Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 3 de Outubro de 2002. - Comissão das Comunidades Europeias contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia. - Comitologia - Decisão 1999/468/CE do Conselho que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão - Critérios de escolha entre os diferentes procedimentos de adopção das medidas de execução - Efeitos - Dever de fundamentação - Anulação parcial do Regulamento (CE) n.º1655/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao instrumento financeiro para o ambiente (LIFE). - Processo C-378/00.
Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-00937
I - Introdução
1. Este processo respeita o que se convencionou designar por «comitologia». Entende-se por comitologia o procedimento de tomada de decisão nos termos do qual os comités formados pelos representantes dos Estados-Membros e presididos por um representante da Comissão assistem e aconselham esta última no cumprimento das funções que lhe foram confiadas pelo legislador comunitário. Deste modo, a Comissão pode contar pragmaticamente com a necessária assistência de peritos nacionais em processos muito técnicos. Ao mesmo tempo, os Estados-Membros conservam um determinado controlo sobre o modo como a Comissão exerce o seu poder executivo e em certas circunstâncias o Conselho pode também intervir nas medidas de execução.
2. O recurso da Comissão visa a anulação parcial do Regulamento (CE) n.° 1655/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Julho de 2000, relativo ao instrumento financeiro para o ambiente (LIFE) (a seguir «regulamento LIFE» ou «regulamento impugnado») . A Comissão solicita ao Tribunal de Justiça que anule o regulamento LIFE na medida em que a adopção das medidas de execução do programa LIFE foi por este submetida ao procedimento de regulamentação do artigo 5.° da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (a seguir «segunda decisão comitologia» ou «decisão») .
3. Nos termos do artigo 202.° , terceiro travessão, CE, o Conselho pode submeter o exercício das competências de execução a certas modalidades previamente estabelecidas. Foi ao abrigo desta disposição que foi adoptada a segunda decisão comitologia, que substituiu a primeira decisão de comitologia do Conselho de 1987 . A segunda decisão comitologia simplificou os procedimentos denominados de regulamentação e de gestão. Além disso, a decisão inseriu no artigo 2.° os critérios que orientam a opção pelo procedimento a seguir para aprovação das medidas de execução. É a aplicação destes critérios que está no cerne do presente litígio.
4. A Comissão expõe que no programa LIFE as medidas de execução assemelham-se às medidas de gestão em razão das importantes consequências que têm para o orçamento. Tendo em conta os critérios de opção enunciados no artigo 2.° da segunda decisão comitologia, foi erradamente que o legislador comunitário optou pelo procedimento da regulamentação. Embora a Comissão aceite que os critérios de opção não têm carácter obrigatório, o legislador comunitário não teve em consideração, em seu entender, as consequências jurídicas do artigo 2.° , ao não fundamentar no regulamento LIFE de forma bastante o procedimento que foi escolhido e que preteriu estes critérios.
5. O Parlamento e o Conselho expõem que a Comissão se baseia numa interpretação inexacta do artigo 202.° CE e contestam que os critérios enunciados no artigo 2.° da decisão produzam o mínimo efeito jurídico. Será perfeitamente possível para o legislador comunitário afastar-se destes critérios na opção pelo procedimento de comitologia, sem estar obrigado a fornecer fundamentos a esse respeito. O Conselho refere, a título subsidiário, que a opção pelo procedimento de regulamentação no regulamento LIFE foi efectiva e suficientemente fundamentada.
6. O recurso da Comissão não foi uma surpresa. De facto, numa declaração feita aquando da adopção do regulamento LIFE, a Comissão já tinha anunciado a intenção de interpor no Tribunal de Justiça um recurso referente ao procedimento de comité. A opção entre o procedimento de regulamentação ou o procedimento de gestão determina a liberdade de actuação da Comissão relativamente ao Parlamento e ao Conselho na fase da execução. Portanto, a decisão do Tribunal de Justiça assume uma importância primordial para o equilíbrio institucional entre as instituições da União e, nomeadamente, no que diz respeito às relações entre o poder legislativo e o poder executivo.
II - Quadro jurídico
7. Este processo tem um quadro jurídico bastante amplo. Não apenas é necessário ter em conta o teor do regulamento impugnado e da segunda decisão comitologia, mas ainda o das declarações anexas e do texto do Tratado.
A - O Tratado CE
8. O artigo 202.° CE refere-se às funções do Conselho e dispõe:
«Tendo em vista garantir a realização dos objectivos enunciados no presente Tratado e nas condições nele previstas, o Conselho:
[...]
- atribui à Comissão, nos actos que adopta, as competências de execução das normas que estabelece. O Conselho pode submeter o exercício dessas competências a certas modalidades. O Conselho pode igualmente reservar-se, em casos específicos, o direito de exercer directamente competências de execução. As modalidades acima referidas devem corresponder aos princípios e normas que o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão a após parecer do Parlamento Europeu, tenha estabelecido previamente.»
B - A segunda decisão comitologia
9. A segunda decisão comitologia substituiu, como já referi, a primeira decisão comitologia do Conselho, de 1987. A decisão tem por base, em especial, o artigo 202.° , terceiro travessão, CE.
10. Segundo o seu quinto considerando, a fim de se conseguir uma maior coerência e previsibilidade na escolha do tipo de comité, o primeiro objectivo da decisão é prever critérios relativos à escolha dos procedimentos de comité, no pressuposto de que esses critérios não são de natureza obrigatória.
11. Nos termos do seu nono considerando, o segundo objectivo da decisão consiste na simplificação do conjunto das regras de exercício da competência de execução atribuída à Comissão, bem como na melhoria da participação do Parlamento Europeu nos casos em que o acto de base que atribui competência de execução à Comissão tenha sido adoptado nos termos do artigo 251.° CE.
12. O terceiro objectivo da decisão, segundo o seu décimo considerando, é a melhoria da informação do Parlamento Europeu. O quarto objectivo da decisão, segundo o seu décimo primeiro considerando, é a melhoria da informação do público sobre os procedimentos de comité.
13. O artigo 2.° contém os critérios que servem para a opção pelo tipo de procedimento de comité. Esta disposição tem a seguinte redacção:
«A escolha das regras processuais para a aprovação das medidas de execução orienta-se pelos seguintes critérios:
a) As medidas de gestão, como as relativas à execução da política agrícola comum e da política comum da pesca, ou à execução de programas com incidências orçamentais significativas, devem ser adoptadas pelo procedimento de gestão;
b) As medidas de âmbito geral que visam a aplicação de disposições essenciais de um acto de base, incluindo as medidas relativas à protecção da saúde ou à segurança das pessoas, animais ou plantas, devem ser aprovadas pelo procedimento de regulamentação;
Sempre que um acto de base preveja que certos elementos não essenciais desse acto podem ser adaptados ou actualizados por procedimentos de execução, essas medidas devem ser adoptadas pelo procedimento de regulamentação;
c) Sem prejuízo das alíneas a) e b), o procedimento consultivo será utilizado nos casos em que for considerado o mais adequado.»
14. Os artigos 3.° a 6.° , inclusive, da segunda decisão comitologia definem quatro procedimentos respectivamente denominados «procedimento consultivo» (artigo 3.° ); «procedimento de gestão» (artigo 4.° ); «procedimento de regulamentação» (artigo 5.° ) e «procedimento de salvaguarda» (artigo 6.° ). São concretamente os procedimentos dos artigos 4.° e 5.° que nos interessam:
«Artigo 4.°
Procedimento de gestão
1. A Comissão é assistida por um comité de gestão composto por representantes dos Estados-Membros e presidido pelo representante da Comissão.
2. O representante da Comissão apresenta ao comité um projecto das medidas a tomar. O comité dá parecer sobre esse projecto num prazo que o presidente pode fixar em função da urgência da questão. O parecer será emitido pela maioria prevista no n.° 2 do artigo 205.° do Tratado para a adopção das decisões que o Conselho deve tomar sob proposta da Comissão. Os votos dos representantes dos Estados-Membros no comité são ponderados nos termos desse artigo. O presidente não vota.
3. Sem prejuízo do artigo 8.° , a Comissão aprovará medidas que são imediatamente aplicáveis. Todavia, se não forem conformes com o parecer do comité, essas medidas serão imediatamente comunicadas pela Comissão ao Conselho. Nesse caso, a Comissão pode diferir a aplicação das medidas aprovadas, por um prazo a fixar em cada acto de base, mas que nunca pode ser superior a três meses a contar da data da comunicação
4. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode tomar uma decisão diferente no prazo previsto no n.° 3.
Artigo 5.°
Procedimento de regulamentação
1. A Comissão é assistida por um comité de regulamentação composto por representantes dos Estados-Membros e presidido pelo representante da Comissão.
2. O representante da Comissão apresenta ao comité um projecto das medidas a tomar. O comité dá parecer sobre esse projecto num prazo que o presidente pode fixar em função da urgência da questão. O parecer será emitido pela maioria prevista no n.° 2 do artigo 205.° do Tratado para a adopção das decisões que o Conselho deve tomar sob proposta da Comissão. Os votos dos representantes dos Estados-Membros no comité são ponderados nos termos desse artigo. O presidente não vota.
3. Sem prejuízo do artigo 8.° , a Comissão aprovará as medidas projectadas se forem conformes com o parecer do comité.
4. Se as medidas projectadas não forem conformes com o parecer do comité, ou na falta de parecer, a Comissão apresentará imediatamente ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar e informará o Parlamento Europeu.
5. Se o Parlamento Europeu considerar que uma proposta apresentada pela Comissão ao abrigo de um acto de base adoptado nos termos do artigo 251.° do Tratado excede as competências de execução previstas nesse acto, informará o Conselho da sua posição.
6. Conforme considerar adequado em função da referida posição, o Conselho pode deliberar por maioria qualificada sobre a proposta, num prazo a fixar em cada acto de base, mas que nunca pode ser superior a três meses a contar da data em que o assunto lhe foi submetido.
Se, nesse prazo, o Conselho se tiver pronunciado, por maioria qualificada, contra a proposta, a Comissão reanalisa-la-á, podendo apresentar ao Conselho uma proposta alterada, apresentar de novo a sua proposta ou apresentar uma proposta legislativa com base no Tratado.
Se, no termo desse prazo, o Conselho não tiver aprovado o acto de execução proposto nem se tiver pronunciado contra a proposta de medidas de execução, o acto de execução proposto será aprovado pela Comissão.»
15. Para além do artigo 5.° , n.° 5, da decisão, o artigo 8.° também visa implicar o Parlamento na adopção de medidas de execução. Sempre que o Parlamento Europeu considerar, através de resolução fundamentada, que um projecto de medidas de execução cuja aprovação está prevista e que foi apresentado a um comité por força de um acto de base aprovado nos termos do artigo 251.° CE excede as competências de execução previstas no acto de base, a Comissão reanalisará o projecto. Tendo em conta essa resolução, a Comissão pode, respeitando os prazos do procedimento em curso, apresentar um novo projecto de medidas ao comité, dar seguimento ao procedimento ou apresentar, ao Parlamento Europeu e ao Conselho, uma proposta com base no Tratado.
