65/65 dispõe que a autorização será válida por um período de cinco anos, renovável por períodos quinquenais, após exame, pela autoridade competente, de um processo que contenha, designadamente, o estado dos dados de farmacovigilância e as demais informações pertinentes para a fiscalização do medicamento.
11 O artigo 11.° , primeiro parágrafo, da Directiva 65/65 prevê:
«As autoridades competentes dos Estados-Membros suspenderão ou revogarão a autorização de colocação no mercado, quando se revelar que a especialidade farmacêutica é nociva nas condições normais de emprego ou que falta o efeito terapêutico ou, por fim, que a especialidade não tem a composição quantitativa e qualitativa declarada. O efeito terapêutico falta quando se apurar que a especialidade farmacêutica não permite obter resultados terapêuticos.»
12 De acordo com o artigo 21.° da Directiva 65/65, a ACM apenas pode ser recusada, suspensa ou revogada pelas razões enumeradas nesta directiva.
13 A Directiva 75/318/CEE do Conselho, de 20 de Maio de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes às normas e protocolos analíticos, tóxico-farmacológicos e clínicos em matéria de ensaios de especialidades farmacêuticas (JO L 147, p. 1; EE 13 F4 p. 80), modificada pela Directiva 89/341 (a seguir «Directiva 75/318»), impõe aos Estados-Membros, no seu artigo 1.° , primeiro parágrafo, que adoptem todas as medidas apropriadas para que as informações e os documentos que devem ser juntos ao pedido de ACM de um medicamento, por força do artigo 4.° , segundo parágrafo, pontos 3, 4, 6, 7 e 8, da Directiva 65/65, sejam apresentados pelos interessados, em conformidade com o anexo da Directiva 75/318.
14 Os sétimo e oitavo considerandos desta última estão formulados como segue:
«Considerando que as noções de nocividade e de efeito terapêutico constantes do artigo 5 .° da Directiva 65/65/CEE não podem ser examinadas senão em relação recíproca e apenas têm um significado relativo, apreciado em função do progresso da ciência e tendo em conta o destino da especialidade farmacêutica; que dos documentos e informações que devem ser juntos ao pedido de autorização de colocação no mercado deve sobressair a eficácia terapêutica em relação aos riscos potenciais; que, se tal não for o caso, o pedido deve ser rejeitado;
Considerando que a apreciação da nocividade e do efeito terapêutico pode evoluir em virtude de novas descobertas, e que as normas e protocolos devem ser adaptados periodicamente ao progresso científico.»
15 A Segunda Directiva 75/319/CEE do Conselho, de 20 de Maio de 1975, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 147, p. 13; EE 13 F4 p. 92), na redacção dada pela Directiva 93/39 (a seguir «Directiva 75/319»), estabelece um conjunto de procedimentos de arbitragem perante o Comité das Especialidades Farmacêuticas (a seguir «CEF») da Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos. Este procedimento será utilizado quando um Estado-Membro considere, no quadro do processo de reconhecimento mútuo das ACM nacionais previsto no artigo 9.° da Directiva 75/319, que há razões para supor que a autorização de um medicamento pode constituir um risco para a saúde pública (artigo 10.° da referida directiva), em caso de decisões divergentes relativamente à concessão, à suspensão ou à revogação das autorizações nacionais (artigo 11.° ), em casos específicos em que esteja envolvido o interesse comunitário (artigo 12.° ), bem como em caso de modificações de autorizações harmonizadas (artigos 15.° , 15.° -A e 15.° -B).
16 O artigo 12.° da Directiva 75/319 dispõe que os Estados-Membros podem, nomeadamente, em casos particulares em que esteja envolvido o interesse comunitário, submeter a questão ao CEF, com vista à aplicação do procedimento previsto no artigo 13.° da mesma directiva, antes que seja tomada uma decisão sobre o pedido, a suspensão, a revogação da ACM ou sobre qualquer outra alteração, eventualmente necessária, dos termos desta, nomeadamente, para atender às informações obtidas no âmbito da farmacovigilância prevista no capítulo V A da Directiva 75/319.
17 Nos termos do artigo 15.° -A da Directiva 75/319:
«1. Caso um Estado-Membro considere necessário, para proteger a saúde pública, alterar os termos de uma autorização de introdução no mercado concedida em conformidade com o disposto no presente capítulo, suspendê-la ou revogá-la, submeterá de imediato a questão ao comité, a fim de que sejam aplicados os procedimentos previstos nos artigos 13.° e 14.°
2. Sem prejuízo do disposto no artigo 12.° , em casos excepcionais em que seja necessária uma acção urgente para proteger a saúde pública e até ser tomada uma decisão definitiva, qualquer Estado-Membro pode suspender a comercialização no mercado e a utilização do medicamento em questão no seu território. Deve notificar a Comissão e os outros Estados-Membros, o mais tardar no dia útil seguinte, dos motivos dessa medida.»
18 O artigo 13.° da Directiva 75/319 descreve o desenrolar do procedimento perante o CEF. O seu artigo 14.° estabelece os passos a seguir após recepção pela Comissão do parecer do CEF. O n.° 1, terceiro parágrafo, desta disposição precisa que, «[c]aso, a título excepcional, o projecto de decisão [da Comissão] não corresponda ao parecer da agência, a Comissão deve fundamentar pormenorizadamente num anexo os motivos de quaisquer divergências.»
Matéria de facto e tramitação processual
19 A CHS é titular de uma ACM de um medicamento que contém fentermina. Os factos na origem do recurso estão expostos no despacho impugnado, como segue:
«9 Em 17 de Maio de 1995, a República Federal da Alemanha submeteu uma questão ao CEF, de acordo com o artigo 12.° da Directiva 75/319, na redacção dada pela Directiva 93/39, em que referia as suas preocupações relativamente aos redutores de apetite, entre os quais se incluem medicamentos contendo fentermina, susceptíveis de provocar grave hipertensão arterial pulmonar.
10 O procedimento assim iniciado conduziu à adopção da decisão C(96) 3608 da Comissão, de 9 de Dezembro de 1996 [a seguir decisão de 9 de Dezembro de 1996], baseada nos n.os 1 e 2 do artigo 14.° da Directiva 75/319, que obriga os Estados-Membros a alterarem determinadas informações clínicas que deviam constar das autorizações nacionais de colocação no mercado dos medicamentos em causa.
11 Por carta de 7 de Novembro de 1997 dirigida ao presidente do CEF, o Ministério dos Assuntos Sociais, da Saúde Pública e do Ambiente belga exprimiu, designadamente, a sua preocupação quanto à existência de uma relação de causa e efeito entre as disfunções da válvula cardíaca e a ingestão de medicamentos contendo fentermina. Solicitou, em consequência, ao CEF, nos termos dos artigos 13.° e 15.° -A da Directiva 75/319, que emitisse um parecer fundamentado sobre os referidos medicamentos.
12 Em 22 de Abril de 1999, o CEF emitiu um parecer sobre a avaliação científica dos medicamentos contendo fentermina e recomendou a revogação das autorizações de colocação no mercado dos referidos medicamentos. A recorrente recorreu deste parecer. A este respeito, teve lugar uma audição em 28 de Julho de 1999. No seu parecer final, emitido em 31 de Agosto de 1999, o CEF chegou à conclusão de que, embora os receios manifestados pelo ministério belga não possam ser totalmente excluídos, nenhum elemento permite sustentá-los. Todavia, concluiu que os medicamentos contendo fentermina apresentavam uma relação benefícios/riscos desfavorável e recomendou que fossem revogadas as autorizações de colocação no mercado dos referidos medicamentos.
