62000J0245

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 6 de Fevereiro de 2003. - Stichting ter Exploitatie van Naburige Rechten (SENA) contra Nederlandse Omroep Stichting (NOS). - Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad der Nederlanden - Países Baixos. - Directiva 92/100/CEE - Direito de aluguer e direito de comodato e certos direitos conexos com os direitos de autor no domínio da propriedade intelectual - Artigo 8.º, n.º 2 - Radiodifusão e comunicação ao público - Remuneração equitativa. - Processo C-245/00.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-01251


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Aproximação das legislações - Direito de autor e direitos conexos - Direito de aluguer e direito de comodato de obras protegidas - Directiva 92/100 - Radiodifusão e comunicação ao público - Remuneração equitativa - Conceito - Interpretação uniforme - Execução pelos Estados-Membros - Critérios - Limites

(Directiva 92/100 do Conselho, artigo 8.° , n.° 2)

Sumário


$$O artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual, impõe aos Estados-Membros a obrigação de adoptarem uma regulamentação que assegure que o utilizador pagará uma remuneração equitativa quando um fonograma é utilizado para uma radiodifusão ou comunicação ao público. A noção de remuneração equitativa que figura nessa disposição deve ser interpretada de modo uniforme em todos os Estados-Membros e posta em prática por cada Estado-Membro, cabendo a este determinar, no seu território, os critérios mais pertinentes para assegurar, dentro dos limites impostos pelo direito comunitário e, em particular, pela Directiva 92/100, o respeito desta noção comunitária.

A este respeito, o artigo 8.° , n.° 2, já referido, não se opõe a um modelo de cálculo da remuneração equitativa que inclua factores variáveis e factores fixos tais como o número de horas de difusão dos fonogramas, a importância da audiência dos organismos de rádio e de televisão representados pelo organismo de difusão, as tarifas convencionalmente fixadas em matéria de direitos de execução e de radiodifusão de obras musicais protegidas pelos direitos de autor, as tarifas praticadas pelos organismos públicos de radiodifusão nos Estados-Membros vizinhos do Estado-Membro em causa e os montantes pagos pelas estações comerciais, desde que esse modelo seja susceptível de permitir atingir um equilíbrio adequado entre o interesse dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores em receber uma remuneração pela radiodifusão de um fonograma determinado e o interesse de terceiros em poder radiodifundir esse fonograma em condições razoáveis e que não seja contrário ao direito comunitário.

( cf. n.os 33, 38, 46, disp. 1-2 )

Partes


No processo C-245/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Stichting ter Exploitatie van Naburige Rechten (SENA)

e

Nederlandse Omroep Stichting (NOS),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet (relator), presidente de secção, C. Gulmann, V. Skouris, F. Macken e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,

secretário: M.-F. Contet, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Stichting ter Exploitatie van Naburige Rechten (SENA), por J. L. R. A. Huydecoper e H. G. Sevenster, advocaten,

- em representação da Nederlandse Omroep Stichting (NOS), por W. VerLoren van Themaat e R. S. Meijer, advocaten,

- em representação do Governo neerlandês, por M. A. Fierstra, na qualidade de agente,

- em representação do Governo alemão, por A. Dittrich e W.-D. Plessing, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo português, por L. I. Fernandes e J. C. de Almeida e Paiva, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

- em representação do Governo do Reino Unido, por G. Amodeo, na qualidade de agente, assistida por J. Stratford, barrister,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Banks e H. M. H. Speyart, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Stichting ter Exploitatie van Naburige Rechten (SENA), representada por E. Pijnacker Hordijk e T. Cohen Jehoram, advocaten, da Nederlandse Omroep Stichting (NOS), representada por W. VerLoren van Themaat, do Governo neerlandês, representado por J. van Bakel, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por H. M. H. Speyart, na audiência de 2 de Maio de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Setembro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por acórdão de 9 de Junho de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de Junho seguinte, o Hoge Raad der Nederlanden colocou, nos termos do artigo 234.° CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61).