16. Nos termos do artigo 7.° , n.° 1, da decisão, cada comité adoptará o seu regulamento interno mediante proposta do seu presidente, com base no modelo de regulamento a publicar no Jornal Oficial das Comunidades Europeias . O artigo 7.° , n.° 2, dispõe que são aplicáveis aos comités os princípios e condições que se aplicam à Comissão em matéria de acesso do público aos documentos. O artigo 7.° , n.os 3 a 5, inclusive, impõem à Comissão que informe regularmente o Parlamento e que publique anualmente uma lista dos comités que a assistem, bem como um relatório do trabalho dos comités.
17. A adopção da segunda decisão comitologia contém a seguinte declaração do Conselho e da Comissão :
«A Comissão e o Conselho acordam na necessidade de adaptar o mais rapidamente possível as disposições, previstas em aplicação da Decisão 87/373/CEE, relativas aos comités que assistem a Comissão no exercício das suas competências de execução, a fim de as tornar conformes com os artigos 3.° , 4.° , 5.° e 6.° da Decisão 1999/468/CE, de acordo com os procedimentos legislativos adequados.
Esse ajustamento será feito nos seguintes moldes:
- o actual procedimento I dará lugar ao novo procedimento consultivo,
- os actuais procedimentos II a) e II b) darão lugar ao novo procedimento de gestão,
- os actuais procedimentos III a) e III b) darão lugar ao novo procedimento de regulamentação.
A modificação do tipo de comité previsto nos actos de base será efectuada caso a caso, no decurso da revisão normal da legislação, em função, designadamente, dos critérios previstos no artigo 2.°
Esse ajustamento ou modificação será efectuado no respeito das obrigações que incumbem às instituições comunitárias e não poderá pôr em causa os objectivos dos actos legislativos de base, nem a eficácia da acção da Comunidade.»
C - O regulamento LIFE
18. Nos termos do artigo 1.° do regulamento impugnado, o objectivo geral do programa LIFE é contribuir para a aplicação, a actualização e o desenvolvimento da política comunitária do ambiente e da legislação ambiental, em especial em matéria de integração do ambiente noutras políticas comunitárias, bem como para o desenvolvimento sustentável na Comunidade. O instrumento financeiro para o programa LIFE-Ambiente foi instituído para esse efeito e comporta regras processuais que regem a concessão de participações financeiras para projectos que contribuam para esse objectivo geral.
19. O artigo 8.° do regulamento LIFE contém, nomeadamente, o enquadramento financeiro:
«Duração da terceira fase e recursos orçamentais
1. O LIFE é executado por fases. A terceira fase tem início em 1 de Janeiro de 2000 e termina em 31 de Dezembro de 2004. O enquadramento financeiro para a execução da terceira fase no período de 2000 a 2004 é de 640 milhões de euros.
2. Os recursos orçamentais afectados às acções previstas no presente regulamento são inscritos como dotações anuais no orçamento geral da União Europeia. A autoridade orçamental determinará as dotações disponíveis para cada ano financeiro, dentro dos limites das perspectivas financeiras.
[...]»
20. O vigésimo considerando tem a seguinte redacção:
«As medidas necessárias à execução do presente regulamento serão aprovadas nos termos da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão.»
21. O artigo 11.° do regulamento impugnado dispõe:
«Comité
1. A Comissão é assistida por um comité, a seguir designado comité.
2. Sempre que se faça referência ao presente número, são aplicáveis os artigos 5.° e 7.° da Decisão 1999/468/CE, tendo-se em conta o disposto no artigo 8.° da mesma. O prazo previsto no n.° 6 do artigo 5.° da Decisão 1999/468/CE é de três meses.
3. O comité aprovará o seu regulamento interno.»
22. O regulamento LIFE é acompanhado de duas declarações da Comissão e uma declaração do Conselho, que foram publicadas com o regulamento no Jornal Oficial.
«Declaração da Comissão
A Comissão toma nota do acordo do Parlamento Europeu e do Conselho em prever um procedimento de regulamentação para a fase de escolha dos projectos, em lugar do procedimento de gestão proposto pela Comissão na proposta alterada na sequência da segunda leitura do Parlamento.
Tal como declarou no momento da adopção da posição comum, a Comissão insiste na importância de se aplicarem os critérios previstos no artigo 2.° da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão.
A Comissão pensa que a escolha dos projectos, por ser uma medida com importantes implicações orçamentais, deveria ser feita pelo procedimento de gestão.
A Comissão considera que ignorar o disposto no artigo 2.° da Decisão 1999/684/CE do Conselho numa situação tão clara como a presente é contrariar tanto o espírito como a letra da decisão do Conselho.
A Comissão vê-se, pois, forçada a reservar a sua posição quanto a esta matéria, bem como o seu direito de empreender futuramente a acção que considere adequada junto do Tribunal de Justiça.
Declaração do Conselho
O Conselho regista a declaração da Comissão sobre a escolha pelo procedimento de comité para a aprovação, pela Comissão, das regras de exercício de execução no âmbito do regulamento LIFE.
Ao escolher o procedimento de regulamentação previsto pelo artigo 5.° da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão, o Conselho teve em conta a experiência adquirida com o procedimento de regulamentação no âmbito do instrumento LIFE durante a primeira fase (desde 1992) e da segunda fase (desde 1996), bem como da natureza deste instrumento que desempenha um papel essencial para a protecção do ambiente na Comunidade e contribui para a execução e para o desenvolvimento da política comunitária nesse domínio.
O Conselho recorda que os critérios enunciados no artigo 2.° da Decisão 1999/468/CE do Conselho não são juridicamente vinculativos e são de carácter indicativo. O Conselho considera que o âmbito de aplicação das competências de execução no regulamento em questão justifica plenamente o recurso ao procedimento de regulamentação.
Declaração da Comissão
[...]»
23. O regulamento LIFE põe em prática as duas primeiras fases que estavam previstas no Regulamento (CEE) n.° 1973/92, de 21 de Maio de 1992 (LIFE-I), como foi radicalmente alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1404/96, de 15 de Julho de 1996 (LIFE-II) . Estes dois últimos regulamentos foram revogados pelo regulamento impugnado.
III - Tramitação processual
24. O recurso foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Outubro de 2000.
25. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
1. anular o regulamento LIFE, na medida em que submete a adopção das medidas de execução do programa LIFE ao procedimento de regulamentação previsto no artigo 5.° da segunda decisão comitologia,
2. manter os efeitos do regulamento acima referido até à sua alteração, a ser efectuada no mais breve prazo na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça,
3. condenar os recorridos nas despesas.
26. O Parlamento e o Conselho concluem pedindo que o recurso seja julgado improcedente e que a Comissão seja condenada nas despesas.
27. Por despacho de 30 de Abril de 2001, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte a intervir em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho. A audiência para alegações teve lugar em 4 de Junho de 2002.
IV - Fundamentos e principais argumentos das partes
28. A Comissão observa a título preliminar que os princípios e as normas referidas no artigo 202.° CE são de natureza orgânica. Isso decorre expressamente do facto de que, por força do artigo 202.° CE, as modalidades de exercício das competências de execução «devem [...] corresponder aos princípios e normas que o Conselho [...] tenha estabelecido previamente». Donde decorrerá que qualquer acto de base do legislador comunitário, mesmo adoptado num processo de co-decisão, deve respeitar as normas assim estabelecidas.
29. A Comissão desenvolve dois fundamentos em apoio do seu recurso. Assentam, por um lado, na violação do artigo 2.° da segunda decisão comitologia e, por outro, na violação da letra e do espírito dessa decisão.
30. No âmbito do fundamento assente na violação do artigo 2.° da segunda decisão comitologia, a Comissão invoca o incumprimento dos critérios enunciados nesta decisão. Dispondo o artigo 2.° , alínea a), que os programas com incidências orçamentais significativas devem ser submetidos ao procedimento de gestão, tem evidentemente por objectivo submeter a execução de todos os programas comunitários a esse procedimento. As medidas de execução que requer o regulamento LIFE são medidas clássicas de gestão, na opinião da Comissão, que estão de igual modo submetidas ao procedimento de gestão noutros programas comunitários .
31. A Comissão acrescenta que são infringidos os efeitos jurídicos do artigo 2.° da segunda decisão comitologia, bem como as obrigações que daí decorrem. Segundo o quinto considerando da segunda decisão comitologia, os critérios do artigo 2.° não são de natureza obrigatória. Todavia, não se pode negar todo e qualquer efeito jurídico ao artigo 2.° , dado que se tratará de uma disposição jurídica e não de uma declaração política. Se o Conselho tivesse pretendido atribuir um simples valor indicativo aos critérios em questão, teria podido simplesmente não enunciar os critérios no artigo 2.° e enunciá-los numa declaração ou na acta da sua reunião de 28 de Junho de 1999.
32. Assim sendo, só razões específicas poderão justificar que, num caso especial, o legislador derrogue ao procedimento previsto, indicando as razões pelas quais seguiu outro procedimento diferente do recomendado. Partindo do pressuposto de que se poderá formalmente tomar em consideração a declaração que o Conselho fez aquando da adopção do regulamento LIFE, esta não bastará, segundo a Comissão, para que se cumpra o dever de fundamentação. O argumento que o Conselho retira da experiência adquirida só poderá justificar a manutenção do procedimento de regulamentação caso se considere que os critérios da segunda decisão comitologia não têm qualquer efeito vinculativo e podem ser pura e simplesmente ignorados. A Comissão considera que semelhante «fundamentação» vai contra o compromisso de os tomar em consideração, como o Conselho e a Comissão declararam aquando da adopção da segunda decisão comitologia. A Comissão recusa também o argumento assente na natureza do programa LIFE. Refere que o programa LIFE se destina a financiar projectos numa base voluntária. O programa não comporta qualquer obrigação para os Estados-Membros nem medidas de alcance geral, na acepção do artigo 2.° , alínea b), da segunda decisão comitologia.
33. Quanto ao fundamento assente na violação do teor e da finalidade da segunda decisão comitologia, a Comissão expõe que a escolha do procedimento de regulamentação para executar o programa LIFE vai contra o objectivo de clarificação dos procedimentos de comitologia, a que expressamente se refere a segunda decisão comitologia. A primeira decisão comitologia não continha nenhum critério e a escolha do procedimento era deixada à livre apreciação do legislador. Esta abordagem conduziu a uma prática pouco coerente e deu origem a dificuldades constantes entre as instituições, às quais a segunda decisão comitologia precisamente pretendeu pôr termo. Ao não ter observado os critérios e ao submeter o programa LIFE ao procedimento de regulamentação, o legislador recreou a situação de incerteza e de incoerência.
34. A Comissão reconhece que o objectivo da previsibilidade e coerência também pode ser atingido através de critérios não vinculativos. Todavia, estes devem ser efectivamente aplicados num caso claro como o do programa LIFE. Uma eventual derrogação deverá ser fundamentada, o que não é de modo algum o que se passa no caso em apreço. A Comissão expõe que o legislador comunitário não pode actuar ao abrigo da segunda decisão comitologia como o fazia ao abrigo da anterior decisão de 1987, que não continha qualquer critério para a escolha dos procedimentos.
35. A Comissão deduz dos termos e da sistemática da segunda decisão comitologia que existe uma diferença entre as medidas de execução que devem ser sujeitas ao procedimento de gestão ou ao procedimento consultivo e as medidas mais gerais que se situam na fronteira entre o executivo e o legislativo e que devem, como tais, ser adoptadas em conformidade com o procedimento de regulamentação do artigo 5.° da decisão comitologia. Esta decisão, refere a Comissão, visa especialmente as medidas relativas à protecção da saúde ou da segurança, domínios relativamente novos na esfera comunitária e que necessitam, em todo o caso, uma adaptação rápida ao progresso científico e técnico. Ao invés, as medidas de execução podem ser sujeitas ao procedimento de gestão nos domínios mais antigos, como os da política agrícola comum ou da política comum de pescas, nos quais o legislador já traçou um quadro preciso.
