Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 25 de Abril de 2002. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa. - Incumprimento de Estado - Regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos de pesca - Inspecção da frota de pesca e controlo das capturas .artigos 5.º, n.º 2, do Regulamento (CEE) n.º 170/83, 1.º, n.º 1, do Regulamento (CEE) n.º 2241/87, 9.º, n.º 2, do Regulamento (CEE) n.º 3760/92 e 2.º do Regulamento (CEE) n.º 2847/93. - Encerramento tardio da pesca (artigos 11.º, n.os 1 e 2, do Regulamento n.º 2241/87 e 21.º, n.os 1 e 2, do Regulamento n.º 2847/93) - Inexistência de acção penal ou administrativa contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas (artigos 1.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2241/87 e 31.º do Regulamento n.º 2847/93). - Processos apensos C-418/00 e C-419/00.
Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-03969
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1. Acção por incumprimento Direito de acção da Comissão Exercício que não depende da existência de um interesse específico em agir
(Artigos 211.° CE e 226.° CE)
2. Pesca Conservação dos recursos do mar Regime de quotas de pesca Obrigações dos Estados-Membros Dificuldades práticas Não incidência
(Regulamentos do Conselho n.° 2241/87, artigo 11.° , n.° 2, e n.° 2847/93, artigo 21.° , n.° 2)
3. Pesca Conservação dos recursos do mar Regime de quotas de pesca Medidas de controlo Obrigação de repressão dos Estados-Membros Alcance
(Regulamento n.° 2847/93 do Conselho, artigo 31.° , n.° 2)
1. No exercício das competências que lhe atribuem os artigos 211.° CE e 226.° CE, a Comissão, quando intenta uma acção por incumprimento, não tem de demonstrar a existência de interesse em agir, visto que tem a missão, oficiosamente e no interesse comunitário geral, de velar pela aplicação do Tratado pelos Estados-Membros, bem como fazer declarar a existência de eventuais incumprimentos das obrigações dele derivadas, tendo como objectivo a sua cessação.
( cf. n.° 29 )
2. O respeito das obrigações que incumbem aos Estados-Membros por força do regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca revela-se imperativo, a fim de assegurar a protecção dos fundos marinhos, a conservação dos recursos biológicos do mar e a sua exploração sobre bases duráveis e em condições económicas e sociais adequadas.
Por estes motivos, a interpretação segundo a qual o artigo 11.° , n.° 2, do Regulamento n.° 2241/87, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias, obriga os Estados-Membros a tomarem medidas coercivas para proibir provisoriamente qualquer actividade de pesca ainda antes de as quotas estarem esgotadas é igualmente válida para o artigo 21.° , n.° 2, do Regulamento n.° 2847/93, que institui um regime de controlo aplicável à política comum das pescas, cujo teor é, no essencial, idêntico ao do artigo 11.° , n.° 2, do Regulamento n.° 2241/87, que substitui.
Além disso, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações e dos prazos que resultam das normas do direito comunitário.
Daqui resulta que um Estado-Membro não pode invocar um atraso devido ao prazo de transmissão de dados ou ao facto de aguardar a publicação de uma decisão para justificar a falta de execução em tempo útil de medidas adequadas para proibir a pesca. Pelo contrário, um Estado-Membro é obrigado a ter em conta esses prazos administrativos quando fixa a data de encerramento da pesca.
( cf. n.os 57-60 )
3. Não satisfaz as exigências do artigo 31.° , n.° 2, do Regulamento n.° 2847/93, que institui um regime de controlo aplicável à política comum das pescas, o qual prevê que as autoridades competentes de um Estado-Membro são obrigadas a intentar uma acção penal ou administrativa contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas de natureza proporcionada à gravidade da infracção e dissuasiva, um sistema de controlo nacional que, em caso de violação da regulamentação comunitária em matéria de conservação e de controlo da pesca, prevê para as organizações de produtores responsáveis pela ultrapassagem um simples reajustamento no ano seguinte. De facto, este sistema não produz um efeito proporcionado à gravidade da infracção. Além disso, pelo facto de não privar imediatamente os responsáveis pela infracção do proveito económico que dela extraíram, este sistema não desempenha nenhum verdadeiro papel de dissuasão.