13 Com base neste parecer, a Comissão adoptou, em 9 de Março de 2000, a decisão relativa à revogação das autorizações de colocação no mercado de medicamentos para uso humano que contenham a seguinte substância: fentermina [...]. O artigo 2.° da decisão impugnada faz referência às apreciações feitas pelo CEF nesse parecer. O artigo 3.° determina que os Estados-Membros revoguem as autorizações de colocação no mercado de todos os medicamentos enumerados no anexo I da decisão impugnada, no prazo de 30 dias após a data de notificação da referida decisão.»
20 Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Maio de 2000, a CHS interpôs no Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 230.° , quarto parágrafo, CE, recurso de anulação da decisão impugnada.
21 Por requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância no mesmo dia, a CHS apresentou um pedido de suspensão de execução da decisão impugnada, bem como um pedido fundado no artigo 105.° , n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, no sentido de o pedido de suspensão da execução ser decidido com urgência.
22 Em 20 de Julho de 2000, o presidente do Tribunal de Primeira Instância deferiu o pedido baseado no artigo 105.° , n.° 2, do seu Regulamento de Processo e ordenou a suspensão da execução da decisão impugnada até à prolação do despacho final no processo de medidas provisórias.
23 Além da decisão impugnada, a Comissão adoptou igualmente, em 9 de Março de 2000, duas outras decisões respeitantes à revogação das ACM dos medicamentos para uso humano que contenham a substância «anfepramona» [C(2000) 453] bem como as substâncias «clobenzorex», «fenbutrazato», «fenproporex», «mazindol», «mefenorex», «norpseudoefedrina», «fenemetrazina», «fendimetrazina» e «propilexedrina» [C(2000) 608]. Todas estas decisões respeitam a medicamentos destinados ao tratamento da obesidade, que já eram visados na decisão de 9 de Dezembro de 1996, e seguem-se a uma reavaliação destes mesmos medicamentos a título do artigo 15.° -A da Directiva 75/319, que havia sido pedida por dois Estados-Membros. O procedimento de avaliação levou à emissão de diversos pareceres do CEF, adoptados pela quase unanimidade dos seus membros, recomendando a revogação das ACM de todos estes medicamentos por razões muito semelhantes. As decisões de 9 de Março de 2000 da Comissão baseiam-se nestes pareceres.
24 As três decisões mencionadas no número anterior foram objecto de nove pedidos de medidas provisórias. Por despacho de 28 de Junho de 2000, Artegodan/Comissão (T-74/00 R, Colect., p. II-2583), o presidente do Tribunal de Primeira Instância pronunciou-se acerca de um destes pedidos e ordenou a suspensão da execução da decisão C(2000) 453 no que respeita à Artegodan GmbH. Não foi interposto qualquer recurso deste despacho. O presidente do Tribunal de Primeira Instância pronunciou-se acerca dos oito outros pedidos de medidas provisórias, por despacho de 19 de Outubro de 2000, Trenker/Comissão (T-141/00 R, Colect., p. II-3313), e por sete outros despachos de 31 de Outubro de 2000, Bruno Farmaceutici e o./Comissão (T-76/00 R, Colect., p. II-3557), Schuck/Comissão (T-83/00 R II, Colect., p. II-3585), Hänseler/Comissão (T-83/00 R I, Colect., p. II-3563), Roussel e Roussel Diamant/Comissão (T-84/00 R, Colect., p. II-3591), Roussel e Roussel Iberica/Comissão (T-85/00 R, Colect., p. II-3613), Gerot Pharmazeutika/Comissão (T-132/00 R, Colect., p. II-3635), bem como pelo despacho impugnado. Estes oito despachos, que foram objecto de recursos interpostos pela Comissão, bem como o despacho Artegodan/Comissão, já referido, baseiam-se em fundamentos quase idênticos.
O despacho impugnado
25 Pelo despacho impugnado, o presidente do Tribunal de Primeira Instância deferiu o pedido da CHS e decretou a suspensão da execução da decisão impugnada no que se refere a estas últimas.
26 O juiz das medidas provisórias considerou que a condição relativa ao fumus boni juris se encontrava satisfeita no caso vertente. A este respeito, expôs, no n.° 34 do despacho impugnado, as considerações seguintes:
«34 No que se refere ao fumus boni juris, há que concluir que os fundamentos suscitados pela requerente não parecem, à primeira vista, totalmente desprovidos de fundamento. Por um lado, verifica-se, designadamente, que a competência da Comissão para adoptar a decisão impugnada está condicionada pela natureza da decisão de 9 de Dezembro de 1996, a qual está sujeita a discussão. Por outro lado, a Comissão não carreou elementos convincentes susceptíveis de explicar a razão pela qual esta última decisão e a decisão impugnada conduzem a resultados diametralmente opostos. Os fundamentos apresentados pela requerente merecem, pois, ser objecto de uma análise aprofundada que ultrapassa, contudo, de facto e de direito, o âmbito do presente processo de medidas provisórias.»
27 No que respeita à urgência, o juiz das medidas provisórias concluiu que o prejuízo que poderia resultar da execução imediata da decisão impugnada apresenta carácter grave e irreparável. Para chegar a esta conclusão, baseou-se nas considerações seguintes:
«43 No caso vertente, a execução imediata da decisão impugnada obriga à total retirada do mercado dos medicamentos visados pelo artigo 1.° da decisão. Em consequência, implica que, se a execução da decisão impugnada não for suspensa, os medicamentos de substituição, cuja existência é reconhecida pelas duas partes, tomarão muito provavelmente o lugar dos medicamentos retirados. Ainda que as declarações segundo as quais o medicamento retirado apresenta perigo para a saúde pública do doente sejam posteriormente refutadas, é muitas vezes impossível restaurar a confiança no produto retirado, salvo em casos particulares, a saber, quando as qualidades do medicamento sejam particularmente apreciadas pelos utilizadores e quando não exista produto de substituição perfeito, ou se o fabricante gozar de uma reputação excepcionalmente boa, de tal forma que seja impossível afirmar-se que já não poderá reconquistar as partes de mercado que detinha antes da retirada. Contudo, tais casos particulares não se verificam no caso vertente.
44 Além disso, em caso de anulação pelo Tribunal da decisão impugnada, autorizando, assim, a requerente a comercializar de novo o seu medicamento, o prejuízo financeiro por ela sofrido em consequência da diminuição das vendas resultante de uma perda de confiança no seu medicamento não pode, na realidade, ser quantificado de forma suficientemente completa para efeitos de reparação.»
28 No que respeita à ponderação dos interesses, o juiz das medidas provisórias concluiu que ela pende, no caso vertente, a favor da suspensão da execução da decisão impugnada, baseando-se nas considerações seguintes:
«49 Com efeito, parece muito provável que a execução da decisão impugnada tenha por consequência a perda definitiva, para a requerente, da sua posição no mercado, ainda que o Tribunal anule a decisão impugnada.
50 Contra os interesses comerciais da requerente, a Comissão invoca que a suspensão da execução da decisão impugnada pode afectar a saúde pública. Cabe sublinhar a este respeito que, em princípio, às exigências relacionadas com a protecção da saúde pública deve incontestavelmente ser atribuída uma importância preponderante relativamente às considerações económicas (despacho [do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1996,] Reino Unido/Comissão, [C-180/96 R, Colect., p. I-3903,] n.° 93; acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Affish, C-183/95, Colect., p. I-4315, n.° 43; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Infrisa/Comissão, T-136/95, Colect., p. II-3301, n.° 58; e despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Junho de 1999, Alpharma/Conselho, T-70/99 R, Colect., p. II-2027, n.° 152).
51 Note-se, contudo, que, neste âmbito, a referência à protecção da saúde pública não pode, por si só, excluir o exame das circunstâncias do caso vertente e, designadamente, dos factos com ele relacionados.