36. Contrariamente ao que o Conselho afirma na declaração junta ao regulamento impugnado, a natureza do programa LIFE e o âmbito de aplicação das medidas de execução confiadas à Comissão são estranhas ao domínio de aplicação do procedimento de regulamentação, como definido no artigo 2.° , alínea b), da segunda decisão comitologia.
37. Além disso, a Comissão refere que o procedimento de regulamentação não é adequado à execução do programa LIFE. A circunstância de o artigo 5.° da segunda decisão comitologia permitir ao Conselho opor-se eventualmente nesse procedimento a uma proposta da Comissão, de modo a não ser finalmente tomada qualquer decisão de execução, vai precisamente contra o espírito que preside ao procedimento de gestão e que é o de promover a eficácia das tomadas de decisão.
38. A Comissão conclui que o artigo 11.° do regulamento impugnado infringe a segunda decisão comitologia e deve ser anulado por essa razão. Todavia, a fim de não perturbar o funcionamento do programa LIFE, pede que se mantenham os efeitos dessa disposição até à sua alteração, a ocorrer o mais rapidamente possível após a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça.
39. O Parlamento expõe, em primeiro lugar, que a Comissão interpreta de modo errado o artigo 202.° CE e recusa a ideia de que a segunda decisão comitologia tenha valor orgânico e se imponha ao legislador comunitário aquando da adopção de um acto de base.
40. Nada indica que o Conselho esteja autorizado, com fundamento no artigo 202.° CE, a comprometer-se a priori e de um modo abstracto a optar por um procedimento de comité em vez de outro. Se a interpretação do artigo 202.° CE proposta pela Comissão fosse acolhida, o Parlamento considera que esse facto limitaria o controlo democrático exercido sobre o poder executivo. A Comissão sustenta, com efeito, que o artigo 202.° CE pode servir de base jurídica a uma decisão de direito derivado que limite a margem de apreciação do legislador comunitário no que toca à escolha do procedimento a seguir para adoptar uma determinada medida de execução. No quadro do procedimento de co-decisão, na acepção do artigo 251.° CE, o termo «Conselho» engloba igualmente o Parlamento . Uma vertente do poder legislativo, ou seja, o Parlamento, veria assim limitada a sua participação na co-decisão com base na segunda decisão comitologia que foi adoptada após simples consulta do Parlamento.
41. O Parlamento considera que a exacta interpretação para as disposições em questão do artigo 202.° CE será que o Conselho, actuando eventualmente em conjunto com o Parlamento, pode sujeitar a determinados procedimentos o exercício das competências de execução que confere à Comissão. O termo «condições» que figura no artigo 202.° CE indica que o legislador comunitário pode optar, consoante as circunstâncias de cada caso concreto, por uma das vias processuais possíveis.
42. De resto, o Parlamento considera que a posição da Comissão é contraditória, na medida em que esta alega, por um lado, que os critérios do artigo 2.° não são juridicamente vinculativos e sustenta, por outro, que a sua não observância pelo legislador comunitário conduz à nulidade da decisão impugnada. Se os critérios não são juridicamente vinculativos - o que a Comissão aceita -, deles não se poderá concluir que o legislador tem o dever jurídico de fundamentar cada decisão que os derrogue.
43. Em segundo lugar, o Parlamento expõe que o alcance jurídico que a Comissão atribui aos critérios do artigo 2.° da segunda decisão comitologia não se retira do seu teor, nem da finalidade e da sistemática da decisão.
44. O Parlamento recorda que na versão inicial da proposta da segunda decisão comitologia adoptada pela Comissão, o artigo 2.° estava redigido em termos que conferiam carácter vinculativo aos critérios de escolha entre os procedimentos de comité. Todavia, na sua versão final, os considerandos e as disposições da decisão adoptada pelo Conselho, e a declaração comum do Conselho e da Comissão, mostram claramente a intenção do legislador comunitário de negar qualquer carácter juridicamente vinculativo a esses critérios.
45. Contrariamente ao que considera a Comissão, prossegue o Parlamento, o simples facto de os critérios enunciados no artigo 2.° da segunda decisão comitologia figurarem num acto juridicamente vinculativo não os torna, por essa razão, também eles vinculativos .
46. Em terceiro lugar, o Parlamento expõe que uma alegada violação do artigo 2.° da segunda decisão comitologia nunca poderá levar à anulação do regulamento impugnado. O raciocínio da Comissão equivale a se afirmar que o regulamento não é válido porque se optou pelo procedimento de regulamentação em vez do procedimento de gestão. No acórdão que proferiu em 10 de Maio de 1995, no processo Parlamento/Conselho, competia ao Tribunal de Justiça apreciar se a substituição de um comité de gestão por um comité de regulamentação envolvia uma modificação essencial da proposta da Comissão sobre a qual o Parlamento devia ser consultado. O Tribunal de Justiça decidiu que o equilíbrio global das competências respectivamente reconhecidas à Comissão e ao Conselho não é afectado de modo decisivo pela escolha entre os dois tipos de comités em causa . Não sendo os procedimentos de gestão e de regulamentação radicalmente alterados pela segunda decisão comitologia, essa jurisprudência, segundo o Parlamento, deve também ser aplicada no caso em apreço .
47. Além disso, o Parlamento refere que a diferença entre os dois procedimentos é mínima no que respeita ao equilíbrio institucional entre as duas instituições. Mesmo uma violação do artigo 2.° da segunda decisão comitologia não será a tal ponto séria que justifique a anulação do regulamento impugnado.
48. Na sua contestação, o Conselho observa, antes de mais, que, na sua proposta inicial do regulamento em causa, a Comissão tinha previsto o procedimento III, variante A, na acepção da primeira decisão comitologia, que corresponde ao actual procedimento de regulamentação. Após a entrada em vigor da segunda decisão comitologia, a Comissão mudou de opinião. No entanto, não foi publicada qualquer alteração da sua proposta e, no presente recurso, a Comissão esforça-se por obter um resultado que não conseguiu alcançar pela via legislativa, exercendo as prerrogativas que lhe confere o artigo 250.° CE. O Conselho considera que essa atitude não é conforme com o espírito de cooperação leal entre as instituições.
49. Quanto aos fundamentos invocados pela Comissão, o Conselho sustenta que o legislador respeitou a letra e o espírito da segunda decisão comitologia, pois que os critérios enunciados no artigo 2.° não têm carácter vinculativo e é possível ao legislador deles se afastar.
50. No que diz respeito à previsibilidade e à coerência no que toca à escolha entre os procedimentos de comité, o Conselho preferiu adoptar a segunda decisão comitologia sem seguir a abordagem da Comissão, que previa critérios vinculativos. Temia que um sistema rígido dessa natureza desse origem a um importante contencioso devido à imprecisão dos critérios em causa decorrente da utilização de expressões tais como «incidências orçamentais significativas» ou «disposições essenciais de um acto de base». É por esta razão que o texto definitivo se afasta da proposta. Os exemplos, citados pela Comissão, de programas que se referem ao procedimento de gestão demonstram que, de um modo geral, o legislador tem tendência a inspirar-se nos critérios definidos no artigo 2.° da segunda decisão comitologia.
51. O Conselho entende que, embora a Comissão reconheça que os critérios em causa não têm carácter vinculativo, interpreta o artigo 2.° da segunda decisão comitologia considerando que o Conselho só pode deles se afastar em casos especiais. Procura a este respeito fundamento no artigo 202.° CE, sem o citar. Todavia, segundo o Conselho, trata-se de dois casos distintos. No artigo 202.° CE, o próprio Tratado dispõe que o Conselho confere competências de execução à Comissão e que só se pode reservar o direito de os exercer directamente em «casos específicos». O Tribunal de Justiça daí deduziu o dever de fundamentação consagrado no artigo 1.° da segunda decisão comitologia. Ao invés, não se encontra no artigo 2.° da segunda decisão comitologia nenhum reenvio para qualquer caso específico. Isto explica-se simplesmente pelo facto de que, contrariamente ao artigo 202.° CE, o artigo 2.° dessa decisão não estabelece qualquer princípio ao qual só se possa derrogar em casos específicos. Esta disposição apenas dá uma linha orientadora à actuação. O único efeito útil que dela se pode retirar é que o autor da decisão quis excluir qualquer natureza vinculativa. Assim, o Conselho pode afastar-se das indicações dadas pelo artigo 2.° Se a escolha que se afaste dessas indicações tivesse de ser especialmente fundamentada, o Conselho tê-lo-ia expressamente indicado na decisão.
52. Quanto à fundamentação avançada no regulamento impugnado, o Conselho observa que a opção por um comité de regulamentação está, em todo o caso, perfeitamente fundamentada. Essa fundamentação consta do vigésimo considerando e é precisada na declaração do Conselho que figura na acta e foi publicada no Jornal Oficial. Daí resulta que o Conselho teve em consideração a experiência adquirida e a natureza do instrumento. A experiência adquirida com as medidas de execução tomadas nos dois programas anteriores demonstra que o procedimento de regulamentação permite realizar eficazmente os programas sem ocasionar atrasos suplementares. A natureza de um instrumento que abrange todo o domínio do ambiente conduz a que este tenha incidência nas questões relativas, por exemplo, ao ordenamento do território dos Estados-Membros ou à gestão dos recursos hidráulicos e que podem afectar os habitantes das zonas em causa. Foi, aliás, a razão pela qual o Conselho considerou que não podia escolher para o programa LIFE as mesmas modalidades de execução por que optou noutros casos que diziam respeito a Estados terceiros ou encorajavam certas formas de actividade ou conferiam facilidades de mobilidade aos nacionais dos Estados-Membros, como é o caso dos exemplos citados pela Comissão. Assim, mesmo não estando obrigado a fazê-lo, o Conselho fundamentou suficientemente a sua opção pela fórmula do comité de regulamentação.
53. O Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte limita as suas observações à natureza das obrigações que incumbem ao Conselho nos termos do artigo 2.° da segunda decisão comitologia. Os termos e a génese dessa decisão demonstrarão que estes critérios não têm carácter vinculativo. A única obrigação jurídica que incumbe ao legislador comunitário consiste em tomar em consideração estas orientações. Quanto ao mais, o Conselho será livre de escolher o procedimento que considere mais apropriado.
V - Apreciação
A - Introdução
54. A Comissão pretende que o Tribunal se pronuncie sobre a validade da opção feita pelo procedimento de regulamentação no regulamento LIFE. Convida-o a fazê-lo à luz de dois fundamentos assentes, nomeadamente, na finalidade da segunda decisão comitologia e nos critérios enunciados no seu artigo 2.° Embora os fundamentos tenham sido apresentados distintamente, estão intimamente ligados e, portanto, vou examiná-los conjuntamente. Além disso, nos presentes autos, o Parlamento coloca, implicitamente é verdade, a questão de saber se a segunda decisão comitologia é por seu turno compatível com o artigo 202.° CE. Considero que o teor da segunda decisão comitologia não pode, com efeito, ser considerado independentemente da interpretação do artigo 202.° , terceiro travessão, CE.
