62000J0255

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 24 de Setembro de 2002. - Grundig Italiana SpA contra Ministero delle Finanze. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Trento - Itália. - Impostos nacionais contrários ao direito comunitário - Repetição do indevido - Legislação nacional que reduz, com efeito retroactivo, os prazos da acção - Compatibilidade com o princípio da eficácia. - Processo C-255/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-08003


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Direito comunitário - Efeito directo - Imposições nacionais incompatíveis com o direito comunitário - Restituição - Modalidades - Aplicação do direito nacional - Prazo de prescrição - Transformação em prazo de caducidade e redução com efeito retroactivo - Inadmissibilidade na ausência de um período transitório suficiente - Caso concreto

Sumário


$$O direito comunitário opõe-se à aplicação retroactiva de um prazo de caducidade mais curto e, eventualmente, mais restritivo para o demandante do que o prazo de propositura da acção anteriormente aplicado aos pedidos de restituição de impostos nacionais contrários ao direito comunitário, quando não seja assegurado um período transitório suficiente durante o qual os pedidos que se referem a montantes pagos antes da entrada em vigor do diploma que criou esse novo prazo podem ainda ser apresentados sob o regime do prazo antigo. Este regime transitório é necessário quando a aplicação imediata a estes pedidos de um prazo de prescrição mais curto do que aquele que estava anteriormente em vigor tenha por efeito privar retroactivamente do seu direito ao reembolso certos sujeitos jurídicos ou de só lhes deixar um prazo demasiado breve para invocarem esse direito.

O período transitório deve ser suficiente para que os contribuintes que pensavam inicialmente dispor do antigo prazo de propositura da acção tenham tempo razoável para invocarem o seu direito ao reembolso se a sua acção for já intempestiva nos termos do novo prazo.

No caso da substituição de um prazo de caducidade de três anos por um prazo de prescrição de cinco anos, o período transitório de 90 dias deve ser considerado insuficiente e o período mínimo transitório que permite que o exercício do direito a essa restituição não se torne excessivamente difícil deve ser calculado em seis meses.

( cf. n.os 37, 38, 42, disp. )

Partes


No processo C-255/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Tribunale di Trento (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Grundig Italiana SpA

e

Ministero delle Finanze,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos princípios do direito comunitário em matéria de repetição do indevido,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: F. Macken, presidente de secção, C. Gulmann, J.-P. Puissochet (relator), R. Schintgen e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Grundig Italiana SpA, por E. Giammarco, avvocato,

- em representação do Governo italiano, por U. Leanza, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa, na qualidade de agente,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Março de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 6 de Junho de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de Junho seguinte, o Tribunale di Trento submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial sobre a interpretação dos princípios do direito comunitário em matéria de repetição do indevido

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a Grundig Italiana SpA (a seguir «Grundig Italiana») ao Ministero delle Finanze (a seguir «Ministério das Finanças») a propósito da restituição de montantes pagos a título do imposto sobre o consumo dos produtos audiovisuais e foto-ópticos (a seguir «imposto sobre o consumo»), instituído pelo artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 953, de 30 de Dezembro de 1982 (GURI n.° 359, de 31 de Dezembro de 1982, p. 9570), posteriormente substituído pela Lei n.° 53, de 28 de Fevereiro de 1983 (GURI, suplemento ordinário do n.° 58, de 1 de Março de 1983, publicado em versão consolidada no GURI n.° 65, de 8 de Março de 1983, p. 1768, a seguir «Lei n.° 53/1983»).

Contexto factual e jurídico do litígio no processo principal e a questão prejudicial

3 O imposto sobre o consumo foi cobrado de 1 de Janeiro de 1983 a 31 de Dezembro de 1992. A Grundig Italiana pediu, por acto notificado em 22 de Julho de 1993, o reembolso dos montantes pagos a esse título durante esse período relativos aos produtos audiovisuais provenientes de outros Estados que não a República Italiana, ou seja, essencialmente da República Federal da Alemanha.

4 O litígio no processo principal foi já objecto de uma questão prejudicial do Tribunale di Trento ao Tribunal de Justiça, que deu origem ao acórdão de 17 de Junho de 1998, Grundig Italiana (C-68/96, Colect., p. I-3775).