2 Estas questões foram colocadas no âmbito de um processo que opõe a Stichting ter Exploitatie van Naburige Rechten (Associação para a Exploração dos Direitos Conexos, a seguir «SENA») à Nederlandse Omroep Stichting (Associação da Radiotelevisão Neerlandesa, a seguir «NOS») a propósito da fixação de uma remuneração equitativa paga, para a difusão de fonogramas pela rádio ou pela televisão, aos artistas intérpretes ou executantes e aos produtores destes fonogramas.

Regulamentação comunitária

3 A Directiva 92/100 destina-se a pôr em prática uma protecção jurídica harmonizada para o direito de aluguer, o direito de comodato e certos direitos conexos com os direitos de autor no domínio da propriedade intelectual.

4 Resulta do primeiro considerando da Directiva 92/100 que esta harmonização visa suprimir as diferenças entre as regulamentações nacionais quando tais diferenças «constituem uma fonte de obstáculos ao comércio e provocam distorções da concorrência que obstam à realização e ao correcto funcionamento do mercado interno».

5 Os sétimo, décimo primeiro, décimo quinto e décimo sétimo considerandos da referida directiva têm a seguinte redacção:

«[c]onsiderando que o trabalho criativo e artístico dos autores e dos artistas intérpretes e executantes exige uma remuneração adequada na perspectiva da continuação desse trabalho criativo e artístico; que os investimentos exigidos em especial para a produção de fonogramas e filmes são especialmente elevados e arriscados; que o pagamento dessa remuneração e a recuperação desse investimento só podem ser assegurados efectivamente através de uma protecção legal adequada dos titulares envolvidos;

[...]

[c]onsiderando que o enquadramento legal da Comunidade relativo ao direito de aluguer e ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor se pode limitar a estabelecer que os Estados-Membros devem prever direitos em relação ao aluguer e ao comodato para certos grupos de titulares de direitos e, além disso, devem prever os direitos de fixação, de reprodução, de distribuição, de radiodifusão e da comunicação ao público para certos grupos de titulares no domínio da protecção dos direitos conexos;

[...]

[c]onsiderando que é necessário introduzir um regime que garanta que os autores e os artistas intérpretes ou executantes obterão uma remuneração equitativa inalienável, devendo os mesmos conservar a possibilidade de confiar a gestão desse direito a sociedades de gestão colectiva dos direitos de autor que os representem;

[...]

[c]onsiderando que essa remuneração equitativa deverá ter em conta a importância da contribuição para o fonograma ou filme dos autores e dos artistas intérpretes ou executantes em causa; [...]».

6 O artigo 8.° , n.os 1 e 2, da Directiva 92/100 determina:

«1. Os Estados-Membros deverão prever que os artistas intérpretes ou executantes usufruam do direito exclusivo de permitir ou proibir a radiodifusão e a comunicação ao público das suas prestações, excepto quando a prestação já seja, por si própria, uma prestação radiodifundida ou quando seja efectuada a partir de uma fixação.

2. Os Estados-Membros deverão prever um direito tendente a garantir o pagamento de uma remuneração equitativa e única pelos utilizadores que usem fonogramas publicados com fins comerciais ou suas reproduções em emissões radiodifundidas por ondas radioeléctricas ou em qualquer tipo de comunicações ao público, bem como garantir a partilha de tal remuneração pelos artistas intérpretes ou executantes e pelos produtores dos fonogramas assim utilizados. Na falta de acordo entre os artistas intérpretes ou executantes e os produtores dos fonogramas, os Estados-Membros poderão determinar as condições em que deverá ser por eles repartida a referida remuneração.»

7 A noção de remuneração equitativa não está definida na Directiva 92/100.

Regulamentação nacional

8 O artigo 7.° da Wet op de naburige rechten (lei neerlandesa relativa aos direitos conexos), de 1 de Julho de 1993, alterada pela Lei de 21 de Dezembro de 1995 (Staatsblad 1995, p. 653, a seguir «WNR»), determina:

«1. Um fonograma publicado com fins comerciais, ou uma reprodução deste, pode ser radiodifundido ou comunicado ao público de outro modo, sem autorização do produtor do fonograma e do artista intérprete ou executante ou dos sucessores nos seus direitos, na condição de ser paga uma remuneração equitativa.