55. O que me leva a traçar do seguinte modo o plano destas conclusões, de resto apresentadas no primeiro processo no qual o Tribunal de Justiça é expressamente convidado a pronunciar-se sobre a segunda decisão comitologia. Farei de seguida um resumo global da génese da comitologia e da ideia que a esta presidiu (parte B). A natureza e o alcance da disposição relativa à delegação, que figura no artigo 202.° CE, serão examinados após (parte C). O alcance jurídico dos critérios enunciados no artigo 2.° da segunda decisão comitologia será examinado logo a seguir, bem como o teor do dever de fundamentação evocado pela Comissão (parte D). Todos estes elementos permitirão, por fim, apreciar o mérito do recurso da Comissão no que toca ao regulamento LIFE (partes E e F).
56. Quando o Conselho observa que, no presente recurso, a Comissão se esforça por obter um resultado que não pôde alcançar pela via legislativa através do exercício das prerrogativas que lhe confere o artigo 250.° CE, pode-se em rigor vislumbrar aí um fundamento com o qual contesta a admissibilidade do recurso. Como também referiu a Comissão, esta alegação não pode, na minha opinião, pôr em causa a admissibilidade. Com efeito, o artigo 230.° , segundo parágrafo, CE permite à Comissão interpor recurso de anulação de um acto conjunto do Parlamento e do Conselho quando entenda que estão reunidas as condições para essa interposição que esta disposição impõe. Como recorrente privilegiada, a Comissão não tem que apresentar mais justificações. À semelhança do Conselho e dos Estados-Membros não está obrigada a demonstrar ter um interesse em agir . As razões que levaram a Comissão a interpor o presente recurso não relevam, portanto, para a questão da admissibilidade.
B - A génese da comitologia
57. O fenómeno da «comitologia» desenvolveu-se na administração comunitária no decurso da primeira metade dos anos sessenta do século passado. Os procedimentos de comités surgiram na execução da política agrícola comum. Ao passo que inicialmente as competências dos comités eram aprovadas caso a caso, foi-se delineando uma tendência durante a segunda metade dos anos sessenta, devido ao facto de os procedimentos nos quais os comités intervinham se cristalizarem num determinado número de procedimentos principais. Foi a partir desse período que os procedimentos de comité surgiram também noutros domínios, tais como a segurança alimentar, os transportes, as alfândegas, as contribuições financeiras e o ambiente . O número dos comités que assistem o Conselho e a Comissão foi avaliado como sendo, no total, em mais de 600 em 1996 .
58. Na prática quotidiana, os comités têm no seu conjunto uma grande importância para a administração comunitária. A incidência real de um comité específico na elaboração dos actos comunitários é tributária de um certo número de factores. Esta incidência prende-se, em primeiro lugar, com a extensão das competências que o legislador delegou à Comissão, estando subentendido que as competências que o legislador comunitário se reservou na decisão de base têm igual importância. Além disso, as competências que são conferidas aos comités nos diferentes procedimentos desempenham também um papel, como no caso em apreço. Um comité pode ser influente se, numa decisão de base, o Conselho tiver conferido à Comissão vastas competências de execução vinculadas a um procedimento «rígido» como o procedimento de regulamentação. A título de exemplo, pode-se evocar a importante função do parecer do comité permanente para os géneros alimentícios no que toca à colocação no mercado e ao controlo dos géneros alimentícios na Comunidade . O comité veterinário permanente veio seguidamente a lume aquando da adopção de medidas urgentes de limitação da produção e da comercialização no sector da produção animal em caso de encefalopatia espongiforme bovina, de peste suína ou de febre afetosa. A Comissão toma estas medidas após o parecer deste influente comité. Os presentes autos mostram, além disso, que os comités desempenham uma função primordial na selecção dos projectos privados ou públicos que podem beneficiar de financiamento comunitário.
59. Inicialmente, os comités foram concebidos praeter legem. Todavia, os procedimentos de comité puderam rapidamente contar com uma aprovação condicional do Tribunal de Justiça. A jurisprudência submeteu a condições adicionais os termos e o alcance da delegação do Conselho. Assim, o Conselho deve adoptar na sua decisão de base os elementos essenciais da matéria a regulamentar . Pode delegar à Comissão competências gerais para adoptar regras de execução sem estar obrigado a precisar os elementos mais importantes das competências delegadas . Se o Conselho tiver delegado competências de execução, a Comissão é competente dentro dos limites traçados pelo regulamento em questão para tomar todas as medidas úteis e necessárias à sua aplicação . A jurisprudência também enunciou os critérios que a transferência de competências de execução para certos organismos deve cumprir para ser válida .
60. Quanto aos presentes autos, importa que o Tribunal de Justiça zele por que o equilíbrio entre as instituições seja garantido e que os procedimentos previamente convencionados sejam respeitados. Na contestação, o Conselho recordou o acórdão Comissão/Conselho, no qual o Tribunal de Justiça considerou que existe um especial dever de fundamentação quando este reservar para si competências de execução . O acórdão Alemanha/Comissão, de 10 de Fevereiro de 1998, ilustra-o um pouco mais. Nesse processo, o Tribunal de Justiça anulou, por violação de formalidades essenciais, uma decisão da Comissão que dava execução a uma decisão de base. O parecer do comité permanente que devia ser obtido tinha sido dado sem que os representantes permanentes alemães tivessem recebido atempadamente, na sua própria língua, a proposta apresentada à votação e isto apesar de a Alemanha ter apresentado um pedido formal para que o voto fosse adiado. Ao fazê-lo, o Tribunal de Justiça rejeitou a posição da Comissão, que sustentava que se tratava de um vício de forma mínimo, dado que a versão em língua inglesa tinha sido enviada atempadamente e a versão em língua alemã fora enviada apenas com um ligeiro atraso .
61. Embora os aspectos positivos dos procedimentos de comité sejam amplamente reconhecidos, estes nunca escaparam às críticas. O mecanismo da comitologia permitiu ao Conselho delegar numerosas competências de execução à Comissão nos domínios onde as decisões tomadas são muito frequentes, em vez de elaborar ele próprio as decisões. Deste modo, pode-se evitar a sobrecarga de trabalho do Conselho. Esta prática suscitou, de imediato e justificadamente, certas críticas, por poder conduzir a esvaziar, em grande medida, de substância a decisão de base. As prerrogativas do Parlamento, enquanto co-legislador, podem ser postas em causa. O mecanismo da comitologia oferece ao Conselho, efectivamente, a oportunidade de fixar, no texto de base, as regras gerais nas respectivas matérias, que são seguidamente afinadas e executadas através de um procedimento de comité, sem que o Parlamento possa ter ainda voz activa. Esta crítica tornou-se ainda mais convincente com a ampliação do papel do Parlamento no processo legislativo . Critica-se, além disso, a complexidade e o carácter pouco transparente da multitude dos procedimentos de comité, que complicam o exercício do controlo político e jurídico dos respectivos trabalhos. Em terceiro lugar, podem-se emitir objecções de princípio contra o procedimento de comité nos termos do qual o Conselho pode opor o seu veto às medidas projectadas pela Comissão sem as substituir pelas suas próprias medidas [o que se convencionou designar por «contre-filet» («contra-resguardo»)] . Nesse procedimento, pode acontecer que medidas que são em si mesmas necessárias não sejam tomadas.
62. Em resposta a esta crítica, o Acto Único Europeu de 1986 atribuiu, no próprio Tratado, base jurídica à intervenção dos comités. O artigo 145.° , terceiro travessão, do Tratado CEE (que passou, após alteração, a artigo 202.° , terceiro travessão, CE) dispõe que o Conselho pode submeter o exercício das competências de execução da Comissão a certas «modalidades» que devem corresponder aos «princípios e normas» que o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após parecer do Parlamento Europeu, tenha estabelecido previamente. O Conselho adoptou estes «princípios e normas» em 1987 através da primeira decisão comitologia .
63. A primeira decisão comitologia codificou numa grande medida os procedimentos que existiam à época. Nos termos do artigo 1.° , segundo parágrafo, dessa decisão, o Conselho podia submeter o exercício das competências de execução em causa a modalidades que deviam ser conformes com os procedimentos enunciados nos artigos 2.° e 3.° da primeira decisão comitologia. Estas duas disposições enunciavam sete procedimentos: o procedimento de comité consultivo, o procedimento de comité de gestão, comportando duas variantes, o procedimento de comité de regulamentação, comportando duas variantes, e o procedimento de salvaguarda, comportando igualmente duas variantes. As opções de que dispunha o Conselho estavam, portanto, limitadas a esses procedimentos , mas, quanto ao mais, era livre de escolher um determinado procedimento.
64. Ao instituir o procedimento de co-decisão no actual artigo 251.° CE, o Tratado da União Europeia relançou a discussão sobre a falta de influência do Parlamento Europeu nos procedimentos de comitologia. Quando uma decisão tenha sido elaborada segundo o procedimento do artigo 251.° CE, o Parlamento Europeu pode opor-se a que uma decisão opte por um procedimento de comité ou por determinada variante se considerar que a sua influência ficará fortemente ameaçada . O Conselho, o Parlamento Europeu e a Comissão encontraram uma solução para este delicado problema através da celebração de um acordo interinstitucional, em 20 de Dezembro de 1994, destinado a resolver temporariamente essa questão até à solução definitiva a tomar pela Conferência Intergovernamental de 1996 . Todavia, a conferência apenas chegou a uma declaração que convidava a Comissão a apresentar ao Conselho, o mais tardar até ao final de 1998, uma proposta de alteração da primeira decisão comitologia . Após a Comissão ter apresentado, em 16 de Julho de 1998, uma proposta de decisão , a segunda decisão comitologia foi aceite pelo Conselho em 28 de Junho de 1999.
65. Os considerandos mostram que o Conselho adoptou a segunda decisão comitologia, procurando introduzir as seguintes alterações relativamente à sua antecessora:
- definir critérios não vinculativos que deverão presidir à escolha dos procedimentos de comité, a fim de se conseguir uma maior coerência e previsibilidade na escolha do tipo de comité;
- reduzir o número de procedimentos de sete para quatro, simultaneamente simplificando os seus trâmites;
- dar maior importância ao papel desempenhado pelo Parlamento Europeu quando o acto de base tenha sido adoptado por co-decisão nos termos do artigo 251.° CE e, de um modo geral, garantir uma melhor informação do Parlamento Europeu;
- assegurar uma melhor informação do público sobre os procedimentos de comité.
66. A escolha em questão no caso em apreço é entre o procedimento de gestão e o procedimento de regulamentação, na acepção da segunda decisão de comitologia. Estes procedimentos sucederam aos procedimentos de comité de gestão e aos procedimentos de comité de regulamentação que figuravam na primeira decisão comitologia.
67. Nos diplomas que precederam o actual regulamento LIFE, tinha-se escolhido a versão simplificada do procedimento de comité de regulamentação, procedimento III, variante A . Nos termos desse procedimento, o comité emitia um parecer sobre o projecto da Comissão relativo às medidas de execução a tomar. Quando as medidas projectadas não fossem conformes com o parecer do comité, ou na ausência de parecer, a Comissão submetia ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar. O Conselho decidia seguidamente por maioria qualificada. A Comissão recuperava o seu poder de decisão se o Conselho não tomasse uma decisão no prazo de um mês após a apresentação da proposta: é o que se convencionou designar por «filet» [«resguardo»]. O procedimento mais rígido do comité de regulamentação, o procedimento III, variante B, continha o «contre-filet» [«contra-resguardo»] que permitia ao Conselho decidir em última análise, por maioria simples, contra as medidas projectadas, sem as poder substituir por uma decisão própria.