5 O órgão jurisdicional de reenvio perguntava então:

«O artigo 95.° do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que proíbe que um Estado-Membro institua e cobre um imposto de consumo, como o previsto no artigo 4.° do Decreto-Lei de 30 de Dezembro de 1982, convertido na Lei n.° 53, de 28 de Fevereiro de 1983, e posteriormente regulamentado pelo Decreto do Ministro das Finanças de 23 de Março de 1983, em que se prevê um valor tributável diferente para os produtos nacionais e para os importados de outros Estados-Membros e se definem modalidades diferentes de cobrança do imposto para os mesmos produtos?»

6 O Tribunal de Justiça declarou:

«O artigo 95.° do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro institua e cobre um imposto de consumo quando a base tributável e as modalidades de cobrança desse imposto sejam diferentes para os produtos nacionais e para os produtos importados de outros Estados-Membros.»

7 Na sequência dessa resposta do Tribunal de Justiça, a Grundig Italiana requereu ao Tribunale di Trento a prossecução da instância.

8 No entanto, o Ministério das Finanças opôs-se ao pedido da Grundig Italiana alegando a extemporaneidade do seu pedido de reembolso relativamente a uma parte dos montantes reclamados.

9 O artigo 2033.° do Código Civil italiano estabelece que «[a]quele que tenha efectuado um pagamento indevido tem direito à restituição do que pagou [...]». O artigo 2946.° do mesmo código prevê que, «[s]em prejuízo das disposições em contrário, os direitos extinguem-se por prescrição decorrido o prazo de dez anos».

10 O artigo 4.° , último parágrafo, da Lei n.° 53/1983 estabelece:

«O direito à restituição do imposto indevidamente pago extingue-se no prazo de cinco anos a contar da data do pagamento.»

11 Nos termos do artigo 91.° , primeiro parágrafo, do texto único das disposições legislativas em matéria aduaneira, aprovado pelo Decreto n.° 43 do Presidente da República, de 23 de Janeiro de 1973:

«O contribuinte tem direito à restituição dos montantes pagos a mais em razão de erros de cálculo aquando da liquidação ou em razão da aplicação de um direito diferente do fixado pela pauta aduaneira para a mercadoria descrita no momento da avaliação do imposto, desde que apresente o pedido no prazo peremptório de cinco anos a contar da data do pagamento e o pedido seja acompanhado do recibo original que prove o pagamento.»

12 A Lei n.° 428, de 29 de Dezembro de 1990, relativa às disposições com vista à aplicação das obrigações decorrentes do facto de a Itália pertencer às Comunidades Europeias (lei comunitária para o ano de 1990) (GURI, suplemento ordinário n.° 10, de 12 de Janeiro de 1991, p. 5, a seguir «Lei n.° 428/1990»), entrou em vigor em 27 de Janeiro de 1991. O artigo 29.° , n.° 1, prevê:

«O prazo quinquenal de caducidade previsto no artigo 91.° do texto único das disposições legislativas em matéria aduaneira, aprovado pelo Decreto n.° 43 do Presidente da República, de 23 de Janeiro de 1973, deve ser considerado aplicável a todos os pedidos e acções que tenham por objecto a restituição de quantias pagas relativamente a operações aduaneiras. A partir do nonagésimo dia após a entrada em vigor da presente lei, o referido prazo [é reduzido] para três anos.»

13 É com fundamento no artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 que o Ministério das Finanças pretende obter a declaração de caducidade do pedido na acção principal, na medida em que se refere aos impostos pagos há mais de três anos antes da propositura da acção, isto é, os que foram pagos antes de 22 de Julho de 1990. A título subsidiário, o referido ministério arguiu o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 4.° , último parágrafo, da Lei n.° 53/1983. O Tribunale di Trento já declarou procedente o pedido do Ministério das Finanças quanto a este último aspecto.

14 Ao invés, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade com os princípios do direito comunitário em matéria de repetição do indevido do prazo de caducidade de três anos previsto no artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990, na medida em que é oposto a um pedido que incide sobre a restituição de montantes que foram pagos antes da sua entrada em vigor.

15 Há que lembrar que as disposições do artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 estiveram na origem de questões prejudiciais apresentadas ao Tribunal de Justiça, que deram origem aos acórdãos de 17 de Novembro de 1998, Aprile (C-228/96, Colect., p. I-7141), e de 9 de Fevereiro de 1999, Dilexport (C-343/96, Colect., p. I-579).