52 No caso vertente, a Comissão provou, de forma suficiente, existirem incertezas quanto aos riscos associados aos medicamentos contendo fentermina, apesar de tais riscos serem ligeiros. Contudo, sendo que a decisão de 9 de Dezembro de 1996 e a decisão impugnada se fundam em elementos de facto perfeitamente idênticos, divergem fundamentalmente as medidas adoptadas pela Comissão, em 1996 e em 2000, para a protecção da saúde pública relativamente a tais riscos. Nestas circunstâncias, a Comissão estava obrigada a demonstrar que as medidas de protecção contidas na decisão de 9 de Dezembro de 1996 se revelaram insuficientes para a protecção da saúde pública, de tal forma que as medidas de protecção que adoptou pela decisão impugnada não são manifestamente desproporcionadas. Contudo, a Comissão não conseguiu fazer tal prova.
53 Além disso, observe-se que o facto de os riscos para a saúde, que determinaram a adopção da decisão impugnada, terem já sido tomados em consideração na decisão da Comissão de 9 de Dezembro de 1996 e terem conduzido à alteração das informações obrigatórias relativas aos medicamentos prescritos por receita indica que a execução da decisão impugnada não é urgente.»
O presente recurso
Argumentação das partes
29 A Comissão invoca sete fundamentos em apoio do seu recurso.
30 Pelo seu primeiro fundamento, a Comissão, apoiada pelo Governo francês, acusa o juiz das medidas provisórias de não ter aplicado correctamente, ou mesmo de nem sequer ter aplicado, o princípio da precaução no quadro da ponderação dos interesses que efectuou. Este princípio significa que a Comissão pode tomar medidas de protecção sem ter de esperar que a realidade e a gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas (acórdão de 5 de Maio de 1998, National Farmers' Union e o., C-157/96, Colect., p. I-2211, n.° 63).
31 O segundo fundamento baseia-se num desconhecimento da natureza da decisão impugnada e do processo que conduziu à sua adopção.
32 A Comissão alega que, quando adopta uma medida de protecção da saúde pública em matéria de medicamentos, o processo científico do exame dos riscos não é assegurado por si própria, sendo antes levado a cabo por peritos científicos, a saber, os membros do CEF. É com base neste exame que a Comissão adopta, então, a sua decisão política (decisão dita de «gestão de riscos»), ponderando o resultado do exame dos riscos com outros factores a ter em conta. A ausência de referência ao parecer científico do CEF no despacho impugnado revela uma incompreensão fundamental do procedimento que conduziu à adopção da decisão impugnada.
33 Ora, segundo a Comissão, a razão pela qual adoptou, em 9 de Março de 2000, uma decisão diferente da de 9 de Dezembro de 1996 está directamente ligada ao parecer final do CEF, de 31 de Agosto de 1999. Alega que a fundamentação da decisão impugnada se refere ao facto de o CEF ter entendido que o efeito terapêutico dos medicamentos que contenham fentermina é inexistente no tratamento da obesidade, avaliado com base nos conhecimentos científicos acumulados ao longo dos últimos anos e nas recomendações médicas em vigor.
34 Entre a adopção da decisão de 9 de Dezembro de 1996 e a da decisão impugnada, as orientações relativas à eficácia terapêutica dos medicamentos destinados ao tratamento da obesidade, bem como as directivas médicas respeitantes ao tratamento desta, mudaram e esta mudança levou o CEF a alterar a sua apreciação científica. Estas orientações representam uma mudança fundamental da opinião do mundo científico quanto à forma de tratar a obesidade. Ao não ter em conta este factor essencial e ao concentrar-se exclusivamente na identidade dos dados em que se baseiam as duas decisões acima mencionadas, o juiz das medidas provisórias cometeu um erro material no que respeita ao exame da ponderação dos interesses. Também não decorre do despacho impugnado que o juiz das medidas provisórias tenha tomado em conta o facto de que a decisão impugnada criou um nível de protecção da saúde mais elevado do que o que resulta da decisão de 9 de Dezembro de 1996.
35 O Governo francês subscreve, no essencial, esta argumentação, alegando que o juiz das medidas provisórias desnaturou o conteúdo da decisão impugnada na acepção do acórdão de 27 de Janeiro de 2000, DIR International Film e o./Comissão (C-164/98 P, Colect., p. I-447, n.os 48 e 49). Tal desnaturação resulta de uma leitura parcial da referida decisão. O juiz das medidas provisórias não teve em consideração o anexo II desta, na medida em que não assinalou que o CEF examinou dados científicos complementares, posteriores a 1996, e omitiu o facto de que, segundo o CEF, os medicamentos que contêm fentermina não apresentam a eficácia exigida.
36 Pelo seu terceiro fundamento, a Comissão critica o despacho impugnado por este se situar «fora dos limites do exame jurídico». Alega que o juiz das medidas provisórias cometeu um erro de direito ao substituir-se, na apreciação da questão do nível apropriado de protecção da saúde pública, à instância competente para exercer o seu poder discricionário nesta matéria, a saber, a Comissão. O Governo francês subscreve, no essencial, este fundamento, recordando que o Tribunal de Justiça já declarou, no acórdão de 21 de Janeiro de 1999, Upjohn (C-120/97, Colect., p. I-223, n.os 33 e 34), que o juiz só pode efectuar uma fiscalização jurisdicional limitada em matéria de apreciações complexas do domínio médico-farmacológico.
37 O quarto fundamento baseia-se em violação dos critérios da ponderação dos interesses. O juiz das medidas provisórias cometeu um erro de direito ao não proceder correctamente à ponderação dos interesses em causa, na medida em que apenas examinou e teve em consideração o prejuízo económico que sofreria a empresa que pediu a suspensão da decisão impugnada, sem levar correctamente em conta a gravidade e o carácter irreparável dos prejuízos sofridos pelos doentes tratados com o medicamento em causa. O juiz das medidas provisórias não deu prioridade à protecção da saúde pública exigida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, não obstante ter sido constatada a existência de riscos para a saúde humana pelos peritos científicos reunidos no seio do CEF.
38 O quinto fundamento respeita a um erro de direito quanto ao alcance do ónus da prova que cabe à Comissão. O juiz das medidas provisórias partiu da hipótese segundo a qual a Comissão, assistida pelo CEF, tem, por si só, condições para demonstrar a ausência de eficácia terapêutica de um medicamento ou que este é perigoso em condições de utilização normais. A este respeito, a Comissão recorda que o fornecimento de dados sobre a segurança e a eficácia terapêutica de um medicamento depende largamente dos titulares de ACM e que não lhe cabe a ela nem ao CEF realizar ensaios clínicos. A abordagem do juiz das medidas provisórias relativamente ao ónus da prova impediria a Comissão de reconsiderar as suas decisões respeitantes às ACM, salvo se surgiram novos dados sobre a matéria.
39 O sexto fundamento baseia-se em erros materiais respeitantes à conclusão, retirada no n.° 52 do despacho impugnado, segundo a qual, embora existam incertezas no que toca aos riscos associados aos medicamentos que contenham fentermina, tais riscos para a saúde são «ligeiros». Resulta claramente do processo submetido ao Tribunal de Primeira Instância que os riscos associados aos referidos medicamentos, nomeadamente, os riscos acrescidos de hipertensão arterial pulmonar primitiva e de valvulopatias cardíacas, não são «ligeiros». O juiz das medidas provisórias substituiu a apreciação do CEF pela sua própria apreciação.
40 O sétimo fundamento baseia-se na ausência de fundamentação do despacho impugnado no que respeita à apreciação do presidente do Tribunal de Primeira Instância relativa ao carácter alegadamente ligeiro dos riscos associados aos medicamentos que contenham fentermina. Segundo a Comissão, não foi dada qualquer explicação, no n.° 52 ou em qualquer outro do despacho impugnado, de natureza a permitir compreender as razões dessa apreciação.