68. O procedimento de comité de gestão da primeira decisão de comitologia, na versão simplificada do procedimento II, variante A, caracterizava-se também pelo facto de o Conselho, deliberando por maioria qualificada, poder dentro de determinado prazo - de três meses ou mais - substituir por uma decisão própria a medida tomada pela Comissão quando esta não tenha sido conforme com o parecer do comité. Quando o comité não conseguisse emitir parecer por não se recolher a maioria exigida dos votos, o Conselho não tinha, todavia, competência para suplantar a decisão projectada pela Comissão. A diferença com o procedimento II, variante B, mais rígido, prendia-se, nomeadamente, com o facto de o prazo dentro do qual o Conselho podia tomar uma decisão diferente em caso de o parecer divergente ser no máximo de três meses. Além disso, na variante B, a Comissão devia obrigatoriamente adiar durante um determinado período de tempo a aplicação das medidas em caso de parecer divergente, ao passo que na variante A tal era apenas uma faculdade de que dispunha.
69. Ressalta claramente, quando o comparamos com os seus antecessores na primeira decisão comitologia, que o procedimento de gestão descrito no artigo 4.° da segunda decisão comitologia corresponde em grande medida ao mecanismo de gestão enunciado na primeira decisão comitologia. A Comissão é, em suma, competente para adoptar a decisão projectada caso o comité emita um parecer divergente e o Conselho não decida no prazo máximo de três meses ou se o comité não der o seu parecer dentro de um determinado prazo. A variante que fixava num mês o prazo dentro do qual o Conselho devia decidir desapareceu. O que nomeadamente mudou em relação aos anteriores procedimentos de gestão é o facto de, doravante, a Comissão decidir se a aplicação das medidas será adiada durante um período máximo de três meses ao passo que no antigo procedimento II, variante B, a Comissão estava obrigada a adiar a aplicação das medidas. A margem de manobra da Comissão é a este respeito mais ampla relativamente à primeira decisão comitologia.
70. Existem mais diferenças entre os procedimentos de regulamentação na acepção da primeira decisão comitologia e o actual procedimento de regulamentação que figura no artigo 5.° da segunda decisão comitologia, declarado aplicável no regulamento impugnado. Por um lado, o procedimento de contre-filet, que atribui ao Conselho a última palavra para não aceitar as medidas propostas pela Comissão, é actualmente generalizado a todos os tipos de regulamentação. Anteriormente, o procedimento III, variante A, simplificado, que foi aplicado no primeiro regulamento LIFE, ainda comportava o mecanismo de filet. Por outro lado, foi concedida à Comissão uma maior margem de manobra no procedimento de regulamentação, pois que, considerado do seu ponto de vista, o mecanismo de contre-filet foi aligeirado. Assim, só em caso de maioria qualificada é que o Conselho pode bloquear, em última instância, a medida de execução projectada, ao passo que anteriormente, no procedimento III, variante B, bastava-lhe decidir por maioria simples. Além disso, a Comissão pode sempre submeter ao legislador comunitário uma proposta, alterada ou não. Uma outra diferença é a de que a intervenção do Parlamento está actualmente prevista expressa e formalmente na decisão comitologia.
71. Tudo isto reduz as diferenças entre os dois procedimentos quando comparados com os procedimentos análogos que figuravam na primeira decisão comitologia. Todavia, existe ainda uma nítida separação entre o procedimento de gestão e o de regulamentação. As diferenças que ainda subsistem entre os dois procedimentos foram minimizadas, erradamente em minha opinião, pelo Parlamento nas suas observações escritas e pelo Conselho na audiência. Considerado do ponto de vista da Comissão, o procedimento de regulamentação proporciona, efectivamente, uma menor margem de manobra que o procedimento de gestão, nomeadamente, devido à maior implicação do Parlamento e, em especial, devido ao mecanismo de contre-filet que só existe no procedimento de regulamentação.
C - Natureza e alcance do artigo 202.° CE, que permite a delegação
72. Nos presentes autos, a Comissão sustenta que, respectivamente, as «modalidades» e os «princípios e normas» do artigo 202.° CE têm uma natureza orgânica que vincula o legislador comunitário e que, portanto, a regulamentação derivada deve ser-lhes conforme. É, sobretudo, o Parlamento que recusa a posição da Comissão, indicando que o artigo 202.° CE mais não faz do que estabelecer a competência para submeter a adopção de certas normas a determinados procedimentos.
73. No acórdão Alemanha/Comissão, de 27 de Outubro de 1992, o Tribunal de Justiça enunciou que, constituindo um acto de direito derivado, a Decisão 87/373 nada pode acrescentar às normas do Tratado . É igualmente evidente a este respeito que as modalidades constantes da segunda decisão comitologia em nada podem limitar o alcance do artigo 202.° CE.
74. A leitura do artigo 202.° , terceiro travessão, CE permite pressupor que, quando estabeleça as modalidades das medidas de execução numa decisão de base , o Conselho pode escolher entre diferentes vias. Excepcionalmente, o Conselho pode exercer ele próprio certas competências de execução «em casos específicos» (competência própria) . Contudo, o princípio é de que o Conselho deve confiar à Comissão a competência para a execução das normas de aplicação. Em rigor, o texto não exclui que o Conselho delegue competências à Comissão sem quaisquer condições. Essa variante, todavia, tornou-se irrelevante, a partir do momento em que o Conselho sujeitou a delegação de competências à Comissão a «certas modalidades» que devem cumprir os «princípios e normas» que previamente estabeleceu .
75. O teor do artigo 202.° , terceiro travessão, CE caracteriza-se por normas em aberto e conceitos jurídicos fluidos, que devem ser precisados pelo Conselho e, eventualmente, pelo Tribunal de Justiça.
76. Em especial, o Tratado não procurou precisar melhor o alcance da competência para delegar. Não existe neste uma definição do conceito de «execução». A jurisprudência considerou que as normas adoptadas pelo Conselho podem ser de natureza geral, já o referi, e que basta que o Conselho fixe na sua decisão de base os elementos essenciais da matéria a regulamentar . A competência para delegar não foi atribuída ao Conselho sem qualquer limite; não é permitido ao Conselho transferir de forma incontrolada para a Comissão a competência de execução que lhe é atribuída pelo Tratado.
77. O Tratado também não dá quaisquer indicações sobre o teor e o alcance das «modalidades» que vinculam o Conselho no exercício das suas competências para delegar. Estas modalidades devem simplesmente satisfazer os «princípios e normas» que o Conselho tenha previamente estabelecido. Isto demonstra, em minha opinião, que, quando tenha fixado modalidades, o Conselho está obrigado a observar, ele próprio, os respectivos «princípios e normas» na escolha dos procedimentos de comité. Todavia, o Conselho pode defini-los modulando a sua liberdade de apreciação, quer dizer, limitando-a numa maior ou menor medida.
78. Como refere o Parlamento, não se pode deduzir do artigo 202.° , terceiro travessão, CE a obrigação de escolher um determinado procedimento de comité numa decisão de base. Ao invés, esta disposição também não se opõe a que o Conselho se obrigue a proceder a uma escolha entre um número limitado de variantes para os procedimentos nos termos da sua obrigação de fixar previamente as modalidades . A fortiori, o mesmo deverá valer quando o Conselho fixe os critérios que servem para determinar a escolha do procedimento. Atendendo apenas ao seu teor, a utilização do conceito de «normas» implica poderem-se fixar critérios substantivos que sirvam de base à escolha pelo legislador comunitário de um certo tipo de procedimento. E mais ainda, atendendo-se à génese e ao alcance do artigo 202.° , terceiro travessão, CE, é mesmo evidente que esta disposição atribui a respectiva competência ao Conselho. Além disso, nada se opõe a que os critérios enunciados numa tal decisão orgânica sui generis também vinculem o Conselho.
79. Considero insustentável o argumento do Parlamento que defende ser impossível reconhecer um carácter orgânico à segunda decisão comitologia, na medida em que tal porá em causa o princípio do controlo democrático sobre o poder executivo. É facto assente que a intervenção do Parlamento na adopção das decisões que o Conselho toma com base no artigo 202.° , terceiro travessão, CE é limitada. Com efeito, o Parlamento apenas é «consultado» no procedimento de adopção das «modalidades» a que o Conselho pode submeter, deliberando por unanimidade, o exercício pela Comissão das competências de execução. Embora se possa lamentar, no plano da legitimidade democrática, que o artigo 202.° , terceiro travessão, CE não tenha sido até ao presente adaptado, os autores do Tratado optaram manifestamente por acantoar o Parlamento, atribuindo-lhe um papel modesto quando são adoptadas as modalidades de delegação de competências de execução à Comissão.
80. De resto, o controlo do Parlamento sobre as medidas de execução a tomar pela Comissão não está reduzido a nada. Se uma decisão de base for adoptada em co-decisão, o Parlamento pode exercer as suas prerrogativas. Foi neste contexto que as instituições comunitárias acordaram em 1994 o modus vivendi definido no acordo interinstitucional. Este explica também a ampliação da intervenção do Parlamento na segunda decisão comitologia nos casos em que a decisão de base que confere competências de decisão à Comissão tenha sido adoptada segundo o procedimento do artigo 251.° CE.
81. O Parlamento também não fica despojado das suas competências por uma outra razão. Se o Conselho tiver fixado critérios que sirvam para a escolha do procedimento de comité, o Parlamento pode de imediato verificar quais são os procedimentos que poderão ser escolhidos e tê-lo em conta como co-legislador durante a elaboração da decisão de base. Assim, a inserção de critérios de selecção basta por si só para melhorar o controlo democrático.
82. Por estes motivos, considero que a segunda decisão comitologia tem carácter orgânico e que, nos aspectos que aqui nos interessam, está em conformidade com o artigo 202.° , terceiro travessão, CE. Em minha opinião, o Conselho é competente nos termos desta disposição para adoptar normas e princípios que limitem o número de procedimentos de comité a tomar em consideração e para definir os critérios que orientam a escolha do procedimento de comité.
D - O alcance jurídico dos critérios que figuram no artigo 2.° da segunda decisão comitologia
83. É neste contexto que importa apreciar os efeitos jurídicos dos critérios enunciados na segunda decisão comitologia para a escolha do procedimento de comité.
84. Nenhuma das partes em causa contesta que, na sua escolha de um certo tipo de comitologia, o legislador comunitário pode afastar-se dos critérios enunciados na segunda decisão comitologia. Na petição, a própria Comissão também reconhece que os critérios não são obrigatórios. Os argumentos que militam nesse sentido são, com efeito, convincentes.
85. Se examinarmos em primeiro lugar o teor do artigo 2.° , a utilização do condicional na maioria das versões linguísticas indica que os critérios que servem para a escolha do procedimento de gestão ou do de regulamentação não são obrigatórios .