( cf. n.os 62, 65, disp. )
Nos processos apensos C-418/00 e C-419/00,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por T. van Rijn e B. Mongin, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
República Francesa, representada por C. Vasak e G. de Bergues, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada,
que têm por objecto obter a declaração de que:
- não tendo determinado as modalidades apropriadas de utilização das quotas que lhe foram atribuídas para as campanhas de pesca de 1991 a 1994 (C-418/00) bem como de 1995 e 1996 (C-419),
- não tendo velado pelo respeito da regulamentação comunitária em matéria de conservação das espécies através de um controlo das actividades de pesca e de uma inspecção apropriada das descargas em terra e do registo das capturas,
- não tendo proibido provisoriamente a pesca efectuada pelos navios de pesca que arvoram pavilhão francês ou registados no território francês, quando se presumia que as capturas efectuadas tinham esgotado a quota correspondente, e tendo acabado por proibir a pesca quando a quota tinha sido largamente ultrapassada, e isto para as campanhas de pesca de 1991 a 1994 (C-418/00) bem como de 1995 e 1996 (C-419/00), e
- não tendo intentado acções penais ou administrativas contra o capitão ou qualquer outra pessoa responsável pelas actividades de pesca levadas a cabo depois das proibições de pesca para as campanhas de 1991 a 1994 (C-418/00) bem como de 1995 e 1996 (C-419/00),
a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._, n._ 2, do Regulamento (CEE) n._ 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário e de gestão dos recursos da pesca (JO L 24, p. 1; EE 04 F2 p. 56), 1._ e 11._, n.os 1 e 2, do Regulamento (CEE) n._ 2241/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias (JO L 207, p. 1), 9._, n._ 2, do Regulamento (CEE) n._ 3760/92 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1992, que institui um regime comunitário da pesca e da aquicultura (JO L 389, p. 1), e 2._, 21._, n.os 1 e 2, e 31._ do Regulamento (CEE) n._ 2847/93, de 12 de Outubro de 1993, que institui um regime de controlo aplicável à política comum das pescas (JO L 261, p. 1) (C-418/00), bem como por força dos artigos 9._, n._ 2, do Regulamento n._ 3760/92 e 2._, 21._ e 31._ do Regulamento n._ 2847/93, conjugados com os Regulamentos (CE) n._ 3362/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994, que fixa os totais admissíveis de capturas para 1995 e certas condições em que podem ser pescadas determinadas unidades populacionais ou grupos de unidades populacionais de peixes (JO L 363, p. 1), e n._ 3074/95 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, que fixa os totais admissíveis de capturas para 1996 e certas condições em que podem ser pescadas determinadas unidades populacionais ou grupos de unidades populacionais de peixes (JO L 330, p. 1) (C-419/00),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
composto por: P. Jann, presidente de secção, D. A. O. Edward (relator) e M. Wathelet, juízes,
advogada-geral: C. Stix-Hackl,
secretário: R. Grass,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogada-geral apresentadas na audiência de 11 de Outubro de 2001,
profere o presente
Acórdão
1 Por duas petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Novembro de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, em aplicação do artigo 226._ CE, duas acções destinadas a obter a declaração de que:
- não tendo determinado as modalidades apropriadas de utilização das quotas que lhe foram atribuídas para as campanhas de pesca de 1991 a 1994 (C-418/00) bem como de 1995 e 1996 (C-419),
- não tendo velado pelo respeito da regulamentação comunitária em matéria de conservação das espécies através de um controlo das actividades de pesca e de uma inspecção apropriada dos descarregamentos e do registo das capturas,
- não tendo proibido provisoriamente a pesca efectuada pelos navios de pesca arvorando pavilhão francês ou registados no território francês, quando se presumia que as capturas efectuadas tinham esgotado a quota correspondente, e tendo acabado por proibir a pesca quando a quota tinha sido largamente ultrapassada, e isto para as campanhas de pesca de 1991 a 1994 (C-418/00) bem como de 1995 e 1996 (C-419/00), e
- não tendo intentado acções penais ou administrativas contra o capitão ou qualquer outra pessoa responsável pelas actividades de pesca levadas a cabo depois das proibições de pesca para as campanhas de 1991 a 1994 (C-418/00) bem como de 1995 e 1996 (C-419/00),
a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._, n._ 2, do Regulamento (CEE) n._ 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário e de gestão dos recursos da pesca (JO L 24, p. 1; EE 04 F2 p. 56), 1._ e 11._, n.os 1 e 2, do Regulamento (CEE) n._ 2241/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias (JO L 207, p. 1), 9._, n._ 2, do Regulamento (CEE) n._ 3760/92 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1992, que institui um regime comunitário da pesca e da aquicultura (JO L 389, p. 1), e 2._, 21._, n.os 1 e 2, e 31._ do Regulamento (CEE) n._ 2847/93, de 12 de Outubro de 1993, que institui um regime de controlo aplicável à política comum das pescas (JO L 261, p. 1) (C-418/00), bem como por força dos artigos 9._, n._ 2, do Regulamento n._ 3760/92 e 2._, 21._ e 31._ do Regulamento n._ 2847/93, conjugados com os Regulamentos (CE) n._ 3362/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994, que fixa os totais admissíveis de capturas para 1995 e certas condições em que podem ser pescadas determinadas unidades populacionais ou grupos de unidades populacionais de peixes (JO L 363, p. 1), e n._ 3074/95 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, que fixa os totais admissíveis de capturas para 1996 e certas condições em que podem ser pescadas determinadas unidades populacionais ou grupos de unidades populacionais de peixes (JO L 330, p. 1) (C-419/00).
2 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2001, os processos C-418/00 e C-419/00 foram apensos para efeitos da fase escrita e do acórdão, em conformidade com o artigo 43._ do Regulamento de Processo.
Enquadramento jurídico comunitário
3 Existe um conjunto de regulamentos comunitários que fixa, para determinadas reservas ou grupos de reservas de peixes, os totais admissíveis de capturas e as condições em que podem ser pescados. Quando se revele necessário limitar o volume das capturas de uma espécie, o total admissível de capturas por reserva ou grupo de reservas bem como a parte disponível para a Comunidade são fixados para cada ano. O volume das capturas disponíveis para a Comunidade é repartido entre os Estados-Membros de modo a assegurar a cada Estado-Membro uma estabilidade relativa das actividades exercidas em relação a cada uma das reservas consideradas.
4 Por outro lado, os referidos regulamentos prevêem a adopção das medidas necessárias à realização e ao respeito destes objectivos, como a inspecção da frota de pesca, o controlo das capturas, o encerramento da pesca e acções penais ou administrativas contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas.
Disposições relativas às modalidades de utilização das quotas bem como à inspecção da frota de pesca e ao controlo das capturas
5 O artigo 5._, n._ 2, do Regulamento n._ 170/83 dispõe:
«Os Estados-Membros determinam, em conformidade com as disposições comunitárias aplicáveis, as regras de utilização das quotas que lhes foram atribuídas. [...]»
6 A partir de 1 de Janeiro de 1993, este regulamento foi substituído pelo Regulamento n._ 3760/92 cujo artigo 9._, n._ 2, impõe aos Estados-Membros uma obrigação semelhante, nos termos seguintes:
«Os Estados-Membros informarão anualmente a Comissão dos critérios que tenham adoptado para a repartição e das regras para a utilização das disponibilidades de pesca que lhes tenham sido atribuídas de acordo com o direito comunitário e a política comum da pesca.»