41 No que respeita ao princípio da precaução, a CHS salienta que este princípio é apenas parte da análise que o juiz deve efectuar no quadro do princípio da proporcionalidade. Não se pode considerar, em todos os casos, que o princípio da proporcionalidade foi respeitado pelo simples facto de ter sido alegado que existe uma incerteza quanto aos riscos para a saúde humana. Além disso, a simples referência à protecção da saúde pública não pode excluir o exame das circunstâncias do caso concreto.
42 No que respeita ao segundo fundamento invocado pela Comissão, a CHS considera que uma leitura de conjunto do despacho impugnado, que tenha em conta todas as suas partes e, nomeadamente, os n.os 9 a 13 bem como os n.os 33 e 34, revela que todos os aspectos da decisão impugnada foram compreendidos e tidos em consideração pelo juiz das medidas provisórias. A CHS sustenta igualmente que a alegada «mudança fundamental da opinião do mundo científico quanto à forma de tratar a obesidade» - mudança que, em qualquer dos casos, contesta - não é tão importante quanto pretende a Comissão, uma vez que esta última não a mencionou nas suas observações escritas acerca do pedido de medidas provisórias perante o Tribunal de Primeira Instância. O juiz das medidas provisórias reconheceu, no n.° 52 do despacho impugnado, a existência de um nível de protecção mais elevado da saúde pública, mas considerou-o excessivo.
43 No que respeita aos terceiro e sexto fundamentos, a CHS sustenta que, ao considerar que os riscos associados aos medicamentos que contenham fentermina eram «ligeiros», o juiz das medidas provisórias limitou-se a descrever as conclusões da Comissão na decisão impugnada.
44 Para refutar o quarto fundamento, baseado num erro de direito na ponderação dos interesses, a CHS considera que a Comissão não aponta qualquer erro de direito, limitando-se a manifestar o seu desacordo com o resultado a que chegou o presidente do Tribunal de Primeira Instância. Resulta dos n.os 50 a 53 do despacho impugnado que o juiz das medidas provisórias tomou em consideração os riscos que, segundo o CEF, estão associados aos medicamentos que contenham fentermina. A CHS acrescenta que o parecer do CEF não refere a existência de um prejuízo «grave e irreparável» como o que foi alegado pela Comissão no presente recurso.
45 Quanto ao quinto fundamento, relativo ao ónus da prova, a CHS considera que a Comissão confunde a questão da prova com a questão da produção dos dados. É certo que não cabe à Comissão nem ao CEF realizarem ensaios clínicos. Esta é a razão pela qual este último pode solicitar informações ao titular da ACM, a terceiros e a peritos. Tal não afecta a questão do ónus da prova, que incumbe à Comissão, aquando da adopção de uma decisão particular. De resto, o n.° 52 do despacho impugnado não exige qualquer nível especial de prova relativo à segurança e à eficácia da fentermina, respeitando unicamente à questão de saber se a decisão impugnada é manifestamente excessiva.
46 Quanto ao sétimo fundamento da Comissão, baseado na ausência de fundamentação do despacho impugnado, a CHS considera que a qualificação de riscos «ligeiros» dos riscos associados aos medicamentos que contenham fentermina é uma descrição correcta dos factos em que a Comissão se baseou para adoptar a decisão impugnada. O juiz das medidas provisórias explicou também, no n.° 53 do despacho impugnado, as razões que o levaram à conclusão de que a aplicação da referida decisão não era «urgente».
Apreciação
47 Deve recordar-se que, segundo os artigos 225.° CE e 51.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância está limitado às questões de direito e deve assentar em fundamentos de incompetência do Tribunal de Primeira Instância, irregularidades processuais perante o Tribunal de Primeira Instância que prejudiquem os interesses da parte recorrente ou em violação do direito comunitário por este último.
48 Só o Tribunal de Primeira Instância é competente, por um lado, para apurar os factos, salvo nos casos em que a inexactidão material das suas conclusões resulte das peças do processo que lhe foram submetidas, e, por outro, para apreciar esses factos. A apreciação dos factos não constitui, portanto, excepto em caso de desnaturação dos elementos que lhe foram submetidos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (v., nomeadamente, acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, C-390/95 P, Colect., p. I-769, n.° 29).
49 Atendendo a todas estas considerações, há que examinar os fundamentos do presente recurso.
50 A título liminar, tratando-se de uma questão de ordem pública, há que apreciar oficiosamente se o recurso não é inadmissível por desrespeito da autoridade do caso julgado que resulta do despacho Artegodan/Comissão, já referido, uma vez que um fundamento desta natureza já foi invocado no quadro do processo Comissão/Trenker [C-459/00 P(R)], julgado por despacho na mesma data (Colect. 2001, p. I-2823).
51 A este respeito, basta recordar que as condições de admissibilidade dos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância fixadas pelo artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça são apreciadas relativamente ao litígio objecto da instância e a ele só. A circunstância de os fundamentos de um despacho do Tribunal de Primeira Instância que se tornou definitivo serem idênticos aos de um despacho objecto de recurso não impede que o autor deste recurso conteste esses fundamentos (v., no que respeita a um acórdão do Tribunal de Primeira Instância que considerou procedente uma excepção de ilegalidade de um acto regulamentar, acórdão de 5 de Outubro de 2000, Conselho/Chvatal e o., C-432/98 P e C-433/98 P, Colect., p. I-8535, n.° 22).
52 Resulta destas considerações que o presente recurso é admissível.
53 Desde logo, há que examinar o fundamento baseado na desnaturação do conteúdo da decisão impugnada.
54 A este respeito, resulta da fundamentação do despacho impugnado relativa quer ao fumus boni juris quer à ponderação dos interesses que as considerações seguintes se revestiram de carácter determinante no raciocínio do juiz das medidas provisórias:
- «[...] a Comissão não carreou elementos convincentes susceptíveis de explicar a razão pela qual [a decisão de 9 de Dezembro de 1996] e a decisão impugnada conduzem a resultados diametralmente opostos» (n.° 34);
- «[...] sendo que a decisão de 9 de Dezembro de 1996 e a decisão impugnada se fundam em elementos de facto perfeitamente idênticos, divergem fundamentalmente as medidas adoptadas pela Comissão, em 1996 e em 2000, para a protecção da saúde pública relativamente a tais riscos. Nestas circunstâncias, a Comissão estava obrigada a demonstrar que as medidas de protecção contidas na decisão de 9 de Dezembro de 1996 se revelaram insuficientes para a protecção da saúde pública, de tal forma que as medidas de protecção que adoptou pela decisão impugnada não são manifestamente desproporcionadas» (n.° 52);
- «[...] os riscos para a saúde, que determinaram a adopção da decisão impugnada, terem já sido tomados em consideração na decisão da Comissão de 9 de Dezembro de 1996 e terem conduzido à alteração das informações obrigatórias relativas aos medicamentos prescritos por receita médica» (n.° 53).
55 Deve concluir-se que estas apreciações não assentam numa análise, nem sequer sumária, da fundamentação da decisão impugnada tal como esta figura no anexo II desta última, para o qual remete o seu artigo 2.°
56 O anexo II da decisão impugnada, que retoma as conclusões científicas do CEF a fim de indicar as razões que conduziram às revogações das ACM dos medicamentos enumerados no anexo I desta decisão, contém, desde logo, uma análise da eficácia destes medicamentos. Nela se conclui que «o efeito terapêutico dos medicamentos que contenham fentermina é inexistente no tratamento da obesidade, avaliado com base nos conhecimentos científicos acumulados ao longo dos últimos anos e nas recomendações médicas em vigor».