86. Um argumento mais decisivo é o de que o quinto considerando da segunda decisão comitologia indica indubitavelmente que os critérios que servem para a escolha dos procedimentos de comité «não são de natureza obrigatória». Embora o preâmbulo de um acto comunitário não tenha valor jurídico vinculativo e não possa ser invocado para derrogar as próprias disposições do acto em causa , o preâmbulo constitui, segundo jurisprudência constante, um elemento importante para a interpretação das disposições do diploma . Parece-me que o considerando não se afasta das disposições da decisão. Efectivamente, há uma diferença fundamental entre o teor de uma norma e a intensidade do carácter juridicamente vinculativo que reveste. O texto do considerando deve, além disso, ser considerado no contexto da adopção da segunda decisão comitologia. Na proposta inicial, a Comissão parecia pretender impor critérios obrigatórios , mas o Conselho não aceitou essa versão.
87. A declaração do Conselho e da Comissão, junta à segunda decisão comitologia, confirma, ela também, que os critérios do artigo 2.° da decisão não foram concebidos para revestir carácter vinculativo. Afirma esta que a adaptação ou a modificação dos procedimentos de comité existentes devem ser efectuadas «caso a caso» ou no decurso da revisão normal da legislação, em função, «designadamente», dos critérios previstos no artigo 2.° . Como o Conselho e o Parlamento correctamente indicaram, a intenção foi manifestamente de adaptar as decisões de base às regras da segunda decisão comitologia, sem que, todavia, os critérios do artigo 2.° sejam ser determinantes para esse efeito. Há que acrescentar que também não se pode deduzir dos termos e da finalidade do artigo 202.° , terceiro travessão, CE que os critérios revistam natureza vinculativa. As «normas e os princípios» não devem ser que sempre vinculativos, pois, como aceitou a Comissão, critérios não vinculativos também podem contribuir para os objectivos da segunda decisão comitologia que tem por base essa disposição. É a razão pela qual a Comissão não convence quando sustenta, na réplica, que teria sido preferível não enunciar qualquer critério ou então fazê-los constar numa declaração .
88. Todavia, isto não impede que o Tribunal de Justiça esteja obrigado a pronunciar-se sobre a questão de saber se a inserção de critérios no artigo 2.° da segunda decisão comitologia produz efeitos jurídicos e, eventualmente, quais. Confrontam-se duas posições nos presentes autos. Por um lado, o Conselho e o Parlamento consideram que uma escolha diferente não requer fundamentação ou fundamentação específica por ser o legislador comunitário perfeitamente livre de escolher o procedimento de comité sem seguir os critérios do artigo 2.° Por outro lado, a Comissão entende que uma escolha diferente impõe uma fundamentação específica que a explique.
89. Não partilho da posição do Conselho e do Parlamento.
90. Para começar, não se pode negar que regras indicativas que figuram numa decisão que é, quanto ao mais, vinculativa podem também produzir determinado efeito jurídico . Nesse sentido, foi correctamente que a Comissão salientou que a inserção de critérios de escolha numa decisão criou incontestavelmente certos pontos de referência jurídicos à semelhança de outros aspectos da comitologia que foram enquadrados por normas jurídicas . Não se pode, portanto, negar a priori qualquer efeito jurídico aos critérios que figuram no artigo 2.° da segunda decisão comitologia.
91. O alcance jurídico dos critérios não deve, de resto, deduzir-se apenas das redacções do artigo 2.° e do quinto considerando da decisão. Esse alcance determina-se, em minha opinião, também pela finalidade da decisão, na medida em que pretende melhorar a previsibilidade e a coerência da escolha dos procedimentos de comité. Na simplificação destes procedimentos e na associação do Parlamento à aplicação da decisão, encontra-se, além disso, a vontade de aumentar a transparência e de aprofundar o controlo democrático. O legislador comunitário deverá tomar este contexto em conta quando opte por um certo procedimento de comité. E é também neste contexto que é necessário apreciar a opção feita.
92. O enquadramento legal dos procedimentos de comité foi, como se vê, objecto de desenvolvimento jurídico constante. À desordem relativa dos anos sessenta e setenta, sucedeu um quadro jurídico traçado pelo Tratado, nos termos do qual os procedimentos de comité foram codificados e foram enunciados critérios destinados a orientar a sua escolha. Esta transformação ocorreu sob o efeito da evolução das concepções no que toca às exigências que a administração deve actualmente satisfazer. Germinou a ideia de que o controlo democrático é também necessário na fase executiva. Sendo as possibilidades de escolha limitadas e estando estas últimas reportoriadas, as decisões são além disso e doravante menos difíceis de tomar. A melhoria da coerência, da previsibilidade e da transparência, bem como a simplificação dos procedimentos de comité, foi provisoriamente concluída com a segunda decisão comitologia .
93. Na sequência do enquadramento jurídico sempre crescente dos procedimentos de comité, o legislador comunitário, que era anteriormente muito livre na condução da sua política, está doravante sujeito a «normas e princípios», como aqueles a que o Tratado se refere. A extensão e a intensidade desta submissão varia, todavia, em função do objectivo prosseguido. A que mais sobressai é a submissão à escolha entre um número limitado de procedimentos de comité quando as medidas de execução de uma decisão de base devam ser tomadas pela Comissão com o apoio de um comité. Admite-se actualmente que uma decisão de base não pode recorrer a outros procedimentos, para a adopção das medidas de execução, que não sejam os quatro enumerados na segunda decisão comitologia. Essa decisão fixa também, nomeadamente, regras obrigatórias relativas ao regulamento interno de cada comité e ao acesso do público aos seus documentos.
94. Os critérios de escolha do procedimento para adoptar as medidas de execução também sofreram alteração. Sob o regime da primeira decisão comitologia, o Conselho era ainda perfeitamente livre. Por não haver critérios específicos, não havia nenhuma necessidade de o legislador comunitário fundamentar a opção por um determinado procedimento de comité. Actualmente, essa prática foi ultrapassada com a adopção da segunda decisão comitologia.
95. Uma coisa é certa, é que o Conselho mantém toda a liberdade de seguir ou não os critérios do artigo 2.° para escolher o procedimento de gestão, o procedimento de regulamentação ou o procedimento consultivo. Estes critérios não são obrigatórios.
96. Todavia, os critérios também não são pura e simplesmente indicativos. Existe actualmente um risco de tensão entre o objectivo da segunda decisão comitologia e o carácter não vinculativo dos critérios de escolha. A Comissão salientou correctamente que o legislador comunitário já não pode agir ao abrigo do regime da segunda decisão comitologia como fazia nos termos da primeira decisão comitologia, precisamente porque esta última não comportava qualquer critério para a escolha entre os procedimentos. A segunda decisão comitologia força o legislador a fornecer as razões pelas quais não siga os critérios. É na fundamentação da sua decisão que lhe compete fazê-lo.
97. Se o legislador não tivesse de fornecer de alguma maneira uma explicação no que toca à sua diferente opção por um procedimento de comité, isso esvaziaria de qualquer conteúdo o artigo 2.° da decisão. O que é diametralmente oposto à evolução jurídica referida supra e que vai no sentido de uma maior transparência e coerência no recurso aos comités. Os critérios visam também oferecer uma certa orientação ao mundo exterior no que se refere à escolha de um determinado procedimento de comité que é feita na legislação de base. O facto de terem sido fixados numa decisão obrigatória que reveste carácter orgânico criou a este respeito certas expectativas. Os critérios cumprem, de resto, a obrigação imposta pelo artigo 202.° , terceiro travessão, CE, de se estabelecerem previamente as modalidades. Qualquer derrogação a estes critérios, que são normas não vinculativas e no entanto essenciais à finalidade de uma decisão que, quanto ao mais, não é vinculativa, só pode ser interpretada de modo restritivo.
98. Convergindo a redução do número dos procedimentos de comité que entram em linha de conta e a sua simplificação com a natureza do processo de decisão, tal reforça o efeito que deve ser reconhecido aos critérios de escolha. Com efeito, quanto mais um procedimento depender do processo de decisão no qual é aplicado, quanto mais a escolha de um outro procedimento revestirá carácter anormal. É a razão pela qual parece tanto mais necessário fundamentá-la devidamente. No n.° 81 destas conclusões, já referi que os critérios de escolha permitem também ao Parlamento desempenhar melhor o seu papel de co-legislador. É também por essa razão que estes critérios devem ser abordados com cuidado.
99. A obrigação de fundamentar uma escolha divergente corresponde, de resto, à jurisprudência na qual o Tribunal de Justiça acompanhou de condições o reconhecimento das competências de delegação do Conselho em matéria de medidas de execução. Pode encontrar-se ilustração no acórdão, já referido, que o Tribunal de Justiça proferiu, em 24 de Outubro de 1989, no processo Comissão/Conselho, quando considerou que «em casos específicos» nos quais o Conselho pode exercer directamente certas competências de execução, deve fundamentar essa decisão «de forma circunstanciada» . O Tribunal de Justiça parte manifestamente da ideia de que os casos de excepção admitidos impõem um especial dever de fundamentação. Pelos fundamentos expostos supra, dever análogo existe quando o Conselho escolher um tipo de procedimento de comité que não corresponde aos critérios do artigo 2.° da segunda decisão comitologia.
100. Se entendermos que os critérios de escolha do artigo 2.° da decisão produzem um certo efeito jurídico, impondo, pelo menos, o dever de fundamentar uma escolha que deles se afaste, essa fundamentação deve poder ser sujeita à fiscalização, ainda que marginal, do juiz comunitário. O que torna ainda mais específico o dever de fundamentação, no sentido de que as escolhas derrogatórias não podem ser explicadas por frases feitas. A fundamentação deve conter as razões específicas, objectivas ou funcionais, que expliquem o facto de se ter afastado dos critérios. Se assim não fosse, a escolha divergente escaparia à fiscalização do juiz comunitário.
101. Apenas quando forneça a fundamentação exigida, poderá o Conselho afastar-se licitamente dos critérios fixados pelo artigo 2.° da decisão. Quando a fundamentação exigida não for adequadamente fornecida, o Tribunal de Justiça deve, em minha opinião, anular a regulamentação em questão. A violação de uma formalidade essencial desta natureza a tal conduz .
102. O Conselho interrogou-se na audiência se esse dever de fundamentação decorrerá da disposição geral do artigo 253.° CE ou se se tratará de um dever especial que se deverá deduzir do artigo 2.° da segunda decisão comitologia, em conjugação ou não com o artigo 202.° CE.
103. Considero que se trata de um dever especial que pode, contudo, ser deduzido do dever geral de fundamentação enunciado no artigo 253.° CE. Segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentação que decorre desta disposição deve ser adaptado à natureza do acto em causa. O dever geral de fundamentação pressupõe que se dê a conhecer de modo claro e inequívoco a motivação da instituição cujo acto esteja em causa, para permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Para verificar se uma fundamentação cumpre os requisitos, não basta apenas remeter para o seu conteúdo, sendo também necessário socorrer-se do contexto da decisão e do conjunto das normas jurídicas que regem o domínio em causa. Os demais elementos que o Tribunal de Justiça toma em consideração para apreciar a fundamentação exigida são as circunstâncias do caso, o conteúdo da decisão, a natureza dos fundamentos invocados e o interesse que as pessoas interessadas possam ter em obter explicações complementares .
104. A fundamentação conforme com o exigido pelo artigo 253.° CE é, portanto, flexível e o seu teor pode variar em função das circunstâncias do caso em apreço. No presente caso, é evidente que o teor da fundamentação deverá satisfazer condições mais estritas à medida que a escolha de um procedimento de comité se afaste mais da escolha indicada no artigo 2.° da segunda decisão comitologia.
