62000C0291

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 17 de Janeiro de 2002. - LTJ Diffusion SA contra Sadas Vertbaudet SA. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de grande instance de Paris - França. - Marcas - Aproximação das legislações - Directiva 89/104/CEE - Artigo 5.º, n.º 1, alínea a) - Conceito de sinal idêntico à marca - Utilização do elemento distintivo da marca com exclusão de outros elementos - Utilização da totalidade dos elementos que constituem a marca, mas com a adição de outros elementos. - Processo C-291/00.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-02799


Conclusões do Advogado-Geral


1 Nos termos do artigo 5._, n._ 1, alínea a), da directiva relativa às marcas (1), o titular de uma marca registada pode proibir que um terceiro faça uso na vida comercial de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada. O tribunal de grande instance de Paris pretende saber se, nos termos desta disposição, um sinal pode ser considerado idêntico a uma marca a) se reproduz apenas o elemento distintivo da marca ou b) se reproduz totalmente a marca com o aditamento de outros sinais.

O quadro normativo

A regulamentação comunitária

2 O artigo 4._, n._ 1, da directiva dispõe:

«O pedido de registo de uma marca será recusado ou, tendo sido efectuado, o registo de uma marca ficará passível de ser declarado nulo:

a) se a marca for idêntica a uma marca anterior e se os produtos ou serviços para os quais o registo da marca for pedido ou a marca tiver sido registada forem idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca anterior está protegida;

b) se, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior, e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que as duas marcas se destinam, existir, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior.»

3 Do mesmo modo, o artigo 5._, n._ 1, dispõe:

«A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a) de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b) de um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.»

4 A este respeito, o décimo considerando do preâmbulo da directiva dispõe nomeadamente que:

«[...] a protecção conferida pela marca registada, cujo objectivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, é absoluta em caso de identidade entre a marca e o sinal e entre os produtos ou os serviços; [...] a protecção é igualmente válida em caso de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; [...] é indispensável interpretar a noção de semelhança em relação com o risco de confusão; [...] o risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos factores e nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser feita com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados, constitui a condição específica da protecção [...]».

5 Além disso, embora não estejam directamente em causa no caso em apreço, saliento que os artigos 8._, n._ 1, alíneas a) e b), e 9._, n._ 1, alíneas a) e b), do regulamento sobre a marca comunitária (2) contêm disposições materialmente idênticas às dos, respectivamente, artigos 4._, n._ 1, alíneas a) e b), e 5._, n._ 1, alíneas a) e b), da directiva.

6 Assim, a marca, em princípio, beneficia apenas de uma protecção absoluta contra outras marcas ou sinais que sejam idênticos e utilizados para produtos idênticos àqueles para os quais a marca foi registada; caso contrário, é necessário também provar a existência de um risco de confusão.

A legislação francesa

7 Em França, a legislação das marcas está codificada no code de la propriété intellectuelle (Código da Propriedade Intelectual).

8 O artigo L.713-2 do referido código proíbe «a reprodução, a utilização ou a aposição de uma marca, mesmo com o aditamento de palavras como: `fórmula, maneira, sistema, imitação, género, método', bem como a utilização de uma marca reproduzida, para produtos ou serviços idênticos aos designados no registo».

9 O artigo L.713-3 dispõe:

«É proibida, excepto autorização do proprietário, se daí puder resultar um risco de confusão no espírito do público:

a) a reprodução, a utilização ou a aposição de uma marca, bem como a utilização de uma marca reproduzida, para produtos ou serviços idênticos aos designados no registo;

b) a imitação de uma marca ou o uso de uma marca imitada, para produtos ou serviços idênticos ou similares aos designados no registo.»

10 Originalmente, estes artigos foram inseridos pela Lei n._ 9-7, de 4 de Janeiro de 1991 (3), que as autoridades francesas notificaram como transposição da directiva.