16 Assim, no n.° 1 da parte decisória do acórdão Aprile, já referido, o Tribunal de Justiça declarou:

«O direito comunitário não obsta à aplicação de uma disposição nacional destinada a substituir, no que respeita ao conjunto das acções de restituição em matéria aduaneira, o prazo comum de prescrição, de dez anos, previsto para a acção de repetição do indevido, por um prazo especial de caducidade, de cinco e posteriormente três anos, desde que esse prazo de caducidade, que é análogo ao já previsto para diferentes imposições, se aplique de igual modo às acções de repetição que se baseiam no direito comunitário e às que se baseiam no direito interno.»

17 O Tribunal de Justiça declarou igualmente o seguinte no n.° 1 da parte decisória do acórdão Dilexport, já referido:

«O direito comunitário não se opõe a que disposições nacionais submetam o reembolso de direitos aduaneiros ou de imposições contrários ao direito comunitário a condições de prazo e de processo menos favoráveis do que as previstas para a acção de repetição do indevido entre particulares, desde que estas condições se apliquem da mesma forma às acções para reembolso baseadas no direito comunitário e às baseadas no direito interno e não tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito ao reembolso.»

18 Todavia, o Tribunal de Justiça deu estas respostas baseando-se na premissa segundo a qual os órgãos jurisdicionais italianos interpretavam o artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 como permitindo ainda a apresentação num prazo de três anos a contar da entrada em vigor do novo prazo de caducidade de um pedido de reembolso dos montantes pagos antes dessa entrada em vigor.

19 No n.° 42 do acórdão Dilexport, já referido, redigido em termos análogos aos do número n.° 28 do acórdão Aprile, já referido, o Tribunal de Justiça referiu o seguinte:

«[...] a disposição controvertida estabelece um prazo suficiente para garantir a eficácia do direito à restituição. A este respeito, das observações escritas e orais apresentadas no Tribunal de Justiça resulta que os órgãos jurisdicionais italianos, incluindo a própria Corte suprema di cassazione, interpretaram essa disposição no sentido de que permitia que o pedido fosse apresentado dentro dos três anos que se seguiam à sua entrada em vigor. Nestas condições, não se pode considerar que a referida disposição tenha efectivamente carácter retroactivo.»

20 O órgão jurisdicional de reenvio tem conhecimento dos acórdãos Aprile e Dilexport, já referidos. No entanto, tal como o Ministério das Finanças, considera que a aplicação do direito nacional conduz a uma solução diferente da acolhida como premissa pelo Tribunal de Justiça nos referidos acórdãos no que se refere às acções intentadas a partir de 27 de Abril de 1991, isto é, após a entrada em vigor do prazo de três anos, ele próprio fixado 90 dias após a entrada em vigor da Lei n.° 428/1990. Remetendo para o acórdão da Corte suprema di cassazione n.° 414, de 15 de Janeiro de 1992, o órgão jurisdicional de reenvio considera com efeito que, por força do direito nacional, embora o novo prazo de caducidade de três anos não possa ser aplicado às acções já propostas à data da sua entrada em vigor, ao invés, deve aplicar-se às acções ainda não propostas nessa data, mesmo que incidam sobre montantes pagos antes dessa data, e deve ser contado a partir do pagamento desses montantes.

21 Assim, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em primeiro lugar, se a redução para três anos do prazo para o exercício dos direitos surgidos antes dessa redução, em segundo lugar, se a alteração da natureza desse prazo (que, de prazo de prescrição que pode ser interrompido e insusceptível de ser suscitado oficiosamente, se tornou num prazo de caducidade que não pode ser interrompido e é susceptível de ser suscitado oficiosamente) e, em terceiro lugar, se o limite de 90 dias do período transitório durante o qual as acções relacionadas com esses direitos podiam ainda ser intentadas dentro do antigo prazo de prescrição não têm em consideração o princípio da eficácia. Refere que esse princípio se impõe às vias processuais das acções jurisdicionais destinadas a assegurar a protecção de direitos que os particulares retiram do direito comunitário, a fim de que essas vias não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício de tais direitos.