2. Na falta de um acordo sobre o montante da remuneração equitativa, o Arrondissementsrechtbank te 's-Gravenhage terá competência exclusiva para decidir, em primeira instância e a pedido da parte mais diligente, da fixação do montante da remuneração.

3. A remuneração é devida ao artista intérprete ou executante e ao produtor, ou aos sucessores nos direitos destes, e será repartida entre eles em partes iguais.»

9 O artigo 15.° da WNR determina que a remuneração equitativa visada no artigo 7.° desta lei seja paga a uma pessoa colectiva representativa, designada pelo Ministro da Justiça, à qual incumbe, com exclusão de qualquer outra pessoa, a cobrança e a repartição dessa remuneração, e que essa pessoa colectiva represente os titulares dos direitos em todas as ocasiões para fixar o montante da remuneração e proceder à sua cobrança, bem como exercer o direito exclusivo.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10 Antes da entrada em vigor da WNR, tinha sido assinada, em 16 de Dezembro de 1986, uma convenção entre, por um lado, a NOS e a Stichting Radio Nederland Wereldomroep (Associação Neerlandesa de Radiotelevisão Mundial) e, por outro, a Nederlandse Vereniging van Producenten en Importeurs van Beeld en Geluidsdragers (Associação Neerlandesa dos Produtores e Importadores de Suportes de Som e de Imagem, a seguir «NVPI»). Nos termos desta convenção, a NOS devia pagar à NVPI, anualmente a partir de 1984, uma remuneração (indexada) em compensação da utilização dos direitos dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas. A remuneração paga pela NOS à NVPI por força da referida convenção ascendia, em 1984, a 605 000 NLG e, em 1994, a 700 000 NLG.

11 Em aplicação do artigo 15.° da WNR, a SENA foi designada para cobrar e repartir a remuneração equitativa dos direitos em substituição da NVPI que, em consequência, por carta de 23 de Dezembro de 1993, rescindiu a convenção que a vinculava à NOS.

12 A SENA e a NOS tentaram, em aplicação do artigo 7.° , n.° 1, da WNR, chegar a acordo sobre o montante da remuneração equitativa a fixar no âmbito desta lei. Dado que essa tentativa se frustrou, a SENA, em conformidade com o disposto no artigo 7.° , n.° 2, da WNR, recorreu ao Arrondissementsrechtbank te' s-Gravenhage (Países Baixos) para que a remuneração equitativa fosse fixada em 3 500 NLG por hora de difusão televisiva e em 350 NLG por hora de difusão radiofónica, devendo, assim, o montante reclamado anualmente elevar-se a cerca de 7 500 000 NLG.

13 Com base na Convenção de 16 de Dezembro de 1986 e nos montantes pagos à NVPI por força desta convenção, a NOS apresentou um pedido reconvencional no sentido de obter que a remuneração equitativa fosse fixada no montante anual de 700 000 NLG.

14 Por duas decisões interlocutórias de 7 de Agosto de 1996 e de 16 de Abril de 1997, o Arrondissementsrechtbank fixou a remuneração devida para o ano de 1995 no montante de 2 000 000 NLG. Fez depender a fixação da remuneração devida para os anos seguintes de outras informações, tendo pedido que essas informações lhe fossem comunicadas.

15 Em recurso, o Gerechtshof te 's-Gravenhage (Países Baixos) considerou, num acórdão interlocutório de 6 de Maio de 1999, que a questão principal era saber como determinar a remuneração equitativa visada no artigo 7.° , n.° 1, da WNR, sabendo que nem esta lei nem a Directiva 92/100 dão qualquer indicação concreta sobre o seu modo de cálculo.

16 O Gerechtshof salientou, em primeiro lugar, que a Directiva 92/100 não impõe a harmonização do método de fixação da remuneração equitativa, mesmo se a prática seguida nos restantes Estados-Membros pode influenciar a solução que vier a ser acolhida nos Países Baixos.