105. A este respeito importa refutar o argumento que pretende que os critérios terão aumentado a transparência na medida em que fornecerão, de qualquer modo, uma orientação para a escolha do procedimento de adopção de medidas de execução. Essa transparência só existirá se os critérios também forem efectivamente seguidos. Considero que, se forem aplicadas arbitrariamente, as linhas orientadoras não contribuem fundamentalmente para esse objectivo da segunda decisão comitologia.
106. Na minha opinião, há também que refutar os outros argumentos que o Parlamento e o Conselho invocam para contestar a posição da Comissão.
107. Quando o Parlamento expõe que a concepção da Comissão é paradoxal, na medida em que, por um lado, reconhece que os critérios não são juridicamente obrigatórios mas, por outro, defende que o incumprimento dos critérios pelo legislador comunitário deve conduzir à anulação do acto, o Parlamento perde de vista a função específica do dever de fundamentação. Embora os critérios de selecção enunciados no artigo 2.° da segunda decisão comitologia não sejam obrigatórios, no sentido de que o legislador comunitário pode afastar-se deles, deve efectivamente apresentar razões para tal através da fundamentação. O incumprimento desta obrigação é punido com a anulação.
108. O Conselho considera, além disso, que se tivesse efectivamente pretendido fixar um dever específico de fundamentação nos casos em que são derrogados os critérios do artigo 2.° da segunda decisão comitologia, tê-lo-ia indicado efectivamente na decisão. Sob a influência da jurisprudência do Tribunal de Justiça, encontra-se também esse dever específico no artigo 1.° da segunda decisão comitologia para os casos em que o Conselho se reserve o exercício das competências de execução. O dever de fundamentação e as condições que esta deve cumprir são todavia definidas, em minha opinião, pelo teor e a natureza do acto que deve ser fundamentado. O que não exige que esteja enunciado especificamente numa decisão comunitária. A sua existência tem por base o artigo 253.° CE. O facto de o Conselho ter codificado no artigo 1.° da segunda decisão comitologia a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no sentido de que a habilitação própria deverá ser devidamente fundamentada, nada altera a este respeito.
109. Há seguidamente que examinar o argumento avançado indirectamente pelo Conselho e que pretende que os critérios do artigo 2.° são de tal modo vagos que uma fundamentação perfeita é dificilmente concebível. Se o Conselho tivesse de tomar seriamente em conta este argumento, ao fazê-lo, desqualificava a decisão que ele próprio tomou, salientê-mo-lo, tornando-a numa decisão simplesmente indicativa e inaplicável. O argumento é, de resto, inexacto. Apesar da utilização de expressões tais como «incidências orçamentais significativas» ou «disposições essenciais de um acto de base», as diferenças entre as finalidades de cada um dos procedimentos de comité são claras. O que também não é contestado no caso em apreço. Quando as medidas de execução dizem respeito à gestão de programas, é o procedimento de gestão ou, eventualmente, o procedimento consultivo que se aplica. Se as medidas de execução se situam na zona transitória entre a execução e a regulamentação, é o procedimento de regulamentação que é o mais apropriado. É precisamente do Conselho, a instituição que adoptou os critérios - e que tem também a competência exclusiva - que se pode esperar que dê consistência a estas regras que devidamente regem a escolha dos comités, fundamentando uma escolha que deles manifestamente se afaste .
110. Considero também, como a Comissão, que não é convincente o argumento que o Parlamento retira do acórdão que o Tribunal de Justiça proferiu, em 19 de Maio de 1995, no processo Parlamento/Conselho, para expor que uma violação do artigo 2.° da segunda decisão comitologia não pode, em caso algum, acarretar a anulação do regulamento LIFE. Nesse processo, uma proposta da Comissão, destinada a alterar o programa TACIS de assistência aos países que compunham anteriormente a União Soviética e a certos Estados limítrofes, previa o procedimento de gestão, como previsto no procedimento II, variante B, da Decisão 87/373. O Conselho escolheu, finalmente, um procedimento de regulamentação, como previsto no procedimento III, variante A, da primeira decisão comitologia. O regulamento TACIS tinha por base as disposições do Tratado que conferem ao Parlamento o direito de ser consultado. Nesse processo, o Tribunal de Justiça considerou que o equilíbrio global das competências respectivamente reconhecidas à Comissão e ao Conselho não era afectado de modo decisivo pela escolha entre os dois tipos de comité em causa, pelo que a modificação introduzida na proposta da Comissão não era essencial e também não era indispensável uma nova consulta ao Parlamento sobre este ponto .
111. No caso em apreço, não se trata, todavia, de um alegado vício que afecte o procedimento de adopção. Trata-se aqui de saber se a violação do dever de fundamentação constitui uma violação de uma formalidade essencial que pode conduzir à anulação e esta questão merece, em minha opinião, resposta afirmativa. Esta violação não podia ser já verificada no momento dos factos que deram lugar ao processo C-417/93, pois que, à época, a primeira decisão comitologia não continha os critérios de escolha do procedimento a seguir para a adopção das medidas de execução.
E - A escolha do procedimento de comité feita no regulamento LIFE é conforme com os critérios da segunda decisão comitologia e, a ser assim, foi cumprido o dever de fundamentação?
112. Seguidamente, deve examinar-se, com base no que acaba de ser exposto, se o legislador comunitário adoptou o regulamento LIFE escolhendo o respectivo procedimento de comité em conformidade com os critérios de selecção não vinculativos do artigo 2.° da segunda decisão comitologia. Se tal não foi o caso, colocar-se-á a questão de saber se o dever de fundamentar a escolha divergente foi cumprido de modo bastante.
113. A este respeito, refiro desde já que o contexto em que se inscreve a escolha do procedimento de comité no regulamento LIFE será examinado mais adiante.
114. Trata-se aqui da delegação de competências de execução que têm incidência no orçamento comunitário. O regulamento LIFE contém as regras do procedimento a seguir no que toca ao financiamento de projectos que contribuam para a execução e o desenvolvimento da política e da legislação ambientais da Comunidade. O legislador comunitário confiou o papel principal à Comissão no que respeita à atribuição dos fundos.
115. A legalidade da delegação feita à Comissão no que toca a medidas de execução com implicações orçamentais não está em causa. No acórdão Comissão/Conselho, o Tribunal de Justiça considerou que o Conselho pode conferir à Comissão, nos termos do artigo 202.° , terceiro travessão, o poder de adoptar actos de alcance individual com implicações financeiras .
116. O regulamento LIFE estabelece os meios financeiros para a terceira fase, que cobre o período entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2004. Para a autoridade orçamental, este estabelecimento é, no que toca ao processo orçamental, em princípio, um dado adquirido. Concretamente, o artigo 8.° estabelece o envelope financeiro previsto para a aplicação da terceira fase em 640 milhões de euros. Também segundo esta disposição, os recursos orçamentais são inscritos no orçamento geral da União Europeia. A autoridade orçamental determinará as dotações disponíveis para cada exercício .
117. O programa LIFE completo consiste em três vertentes temáticas: LIFE-Natureza (artigo 3.° ), LIFE-Ambiente (artigo 4.° ) e LIFE-Países Terceiros (artigo 5.° ), tendo cada uma os seus objectivos específicos. O artigo 2.° contém os critérios gerais e o regulamento indica seguidamente, por vertente, os critérios especiais que os projectos devem satisfazer para poderem beneficiar de um apoio. Cada vertente indica também a forma que reveste o apoio financeiro, a percentagem máxima de financiamento e, eventualmente, a contribuição própria esperada dos beneficiários.
118. O procedimento de comité intervém na selecção dos projectos que poderão beneficiar de financiamento comunitário. Esse procedimento decorre grosso modo da seguinte forma:
- Os Estados-Membros transmitem à Comissão as propostas de projectos a financiar. A Comissão envia aos Estados-Membros um resumo das propostas recebidas .
- Os projectos seleccionados para concessão de apoio financeiro ao abrigo do LIFE-Natureza devem ser submetidos ao procedimento estabelecido no artigo 11.° do regulamento .
- O artigo 11.° , n.° 2, declara aplicáveis os artigos 5.° e 7.° da segunda decisão comitologia. É, assim, o procedimento de regulamentação, na acepção dessa decisão, o aplicável.
- Por iniciativa da Comissão e após consulta do comité em questão, as medidas de acompanhamento a financiar a título do LIFE-Natureza e do LIFE-Ambiente serão objecto de convites à manifestação de interesse. Todos os convites à manifestação de interesse serão publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, aí se indicando os critérios específicos aplicáveis a cada caso .
- Em conformidade com o artigo 4.° , n.° 4, e no que respeita aos projectos de demonstração, a Comissão define, nos termos do artigo 11.° , directrizes que serão publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. As directrizes devem promover a sinergia entre as acções de demonstração e os princípios orientadores da política comunitária do ambiente, tendo em vista o desenvolvimento sustentável.
- Para o LIFE-Natureza e o LIFE-Ambiente, a Comissão deve tomar uma decisão-quadro dirigida aos Estados-Membros em relação aos projectos aprovados e decisões individuais dirigidas aos beneficiários em que estabeleça o montante do apoio financeiro, as regras de financiamento e controlo e resolva ainda todas as questões técnicas específicas do projecto aprovado. Para o LIFE-Países Terceiros, os projectos aprovados devem dar lugar à celebração de um contrato entre a Comissão e os beneficiários, em que serão estabelecidos o montante do apoio financeiro, as regras de financiamento e de controlo e resolvidas ainda todas as questões técnicas específicas do projecto aprovado. Deve ser comunicada aos Estados-Membros a lista das propostas seleccionadas .
119. Essa descrição mostra que o regulamento LIFE é, para utilizar os termos do artigo 1.° da segunda decisão comitologia, uma «decisão de base» clássica que submete «o exercício das competências de execução a certas modalidades processuais». O regulamento faz uma clara distinção entre, por um lado, a vertente legislativa que comporta os objectivos do programa, os critérios de atribuição da participação financeira e a escolha, de princípio, da comitologia e, por outro, as medidas de execução sob a forma da selecção dos projectos concretos susceptíveis de beneficiar de um financiamento. O legislador comunitário escolheu delegar à Comissão as competências para tomar medidas de execução, Comissão esta que deve agir no quadro do procedimento de regulamentação. O regulamento de base não permite, de modo algum, ao legislador comunitário afastar-se, em casos especiais ou não, do procedimento de financiamento previsto no regulamento. Assim, não está prevista a habilitação própria. É apenas quando adopte o próprio regulamento de base que o autor da delegação pode rever a repartição das competências que figuram no regulamento LIFE.
120. Quando se apreciam concretamente os fundamentos suscitados pela Comissão, coloca-se logo a questão de saber se o legislador comunitário adoptou o procedimento de comité concreto à luz dos critérios do artigo 2.° da segunda decisão comitologia. Estou de acordo com a Comissão quando afirma que, visto objectivamente, era o procedimento de gestão que deveria ter sido escolhido no contexto do regulamento LIFE e não o procedimento de regulamentação. Penso que se trata no caso em apreço «da execução de programas com incidências orçamentais significativas», na acepção do artigo 2.° , alínea a), da segunda decisão comitologia.