Tramitação processual

11 A LTJ Diffusion é uma sociedade francesa que produz e vende diversos artigos de confecção sob a marca «Arthur», que está registada em França (e também internacionalmente em certos países) como marca figurativa graficamente imitando a escrita à mão, com um ponto sob a inicial «A», para os produtos da classe 25 da classificação de Nice (4) (vestuário, calçado e chapelaria). Utiliza este vocábulo para designar tanto os artigos como os locais em que estes são vendidos.

12 A SADAS é uma sociedade que se dedica à venda por correspondência de artigos de confecção para criança, incluindo uma linha de vestuário denominada «Arthur e Félicie», denominação que foi registada em França como marca mundial para produtos repertoriados num determinado número de classes, incluindo a classe 25, e cujo registo como marca comunitária solicitou. Resulta dos documentos apresentados pela LTJ Diffusion que a forma gráfica da marca utilizada pela SADAS não reproduz o tipo do grafismo escrito à mão que foi registado para a marca «Arthur».

13 A LTJ Diffusion opõe-se ao uso que a SADAS faz da marca «Arthur e Félicie», que considera infringir a sua própria marca «Arthur», tal como se opôs a outras marcas que incluem este nome. Opôs-se com sucesso ao registo em França, por outra sociedade, da marca «Arthur e Nina» para vestuário, calçado e chapelaria, e a oposição ao registo solicitado pela SADAS da marca «Arthur e Félicie» como marca comunitária está actualmente pendente no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «IHMI»). Contudo, depois do início do presente processo (5), a Primeira Câmara de Recurso negou provimento às oposições de registo como marcas comunitárias de dois outros sinais figurativos que compreendem o vocábulo «Arthur».

14 No processo no tribunal de grande instance, a LTJ Diffusion contesta a utilização pela SADAS da marca «Arthur e Félicie» registada em França, bem como a validade desse registo (6). A LTJ Diffusion invoca essencialmente os artigos L.713-2 e L.713-3 do code de la propriété intelectuelle e a forma como a jurisprudência e a doutrina interpretam especialmente o primeiro deles, segundo a qual este artigo também se aplica aos casos em que o elemento distintivo de uma marca complexa é reproduzido ou aos casos em que o elemento distintivo é reproduzido totalmente com aditamentos que não afectam a sua identidade (7). A SADAS contesta esta interpretação que considera não estar em conformidade com os termos da directiva.

15 O órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e solicitou uma decisão a título prejudicial relativa à seguinte questão:

«A proibição imposta pelo artigo 5._, n._ 1, alínea a), da Directiva 89/104, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, é respeitante apenas à reprodução idêntica, tal e qual, do ou dos sinais que compõem uma marca ou pode abranger:

1) a reprodução do elemento distintivo de uma marca composta de vários sinais?

2) a reprodução integral dos sinais que constituem a marca quando lhe são acrescentados outros sinais?»

16 As partes no processo principal, o Governo do Reino Unido e a Comissão apresentaram observações escritas, e todos, bem como o Governo francês, apresentaram observações na audiência.

Análise

mbito e contexto da questão

- A directiva

17 Tal como está formulada, a questão apresentada pelo órgão jurisdicional nacional diz exclusivamente respeito ao direito do titular de uma marca nacional proibir o uso de um sinal idêntico a essa marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada (artigo 5._, n._ 1, alínea a), da directiva).

18 Nesse contexto, salienta-se que a redacção da regulamentação francesa difere sensivelmente da da directiva que aparentemente pretende transpor. Esta circunstância pode criar uma certa confusão nos órgãos jurisdicionais franceses e tornar mais difícil a aplicação dessa legislação em conformidade com a directiva. Contudo, é uma realidade que, nos termos do direito comunitário, um órgão jurisdicional nacional ao interpretar essa legislação interna é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva em causa, para atingir o resultado por ela prosseguido (8). Esta regra não é contestada no caso em apreço.