17 Em segundo lugar, considerou, por um lado, que resulta dos trabalhos preparatórios da WNR que a remuneração equitativa deve corresponder, aproximadamente, ao que devia ser pago anteriormente em aplicação da convenção entre a NOS e a NVPI e, por outro, que a natureza equitativa, o cálculo e o controlo da remuneração devem ser favorecidos mediante recurso a um modelo de cálculo que, num primeiro momento, compete às partes tentar definir, com a ajuda de factores variáveis e de factores fixos.

18 O Gerechtshof propôs os factores seguintes:

- o número de horas de difusão dos fonogramas;

- a importância da audiência dos organismos de rádio e de televisão representados pela NOS;

- as tarifas convencionalmente fixadas em matéria de direitos de execução e de radiodifusão de obras musicais protegidas pelos direitos de autor;

- as tarifas praticadas pelos organismos públicos de radiodifusão nos Estados-Membros vizinhos dos Países Baixos;

- os montantes pagos pelas estações comerciais.

19 A SENA interpôs recurso alegando que o Gerechtshof tinha desenvolvido um raciocínio jurídico incompatível com a Directiva 92/100, na medida em que esta visa instituir uma noção autónoma de direito comunitário que apela a uma interpretação uniforme, nos Estados-Membros, da noção de remuneração equitativa. Considera que a análise do Gerechtshof leva a tratar de maneira diferente situações idênticas.

20 Uma vez que os argumentos da SENA suscitam questões de interpretação da Directiva 92/100, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1) A noção de remuneração equitativa referida no artigo 8.° , n.° 2, da directiva é uma noção comunitária que deve ser interpretada e aplicada do mesmo modo em todos os Estados-Membros da Comunidade Europeia?

2) Caso a primeira questão seja respondida pela afirmativa:

a) De acordo com que critérios se deve fixar o montante da remuneração equitativa?

b) Deve-se procurar ter em conta o montante das remunerações convencionadas entre os organismos interessados no Estado-Membro em causa ou que eram habitualmente pagas antes da entrada em vigor da directiva?

c) Devem ou podem ter-se em conta as expectativas que a aprovação da lei interna de transposição da directiva suscitou nos interessados quanto ao montante da remuneração?

d) Deve-se procurar ter em conta o montante das remunerações referentes ao direito de autor sobre as obras musicais pagas pelas emissões de organismos de radiodifusão?

e) Deve a remuneração ser fixada em função do número potencial ou do número efectivo de espectadores ou ouvintes ou deve ser fixada em função de ambos e, nesse caso, em que proporção?

3) Caso a primeira questão seja respondida pela negativa, tal significa então que os Estados-Membros são perfeitamente livres de estabelecer os critérios de fixação do montante da remuneração equitativa? Ou tem esta liberdade limites e, nesse caso, quais?»

Quanto à primeira questão

21 Na primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se a noção de remuneração equitativa, na acepção do artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100, deve, por um lado, ser interpretada do mesmo modo em todos os Estados-Membros e, por outro, ser posta em prática em aplicação dos mesmos critérios em cada um desses Estados.

22 No que respeita, em primeiro lugar, à questão da interpretação uniforme da noção de remuneração equitativa, as partes no processo principal, os governos que apresentaram observações, com excepção do Governo finlandês, e a Comissão estão de acordo em reconhecer que, uma vez que figura numa directiva do Conselho e que não contém nenhuma referência aos direitos nacionais, tal noção constitui uma disposição autónoma de direito comunitário e deve ser interpretada de modo uniforme no território da Comunidade.

23 Como sublinha o Governo do Reino Unido, o Tribunal de Justiça já declarou que decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito comunitário como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito comunitário que não contenha qualquer remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente encontrar, em toda a Comunidade, uma interpretação autónoma e uniforme que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., por exemplo, acórdãos de 18 de Janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil, p. 107, n.° 11; de 19 de Setembro de 2000, Linster, C-287/98, Colect., p. I-6917, n.° 43, e de 9 de Novembro de 2000, Yiadom, C-357/98, Colect., p. I-9265, n.° 26).

24 É o que se verifica com a noção de remuneração equitativa que figura no artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100. Consequentemente, em aplicação do princípio de autonomia do direito comunitário, esta noção deve ser interpretada de modo uniforme em todos os Estados-Membros.