22 O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o próprio Tribunal de Justiça já declarou razoável um prazo de caducidade de três anos, bem como um prazo de caducidade de um ano, mas julga necessário, face ao período transitório de 90 dias que precede no caso concreto a redução do prazo, colocar a seguinte questão prejudicial:

«O direito comunitário, e em particular, o princípio da eficácia, em numerosas ocasiões enunciado (entre muitas outras, nos acórdãos [...] Dilexport [, já referido]; de 15 de Setembro de 1998, Spac, C-260/96, Colect., p. I-4997; de 15 de Setembro de 1998, Edis, C-231/96, Colect., p. I-4951; [...] Aprile [já referido], e de 10 de Julho de 1997, Palmisani, C-261/95, Colect., p. I-4025), opõe-se a uma norma nacional (o artigo 29.° , n.° 1, in fine, da Lei n.° 428, de 29 de Dezembro de 1990) que concede ao titular de um direito à restituição de quantias indevidamente pagas, baseado no direito comunitário e constituído em consequência de pagamentos efectuados antes da entrada em vigor da referida norma nacional, um período transitório de 90 dias para propor a correspondente acção judicial, a fim de evitar a caducidade no prazo de três anos instituída com carácter retroactivo em substituição da prescrição no prazo de cinco anos anteriormente vigente?»

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

23 A Grundig Italiana confirma a interpretação das disposições nacionais em causa no processo principal dada pelo Ministério das Finanças e o órgão jurisdicional de reenvio. A Comissão expõe igualmente a sua posição quanto ao fundamento desta interpretação.

24 A Grundig Italiana considera assim que, tendo em conta a retroactividade do prazo de caducidade de três anos relativamente aos direitos surgidos antes da sua adopção, a suspensão da sua entrada em vigor durante apenas 90 dias conduz a um «confisco» do direito à repetição do indevido, que corresponde à diminuição do prazo de propositura da acção. Por conseguinte, o artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 não tem em conta o princípio da eficácia na medida em que torna extremamente difícil a acção de restituição de montantes pagos por força de uma legislação nacional incompatível com o direito comunitário, e isto independentemente do facto de a referida disposição respeitar, por outro lado, o princípio da equivalência, uma vez que se aplica indistintamente às acções de restituição baseadas no direito comunitário ou no direito nacional.

25 Segundo a Grundig Italiana, o prazo de graça de 90 dias durante o qual os interessados podiam ainda evitar a aplicação do prazo retroactivo de caducidade de três anos foi demasiado curto para poderem detectar o âmbito inovador e retroactivo do artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 e compreender que esta disposição afectava os direitos à restituição de montantes indevidamente pagos com base numa legislação nacional incompatível com o direito comunitário, quando não existia ainda nenhuma decisão judicial nem nenhuma reflexão doutrinal relativa a essa incompatibilidade. O prazo de 90 dias seria igualmente demasiado breve para preparar a propositura de uma acção em juízo, o que necessitava, designadamente, recolher os documentos necessários e levar a termo procedimentos decisórios por vezes complexos nas sociedades, em especial, nas sociedades internacionais. Esta apreciação é plenamente coerente com a efectuada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Aprile e Dilexport, já referidos, segundo a qual a adopção de um prazo de caducidade não retroactivo de três anos tem em conta o princípio da eficácia.

26 Pelo contrário, a Comissão não considera que a adopção de um prazo de caducidade de três anos nas condições previstas no artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 não tem em conta o princípio da eficácia.

27 A este propósito a Comissão argumenta que, no acórdão de 22 de Fevereiro de 1990, Busseni (C-221/88, Colect., p. I-495, n.° 35), o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da confiança legítima não é oponível à aplicação de uma regulamentação nova aos efeitos futuros de situações nascidas durante a vigência da regulamentação anterior. A Comissão entende que, face ao direito comunitário, a legislação em causa no processo principal não deve ser considerada retroactiva. É certo que o legislador nacional deve velar no sentido de que os contribuintes em causa não se vejam brutalmente privados do direito à restituição de impostos contrários ao direito comunitário, aquando da redução do prazo para propositura da acção. Daí decorre que, aquando da fixação das modalidades de redução desse prazo, o legislador deveria prever um período transitório razoável, que permitisse aos respectivos contribuintes - desde que façam prova da diligência exigível - salvaguardar a possibilidade de recuperar os créditos nascidos no momento em que o imposto foi indevidamente cobrado.