7 O artigo 1._, n._ 1, do Regulamento n._ 2241/87, que faz parte do título I «Inspecção e controlo dos navios de pesca e das suas actividades», dispõe:
«A fim de assegurar o cumprimento de toda a regulamentação em vigor respeitante às medidas de conservação e de controlo, cada Estado-Membro, no seu território e nas águas marítimas que dependem da sua soberania ou da sua jurisdição, controla o exercício da pesca e das actividades conexas. Inspecciona os barcos de pesca e todas as actividades cujo controlo permita verificar a aplicação do presente regulamento, nomeadamente as actividades de desembarque, de venda e de armazenagem de peixe e os registos dos desembarques e das vendas.»
8 Nos termos do artigo 2._ do Regulamento n._ 2241/87, que faz igualmente parte do seu título I:
«1. A inspecção e o controlo referidos no artigo 1._ serão efectuados por cada Estado-Membro e por sua conta, por um serviço de inspecção nomeado por esse Estado-Membro.
No exercício da missão que lhes foi confiada, os Estados-Membros assegurarão o respeito das disposições e das medidas referidas no artigo 1._ Por outro lado, conduzirão a sua acção de modo a evitar uma ingerência injustificada nas actividades piscatórias normais. Os Estados-Membros velarão igualmente por que não haja qualquer discriminação na escolha dos sectores e dos navios a inspeccionar.
2. As pessoas responsáveis pelos navios de pesca que forem objecto de uma inspecção prestarão a sua colaboração facilitando a inspecção efectuada em conformidade com o n._ 1.»
9 A partir de 1 de Janeiro de 1994, o Regulamento n._ 2241/87 foi substituído pelo Regulamento n._ 2847/93. O artigo 2._ deste último, que figura no título I «Inspecção e controlo dos navios de pesca e das suas actividades», tem a seguinte redacção:
«1. A fim de assegurar o respeito da regulamentação em vigor sobre medidas de conservação e de controlo, [cada] Estado-Membro controlará, no seu território e nas águas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição, o exercício da pesca e das actividades conexas. Os Estados-Membros inspeccionarão os navios de pesca e investigarão todas as actividades, permitindo assim o controlo da aplicação do presente regulamento, nomeadamente as actividades de desembarque, venda, transporte e armazenagem dos produtos da pesca e o registo dos desembarques e das vendas.
2. Os navios de pesca que possam exercer actividades de pesca, que arvorem pavilhão de um país terceiro e naveguem nas águas sob a soberania ou jurisdição de um Estado-Membro, serão sujeitos a um regime de comunicação das deslocações e das capturas mantidas a bordo.
Os Estados-Membros comunicarão à Comissão as medidas de execução adoptadas para garantir o respeito destes procedimentos.
3. Cada Estado-Membro controlará, fora da zona de pesca comunitária, as actividades dos seus navios de pesca, sempre que esse controlo seja necessário para assegurar o respeito da regulamentação comunitária aplicável nessas águas.
4. A fim de assegurar uma inspecção tão eficaz e económica quanto possível, os Estados-Membros coordenarão as suas actividades de controlo e poderão, para o efeito, estabelecer programas de inspecção comuns que lhes permitam controlar os navios de pesca da Comunidade nas águas mencionadas nos n.os 1 e 3. Os Estados-Membros adoptarão medidas que permitam às suas autoridades competentes, bem como à Comissão, uma informação regular e recíproca sobre a experiência adquirida.»
Disposições relativas ao encerramento da pesca
10 Nos termos do artigo 11._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2241/87, que faz parte do título III «Proibição das actividades de pesca»:
«1. Todas as capturas de uma unidade populacional ou de um grupo de unidades populacionais sujeitas a quota, efectuadas pelos navios de pesca arvorando pavilhão de um Estado-Membro ou registados num Estado-Membro serão imputadas na quota aplicável, em relação a uma unidade populacional ou grupo de unidades populacionais em questão, a esse Estado, qualquer que seja o local de descarga em terra.
2. Cada Estado-Membro fixará a data na qual as capturas de uma unidade populacional ou grupo de unidades populacionais sujeitas a quotas, efectuadas pelos navios de pesca arvorando o seu próprio pavilhão ou registado[s] no seu território, se considera terem esgotado a quota que lhe é aplicável para essa unidade ou grupo de unidades populacionais. O Estado-Membro proibirá provisoriamente, a contar dessa data, a pesca de peixes daquela unidade populacional ou daquele grupo de unidades populacionais, pelos referidos barcos, bem como a sua conservação a bordo, o transbordo e o desembarque, desde que as capturas tenham sido efectuadas após aquela data, e fixará uma data até à qual os transbordos e os desembarques ou as últimas notificações sobre as capturas sejam permitidas. Esta medida será notificada imediatamente à Comissão, que informará os outros Estados-Membros.»
11 A partir de 1 de Janeiro de 1994, o artigo 11._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2241/87 foi substituído pelo artigo 21._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2847/93, que faz parte do título IV «Regulamentação e suspensão das actividades de pesca», e que, no essencial, tem o mesmo conteúdo.
Disposições relativas a uma acção penal ou administrativa contra os responsáveis pelas ultrapassagens de quotas
12 O artigo 1._, n._ 2, do Regulamento n._ 2241/87 dispõe:
«Se, na sequência de uma inspecção ou de um controlo efectuado por força do n._ 1, as autoridades competentes de um Estado-Membro verificarem que um navio de pesca ou qualquer pessoa responsável por uma actividade referida nesse número não respeita a regulamentação em vigor relativa às medidas de conservação e de controlo, intentarão uma acção penal ou administrativa contra o capitão desse navio ou qualquer outra pessoa responsável.»