57 Para chegar a esta conclusão, o anexo II precisa que «[a] recuperação de peso é rápida após interrupção do tratamento e nenhum estudo controlado prova que um efeito limitado a curto prazo tenha uma influência clínica relevante a longo prazo sobre o peso ou que dele resulte qualquer benefício clínico no quadro de um programa de tratamento da obesidade». É igualmente referido que «[o] risco de toxicomania e de dependência torna impossível a utilização da fentermina como tratamento a longo prazo» e que «as reivindicações segundo as quais [a fentermina] poderia facilitar ou melhorar as estratégias a longo prazo, quando utilizada como complemento, não foram sustentadas por provas adequadas».
58 Segundo o referido anexo II, uma eficácia terapêutica no tratamento da obesidade necessita de uma perda de peso significativa e duradoura, durante, pelo menos, um ano. É igualmente precisado que «[e]sta observação, baseada numa acumulação de conhecimentos científicos adquiridos ao longo de anos, figura nas recomendações médicas em vigor. A mesma reflecte-se na Note for Guidance on Clinical Investigation of Drugs Used in Weight Control - directrizes sobre os estudos de medicamentos utilizados para o controlo do peso - (CPMP/EWP/281/96). Está igualmente expressa em directrizes actuais, por exemplo, na directriz escocesa (1996), numa directriz do Royal College of Physicians (1998) e numa outra da American Society for Clinical Nutrition (1998)».
59 Deve sublinhar-se a importância desta fundamentação relativamente ao objecto da decisão impugnada e à luz do direito aplicável em matéria de avaliação de medicamentos.
60 A este respeito, deve recordar-se que, segundo o artigo 5.° da Directiva 65/65, a avaliação de qualquer medicamento se reporta à sua eficácia, à sua inocuidade e à sua qualidade. O respeito destas três condições visa proteger a saúde pública. Com efeito, a própria noção de protecção da saúde pública implica que o medicamento em causa não só não seja nocivo como também seja eficaz. Como precisam as notas dos artigos 10.° , n.° 1, da Directiva 75/319 e 7.° -A da Directiva 65/65, «a expressão risco para a saúde pública refere-se à eficácia, à qualidade e à segurança do medicamento».
61 A importância associada à eficácia do medicamento, que está na base da decisão impugnada, tem a ver com o facto de o artigo 1.° , n.° 2, primeiro parágrafo, da Directiva 65/65 ter adoptado, para definir a noção de medicamento, o critério chamado de «apresentação». Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este critério tem por finalidade abranger não apenas os medicamentos que tenham um verdadeiro efeito terapêutico ou medicinal mas também os produtos que não sejam suficientemente eficazes, ou que não tenham o efeito que a sua apresentação permitiria esperar, a fim de proteger os consumidores não apenas dos medicamentos nocivos ou tóxicos como tais mas também de diversos produtos utilizados em vez dos remédios adequados (v., por último, acórdão de 28 de Outubro de 1992, Ter Voort, C-219/91, Colect., p. I-5485, n.° 16).
62 Consequentemente, como resulta dos próprios termos do artigo 11.° da Directiva 65/65, a autoridade competente é obrigada a revogar ou a suspender uma ACM não apenas quando o medicamento parece ser nocivo ou não possuir a qualidade declarada mas também quando se revele ineficaz.
63 O grau de nocividade que a autoridade competente pode considerar aceitável depende assim dos benefícios que o medicamento é suposto oferecer. Com efeito, como resulta dos sétimo e oitavo considerandos da Directiva 75/318, as noções de «nocividade» e de «efeito terapêutico» só podem ser examinadas em relação de reciprocidade. Deste modo, as razões que conduziram uma autoridade competente a manter a ACM de um medicamento, apesar da existência de certos efeitos nocivos, podem desaparecer se essa autoridade considerar que os benefícios que justificavam tal autorização, a saber, a existência de um efeito terapêutico, deixaram de se produzir. Com efeito, resulta da introdução do anexo da Directiva 75/318, modificada pela Directiva 91/507/CEE da Comissão, de 19 de Julho de 1991 (JO L 270, p. 32), que todos os dados ou informações novos serão transmitidos às autoridades competentes após a emissão da ACM «por forma a monitorizar a avaliação risco/benefício».
64 Impõe-se concluir que, nas suas apreciações respeitantes ao fumus boni juris e à ponderação dos interesses, o despacho impugnado não faz qualquer referência às considerações que figuram na fundamentação da decisão impugnada no que respeita à mudança dos critérios científicos de avaliação dos medicamentos destinados ao tratamento da obesidade e à ausência de efeito terapêutico dos medicamentos que contenham fentermina.
65 Ora, essa mudança surge, segundo os próprios termos da decisão impugnada, como um elemento determinante na avaliação dos referidos medicamentos pelo CEF e pela Comissão.
66 Além disso, em razão desta omissão, os riscos mencionados nos n.os 52 e 53 do despacho impugnado respeitam apenas à nocividade do medicamento considerado isoladamente, sem que esta seja relacionada com a inexistência de efeito terapêutico do mesmo medicamento.
67 Resulta do que precede que, na medida em que revela uma ausência de tomada em consideração dos aspectos essenciais da fundamentação da decisão impugnada e, portanto, uma desnaturação do conteúdo desta, o despacho impugnado está viciado de um erro de direito.
68 Por conseguinte, sem que seja necessário decidir dos outros fundamentos do presente recurso, deve julgar-se este procedente e anular o despacho impugnado.
69 Nos termos do artigo 54.° , primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, quando o recurso for procedente, o Tribunal de Justiça anulará a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode, neste caso, julgar ele próprio directamente o litígio se o mesmo estiver em condições de ser julgado, sem remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância para julgamento. Uma vez que o processo está em condições de ser julgado, há que decidir definitivamente do pedido de medidas provisórias.
Quanto ao pedido de medidas provisórias
Quanto ao fumus boni juris
70 A CHS invoca diversos fundamentos para justificar, à primeira vista, a concessão da suspensão solicitada.
71 Em primeiro lugar, alega que a Comissão não era competente para adoptar a decisão impugnada. O artigo 15.° -A da Directiva 75/319 não constitui uma base jurídica válida para o procedimento adoptado no caso vertente. Este artigo não permite a um Estado-Membro instaurar o procedimento previsto na mesma directiva, a não ser quando se trate de ACM concedidas nos termos do respectivo capítulo III. Ora, a CHS alega que as autorizações em causa são autorizações nacionais e não autorizações concedidas nos termos da referida directiva. O facto de essas ACM terem sido alteradas pela decisão de 9 de Dezembro de 1996, na sequência de um procedimento instaurado a título do artigo 12.° da Directiva 75/319, não afecta esta conclusão.
72 A CHS acrescenta que apenas a questão submetida ao CEF, isto é, a da relação entre a fentermina e os distúrbios cardio-vasculares, podia ser examinada por este comité. A este respeito, as autoridades belgas solicitaram um exame dos riscos de valvulopatia cardíaca devidos à tomada de medicamentos contendo fentermina e nenhum Estado-Membro introduziu um pedido de avaliação da relação benefícios/riscos relativa a estes medicamentos. O parecer do CEF ultrapassa assim os limites da consulta que lhe foi dirigida e, por conseguinte, não é válido. Não pode, portanto, constituir um fundamento jurídico válido para a decisão impugnada.
73 Segundo a Comissão, a decisão de 9 de Dezembro de 1996 constitui uma ACM concedida de acordo com as disposições do capítulo III da Directiva 75/319. Acrescenta que a mesma foi adoptada com base no artigo 12.° da Directiva 75/319 e conduziu à harmonização das ACM dos medicamentos aí enumerados, entre os quais figura o medicamento produzido pela CHS. A Comissão salienta que a referida decisão modifica de forma substancial, a título do direito comunitário, as ACM nacionais, de tal forma que, após o termo do prazo fixado no seu artigo 3.° , não é autorizada a colocação no mercado dos medicamentos em causa, salvo se da sua apresentação constarem as informações clínicas definidas naquela decisão.