25 No que se refere, em segundo lugar, à questão da aplicação dos mesmos critérios em todos os Estados-Membros, as partes no processo principal, todos os governos que apresentaram observações e a Comissão admitem que a Directiva 92/100 não dá uma definição da noção de remuneração equitativa. Além disso, é unanimemente reconhecido que esta directiva, embora confie aos Estados-Membros a tarefa de, em determinadas circunstâncias, repartir a remuneração equitativa entre os artistas intérpretes ou executantes e os produtores de fonogramas, não lhes confia a missão de determinar critérios comuns de uma remuneração equitativa.

26 A SENA extrai, a contrario, desta última constatação, a conclusão de que o legislador comunitário recusou aos Estados-Membros a possibilidade de fixar de modo autónomo os critérios de uma remuneração equitativa e, por conseguinte, o montante dessa remuneração. Baseia esse raciocínio num acórdão de 3 de Fevereiro de 2000, Egeda (C-293/98, Colect., p. I-629), no qual o Tribunal de Justiça declarou que a Directiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de Setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (JO L 248, p. 15), organiza não uma harmonização geral das disposições relativas aos direitos de autor, mas unicamente uma harmonização mínima. A SENA deduz daí que, por analogia, a Directiva 92/100, que tem por objectivo específico instituir e garantir o direito de obter uma remuneração equitativa para a utilização de fonogramas comerciais, previsto no artigo 8.° , n.° 2, tende a harmonizar a existência e o âmbito deste direito.

27 Considera, além disso, que, para respeitar esta vontade de harmonização, apenas o valor comercial da prestação de aluguer ou de comodato pode permitir determinar o montante de uma remuneração equitativa.

28 Em apoio da sua argumentação, sustenta que a Directiva 92/100 assenta nos artigos 57.° , n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 47.° , n.° 2, CE), 66.° do Tratado CE (actual artigo 55.° CE) e 100.° -A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE) e que a escolha destes artigos como base jurídica corresponde a um objectivo de realização do mercado interno e, consequentemente, a uma preocupação de harmonização das legislações dos Estados-Membros.

29 O prosseguimento deste objectivo permitirá, segundo a SENA, nomeadamente, eliminar os obstáculos e as desigualdades injustificadas que afectam a posição no mercado dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas e anular as desvantagens económicas que poderiam resultar da difusão dos referidos fonogramas.

30 Alega que, em domínios próximos, a interpretação da Directiva 92/100 pelo Tribunal de Justiça corroborou os objectivos desta directiva, que consistem em diminuir as diferenças existentes na protecção jurídica concedida pelos Estados-Membros através da harmonização das legislações, velar por que os artistas intérpretes ou executantes obtenham uma remuneração apropriada e oferecer aos produtores de fonogramas a possibilidade de amortizar os seus investimentos. O Tribunal de Justiça sublinhou estes pontos, bem como a importância do desenvolvimento cultural da Comunidade, com base no artigo 128.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 151.° CE) nos acórdãos de 28 de Abril de 1998, Metronome Musik (C-200/96, Colect., p. I-1953), e de 22 de Setembro de 1998, FDV (C-61/97, Colect., p. I-5171).

31 Todos os governos que apresentaram observações, bem como a Comissão, pedem ao Tribunal de Justiça que declare que a argumentação da SENA não é susceptível de demonstrar que o legislador comunitário pretendeu, no silêncio do artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100, fixar implicitamente critérios uniformes para determinar se uma remuneração é ou não equitativa.

32 Consideram, pelo contrário, que a Directiva 92/100 não previu voluntariamente um modo de cálculo pormenorizado e normativo do nível dessa remuneração.

33 Recorde-se que a directiva impõe aos Estados-Membros a obrigação de adoptarem uma regulamentação que assegure que o utilizador pagará uma remuneração equitativa quando um fonograma é difundido. A directiva indica igualmente que a repartição desta remuneração entre artistas intérpretes ou executantes e produtores de fonogramas deve ser normalmente fixada por acordo entre estes últimos. Só quando as suas negociações não resultam num acordo sobre as modalidades da repartição é que o Estado-Membro deve intervir a fim de determinar as respectivas condições.