13 A partir de 1 de Janeiro de 1994, o artigo 1._, n._ 2, do Regulamento n._ 2241/87 foi substituído pelo artigo 31._ do Regulamento n._ 2847/93, que faz parte do título VIII «Medidas a tomar em caso de incumprimento da regulamentação em vigor», e que prevê:
«1. Quando se verificar que a regulamentação da política comum de pescas não foi respeitada, nomeadamente na sequência de um controlo ou de uma inspecção efectuada ao abrigo do presente regulamento, os Estados-Membros garantirão que sejam tomadas medidas adequadas, incluindo a instauração de acções administrativas ou de processos-crime contra as pessoas singulares ou colectivas responsáveis, nos termos da respectiva legislação nacional.
2. Os processos instaurados nos termos do n._ 1 devem ser susceptíveis de, nos termos das disposições aplicáveis da legislação nacional, privar efectivamente os responsáveis pelo incumprimento de qualquer benefício económico resultante das infracções ou ter consequências proporcionais à gravidade dessas infracções que constituam um factor dissuasivo eficaz em relação a posteriores violações do mesmo tipo.
3. Consoante a gravidade da infracção, as sanções eventualmente decorrentes dos processos referidos no n._ 2 podem incluir:
- multas,
- apreensão das artes e capturas proibidas,
- apreensão do navio,
- imobilização temporária do navio,
- suspensão da licença,
- revogação da licença.
4. O disposto no presente artigo não prejudica a possibilidade de o Estado-Membro de desembarque ou de transbordo transferir o processo por infracção para as autoridades competentes do Estado-Membro do registo com o acordo deste e desde que a transferência facilite a obtenção do resultado mencionado no n._ 2. A Comissão será notificada de qualquer transferência deste tipo pelo Estado-Membro de desembarque ou de transbordo.»
Matéria de facto e processo pré-contencioso
14 A Comissão instaurou dois processos por incumprimento separados contra a República Francesa relativos, respectivamente, às campanhas de pesca de 1991 a 1994 (C-418/00) e de 1995 e 1996 (C-419/00).
Campanhas de pesca de 1991 a 1994 (C-418/00)
15 Por carta de 16 de Janeiro de 1996, a Comissão chamou a atenção das autoridades francesas para o facto de as reservas de pesca atribuídas à República Francesa para as campanhas de 1991 a 1994 terem sido objecto de excesso de pesca. Sustentando que as autoridades francesas não tinham cumprido as suas obrigações de controlo, a Comissão convidou-as a fornecerem-lhe os dados relativos às capturas e aos descarregamentos nos quais se tinham baseado para decidir a suspensão provisória da pesca, bem como todos os dados úteis relativos às acções intentadas contra os responsáveis pelas ultrapassagens de quotas.
16 Por carta de 16 de Abril de 1996, as autoridades francesas confirmaram a existência de excesso de pesca para as reservas indicadas pela Comissão na sua carta de 16 de Janeiro de 1966. Indicaram igualmente que não lhes tinha sido possível encontrar as actas relativas aos procedimentos intentados contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas.
17 Por carta de notificação de 27 de Março de 1998, na qual a Comissão considerava que a República Francesa não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem em matéria de gestão e de controlo de quotas de pesca, nomeadamente, ao não ter proibido a pesca em tempo útil, quando se presumia que as capturas efectuadas pelos navios que arvoram pavilhão francês ou registados no território francês tinham esgotado certas quotas, a Comissão convidou a República Francesa a apresentar-lhe as suas observações. Além disso, alegando que não tinha recebido nenhuma informação satisfatória em matéria de sanções da parte das autoridades francesas, concluiu na mesma carta que estas não tinham intentado os procedimentos impostos pelos artigos 2._ e 31._ do Regulamento n._ 2847/93.
18 Na sua resposta de 7 de Agosto de 1998, as autoridades francesas contestaram os alegados incumprimentos, sustentando que tinham tomado todas as disposições úteis logo que resultava das estatísticas de pesca disponíveis que uma quota tinha sido esgotada ou estava em vias disso.
19 Tendo considerado que estas explicações não eram convincentes, a Comissão dirigiu à República Francesa um parecer fundamentado, por carta de 30 de Setembro de 1999.
20 Este Estado-Membro respondeu ao parecer fundamentado por carta de 7 de Dezembro de 1999. As autoridades francesas não contestavam nessa carta as ultrapassagens das quotas assinaladas pela Comissão e reconheciam que as disposições nacionais então em vigor não lhes tinham permitido impor o encerramento da pesca em tempo útil. No entanto, alegavam que tinha sido posto em prática um procedimento de urgência, a partir de 1998, que permitia adoptar decretos de encerramento da pesca dentro dos prazos. No que diz respeito à ausência de sanções contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas, as autoridades francesas explicaram que tinham optado por uma gestão colectiva das quotas de pesca que penalizava no plano administrativo e económico as organizações de produtores responsáveis por estas ultrapassagens.
Campanhas de pesca 1995 e 1996 (C-419/00)
21 Por cartas de 3 de Fevereiro e 11 de Novembro de 1997, a Comissão indicou às autoridades francesas que não tinham cumprido as suas obrigações de controlo no que respeita às campanhas de pesca de 1995 e 1996, uma vez que as quotas atribuídas à República Francesa para as referidas campanhas tinham sido ultrapassadas e que não tinham sido tomadas medidas de proibição provisória em tempo útil. Convidou-as igualmente a fornecerem os dados relativos às capturas e aos desembarques nos quais se tinham baseado para decidir a suspensão provisória da pesca e todos os dados úteis relativos às acções intentadas contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas.
22 Por cartas de 3 de Abril de 1997 e de 26 de Janeiro de 1998, as autoridades francesas assinalaram erros nos números apresentados pela Comissão. Além disso, alegaram que os decretos relativos ao encerramento da pesca tinham sido adoptados logo que as estatísticas disponíveis tinham revelado que uma quota tinha sido atingida ou ultrapassada. Acrescentaram que não lhes tinha sido possível encontrar as actas relativas aos procedimentos intentados contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas.