28 Para a Comissão, os critérios de apreciação do carácter razoável da duração do período transitório previsto para a passagem de um prazo para outro, mais curto, não devem ser os mesmos que aqueles com base nos quais há que apreciar a conformidade com o princípio da eficácia do próprio prazo da propositura da acção. No caso vertente, a Comissão considera suficiente e em conformidade com o princípio da eficácia o período transitório de 90 dias adoptado pelo artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990.

29 O Governo italiano sustenta, por seu turno, que a interpretação correcta das disposições nacionais em causa no processo principal é a que foi dada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Aprile e Dilexport, já referidos, e que, no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio submeteu a questão ao Tribunal de Justiça com base numa interpretação errada do direito nacional. É um facto que a Corte suprema di cassazione apenas se pronunciou sobre a impossibilidade de uma aplicação retroactiva do prazo de caducidade previsto no artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 no que se refere às acções intentadas antes da sua entrada em vigor, mas não há qualquer razão para tratar de modo diferente as pessoas que propuseram após essa data acções relativas a direitos surgidos anteriormente. Sendo a questão do órgão jurisdicional de reenvio fundamentada numa análise errada do direito nacional, o Tribunal de Justiça não pode responder-lhe.

Quanto à admissibilidade

30 Importa, face à objecção do Governo italiano exposta no número precedente, recordar que, de acordo com jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 234.° CE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, como as questões colocadas pelo juiz nacional são relativas à interpretação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir (v., designadamente, acórdão de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C-415/93, Colect., p. I-4921, n.° 59).

31 É certo que, em casos excepcionais, compete ao Tribunal de Justiça examinar as condições em que os pedidos lhe são submetidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais para verificar a sua própria competência. A recusa de decisão quanto a uma questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (v., designadamente, acórdão de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C-379/98, Colect., p. I-2099, n.° 39).

32 Tal não é o caso no presente processo. Por um lado, as partes no processo principal, e, em especial, o Ministério das Finanças, estão de acordo no sentido de considerar que, em si mesmo, o artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 implica a aplicação do prazo de caducidade de três anos às acções ainda não intentadas à data de entrada em vigor desse prazo, mesmo que se refiram a montantes pagos antes dessa data, bem como a contagem deste prazo a partir do pagamento desses montantes. A questão colocada ao Tribunal de Justiça não é, portanto, de modo nenhum hipotética. Por outro lado, do que é do conhecimento do Tribunal de Justiça, a posição adoptada pelo Governo italiano nas observações apresentadas não levou o Ministério das Finanças a renunciar à interpretação contrária do artigo 29.° , n.° 1, da Lei n.° 428/1990 que opõe à Grundig Italiana no Tribunale di Trento e que levou à manutenção do litígio no processo principal.

Quanto à questão prejudicial

33 Não existindo regulamentação comunitária em matéria de restituição de impostos nacionais indevidamente cobrados, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regulamentar as vias processuais das acções judiciais destinadas a garantir a protecção dos direitos que decorrem, para os cidadãos, do direito comunitário, desde que, por um lado, essas vias não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e, por outro, não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da eficácia) (v., designadamente, acórdão Aprile, já referido, n.° 18).

34 No que se refere a este último princípio, o Tribunal de Justiça reconheceu a compatibilidade com o direito comunitário da fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a administração interessada. Com efeito, esses prazos não são susceptíveis de tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. Assim, um prazo nacional de caducidade de três anos a contar da data do pagamento contestado afigura-se razoável (v. acórdão Aprile, já referido, n.° 19).

35 O princípio da eficácia também não proíbe de modo absoluto uma aplicação retroactiva de um novo prazo de acção mais curto e, eventualmente, mais restritivo para o contribuinte do que o prazo anteriormente aplicado, na medida em que tal aplicação se refira a acções de restituição de impostos nacionais contrários ao direito comunitário ainda não intentadas no momento da entrada em vigor do novo prazo, mas que incidem sobre montantes pagos quando era ainda aplicável o prazo anterior.

36 Com efeito, dado que as vias de restituição dos impostos nacionais indevidamente cobrados competem ao direito nacional, a questão da possibilidade de uma aplicação retroactiva de tais vias compete igualmente a esse direito desde que essa eventual aplicação retroactiva não comprometa o respeito do princípio da eficácia.