19 A resposta à questão específica do órgão jurisdicional nacional é também importante para os fundamentos susceptíveis de fundamentar a recusa ou a nulidade do registo de uma marca nos termos do artigo 4._, n._ 1, alínea a), dado que o critério de identidade - entre marcas, ou entre a marca e um sinal - é comum em ambos os contextos e dado que a economia da directiva impõe uma interpretação uniforme. (Insisto no facto de o conceito de identidade a analisar se referir unicamente à identidade entre marcas, ou entre uma marca e um sinal; na determinação da identidade entre os produtos ou serviços diversas considerações podem ter interesse - questão que não é suscitada no caso em apreço - e é possível solucionar a questão fazendo simplesmente referência à classificação de Nice).

20 Todavia, a decisão do Tribunal de Justiça não afectará o direito de proibir o uso de um sinal idêntico quando os produtos ou os serviços não sejam idênticos mas simplesmente similares, nem a possibilidade de recusar ou anular o registo nas mesmas condições [artigos 4._, n._ 1, alínea b), e 5._, n._ 1, alínea b), da directiva]. Nesses casos, em que é necessário demonstrar a existência de um risco de confusão no espírito do público, não é decisivo saber se a marca e o sinal, ou as duas marcas, são por si mesmos idênticos e não similares, de tal modo que a delimitação precisa da diferença entre identidade e similitude não afectará o resultado.

- O regulamento

21 Além disso, como referi supra, o regulamento sobre a marca comunitária utiliza nos artigos 8._, n._ 1, alínea a), e 9._, n._ 1, alínea a), o mesmo critério que figura nos artigos 4._, n._ 1, alínea a), e 5._, n._ 1, alínea a), da directiva e em contextos exactamente equivalentes. Contudo, tendo em conta as decisões adoptadas pelo IHMI, a LTJ Diffusion sustenta que os dois conjuntos de disposições devem ser interpretados de forma diferente.

22 Alega essencialmente, em primeiro lugar, que não pode ser reconhecido ao IHMI o poder de vincular os órgãos jurisdicionais nacionais, em segundo lugar, que, em geral, as directivas e os regulamentos não podem ser interpretados da mesma forma porque a sua natureza e as condições da sua aplicação são distintas e, em terceiro lugar, que uma directiva cuja finalidade é apenas a harmonização parcial das legislações nacionais ou que permite diferentes abordagens, não pode ser interpretada da mesma forma que um regulamento que tem por objectivo instaurar um regime comunitário único e uniforme.

23 Estes argumentos não me convencem.

24 Admitindo que as decisões adoptadas pelos órgãos do IHMI no contexto de regulamento não podem vincular os órgãos jurisdicionais nacionais quanto à interpretação da directiva, isso não significa que as suas decisões não devam ser tomadas em consideração; elas podem, apesar disso, ter uma certa autoridade quando estiverem em conformidade com os acórdãos do Tribunal de Justiça.

25 Também não concordo com o argumento de que uma directiva e um regulamento que utilizam os mesmos critérios e os mesmo termos em contextos paralelos devam ser interpretados de forma diferente simplesmente porque têm uma natureza diferente. Pelo contrário, quando o legislador comunitário teve o cuidado de se expressar desta maneira - como claramente o fez no domínio das marcas - existe uma forte presunção de que os dois diplomas devem ter a mesma interpretação. O facto de se aplicarem em circunstâncias de direito e de facto diferentes não ilide esta presunção.

26 É um facto que a directiva não procura harmonizar todas as regras nacionais do direito em matéria de marcas como poderia ser o resultado se a sua interpretação reflectisse exactamente todos os pontos do regulamento, mas simplesmente a aproximação dessas disposições que tenham uma incidência mais directa no funcionamento do mercado interno (9). Contudo, o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 5._ a 7._ da directiva procedem a uma harmonização completa das regras relativas aos direitos conferidos pela marca e que, deste modo, definem os direitos de que gozam os titulares de marcas na Comunidade (10).

27 Além disso, uma vez que o registo de marca comunitária deve ser recusado quando entra em conflito com uma marca nacional anterior (11) mas que, se for válido, confere ao titular direitos que podem ser invocados em toda a Comunidade contra os que usam sinais idênticos ou similares, é um facto que se infringe gravemente o funcionamento do mercado interno se os direitos conferidos em cada um destes casos pudessem diferir significativamente.