74 A Comissão alega igualmente que, segundo a legislação comunitária sobre medicamentos, a segurança e a eficácia são requisitos interdependentes. Daqui decorre que cabia ao CEF tê-los em conta e examinar as questões que lhe foram submetidas num contexto alargado.
75 No quadro da apreciação do fumus boni juris dos pedidos de suspensão de execução, não cabe ao juiz das medidas provisórias pronunciar-se a título definitivo acerca da interpretação das disposições aplicáveis ao litígio.
76 Uma vez feita esta ressalva, por um lado, impõe-se reconhecer que, embora a decisão de 9 de Dezembro de 1996 não tenha precedido a emissão das ACM nacionais, não se pode inferir dessa circunstância que os Estados-Membros dispunham, após a adopção daquela, de uma liberdade absoluta no que respeita à manutenção dessas ACM nacionais, com risco de reduzir a nada a harmonização levada a cabo pela referida decisão. À primeira vista, a tese da CHS privaria de efeito útil as decisões da Comissão respeitantes a ACM já emitidas, adoptadas segundo o procedimento previsto nos artigos 13.° e 14.° da Directiva 75/319.
77 Por outro lado, resulta do n.° 63 do presente despacho que, embora a consulta do CEF se tenha baseado em considerações respeitantes à nocividade do medicamento que contenha fentermina, a decisão que põe termo ao procedimento previsto nos artigos 13.° e 14.° da Directiva 75/319 pode, à primeira vista, ter em conta a questão de saber se os benefícios do medicamento continuam a sobrepor-se aos seus efeitos nocivos.
78 Daqui resulta que os argumentos invocados pela CHS não parecem demonstrar, numa primeira análise, que a Comissão não era competente para adoptar a decisão impugnada.
79 Em segundo lugar, a CHS alega que o procedimento seguido, no caso vertente, perante o CEF e a Comissão se caracteriza por uma infracção grave às regras formais, na medida em que o processo de adopção da decisão impugnada sofreu atrasos excessivos em todas as fases e os prazos prescritos na Directiva 75/319 não foram respeitados. A CHS acrescenta que, visto o desfecho do procedimento já estar determinado antecipadamente e lhe terem sido ocultadas informações pertinentes, foi privada do direito de defender eficazmente os seus interesses no momento em que, antes de emitir o seu primeiro parecer, o CEF examinou o processo. Em especial, a CHS sublinha que, antes do primeiro parecer do CEF, nunca foi informada do facto de que este último tencionava recomendar a retirada da fentermina por razões de eficácia quando, no fim de contas, estas razões constituem o único motivo pelo qual a retirada foi recomendada. Estas lacunas violaram garantias processuais fundamentais e não foram sanadas pelas vias de recurso abertas nas fases posteriores do procedimento.
80 No que respeita ao argumento da CHS segundo o qual os prazos fixados nos artigos 13.° e 14.° da Directiva 75/319 não foram observados, a Comissão alega que os atrasos que lhe são imputados se devem, nomeadamente, ao facto de o CEF ter sido obrigado a examinar de forma aprofundada o carácter apropriado das diferentes recomendações que podiam ser feitas, ao número significativo de medicamentos que foram submetidos ao procedimento de exame no presente processo e à circunstância de, a fim de proceder a uma avaliação equitativa e minuciosa de cada produto com base nos respectivos méritos, o CEF dever dispor do tempo necessário para avaliar todos os dados disponíveis. A Comissão acrescenta que do não respeito dos prazos não resulta automaticamente a invalidade do parecer do CEF e que os atrasos invocados não causaram prejuízo à CHS.
81 No que respeita ao argumento desta última segundo o qual não teve a possibilidade de defender convenientemente os seus interesses antes do primeiro parecer do CEF, a Comissão alega que a CHS foi convidada a fornecer dados sobre a eficácia do medicamento em causa bem como a apresentar as suas observações orais ao CEF, antes de este emitir o referido parecer.
82 Deve salientar-se que, finda uma primeira análise, não parece resultar dos termos dos artigos 13.° e 14.° da Directiva 75/319 que os prazos cujo desrespeito é criticado pela CHS sejam imperativos. Esta última não precisa, de forma alguma, qual foi o prejuízo concreto causado pelos atrasos verificados, nem em que medida estes tiveram qualquer efeito sobre os direitos da defesa ou sobre o conteúdo da decisão impugnada.
83 Além disso, resulta dos autos, por um lado, que a CHS, que foi convidada a fornecer elementos sobre a eficácia do seu medicamento desde o início do procedimento, apresentou observações orais ao CEF antes de este emitir o seu primeiro parecer e, por outro, que a CHS pôde tomar posição acerca deste parecer e, por conseguinte, teve oportunidade de defender o seu ponto de vista antes da adopção do parecer final do CEF.
84 Nestas condições, os argumentos da CHS não conseguem demonstrar, numa primeira análise, que as irregularidades formais invocadas violaram os seus direitos de defesa ou tiveram o menor efeito sobre o resultado do procedimento.
85 Em terceiro lugar, a CHS alega que a decisão impugnada infringe os artigos 11.° e 21.° da Directiva 65/65, que fixa as condições de revogação de uma ACM. Concretamente, para decretar a revogação da ACM de que a CHS é titular, era necessário provar que os medicamentos que contêm fentermina são nocivos, que não têm qualquer efeito terapêutico ou ainda que não possuem a composição qualitativa e quantitativa declarada. Em desrespeito do artigo 11.° da Directiva 65/65, a Comissão recorreu a um critério totalmente diferente, a saber, a ponderação benefícios/riscos.
86 A Comissão contesta que a decisão impugnada seja ilegal com fundamento no facto de a análise benefícios/riscos em que se baseia não estar prevista no artigo 11.° da Directiva 65/65. Segundo ela, uma análise dessa natureza está prevista no quadro de uma ACM de medicamentos e daqui decorre que esta análise é igualmente possível no que respeita à revogação dessa autorização, regulada pelo artigo 11.° da Directiva 65/65.
87 A este respeito, deve concluir-se que a fundamentação da decisão impugnada, da qual o parecer do CEF faz parte integrante, indica que esta decisão se baseia na ausência de eficácia terapêutica dos medicamentos que contenham fentermina.
88 Além disso, como resulta do n.° 63 do presente despacho, a exigência segundo a qual os benefícios do medicamento se devem sobrepor aos seus efeitos nocivos não é apenas aplicável aquando da concessão da ACM, mas pode igualmente justificar a revogação desta, devendo a relação benefícios/riscos ser também avaliada após a emissão da ACM, como precisa expressamente a introdução do anexo da Directiva 75/318.
89 Em quarto lugar, a CHS alega que a decisão viola o artigo 253.° CE na medida em que se limita a adoptar o parecer do CEF sem outras razões ou explicações, e isto não obstante os vícios jurídicos e científicos de que o referido parecer padece, os quais foram expostos à Comissão pela CHS e pelos outros titulares de ACM de medicamentos contendo fentermina.
90 Sem prejuízo da análise da fundamentação da decisão impugnada a efectuar pelo juiz do mérito, basta concluir que, segundo o artigo 14.° da Directiva 75/319, só no caso excepcional de o projecto de decisão da Comissão não estar em conformidade com o parecer do CEF é que a Comissão deve explicar em detalhe as razões das diferenças existentes entre a sua decisão e o referido parecer. Neste contexto, o facto de a Comissão ter feito seu o parecer do CEF não surge, finda uma primeira análise, como sendo de natureza a demonstrar que a decisão impugnada está viciada de falta de fundamentação.