37 A este respeito, embora o princípio da eficácia não se oponha a que uma legislação nacional reduza o prazo durante o qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas em violação do direito comunitário, só assim é na condição não apenas de o novo prazo fixado apresentar um carácter razoável, mas também de essa nova legislação comportar um regime transitório que permita aos sujeitos jurídicos disporem de um prazo suficiente, após a sua adopção, para poderem apresentar os pedidos de reembolso que tinham o direito de apresentar ao abrigo da anterior legislação. Este regime transitório é necessário quando a aplicação imediata a estes pedidos de um prazo de prescrição mais curto do que aquele que estava anteriormente em vigor tenha por efeito privar retroactivamente do seu direito ao reembolso certos sujeitos jurídicos ou de só lhes deixar um prazo demasiado breve para invocarem esse direito (acórdão de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer, C-62/00, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38).

38 Assim, o período transitório deve ser suficiente para que os contribuintes que pensavam inicialmente dispor do antigo prazo de propositura da acção tenham tempo razoável para invocarem o seu direito ao reembolso se a sua acção for já intempestiva nos termos do novo prazo. Devem, de todo o modo, ter a possibilidade de preparar a sua acção de forma diferente da precipitação ligada à obrigação de actuar com urgência não relacionada com os prazos com que podiam inicialmente contar.

39 O período transitório de 90 dias que antecede a aplicação retroactiva de um prazo para a propositura da acção de três anos que substituiu o prazo de propositura de dez ou de cinco anos é manifestamente insuficiente. Tomando como referência o prazo inicial de cinco anos, tal período conduz, com efeito, os contribuintes cujos direitos surgiram há aproximadamente três anos a dever actuar, na prática, em três meses, quando pensavam dispor ainda de cerca de dois anos.

40 No caso de redução do prazo de propositura da acção de dez ou de cinco anos para três anos, a duração do período mínimo de transição necessário para que o carácter efectivo do exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária seja assegurado, permitindo aos contribuintes normalmente diligentes tomarem conhecimento do novo regime e prepararem e intentarem a sua acção em condições que não comprometam as suas possibilidades de êxito, pode ser razoavelmente calculado em seis meses.

41 A verificação, pelo órgão jurisdicional nacional, da insuficiência de um período transitório fixado pelo legislador nacional como é o caso no processo principal não deve, no entanto, levar a afastar qualquer aplicação retroactiva do novo prazo de propositura da acção. Com efeito, o princípio da eficácia só impõe o afastamento de tal aplicação retroactiva na medida necessária ao seu cumprimento. Assim, as acções intentadas após o termo de um período transitório suficiente, calculado num caso como o do processo principal em seis meses, devem poder ser sujeitas ao novo prazo de propositura, mesmo que se refiram ao reembolso de montantes pagos antes da entrada em vigor do diploma que prevê esse novo prazo.

42 Cabe, portanto, responder ao órgão jurisdicional de reenvio que o direito comunitário se opõe à aplicação retroactiva de um prazo de caducidade mais curto e, eventualmente, mais restritivo para o demandante do que o prazo de propositura da acção anteriormente aplicado aos pedidos de restituição de impostos nacionais contrários ao direito comunitário, quando não seja assegurado um período transitório suficiente durante o qual os pedidos que se referem a montantes pagos antes da entrada em vigor do diploma que criou esse novo prazo podem ainda ser apresentados sob o regime do prazo antigo. No caso da substituição de um prazo de caducidade de três anos por um prazo de prescrição de cinco anos, o período transitório de 90 dias deve ser considerado insuficiente e o período mínimo transitório que permite que o exercício do direito a essa restituição não se torne excessivamente difícil deve ser calculado em seis meses.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

43 As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Tribunale di Trento, por despacho 6 de Junho de 2000, declara:

O direito comunitário opõe-se à aplicação retroactiva de um prazo de caducidade mais curto e, eventualmente, mais restritivo para o demandante do que o prazo de propositura da acção anteriormente aplicado aos pedidos de restituição de impostos nacionais contrários ao direito comunitário, quando não seja assegurado um período transitório suficiente durante o qual os pedidos que se referem a montantes pagos antes da entrada em vigor do diploma que criou esse novo prazo podem ainda ser apresentados sob o regime do prazo antigo. No caso da substituição de um prazo de caducidade de três anos por um prazo de prescrição de cinco anos, o período transitório de 90 dias deve ser considerado insuficiente e o período mínimo transitório que permite que o exercício do direito a essa restituição não se torne excessivamente difícil deve ser calculado em seis meses.