28 No entanto, embora esta questão não seja directamente suscitada no presente processo, sou de opinião, em princípio, que as disposições paralelas pertinentes da directiva e do regulamento devem ser interpretadas do mesmo modo.

- Observações finais quanto ao âmbito e ao contexto da questão

29 Por último, a questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional através da utilização dos termos «reprodução», «omissão» e «aditamento», parece ter apenas por objectivo uma situação em que o infractor procura precisamente explorar uma marca anterior por imitação, manipulação ou modificação. Todavia, deve sublinhar-se que a protecção concedida no âmbito da directiva não depende em caso algum desses comportamentos, mas aplica-se também quando o conflito é o resultado fortuito da ignorância e de boa fé absoluta.

30 As circunstâncias relevantes são, assim, aquelas em que um sinal e uma marca registada, ou duas marcas registadas, são usadas para produtos ou serviços idênticos de modo que a directiva permite ao titular da marca (mais antiga) exercer os seus direitos sem ter de provar a existência no espírito do público de qualquer risco de confusão. Nestas condições, o que é que é necessário para demonstrar que a marca e o sinal, ou as duas marcas, são idênticas, e não meramente similares?

O significado do termo «idêntico»

31 Os princípios parecem claros.

32 Todas as partes que apresentaram observações, com excepção da LTJ Diffusion, defenderam uma interpretação estrita do termo «idêntico» no contexto em questão e eu concordo. Como a Comissão sublinhou em especial, seria muito difícil conciliar uma interpretação ampla com os significados que o dicionário dá desta palavra, em qualquer língua, que sublinham o carácter exactamente igual das coisas comparadas. Talvez mais importante, só uma interpretação estrita parece estar em conformidade com a economia, a génese e o contexto das disposições em causa.

33 Os artigos 4._, n._ 1, alínea a), e 5._, n._ 1, alínea a), da directiva conferem incondicionalmente direitos aos titulares de marcas quando os elementos pertinentes sejam idênticos; os artigos 4._, n._ 1, alínea b), e 5._, n._ 1, alínea b) conferem direitos que dependem da existência de um risco de confusão quando alguns elementos forem simplesmente similares. Resulta claramente do décimo considerando do preâmbulo que a protecção conferida pela marca vai no sentido de ser absoluta em caso de identidade, mas que, em caso de similitude, o risco de confusão é a condição específica para intervir a protecção. Essa protecção incondicional e absoluta - que, como sublinha a Comissão, deixa aos órgãos jurisdicionais nacionais uma pequena, ou mesmo nenhuma margem de apreciação - não deve evidentemente ultrapassar as situações para as quais foi prevista se se pretender alcançar o objectivo de assegurar a liberdade do comércio e uma concorrência não falseada no mercado interno (12).

34 Como o Governo francês sublinhou na audiência, a proposta inicial de directiva (13) feita pela Comissão não previa a protecção absoluta e incondicional em caso de identidade. Nessa proposta, o preâmbulo enunciava que «a protecção conferida pela marca está ligada aos conceitos de similitude dos sinais, de similitude dos produtos ou dos serviços e ao risco de confusão daí resultante». Os direitos conferidos ao titular nos termos do artigo 3._, n._ 1, aplicavam-se quando as marcas e os sinais, e os produtos ou os serviços, eram idênticos ou similares e quando existia, no espírito do público, «um sério risco de confusão». Foi em 1985 que a proposta alterada (14) suprimiu a condição da existência de um risco de confusão em caso de identidade seguindo, nomeadamente, o parecer do Comité Económico e Social (15) que tinha sublinhado: «a proibição de utilização de uma marca idêntica não deve depender da prova da existência de um risco de confusão [...]. No que diz respeito a sinais similares, no interesse de todos os operadores económicos, há que limitar o risco de confusão na vida comercial [...]» (16).

35 Além disso, a Comissão e o Governo do Reino Unido referiram-se ambos ao artigo 16._, n._ 1, do «TRIPs Agreement» (Acordo relativo aos direitos de propriedade intelectual relacionados com comércio) (17), que vincula a Comunidade e dispõe: «em caso de uso de um sinal idêntico para produtos ou serviços idênticos, presume-se que existe um risco de confusão».

