62000J0013

Acórdão do Tribunal de 19 de Março de 2002. - Comissão das Comunidades Europeias contra Irlanda. - Incumprimento de Estado - Não adesão, no prazo previsto, à Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas (Acto de Paris de 24 de Julho de 1971) - Não cumprimento das obrigações decorrentes do artigo 228.º, n.º 7, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 300.º, n.º 7, CE), em conjugação com o artigo 5.º do protocolo 28 do acordo EEE. - Processo C-13/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-02943


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Processo Intervenção Questão prévia de admissibilidade não suscitada pela parte demandada Inadmissibilidade

[Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, artigo 37.° ]

2. Acção por incumprimento Direito de acção da Comissão Acção que tem por objecto obter a declaração do não cumprimento de um acordo misto concluído pela Comunidade e pelos Estados-Membros Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas Domínio da competência comunitária

[Tratado CE, artigo 228.° , n.° 7 (que passou, após alteração, a artigo 300.° , n.° 7, CE); Protocolo 28 do acordo EEE, artigo 5.° ]

3. Acção por incumprimento Exame da procedência pelo Tribunal de Justiça Situação a tomar em consideração Situação no termo do prazo fixado no parecer fundamentado

(Artigo 226.° CE)

Sumário


1. Nos termos do artigo 37.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar o pedido de uma das partes. Um interveniente não tem assim legitimidade para suscitar uma questão prévia de admissibilidade que não foi formulada nas alegações da parte demandada.

( cf. n.os 3, 5 )

2. A exigência de adesão à Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas (Acto de Paris de 24 de Julho de 1971) imposta pelo artigo 5.° do protocolo 28 do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu às partes contratantes, uma vez que figura num acordo misto concluído, de acordo com o artigo 228.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 300.° CE), pela Comunidade, pelos seus Estados-Membros e por países terceiros e respeita a um domínio largamente coberto pelo Tratado, inscreve-se no quadro comunitário. A Comissão é, por conseguinte, competente para apreciar se tal exigência é respeitada, sob fiscalização do Tribunal de Justiça.

Por um lado, com efeito, os acordos mistos concluídos pela Comunidade e pelos seus Estados-Membros gozam do mesmo estatuto, na ordem jurídica comunitária, que os acordos puramente comunitários, no que respeita a disposições da competência da Comunidade. Daqui decorre que ao garantir o respeito pelos compromissos decorrentes de um acordo concluído pelas instituições comunitárias, os Estados-Membros cumprem, na ordem comunitária, uma obrigação para com a Comunidade, a qual assumiu a responsabilidade pela boa execução do acordo. Por outro lado, a Convenção de Berna cria direitos e obrigações em domínios cobertos pela legislação comunitária, de forma que existe um interesse comunitário em que todas as partes contratantes do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu adiram a essa convenção.

( cf. n.os 14, 15, 19, 20 )

3. No âmbito de uma acção ex artigo 226.° CE, a existência de um incumprimento deve ser unicamente apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como ela se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

( cf. n.° 21 )

Partes


No processo C-13/00,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K. Banks e M. Desantes, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Irlanda, representada inicialmente por M. A. Buckley e em seguida por D. J. O'Hagan, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

apoiada por

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por G. Amodeo, na qualidade de agente, assistida por M. Hoskins, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao não aderir até 1 de Janeiro de 1995 à Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas (Acto de Paris de 24 de Julho de 1971), a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 228.° , n.° 7, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 300.° , n.° 7, CE) e do artigo 5.° do protocolo 28 do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, P. Jann, F. Macken, N. Colneric e S. von Bahr, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet (relator), M. Wathelet, R. Schintgen, V. Skouris, J. N. Cunha Rodrigues e C. W. A. Timmermans, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 27 de Novembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Janeiro de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias instaurou, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao não aderir até 1 de Janeiro de 1995 à Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas (Acto de Paris de 24 de Julho de 1971, a seguir «Convenção de Berna»), a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 228.° , n.° 7, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 300.° , n.° 7, CE) e do artigo 5.° do protocolo 28 do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «acordo EEE»).

2 No pedido de intervenção, em apoio da Irlanda, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte alega que o caráter misto do acordo EEE implica que o Tribunal de Justiça só é competente para conhecer das matérias objecto de medidas de harmonização a nível comunitário, o que não é o caso da propriedade intelectual. Por conseguinte, segundo o Reino Unido, a Convenção de Berna é matéria de direito internacional e da competência dos Estados-Membros, não podendo a sua aplicação ser objecto de qualquer fiscalização por parte do Tribunal de Justiça.

Quanto à admissibilidade das conclusões do pedido de intervenção do Reino Unido

3 Nos termos do artigo 37.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar o pedido de uma das partes.

4 Importa constatar a este respeito que o pedido do Reino Unido se destina a que o Tribunal de Justiça se reconheça incompetente para decidir do litígio e, por consequência, rejeite a acção instaurada pela Comissão. Ora, a Irlanda reconhece o incumprimento e limita-se a pedir ao Tribunal de Justiça que suspenda o processo enquanto procede à regularização da sua legislação.

5 Os intervenientes não têm legitimidade para suscitar uma questão prévia de admissibilidade que não foi formulada nas alegações da parte demandada (v. acórdãos de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.os 21 e 22, e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n.os 11 e 12).

6 Limitando-se o Reino Unido a contestar a competência do Tribunal de Justiça para conhecer do litígio, as conclusões do seu pedido de intervenção são inadmissíveis.