23 Tendo considerado que estas medidas não se tinham revelado suficientes para impedir o excesso de pesca ocorrido em 1995 e em 1996, a Comissão dirigiu à República Francesa, em 4 de Março de 1999, uma carta de notificação, na qual reproduzia quadros que revelavam excesso de pesca dos navios arvorando pavilhão francês ou registados no território francês relativamente a uma série de onze reservas ao longo destes anos. Repetia nessa carta as acusações de que as autoridades francesas não tinham cumprido as obrigações que lhes incumbem em matéria de gestão e de controlo das quotas de pesca, nomeadamente, ao não proibirem em tempo útil a pesca, quando se presumia que as capturas efectuadas pelos referidos navios estavam esgotadas, e ao não intentarem acções penais ou administrativas contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas.
24 Na sua resposta de 27 de Abril de 1999, as autoridades francesas contestavam os alegados incumprimentos, especialmente no que se refere à pesca da cavala em 1996. Tomaram, relativamente a cada uma das reservas referidas pela Comissão, todas as disposições úteis logo que se concluía que uma quota estava esgotada ou em vias disso. Afirmam que algumas ultrapassagens se deviam aos desembarques efectuados no estrangeiro por navios arvorando pavilhão francês ou registados no território francês, enquanto outras resultavam do facto de a pesca ter prosseguido entre o momento em que foi tomada a decisão de encerramento e o momento da sua aplicação.
25 Tendo considerado que estas explicações não eram suficientes, a Comissão enviou à República Francesa, em 30 de Setembro de 1999, um parecer fundamentado.
26 Na sua resposta de 7 de Dezembro de 1999 ao referido parecer, as autoridades francesas não contestavam as ultrapassagens de quotas assinaladas pela Comissão, excepto no que se refere à cavala. Reconhecendo que as disposições nacionais então em vigor não lhes tinham permitido impor o encerramento da pesca em tempo útil, alegavam que um procedimento de urgência tinha sido posto em prática a contar de 1998, a fim de permitir adoptar decretos de encerramento da pesca dentro dos prazos. No que diz respeito à inexistência de sanções contra os responsáveis pelas ultrapassagens das quotas, as autoridades francesas explicavam que tinham optado por uma gestão colectiva das quotas de pesca que penalizava no plano administrativo e económico as organizações de produtores responsáveis por estas ultrapassagens.
27 Tendo considerado que a República Francesa não tinha velado pelo respeito do regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca, a Comissão intentou as presentes acções por incumprimento.
Quanto à admissibilidade das acções
28 Na contestação, comum aos dois processos, o Governo francês interroga-se sobre o fundamento das acções, alegando que estas parecem ter por objecto a obtenção de uma condenação de princípio da República Francesa, apesar dos esforços contínuos por esta realizados.
29 O Governo francês tinha sustentado a mesma excepção no âmbito da acção por incumprimento relativa às campanhas de pesca de 1988 e 1990 contra ele intentada pela Comissão. Esta excepção foi julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 1 de Fevereiro de 2001, Comissão/França (C-333/99, Colect., p. I-1025, n.os 23 a 25). Mais especialmente, deve recordar-se que, no exercício das competências que lhe atribuem os artigos 211._ CE e 226._ CE, a Comissão não tem de demonstrar a existência de interesse em agir, visto que tem a missão, oficiosamente e no interesse comunitário geral, de velar pela aplicação do Tratado CE pelos Estados-Membros, bem como fazer declarar a existência de eventuais incumprimentos das obrigações dele derivadas, tendo como objectivo a sua cessação (v. acórdãos de 4 de Abril de 1974, Comissão/França, 167/73, Colect., p. 187, n._ 15; de 11 de Agosto de 1995, Comissão/Alemanha, C-431/92, Colect., p. I-2189, n._ 21; de 9 de Novembro de 1999, Comissão/Itália, C-365/97, Colect., p. I-7773, n._ 59, e de 1 de Fevereiro de 2001, Comissão/França, já referido, n._ 23).
30 As acções são, por conseguinte, admissíveis.
Quanto ao mérito
31 A Comissão formulou as quatro acusações seguintes contra a República Francesa:
- a inexistência de modalidades adequadas de utilização das quotas, violando os artigos 5._, n._ 2, do Regulamento n._ 170/83 (C-418/00) e 9._, n._ 2, do Regulamento n._ 3760/92 (C-418/00 e C-419/00),
- a inexistência de inspecção da frota de pesca e de controlo das capturas, violando os artigos 5._, n._ 2, do Regulamento n._ 170/83 (C-418/00), 1._, n._ 1, do Regulamento n._ 2241/87 (C-418/00), 9._, n._ 2, do Regulamento n._ 3760/92 (C-418/00 e C-419/00) e 2._ do Regulamento n._ 2847/93 (C-418/00 e C-419/00),
- o encerramento tardio da pesca, violando o artigo 11._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2241/87 (C-418/00) e, a partir de Janeiro de 1994, do artigo 21._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2847/93 (C-418/00 e C-419/00),
- a inexistência de sanções penais ou administrativas, violando o artigo 1._, n._ 2, do Regulamento n._ 2241/87 (C-418/00) e, a partir de 1 de Janeiro de 1994, do artigo 31._ do Regulamento n._ 2847/93 (C-418/00 e C-419/00).
32 Há que analisar a primeira e segunda acusações conjuntamente.
Argumentos das partes
Quanto à determinação das modalidades apropriadas de utilização das quotas bem como à inexistência de controlo da frota de pesca e de controlo das capturas
33 Em primeiro lugar, a Comissão alega que as autoridades francesas não adoptaram modalidades de utilização das quotas suficientemente adaptadas e eficazes para a gestão das quotas dos diferentes tipos de pesca. Em sua opinião, modalidades de utilização especiais teriam sido especialmente úteis para a gestão das quotas durante o último mês dos anos de 1991 a 1996, porque as mesmas teriam podido permitir afinar e reforçar o controlo do ritmo da utilização das quotas, o que teria facilitado a adopção de uma medida de proibição da pesca em tempo útil.