91 Em último lugar, a CHS alega que a Comissão violou o princípio da repartição do ónus da prova ao não respeitar a regra segundo a qual o ónus da prova dos fundamentos da revogação mencionados na decisão impugnada deve recair sobre as autoridades competentes. A Comissão esperou que os titulares das ACM em causa fornecessem provas apropriadas da eficácia da fentermina, quando deveria ter sido ela a demonstrar a ineficácia desta substância. Além disso, a CHS acusa a Comissão de ter cometido um erro manifesto de apreciação. Alega que as conclusões desta última respeitantes à segurança e à eficácia do medicamento em causa, conclusões baseadas no parecer do CEF, não são sustentadas pelos documentos que estão na posse deste e da Comissão, nomeadamente, as linhas directrizes citadas na decisão impugnada. Nem a Comissão nem o CEF indicaram que haviam surgido novos dados após 1996, época em que este comité foi de opinião de que a fentermina era eficaz e não perigosa e, por conseguinte, recomendou que fosse autorizada a colocação no mercado desta substância, recomendação seguida pela Comissão.
92 A Comissão contrapõe que o CEF concluiu claramente, no parecer que serve de fundamento à decisão impugnada, que, à luz do estado da ciência tal como está reflectido, nomeadamente, nas linhas directrizes, os medicamentos que contenham fentermina não possuem a eficácia terapêutica necessária para o tratamento da obesidade. Por outro lado, o CEF provou que estes medicamentos comportam um risco potencial de valvulopatia cardíaca, um risco de hipertensão arterial pulmonar primitiva, bem como outros inconvenientes sérios para o sistema cardio-vascular e para o sistema nervoso central.
93 A este respeito, deve, desde logo, concluir-se que, contrariamente ao que alega a CHS, a decisão de 9 de Dezembro de 1996 não qualificou a fentermina de substância «não perigosa». Pelo contrário, nesta decisão, a Comissão refere um certo número de efeitos nocivos.
94 Seguidamente, sem prejudicar a análise que o juiz do mérito deverá efectuar no que respeita ao alcance das linhas directrizes citadas na decisão impugnada, deve salientar-se que a maioria destas são posteriores a 1996 e, portanto, não foram tidas em consideração pela Comissão na sua decisão de 9 de Dezembro de 1996.
95 Por fim, deve sublinhar-se que os argumentos da CHS, recordados no n.° 91 do presente despacho, respeitam principalmente à forma como a Comissão utilizou a margem de apreciação de que dispõe para avaliar a necessidade de uma medida de revogação de uma ACM. Com efeito, é dado assente que qualquer decisão de revogação de uma ACM, adoptada em aplicação do procedimento previsto nos artigos 13.° e 14.° da Directiva 75/319, deve respeitar as condições materiais exigidas pelo artigo 11.° da Directiva 65/65, condições estas relativas à eficácia, à segurança e à qualidade do medicamento. Este tipo de decisão é, portanto, o resultado de apreciações complexas do domínio médico-farmacológico.
96 Em princípio, tais apreciações são objecto de fiscalização jurisdicional restrita. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando uma autoridade comunitária é chamada, no quadro da sua missão, a efectuar avaliações complexas, goza por este motivo de um amplo poder de apreciação, cujo exercício está sujeito a uma fiscalização jurisdicional limitada, que implica que o juiz comunitário não pode substituir pela sua apreciação dos factos a apreciação levada a cabo pela referida autoridade. Assim, este último limita-se, nesse caso, a examinar a materialidade dos factos e as qualificações jurídicas que essa autoridade daí deduz e, em especial, se a acção desta última não está viciada de erro manifesto ou de desvio de poder, ou ainda se a mesma autoridade não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação (v., no que respeita à revogação da ACM de um medicamento, acórdão Upjohn, já referido, n.° 34).
97 No caso vertente, não parece, à primeira vista, que a decisão impugnada, baseada no parecer do CEF, esteja viciada de erro manifesto ou de desvio de poder, nem que a Comissão tenha manifestamente excedido os limites do seu poder de apreciação.
98 Resulta do que precede que, sem prejuízo das apreciações a efectuar no âmbito do exame do recurso sobre o mérito, os fundamentos articulados pela CHS no quadro do pedido de medidas provisórias não se sobrepõem, findo um primeiro exame, aos invocados pela Comissão em apoio da legalidade da decisão impugnada.
99 Contudo, na medida em que os argumentos invocados pela CHS não parecem desprovidos de qualquer fundamento, a suspensão solicitada não pode ser rejeitada findo o exame do fumus boni juris, sem que sejam igualmente examinadas a urgência invocada e a ponderação dos interesses em jogo.
Quanto à urgência e à ponderação dos interesses
100 A CHS alega que, se a execução da decisão impugnada não for suspensa, sofrerá um prejuízo grave e irreparável.
101 Em particular, sustenta que a revogação da ACM do medicamento que contém fentermina teria como consequência que, mesmo que a revogação da autorização seja anulada, não será possível reintroduzir o medicamento em causa, nas mesmas condições, pois revelar-se-á muito difícil, e frequentemente impraticável, reimplantar no mercado um medicamento desaparecido durante um longo período. A CHS alega igualmente que, se a suspensão não for deferida, deverá introduzir um novo pedido de ACM, mesmo na hipótese de a decisão impugnada ser anulada. Consequentemente, seria obrigada a efectuar longos ensaios clínicos sobre o referido medicamento, cuja duração, tendo em conta o trabalho preparatório, se elevaria a dois anos, pelo menos.
102 Acrescenta que é uma pequena sociedade farmacêutica, para a qual o medicamento que contém fentermina constitui o primeiro produto que adquiriu, o qual representa 35% a 40% do seu volume de negócios. Segundo a CHS, se a suspensão da execução da decisão não for deferida, é muito duvidoso que possa sobreviver enquanto sociedade.
103 A CHS invoca igualmente os danos que seriam causados aos doentes e aos médicos, os quais se veriam privados de um medicamento utilizado há décadas para o tratamento da obesidade. No que respeita aos doentes, alega que a obesidade é um grave problema de saúde na Europa e que os medicamentos alternativos são mais caros e apresentam, além disso, efeitos secundários. Quanto às clínicas privadas em que este tipo de tratamento é efectuado, a decisão de revogação implicaria o encerramento de, pelo menos, 85% delas, com a extinção de postos de trabalho que tal encerramento acarreta para o pessoal médico e administrativo.
104 A Comissão alega que a condição relativa à urgência não está preenchida.
105 Por um lado, alega que a eventual revogação de uma ACM faz parte dos riscos comerciais normais de qualquer empresa farmacêutica. Compete à empresa em causa precaver-se contra as consequências financeiras dessas revogações mediante uma política apropriada, como uma diversificação dos medicamentos e um volume de negócios adequado.
106 Por outro lado, quanto à necessidade de efectuar ensaios clínicos, alega que os medicamentos contendo fentermina foram autorizados pela primeira vez há mais de vinte anos e que a actualização do dossier através da apresentação de dados de ensaios clínicos era possível e teria sido útil à comunidade médica e aos doentes. Além disso, sublinha que só em 13 de Agosto de 1999 é que a CHS indicou estar disposta a proceder a um ensaio clínico a longo prazo, mas que esta não precisou o detalhe dos estudos clínicos previstos. Contudo, segundo o CEF, que examinou essa proposta minuciosamente, «[u]m único estudo não seria provavelmente suficiente; haveria que prever um programa clínico que se estenda por vários anos».
107 A título liminar, deve salientar-se que o carácter urgente de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado em relação com a necessidade existente de decidir provisoriamente a fim de evitar que um prejuízo grave e irreparável seja provocado à parte que solicita a medida provisória [v., por exemplo, despacho de 18 de Novembro de 1999, Pfizer Animal Health/Conselho, C-329/99 P(R), Colect., p. I-8343, n.° 94].