Quanto ao incumprimento

7 Nos termos do artigo 5.° do protocolo 28 do acordo EEE, as partes contratantes comprometeram-se a assegurar a sua adesão à Convenção de Berna até 1 de Janeiro de 1995. Como parte no acordo EEE, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1994, a Irlanda devia ter cumprido as obrigações que dele decorrem, designadamente, a sua adesão à Convenção de Berna.

8 Uma vez que a Irlanda aderiu no prazo fixado para o efeito, a Comissão dirigiu-lhe uma notificação de incumprimento em 15 de Abril de 1998.

9 Por carta de Maio de 1998, a Irlanda respondeu que estava em vias de elaborar um projecto de lei que actualizava a sua regulamentação sobre os direitos de autor, que lhe iria permitir ratificar a Convenção de Berna.

10 Constatando que a Irlanda continuava a não dispor de um instrumento de adesão à Convenção de Berna, a Comissão dirigiu-lhe, em 17 de Dezembro de 1998, um parecer fundamentado, convidando-a a proceder em conformidade com este no prazo de dois meses.

11 Em resposta, por carta de 15 de Fevereiro de 1999, a Irlanda reconheceu a sua obrigação de aderir à Convenção de Berna. Informou a Comissão de que o projecto de lei relativo à propriedade intelectual se encontrava em fase avançada de exame por parte do seu Parlamento e que a sua adopção teria lugar em finais de 1999, o mais tardar.

12 É este o motivo pelo qual, na sua defesa, a Irlanda pede ao Tribunal de Justiça um prazo suplementar de seis meses a fim de poder levar a votação o referido projecto de lei e apresentá-lo à Comissão, na esperança de que esta desista da instância.

13 Uma vez que uma acção de incumprimento só pode ter como objecto o não cumprimento de obrigações decorrentes do direito comunitário, o Tribunal de Justiça deve examinar, antes de se pronunciar sobre a existência material do incumprimento, se as obrigações que pesam sobre a Irlanda e são objecto da presente acção constituem matéria de direito comunitário.

14 O Tribunal de Justiça já declarou anteriormente que os acordos mistos concluídos pela Comunidade, pelos seus Estados-Membros e por países terceiros gozam do mesmo estatuto, na ordem jurídica comunitária, que os acordos puramente comunitários, no que respeita a disposições da competência da Comunidade (v., neste sentido, acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel, 12/86, Colect., p. 3719, n.° 9).

15 Daqui o Tribunal de Justiça concluiu que, ao garantir o respeito pelos compromissos decorrentes de um acordo concluído pelas instituições comunitárias, os Estados-Membros cumprem, na ordem comunitária, uma obrigação para com a Comunidade, a qual assumiu a responsabilidade pela boa execução do acordo (acórdão Demirel, já referido, n.° 11).

16 No caso vertente, não há dúvidas de que as disposições da Convenção de Berna abrangem um domínio que é, em larga medida, da competência comunitária.

17 A protecção das obras literárias e artísticas, objecto da Convenção de Berna, é, com efeito, amplamente regulamentada pela legislação comunitária em matérias tão diversas quanto a protecção jurídica dos programas de computador, o direito de locação e o direito de comodato no domínio da propriedade intelectual, a protecção dos direitos de autor aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, a protecção jurídica de dados ou ainda a duração da protecção dos direitos de autor e de certos direitos conexos.

18 Aliás, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar que os direitos de autor e os direitos conexos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Tratado (acórdão de 20 de Outubro de 1993, Phil Collins e o., C-92/92 e C-326/92, Colect., p. I-5145, n.° 28).

19 A Convenção de Berna cria, deste modo, direitos e obrigações em domínios cobertos pela legislação comunitária. Nestas condições, existe um interesse comunitário em que todas as partes contratantes do acordo EEE adiram àquela convenção.

20 Resulta das considerações precedentes que a exigência de adesão à referida convenção imposta pelo artigo 5.° do protocolo 28 do acordo EEE às partes contratantes, uma vez que figura num acordo misto concluído pela Comunidade e pelos seus Estados-Membros e respeita a um domínio largamente coberto pelo Tratado, se inscreve no quadro comunitário. A Comissão é, por conseguinte, competente para apreciar se tal exigência é respeitada, sob fiscalização do Tribunal de Justiça.

21 No que respeita à materialidade do incumprimento, segundo jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser unicamente apreciada em função da situação tal como ela se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdão de 15 de Março de 2001, Comissão/França, C-147/00, Colect., p. I-2387, n.° 26). Além disso, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações que para ele decorrem do direito comunitário.

22 Assim, uma vez que está provado que a Irlanda não aderiu, no prazo fixado no parecer fundamentado, à Convenção de Berna, como era exigido pelo acordo EEE, a acção por incumprimento deve ser considerada procedente.

23 Em consequência, ao não aderir até 1 de Janeiro de 1995 à Convenção de Berna, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 228, n.° 7, do Tratado e do artigo 5.° do protocolo 28 do acordo EEE.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

24 Por força do artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação da Irlanda e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas. Por força do artigo 69.° , n.° 4, do mesmo regulamento, o Reino Unido suportará as suas próprias despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1) As conclusões do pedido de intervenção do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte são rejeitadas por inadmissíveis.

2) Ao não aderir até 1 de Janeiro de 1995 à Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas (Acto de Paris de 24 de Julho de 1971), a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 228, n.° 7, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 300.° , n.° 7, CE) e do artigo 5.° do protocolo 28 do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992.

3) A Irlanda é condenada nas despesas.

4) O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte suportará as suas próprias despesas.