34 Ora, não existindo uma definição comunitária de remuneração equitativa, não existe nenhuma razão objectiva que justifique a fixação pelo juiz comunitário de modalidades precisas de determinação de uma remuneração equitativa uniforme que levaria imperativamente o Tribunal de Justiça a substituir-se aos Estados-Membros aos quais a Directiva 92/100 não impõe nenhum critério particular (v., neste sentido, acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, Carbonari e o., C-131/97, Colect., p. I-1103, n.° 45). Assim, cabe exclusivamente aos Estados-Membros determinar, nos seus territórios, os critérios mais pertinentes para assegurar, dentro dos limites impostos pelo direito comunitário e, em particular, pela Directiva 92/100, o respeito desta noção comunitária.

35 A este respeito, verifica-se que o artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100 se inspira no artigo 12.° da Convenção Internacional para a Protecção dos Artistas Intérpretes ou Executantes, dos Produtores de Fonogramas e dos Organismos de Radiodifusão, assinada em Roma em 26 de Outubro de 1961. Esta convenção prevê o pagamento de uma remuneração equitativa cujas condições de repartição são determinadas pela legislação nacional, na falta de acordo entre os diferentes interessados, e indica simplesmente um determinado número de factores, qualificados de não exaustivos, de não vinculativos e de potencialmente pertinentes, a fim de determinar o que é equitatitivo em cada caso concreto.

36 O papel do Tribunal de Justiça, em tal situação, só pode ser, no quadro de um litígio que lhe tenha sido submetido, convidar os Estados-Membros a impor o respeito, o mais uniformemente possível, no território da Comunidade, da noção de remuneração equitativa, noção essa que, à luz dos objectivos da Directiva 92/100, definidos, nomeadamente, nos seus considerandos, deve ser analisada de modo a permitir atingir um equilíbrio adequado entre o interesse dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas em receber uma remuneração pela radiodifusão de um fonograma determinado e o interesse de terceiros em poder radiodifundir esse fonograma em condições razoáveis.

37 Como sublinha a Comissão, essa remuneração, que representa a contraprestação da utilização de um fonograma comercial, em particular para fins de radiodifusão, implica que o seu carácter equitativo seja, nomeadamente, analisado à luz do valor dessa utilização nas trocas económicas.

38 Deve, portanto, responder-se à primeira questão que a noção de remuneração equitativa que figura no artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100 deve ser interpretada de modo uniforme em todos os Estados-Membros e posta em prática por cada Estado-Membro, cabendo a este determinar, no seu território, os critérios mais pertinentes para assegurar, dentro dos limites impostos pelo direito comunitário e, em particular, pela referida directiva, o respeito desta noção comunitária.

Quanto às segunda e terceira questões

39 Com as segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, que critérios devem ser aplicados para determinar o montante da remuneração equitativa e que limites se impõem aos Estados-Membros na fixação desses critérios.

40 Como resulta da resposta à primeira questão, não compete ao Tribunal de Justiça fixar ele próprio os critérios de uma remuneração equitativa ou impor limites gerais e preestabelecidos à fixação de tais critérios, mas fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos que lhe permitem apreciar se os critérios nacionais que servem para fixar a remuneração dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas são susceptíveis de assegurar a sua remuneração equitativa no respeito do direito comunitário.

41 No litígio no processo principal, resulta do artigo 7.° da WNR que, na falta de um acordo contratual entre a SENA e a NOS sobre o montante da remuneração, compete ao juiz nacional fixar este montante. Em aplicação desta legislação, o Gerechtshof te' s-Gravenhage declarou que o carácter equitativo, o cálculo e o controlo da remuneração deviam ser favorecidos através do recurso a um modelo de cálculo que inclua factores variáveis e factores fixos: o número de horas de difusão dos fonogramas, a importância da audiência dos organismos de rádio e de televisão representados pelo organismo de difusão, as tarifas convencionalmente fixadas em matéria de direitos de execução e de radiodifusão de obras musicais protegidas pelos direitos de autor, as tarifas praticadas pelos organismos públicos de radiodifusão nos Estados-Membros vizinhos dos Países Baixos e, finalmente, os montantes pagos pelas estações comerciais.