108 Resulta igualmente de jurisprudência constante que, especialmente quando a ocorrência do prejuízo depende da verificação de um conjunto de factores, basta que esse prejuízo seja previsível com um grau de probabilidade suficiente [v., nomeadamente, despachos de 29 de Junho de 1993, Alemanha/Conselho, C-280/93 R, Colect., p. I-3667, n.° 34, e de 14 de Dezembro de 1999, HFB e o./Comissão, C-335/99 P(R), Colect., p. I-8705, n.° 67].
109 No caso vertente, a execução imediata da decisão impugnada implica a retirada completa do mercado dos medicamentos visados pelo artigo 1.° desta decisão. Por este motivo, se a execução não for suspensa, é provável que medicamentos de substituição, cuja existência é reconhecida pelas partes, sejam prescritos em vez dos medicamentos retirados enquanto decorrer o processo sobre o mérito.
110 Por conseguinte, existe o risco de, após uma eventual anulação da decisão impugnada, ser difícil para a CHS recuperar as quotas de mercado que detinha antes da execução da decisão impugnada.
111 Contudo, a CHS limita-se a invocar dificuldades na recuperação das quotas de mercado, mas não demonstrou, de forma alguma, que obstáculos de natureza estrutural ou jurídica impediriam os médicos de voltar a prescrever tais medicamentos e a CHS de reconquistar uma fracção apreciável dessas quotas de mercado, após a implementação, nomeadamente, de medidas apropriadas de publicidade junto dos médicos.
112 É certo que a CHS alega que seria obrigada a pedir uma nova ACM para o medicamento que contém fentermina, mesmo que a decisão impugnada fosse anulada. Contudo, essa alegação está desprovida de qualquer argumentação.
113 De resto, o prejuízo alegado é de ordem puramente financeira e, em princípio, um prejuízo puramente pecuniário não pode ser visto como irreparável ou mesmo dificilmente reparável, uma vez que pode ser objecto de posterior compensação financeira (despacho de 3 de Julho de 1984, De Compte/Parlamento, 141/84 R, Recueil, p. 2575, n.° 4).
114 Cabe, porém, ao juiz das medidas provisórias examinar as circunstâncias próprias de cada caso concreto (despacho De Compte/Parlamento, já referido, n.° 4).
115 A este respeito, a CHS limita-se a alegar, de forma geral, ser «muito duvidoso» que possa sobreviver enquanto sociedade, mas não apresentou elementos de natureza a demonstrar a exactidão da alegação segundo a qual não lhe seria possível prosseguir a sua actividade até decisão do processo sobre o mérito. Como sublinha, a justo título, a Comissão, o projecto da conta de gestão para o período de Novembro de 1997 a Março de 1999, que foi o único documento apresentado no quadro do processo de medidas provisórias, não corrobora, de modo algum, as afirmações respeitantes às dificuldades de sobrevivência da CHS.
116 Além disso, há que ter em conta a circunstância de a CHS operar num mercado, o dos medicamentos para uso humano, altamente regulamentado.
117 Ora, num sector que requer frequentemente investimentos importantes e onde as autoridades competentes podem ser levadas a intervir rapidamente quando surgem riscos para a saúde pública, por razões que nem sempre são previsíveis para as empresas em causa, cabe a estas últimas, sob pena de ter de suportar elas próprias o prejuízo resultante de uma intervenção daquela natureza, precaver-se contra as respectivas consequências através de uma política apropriada.
118 A decisão de 9 de Dezembro de 1996 salientava já a existência de efeitos nocivos relativamente aos medicamentos que contenham fentermina. Nestas circunstâncias, a possibilidade de adopção de uma decisão de revogação ou de suspensão da ACM, de que a CHS era titular, devia ser tida em conta entre os riscos que esta última teria, em princípio, de suportar desde que o CEF havia sido consultado por um Estado-Membro, por este considerar que a alteração dos termos da ACM ou que a sua suspensão ou a sua revogação eram necessárias à protecção da saúde pública.
119 Ora, há que concluir que, como resulta dos autos, a CHS iniciou a sua actividade comercial em Janeiro de 1998, quando o CEF já havia sido consultado.
120 Em qualquer dos casos, mesmo admitindo que se dê como suficientemente provada a existência de um risco irreparável ou dificilmente reparável na sequência da aplicação da decisão impugnada enquanto decorre o processo relativo ao mérito, o interesse da CHS em obter a suspensão da execução da decisão impugnada não pode, no caso vertente, prevalecer sobre o interesse que apresenta para a Comunidade a revogação imediata da ACM de que aquela era titular, com o objectivo de protecção da saúde pública.
121 A este respeito, importa recordar que, em princípio, deve incontestavelmente reconhecer-se às exigências ligadas à protecção da saúde pública carácter preponderante relativamente às considerações económicas (despacho Reino Unido/Comissão, já referido, n.° 93).
122 No caso vertente, está provado que o parecer do CEF, referido pela decisão impugnada, sublinha, no que respeita aos efeitos sobre o sistema nervoso central, que os medicamentos em causa têm «efeitos graves, como reacções psicóticas ou uma psicose, uma depressão e convulsões» e que o risco de toxicomania e de dependência é «bem conhecido». Sublinha igualmente que «o perfil de segurança dos medicamentos que contenham fentermina coloca problemas em termos de risco potencial de cardiopatia valvular com uma myonoterapia pela fentermina, de risco de hipertensão arterial pulmonar primitiva e de outros efeitos indesejáveis graves cardio-vasculares [...]». Estas considerações confirmam as apreciações já levadas a cabo quanto à segurança desse medicamento, em 1996.
123 Foi na sequência das apreciações do CEF, segundo as quais o efeito terapêutico dos medicamentos que contenham fentermina é inexistente no tratamento da obesidade, que a Comissão, baseando-se no parecer do referido comité, concluiu que a relação benefícios/riscos era desfavorável.
124 Sem prejuízo das apreciações a efectuar no quadro do processo sobre o mérito, o juiz das medidas provisórias não pode, na ausência de indícios de erro manifesto ou de desvio de poder, substituir pelas suas próprias apreciações as do CEF, que são o resultado de um procedimento aprofundado e contraditório que o conduziu a recomendar a revogação das ACM dos medicamentos que contenham fentermina.
125 Ora, tendo em conta as referidas apreciações, parece que a concessão da suspensão da execução da decisão impugnada é de natureza a fazer incorrer os utilizadores destes medicamentos em riscos sérios e a causar, em termos de saúde pública, danos que não podem ser reparados em caso de rejeição posterior do recurso sobre o mérito.
126 Esta conclusão não pode ser infirmada pelo argumento da CHS relativo ao prejuízo que resultaria para os doentes em caso de indeferimento da suspensão da execução da decisão impugnada, uma vez que a existência de tratamentos alternativos não é contestada.
127 Além disso, no que respeita aos prejuízos alegadamente causados às clínicas onde é efectuado o tratamento da obesidade, impõe-se sublinhar que as afirmações da CHS segundo as quais a aplicação da decisão impugnada implicaria o encerramento de, pelo menos, 85% das clínicas privadas, com a extinção dos postos de trabalho que esse encerramento acarreta para o pessoal médico e administrativo, apenas são sustentadas pela carta do director de uma dessas clínicas, a qual não contém qualquer documento justificativo a esse respeito.
128 Resulta do conjunto do que precede que o pedido de medidas provisórias deve ser indeferido.
Pelos fundamentos expostos,
O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
decide:
1) O despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 31 de Outubro de 2000, Cambridge Healthcare Supplies/Comissão (T-137/00 R, Colect., p. II-3653), é anulado.
2) O pedido de medidas provisórias é indeferido.
3) Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.