34 Em segundo lugar, a Comissão sustenta que o Governo francês não controlou suficientemente o exercício das actividades de pesca e não verificou de forma adequada as descargas em terra e o registo das capturas. Considera que, se tivessem sido realizadas inspecções de modo eficaz, as medidas de encerramento da pesca teriam podido ser tomadas em tempo útil e as quotas de pesca respeitadas.
35 Mais especificamente, a Comissão alega que as ultrapassagens de quotas assinaladas nos quadros anexos às suas cartas de notificação de 27 de Março de 1998 e de 4 de Março de 1999 demonstram que as autoridades francesas não tomaram em tempo útil as medidas de controlo necessárias à prevenção de tais ultrapassagens.
36 Reconhecendo, em larga medida, a existência das ultrapassagens de quotas assinaladas pela Comissão, o Governo francês indica que, apesar da melhoria da sua gestão das quotas, continuava a existir um problema relativo às capturas desembarcadas no estrangeiro por navios arvorando pavilhão francês ou registados no território francês. As autoridades francesas só tardiamente tomaram conhecimento da existência das ditas capturas e esse atraso ocasionou ultrapassagens de quotas. O Governo francês alega, no entanto, que, a partir de 1997, este problema foi regulado e que, em 1998, não se verificou nenhuma ultrapassagem.
37 Em relação, mais especialmente, à campanha de pesca de 1996, o Governo francês contesta as ultrapassagens assinaladas pela Comissão no que se refere à cavala. A este propósito, faz referência aos mecanismos de transferência das capturas de cavala entre as reservas Este e Oeste, conforme foram instituídos pelo Regulamento n._ 3074/95. No essencial, uma fracção do total admissível das capturas da reserva Oeste, que representa 65 000 toneladas de cavala e correspondente às zonas CIEM Vb (CE), VI, VII, VIIIa, b, d, e, XII bem como XIV, poderia ser pescada, durante o último trimestre do ano nas zonas CIEM IIa (CE), IIIa, b, c, d e IV, que abrangem a reserva Este.
38 Estes mecanismos de transferência autorizam os navios arvorando pavilhão francês ou registados no território francês a pescar no mar do Norte até 2 770 toneladas de cavala além da quota nacional de 1 270 toneladas atribuída à reserva Este. Daqui resulta que a diferença entre a tonelagem capturada pelos referidos navios e esta quota deve ser imputada nesta margem de 2 770 toneladas, pelo que não corresponde a uma ultrapassagem.
39 Além disso, o Governo francês contesta a existência de excesso de pesca de arenque nas zonas Vb, VIa N e VIb em 1996. Afastando o argumento da Comissão segundo o qual esta se baseou nos números comunicados pelas autoridades francesas em aplicação do artigo 15._, n._ 1, do Regulamento n._ 2847/93, alega que os números referidos pela Comissão são errados e não correspondem à tonelagem declarada pelos navios em causa.
Quanto ao encerramento tardio da pesca
40 A Comissão sustenta que, entre 1991 e 1996, as decisões de encerramento da pesca foram tomadas especialmente tarde pelas autoridades francesas, isto é, frequentemente, dois ou três meses posteriormente à data adequada, e que, em certos casos, tais decisões nunca chegaram a ser tomadas.
41 O Governo francês sustenta que não esperou que as quotas de pesca fossem esgotadas para tomar as decisões de encerramento. Com efeito, estas foram tomadas quando o nível conhecido das capturas era inferior às quotas. Esclarece, no entanto, que entre uma decisão de encerramento e a sua aplicação através da publicação no Journal officiel de la République française decorre o prazo de quinze dias. As ultrapassagens de quotas resultaram do facto de as capturas terem prosseguido nesse lapso de tempo.
Quanto à inexistência de sanções penais ou administrativas
42 Afastando o argumento do Governo francês segundo o qual não lhe era possível encontrar as actas relativas às ultrapassagens de quotas em causa e verificando a inexistência de provas pormenorizadas quanto às eventuais medidas de penalização tomadas contra organizações de produtores, a Comissão conclui que as autoridades francesas não intentaram os procedimentos exigidos.
43 O Governo francês distingue entre as sanções de ordem penal, que se aplicam aos pescadores, e as de ordem administrativa, que atingem as organizações de produtores.
44 Quanto às primeiras, o Governo francês alega que as modificações do nível das capturas depois do encerramento da pesca não resulta do prosseguimento delituoso desta, mas das rectificações estatísticas relativas às capturas efectuadas antes desse encerramento.
45 Este governo acrescenta que um excesso de pesca só pode dar lugar a procedimentos penais se violar um decreto ministerial de encerramento relativo simultaneamente a uma espécie e a uma zona de pesca, publicado no Journal officiel de la République française, e se um agente autorizado o tiver declarado, o que, o mais frequentemente, só pode ser feito no mar.
46 No que se refere às sanções administrativas, o Governo francês faz referência a um sistema que confia a gestão colectiva das quotas nacionais às organizações de produtores e que impõe sanções de ordem económica prevendo que, quando a quota atribuída a uma das organizações de produtores é ultrapassada, as quantidades correspondentes a essa ultrapassagem são descontadas quando do cálculo da chave de repartição da quota nacional entre as diferentes organizações para o ano seguinte.
47 O Governo francês acrescenta que se encontra actualmente a elaborar um projecto de decreto destinado a penalizar adequadamente as organizações de produtores responsáveis pelas ultrapassagens de quotas.