121. Não se pode negar que a fixação de um montante total de 640 milhões de euros, que equivale a cerca de 108 milhões de euros anuais, tem incidências «orçamentais significativas», tanto em termos de valor absoluto como de valor relativo comparativamente à parte das despesas afectadas à protecção do ambiente ou mesmo da subsecção de que faz parte o orçamento consagrado ao ambiente . O Conselho e o Parlamento também não o contestam. Despesas anuais relativamente modestas podem, acumuladas ao longo de muitos anos, representar um esforço orçamental importante . E quando as comparamos com as dotações fixadas nos domínios da política comum que lhe são próximos, como a saúde pública e os consumidores, as despesas previstas para o programa LIFE são claramente mais elevadas .
122. O regulamento LIFE exige, de resto, medidas clássicas de execução que consistem em adoptar critérios de autorização, em seleccionar projectos e em atribuir efectivamente os fundos. São medidas que se prestam, por excelência, ao procedimento de gestão, como também prevêem outros programas comunitários. Nos seus articulados, a Comissão remeteu para programas que dizem respeito à cooperação com países terceiros , à promoção do emprego racional da energia e à promoção da mobilidade no sector da educação . Contrariamente à opinião do Conselho, estes programas são comparáveis ao programa LIFE. Com efeito, trata-se em todos estes casos de programas financeiros com um orçamento anual bastante comparável ao do programa LIFE e nos quais os respectivos comités têm igualmente por missão assistir a Comissão na repartição dos fundos. O facto de o programa LIFE dizer eventualmente respeito a todo o sector do ambiente e poder ter influência em matérias que afectam directamente os habitantes dos Estados-Membros parece-me irrelevante para a determinação da natureza das medidas de execução.
123. O facto de, nos termos do artigo 4.° do regulamento LIFE, a Comissão dever fixar relativamente aos projectos de demonstração «directrizes» que terão sido submetidas ao procedimento de regulamentação é, em minha opinião, também irrelevante no que toca à escolha do procedimento de gestão. Trata-se aqui de um anúncio de ordem pública que se destina a informar os potenciais candidatos da natureza dos projectos que poderão beneficiar do financiamento LIFE. As directrizes estabelecem as condições nos termos das quais os projectos podem beneficiar de um financiamento. É uma condição necessária para evitar uma selecção arbitrária. Nesse sentido, estão estreitamente ligadas à execução do programa e não se pode falar de «medidas de âmbito geral que visam a aplicação de disposições essenciais de um acto de base», na acepção do artigo 2.° , alínea b), da segunda decisão comitologia.
124. Verifico que, à luz dos critérios do artigo 2.° da decisão, foi escolhido um procedimento errado, isto é, o procedimento de regulamentação, ao passo que era o procedimento de gestão o indicado. Interrogo-me, então, em segundo lugar, se o dever de fundamentação foi cumprido para explicar a escolha do procedimento de regulamentação efectuada ao arrepio desses critérios.
125. Os considerandos do regulamento não comportam qualquer motivação para a escolha feita pelo legislador comunitário. O vigésimo considerando apenas indica que se recorre a um procedimento de comité para a execução. Também não se encontra justificação no corpo do próprio regulamento. A única fundamentação figura na declaração que o Conselho fez para reagir à ameaça avançada pela Comissão, de interpor recurso no Tribunal de Justiça. A passagem essencial da declaração do Conselho é que «teve em conta» a experiência adquirida durante as duas primeiras fases do programa LIFE, bem como a «natureza deste instrumento, que desempenha um papel essencial para a protecção do ambiente na Comunidade e contribui para a aplicação e desenvolvimento da política comunitária neste domínio».
126. A este respeito, saliento antes do mais que, quando os fundamentos que presidem a uma decisão se deduzem de declarações trocadas entre as partes que participaram na elaboração da decisão, tal não contribui para a transparência. Além do mais, o Parlamento não se exprimiu expressamente, na sua qualidade de co-legislador, sobre a declaração da Comissão, ao passo que teria sido evidentemente de esperar que o Parlamento e o Conselho fizessem uma declaração conjunta. O que só por si põe desde logo em causa o crédito que se possa atribuir à declaração do Conselho como «fundamentação» para uma escolha de comité que se afasta dos critérios definidos. A observação que o representante do Conselho fez na audiência, indicando que o Parlamento terá tacitamente aprovado a declaração feita e que talvez não tenha feito uma declaração expressa devido à posição delicada que o Parlamento ocupa nesse procedimento, não me parece ser verdadeiramente credível. Isso, em minha opinião, nunca poderia justificar a não tomada de posição pelo Parlamento - como co-legislador.
127. A jurisprudência do Tribunal de Justiça sugere que se poderá tomar em consideração, para a interpretação dos actos comunitários, as declarações feitas pelas instituições, caso os cidadãos delas tenham podido tomar conhecimento . No caso em apreço, a declaração foi publicada no Jornal Oficial. A declaração tem, assim, um certo alcance jurídico, mas considero que não é suficiente para devidamente fundamentar a opção divergente pelo procedimento de regulamentação.
128. A remissão para a «continuação da prática existente» não convence para fundamentar a escolha do procedimento de regulamentação. Com efeito, o contexto modificou-se, pois que o Conselho adoptou a segunda decisão comitologia cerca de um ano antes de adoptar o regulamento LIFE. Este último recorre pela primeira vez aos critérios de escolha do procedimento a seguir para tomar as medidas de execução. O Tribunal de Justiça referiu ainda recentemente que uma fundamentação não pode ser idêntica quando as circunstâncias do caso concreto se alterem . Assim, podia-se esperar do legislador comunitário que tivesse devidamente fundamentado a opção pelo procedimento de regulamentação em vez do procedimento de gestão.
129. A remissão para a «natureza do instrumento» também não fornece uma fundamentação convincente. Pelo contrário, a natureza do programa LIFE, enquanto instrumento financeiro, faz precisamente pressupor que teria sido o procedimento de gestão a boa escolha. As adendas feitas na declaração e que afirmam que o instrumento LIFE «desempenha um papel essencial para a protecção do ambiente na Comunidade» e «contribui para a aplicação e desenvolvimento da política comunitária nesse domínio» referem-se mais aos objectivos da vertente legislativa do regulamento impugnado do que à natureza das medidas de execução.
130. Tendo o regulamento, em minha opinião, sido adoptado ao arrepio do dever de fundamentação, o Tribunal de Justiça tem razões para anular o acto por violação de formalidades essenciais.
F - A anulação (parcial) do regulamento LIFE
131. O Parlamento indicou que uma eventual violação do artigo 2.° da segunda decisão comitologia não poderá, em caso algum, conduzir à anulação do regulamento impugnado, nomeadamente, porque a diferença entre os dois tipos de procedimento será apenas mínima.
132. Todavia, este argumento é insustentável. Essa circunstância não pode, em caso algum, justificar que se renuncie à anulação de um acto por violação de uma formalidade essencial. Além disso, existem efectivamente diferenças essenciais entre o procedimento de regulamentação e o de gestão, na acepção da segunda decisão comitologia, como já referi.
133. Todavia, a Comissão pediu que o Tribunal de Justiça só anule parcialmente o regulamento LIFE, isto é, na medida em que as medidas de execução são adoptadas segundo o procedimento de regulamentação, na acepção da segunda decisão comitologia.
134. A este respeito, as coisas complicam-se no que toca a um aspecto que nenhuma das partes abordou. Pode-se conceber que o Tribunal de Justiça não possa dar provimento ao recurso da Comissão por a escolha do procedimento a seguir para adoptar as medidas de execução constituir uma parte essencial do regulamento. Nesse caso, o regulamento LIFE deveria ser integralmente anulado. Segundo jurisprudência constante, a anulação parcial só é possível, com efeito, se a parte do acto atingida por essa anulação não for inseparável do conjunto dessa decisão, de tal modo que, na falta dessa parte cuja anulação é solicitada, o acto impugnado cesse de poder produzir efeitos jurídicos . Todavia, se o Tribunal de Justiça anular integralmente o regulamento LIFE, decidirá ultra petita, ao passo que a sua anulação não pode ir além dos pedidos da recorrente . As outras vertentes do regulamento LIFE não são postas em causa no litígio sobre o qual o Tribunal de Justiça se deve pronunciar, eventualmente, pela via da anulação . Por outras palavras, o Tribunal de Justiça deveria declarar-se incompetente.
135. Assim, há que examinar se o regulamento LIFE pode ser parcialmente anulado, isto é, na medida em que as suas medidas de execução são submetidas ao procedimento de regulamentação, sem que tal altere a essência do regulamento. Concretamente, coloca-se a questão de saber se o tipo de procedimento está indissociavelmente ligado ao objectivo e ao espírito do programa LIFE.
136. Por mais importante que creio ser a escolha correcta do procedimento de comité, não me parece que o Tribunal de Justiça se deva declarar incompetente por se ver obrigado a anular o regulamento LIFE na sua integralidade. A opção feita pelo procedimento de regulamentação do artigo 11.° pode, em minha opinião, ser separada das demais disposições do regulamento impugnado .
137. Em primeiro lugar, a anulação parcial da opção feita pelo procedimento de regulamentação não prejudica fundamentalmente a vertente legislativa do regulamento . É certo que o regulamento LIFE contém regras específicas de procedimento para a concessão das participações financeiras aos projectos ambientais, mas os objectivos do programa e os critérios gerais e as condições de concessão do apoio permanecem intactos. Em segundo lugar, a violação de uma formalidade essencial consistente na fundamentação insuficiente não tem automaticamente por consequência que o procedimento de regulamentação não possa figurar enquanto tal no programa LIFE. Com efeito, é permitido ao legislador comunitário afastar-se dos critérios enunciados no artigo 2.° da segunda decisão comitologia na condição de fundamentar devidamente essa opção.
138. Além disso, nenhuma das instituições e nenhuma das partes em causa tem globalmente interesse em que o programa LIFE sofra um atraso inútil na sua execução. É precisamente para evitar que o prosseguimento desse programa seja posto em causa que a Comissão pretende, desde o início, que o Tribunal de Justiça mantenha os efeitos do regulamento LIFE até à sua alteração. O Conselho e o Parlamento não se opuseram a esse pedido.
139. Segundo jurisprudência constante, a anulação de um acto pelo Tribunal de Justiça produz efeitos erga omnes e ex tunc. Todavia, há que observar que o artigo 231.° , segundo parágrafo, CE confere expressamente ao Tribunal de Justiça a competência para indicar quais os efeitos do regulamento anulado que se devem considerar subsistentes. No que diz respeito ao programa LIFE, várias convenções foram já celebradas e já foram prometidos ou efectuados pagamentos. Por razões de segurança jurídica, importa, pois, que o Tribunal de Justiça decida que a anulação não afecta a validade dos pagamentos efectuados nem dos compromissos já assumidos . É a razão pela qual proponho que seja dado provimento ao pedido da Comissão .
VI - Conclusão
140. Pelos fundamentos expostos, proponho que o Tribunal de Justiça:
«1) Anule o Regulamento n.° 1655/2000, na medida em que submete a adopção das medidas de execução do programa LIFE ao procedimento de regulamentação previsto no artigo 5.° da segunda decisão comitologia e na medida em que essa escolha não está suficientemente fundamentada;
2) Mantenha os efeitos do regulamento parcialmente anulado até à adopção de um novo regulamento sobre essas matérias;
3) Condene o Conselho e o Parlamento nas despesas.»