42 O Gerechtshof esclareceu, além disso, que as partes podem tentar, em primeiro lugar, desenvolver elas próprias um modelo de cálculo cujo resultado deve, nos primeiros anos que se seguem à data da entrada em vigor da Directiva 92/100, corresponder aproximadamente ao montante que o organismo de difusão pagava anteriormente, por força de um contrato, ao antigo organismo de cobrança, se um aumento não for justificado pela necessidade de assegurar uma remuneração equitativa.

43 Por fim, considerou a possibilidade de recorrer a peritos para elaborar um modelo de cálculo, se subsistirem desacordos entre as partes.

44 O Gerechtshof mune-se, assim, de todas as garantias para respeitar, o melhor possível, o disposto no artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100, isto é, assegurar a remuneração equitativa dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas, privilegiando um acordo contratual com fundamento em critérios objectivos. Compete às partes ponderar esses critérios tendo em conta, nomeadamente, modalidades acolhidas nos restantes Estados-Membros e, caso as negociações entre as partes tenham fracassado, prever que o juiz nacional possa ser tecnicamente assistido por um perito a fim de determinar o montante da remuneração equitativa.

45 O legislador neerlandês optou, assim, por deixar que os representantes dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas e os representantes dos utilizadores de fonogramas fixem de comum acordo o montante da remuneração equitativa e, na falta de acordo, confiar essa tarefa ao juiz nacional, a quem compete proceder, em último lugar, ao cálculo da referida remuneração. Este método, simultaneamente muito protector do direito das partes e respeitador do direito comunitário, permite estabelecer um quadro geral no qual se poderiam inscrever as diferentes opções feitas pelos Estados-Membros para o cálculo do montante da remuneração equitativa.

46 Deve, por conseguinte, responder-se às segunda e terceira questões que o artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100 não se opõe a um modelo de cálculo da remuneração equitativa dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas que inclua factores variáveis e factores fixos tais como o número de horas de difusão dos fonogramas, a importância da audiência dos organismos de rádio e de televisão representados pelo organismo de difusão, as tarifas convencionalmente fixadas em matéria de direitos de execução e de radiodifusão de obras musicais protegidas pelos direitos de autor, as tarifas praticadas pelos organismos públicos de radiodifusão nos Estados-Membros vizinhos do Estado-Membro em causa e os montantes pagos pelas estações comerciais, desde que esse modelo seja susceptível de permitir atingir um equilíbrio adequado entre o interesse dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores em receber uma remuneração pela radiodifusão de um fonograma determinado e o interesse de terceiros em poder radiodifundir esse fonograma em condições razoáveis e que não seja contrário ao direito comunitário.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

47 As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, alemão, português, finlandês e do Reino Unido, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden, por acórdão de 9 de Junho de 2000, declara:

1) A noção de remuneração equitativa que figura no artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual, deve ser interpretada de modo uniforme em todos os Estados-Membros e posta em prática por cada Estado-Membro, cabendo a este determinar, no seu território, os critérios mais pertinentes para assegurar, dentro dos limites impostos pelo direito comunitário e, em particular, pela referida directiva, o respeito desta noção comunitária.

2) O artigo 8.° , n.° 2, da Directiva 92/100 não se opõe a um modelo de cálculo da remuneração equitativa dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de fonogramas que inclua factores variáveis e factores fixos tais como o número de horas de difusão dos fonogramas, a importância da audiência dos organismos de rádio e de televisão representados pelo organismo de difusão, as tarifas convencionalmente fixadas em matéria de direitos de execução e de radiodifusão de obras musicais protegidas pelos direitos de autor, as tarifas praticadas pelos organismos públicos de radiodifusão nos Estados-Membros vizinhos do Estado-Membro em causa e os montantes pagos pelas estações comerciais, desde que esse modelo seja susceptível de permitir atingir um equilíbrio adequado entre o interesse dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores em receber uma remuneração pela radiodifusão de um fonograma determinado e o interesse de terceiros em poder radiodifundir esse fonograma em condições razoáveis e que não seja contrário ao direito comunitário.