Apreciação do Tribunal de Justiça
Quanto à determinação de modalidades adequadas de utilização das quotas bem como à inexistência de inspecção da frota de pesca e de controlo das capturas
48 A Comissão apresenta, em apoio das suas duas acções, elementos de facto pormenorizados comprovativos de casos reiterados de excesso de pesca. É o caso, por exemplo, das ultrapassagens das quotas de pesca da anchova, que passaram de cerca de 100% durante a campanha de pesca de 1991 a 50% em 1992 e a 67% em 1994, e das relativas ao badejo, que passaram de cerca de 10% em 1992 a 15% em 1994 e a 10% em 1995.
49 Resulta da importância das ultrapassagens assinaladas e da sua repetição no tempo que os casos de excesso de pesca apenas puderam resultar da inexistência de modalidades adequadas de utilização das quotas de pesca e do incumprimento das obrigações de controlo.
50 É verdade que, graças aos esforços do Governo francês, a margem de ultrapassagem das quotas de pesca se reduziu sensivelmente ao longo do período considerado. Todavia, uma melhoria na gestão destas quotas não pode desculpar os incumprimentos verificados (v. acórdão de 1 de Fevereiro de 2001, Comissão/França, já referido, n._ 36).
51 A este respeito, é irrelevante que o incumprimento resulte da vontade do Estado-Membro ao qual é imputável, da sua negligência ou ainda de dificuldades técnicas com que este teria deparado. É jurisprudência assente que um Estado-Membro não pode invocar dificuldades práticas para justificar a falta de aplicação das medidas de controlo apropriadas. Pelo contrário, compete aos Estados-Membros, incumbidos da aplicação da regulamentação comunitária no sector dos produtos da pesca, ultrapassar estas dificuldades tomando as medidas apropriadas (v. acórdão de 1 de Fevereiro de 2001, Comissão/França, já referido, n.os 36 e 44).
52 A argumentação do Governo francês relativa às capturas desembarcadas no estrangeiro não pode ser admitida. Com efeito, deve salientar-se que o ponto 4.2.2 do Anexo IV do Regulamento (CEE) n._ 2807/83 da Comissão, de 22 de Setembro de 1983, que define as regras especiais de registo das informações relativas às capturas de peixe pelos Estados-Membros (JO L 276, p. 1; EE 04 F2 p. 138), prevê que os capitães dos navios devem enviar às autoridades competentes o original do diário de bordo e da declaração de desembarque no prazo máximo de 48 horas a contar do fim das operações de desembarque. A comunicação dos referidos documentos deveria ter permitido às autoridades francesas serem directamente informadas das capturas desembarcadas no estrangeiro pelos navios arvorando pavilhão francês ou registados no território francês. A repetição das ultrapassagens parece indicar que a República Francesa não garantiu o respeito destas obrigações de informação.
53 Quanto às ultrapassagens das quotas para a cavala durante a campanha de pesca de 1996, é verdade que, segundo as disposições do Regulamento n._ 3074/95, o Governo francês tem autorização, a fim de garantir uma melhor exploração destas quotas, para transferir 2 770 toneladas de cavala das zonas IIa (com excepção da zona comunitária), Vb (CE), VI, VII, VIIIa, b, d e XII bem como XIV para zonas adjacentes. Todavia, os mecanismos de transferência das capturas de cavala, referidos no anexo ao dito regulamento, limitam ao período compreendido entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 1996 as possibilidades dessa transferência de pesca para as águas comunitárias da divisão CIEM IVa.
54 No caso vertente, a Comissão salientou que a quota global de 1 270 toneladas para a cavala nas zonas IIa, IIIa, b, c, d e IV tinha sido ultrapassada durante o mês de Novembro de 1996. O Governo francês não demonstrou que as 88 toneladas correspondentes à diferença entre a tonelagem capturada e a sua quota tinham sido capturadas unicamente na zona CIEM IVa, com exclusão das outras zonas objecto da presente acção por incumprimento.
55 Quanto ao excesso de pesca de arenque em 1996, a Comissão não é obrigada a ter em conta números novos que só lhe foram comunicados depois de terminado o prazo imposto no artigo 15._, n._ 1, do Regulamento n._ 2847/93.
56 Deve, portanto, declarar-se que, em relação às campanhas de pesca de 1991 a 1996, ao não ter determinado as modalidades adequadas de utilização das quotas que lhe foram atribuídas e ao não ter velado pelo respeito da regulamentação comunitária em matéria de conservação das espécies através de um controlo das actividades de pesca bem como por uma inspecção adequada das descargas em terra e do registo das capturas, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._, n._ 2, do Regulamento n._ 170/83, 1._, n._ 1, do Regulamento n._ 2241/87, 9._, n._ 2, do Regulamento n._ 3760/92 e 2._ do Regulamento n._ 2847/93.
Quanto ao encerramento tardio da pesca
57 O respeito das obrigações que incumbem aos Estados-Membros por força do regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca revela-se imperativo, a fim de assegurar a protecção dos fundos marinhos, a conservação dos recursos biológicos do mar e a sua exploração sobre bases duráveis e em condições económicas e sociais adequadas.
58 Por estes motivos, o Tribunal de Justiça já decidiu que o artigo 11._, n._ 2, do Regulamento n._ 2241/87 obriga os Estados-Membros a tomarem medidas coercivas para proibir provisoriamente qualquer actividade de pesca ainda antes de as quotas estarem esgotadas (v. acórdão de 7 de Dezembro de 1995, Comissão/França, C-52/95, Colect., p. I-4443, n.os 29 e 30). Esta interpretação é igualmente válida para o artigo 21._, n._ 2, do Regulamento n._ 2847/93 cujo teor é, no essencial, idêntico ao do artigo 11._, n._ 2, do Regulamento n._ 2241/87, que substitui.
59 Além disso, segundo jurisprudência assente, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações e dos prazos que resultam das normas do direito comunitário (v. acórdãos de 8 de Junho de 1993, Comissão/Países Baixos, C-52/91, Colect., p. I-3069, n._ 36, e de 1 de Fevereiro de 2001, Comissão/França, já referido, n._ 54).
60 Daqui resulta que um Estado-Membro não pode invocar um atraso devido ao prazo de transmissão de dados ou ao facto de aguardar a publicação de uma decisão para justificar a falta de execução em tempo útil de medidas adequadas para proibir a pesca. Pelo contrário, um Estado-Membro é obrigado a ter em conta esses prazos administrativos quando fixa a data de encerramento da pesca.
61 Deve, pois, declarar-se que, ao não ter proibido provisoriamente a pesca efectuada por navios de pesca arvorando pavilhão francês ou registados no território francês, quando se presumia que as capturas efectuadas tinham esgotado a quota correspondente, e tendo acabado por proibir a pesca quando a quota tinha sido largamente ultrapassada, a República Francesa não cumpriu, no que respeita às campanhas de pesca de 1991 a 1993, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 11._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2241/87 e, no que respeita às campanhas de pesca de 1994 a 1996, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 21._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2847/93.
Quanto à inexistência de sanções penais ou administrativas
62 Em caso de violação da regulamentação comunitária em matéria de conservação e de controlo da pesca, as autoridades competentes de um Estado-Membro são obrigadas a intentar uma acção penal ou administrativa contra os responsáveis, em conformidade com o artigo 1._, n._ 2, do Regulamento n._ 2241/87. A mesma obrigação incumbe aos Estados-Membros, a partir de 1 de Janeiro de 1994, por força do artigo 31._, n._ 1, do Regulamento n._ 2847/93.
63 Quanto ao argumento do Governo francês relativo às rectificações estatísticas, basta declarar que um Estado-Membro não pode invocar a insuficiência estatística do seu sistema de controlo para justificar o seu incumprimento das obrigações que resultam do direito comunitário.
64 Quanto ao argumento deste governo, baseado na necessidade de verificar as infracções, o mais frequentemente, no mar, para poder aplicar uma sanção penal, o Tribunal de Justiça já declarou que estas infracções poderiam facilmente ser verificadas no momento do desembarque das capturas no porto ou quando das actividades de descarga em terra, de venda ou de armazenagem (v. acórdão de 1 de Fevereiro de 2001, Comissão/França, já referido, n._ 53).
65 Quanto às sanções de ordem administrativa, as medidas tomadas durante as campanhas de pesca de 1995 e 1996 não satisfaziam as exigências do artigo 31._, n._ 2, do Regulamento n._ 2847/93. Contrariamente aos objectivos do referido artigo, o sistema utilizado pelas autoridades francesas, que prevê, para as organizações de produtores responsáveis pela ultrapassagem de quotas, um simples reajustamento no ano seguinte, não produz um efeito proporcionado à gravidade da infracção. Além disso, pelo facto de não privar imediatamente os responsáveis pela infracção do proveito económico que dela extraíram, este sistema não desempenha nenhum verdadeiro papel de dissuasão.
66 Por outro lado, o facto de o Governo francês elaborar um projecto de decreto destinado a penalizar de forma adequada as organizações de produtores responsáveis pelas ultrapassagens de quotas é irrelevante no âmbito das presentes acções. Com efeito, segundo jurisprudência assente, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal (v., nomeadamente, acórdão de 15 de Março de 2001, Comissão/França, C-147/00, Colect., p. I-2387, n._ 26).
67 Deve, pois, declarar-se que, ao não ter intentado acções penais ou administrativas contra o capitão ou qualquer outra pessoa responsável pelas actividades de pesca levadas a cabo depois das proibições de pesca, a República Francesa não cumpriu, no que respeita às campanhas de pesca de 1991 a 1993, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1._, n._ 2, do Regulamento n._ 2241/87 e, no que respeita às campanhas de pesca de 1994 a 1996, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 31._ do Regulamento n._ 2847/93.
Quanto às despesas
68 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção)
decide:
1) Em relação às campanhas de pesca de 1991 a 1996, ao não ter determinado as modalidades adequadas de utilização das quotas que lhe foram atribuídas e ao não ter velado pelo respeito da regulamentação comunitária em matéria de conservação das espécies através de um controlo das actividades de pesca bem como por uma inspecção adequada das descargas em terra e do registo das capturas, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._, n._ 2, do Regulamento (CEE) n._ 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário e de gestão dos recursos da pesca, 1._, n._ 1, do Regulamento (CEE) n._ 2241/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, que estabelece certas medidas de controlo em relação às actividades piscatórias, 9._, n._ 2, do Regulamento (CEE) n._ 3760/92 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1992, que institui um regime comunitário da pesca e da aquicultura, e 2._ do Regulamento (CEE) n._ 2847/93 do Conselho, de 12 de Outubro de 1993, que institui um regime de controlo aplicável à política comum das pescas.
Ao não ter proibido provisoriamente a pesca efectuada por navios de pesca arvorando pavilhão francês ou registados no território francês, quando se presumia que as capturas efectuadas tinham esgotado a quota correspondente, e tendo acabado por proibir a pesca quando a quota tinha sido largamente ultrapassada, a República Francesa não cumpriu, no que respeita às campanhas de pesca de 1991 a 1993, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 11._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2241/87 e, no que respeita às campanhas de pesca de 1994 a 1996, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 21._, n.os 1 e 2, do Regulamento n._ 2847/93.
Ao não ter intentado acções penais ou administrativas contra o capitão ou qualquer outra pessoa responsável pelas actividades de pesca levadas a cabo depois das proibições de pesca, a República Francesa não cumpriu, no que respeita às campanhas de pesca de 1991 a 1993, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1._, n._ 2, do Regulamento n._ 2241/87 e, no que respeita às campanhas de pesca de 1994 a 1996, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 31._ do Regulamento n._ 2847/93.
2) A República Francesa é condenada nas despesas.