36 Tais considerações apenas confirmam uma conclusão imposta pela lógica.

37 Quando é feito uso na vida comercial de sinais ou de marcas rigorosamente idênticos para produtos ou serviços idênticos, é difícil, mesmo impossível, imaginar circunstâncias em que todos os riscos de confusão podem ser excluídos. Nesses casos, seria ao mesmo tempo supérfluo e exagerado exigir a prova desse risco.

38 Contudo, quando existe similitude e não identidade, é razoável limitar os direitos do titular da marca aos casos em que possa provar-se a existência de um risco de confusão, uma vez que, na sua ausência, o seu exercício constituiria uma restrição à liberdade de comércio e à concorrência que não poderia ser justificada pelo objectivo fundamental do direito sobre as marcas de garantir que uma determinada marca designe sem equívoco uma determinada proveniência (18).

39 Assim, considero que a protecção que as disposições pertinentes concedem aos titulares de marcas é principalmente fundamentada na existência de um risco de confusão, cuja prova é supérflua quando duas marcas (ou a marca e o sinal) e os produtos abrangidos não forem simplesmente similares, mas idênticos. Os artigos 4._, n._ 1, alínea a), e 5._, n._ 1, alínea a), da directiva só devem aplicar-se nesses casos, uma vez que a existência de um risco de confusão pode presumir-se sem mais indagações.

40 Mas deste modo não se traçou a fronteira entre a similitude e a identidade.

41 Evidentemente, a identidade absoluta em todos os detalhes é abrangida pelos artigos 4._, n._ 1, alínea a), e 5._, n._ 1, alínea a). E, em princípio, qualquer diferença pressupõe necessariamente uma perda de identidade, independentemente de ser um aditamento, omissão ou alteração de algum elemento.

42 No entanto, foi correctamente sublinhado nas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que pode haver ligeiras diferenças entre as marcas embora as duas marcas não sejam rigorosamente idênticas mas difíceis de distinguir uma da outra.

43 Concordo com a ideia segundo a qual o conceito de identidade, embora deva ser interpretado estritamente, deve ter em conta o facto de que o risco de confusão não diminui e que a sua existência pode ser presumida, salvo se as diferenças entre as duas marcas, ou entre uma marca e um sinal, forem perceptíveis.

44 Então como aplicar estes conceitos? Como se pode definir a fronteira entre o que é mínimo ou insignificante e o que é perceptível ou importante? A SADAS invocou um certo número de decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais franceses em que essa fronteira parece ter sido alargada de modo inaceitável; para citar apenas um exemplo, parece que a expressão «belle à craquer» foi considerada como infringindo a marca «elle» porque reproduzia esta última na sua totalidade (19).

45 Todavia, ao citar um certo número de exemplos ingleses e escoceses para ilustrar a sua opinião, o Reino Unido advertiu o Tribunal de Justiça sobre as consequências imprevistas que um acórdão poderia ter em circunstâncias de facto diferentes. Referiu de modo geral a dificuldade em impor a priori uma regra detalhada, que distinguisse sempre de modo apropriado o importante do insignificante, e, em especial, a possibilidade de utilizar denominações que imitam manifestamente tais como «Imitation X» (sendo «X» uma marca protegida). Nesses casos, a prova do risco de confusão pode ser mais problemática - questão abordada na legislação francesa, mas que não está em causa no caso em apreço (20). Por conseguinte, preconizo a adopção de uma solução geral que permita ao órgão jurisdicional nacional decidir correctamente o presente caso, mas que não deva fazer um julgamento prévio de outros processos diferentes e que possa posteriormente ser precisada. Na audiência, a Comissão adoptou uma solução semelhante.

46 Tendo em conta todos os pontos suscitados, sou de opinião de que o Tribunal de Justiça deveria, no que diz respeito à identidade, seguir a via traçada em matéria de similitude, em especial, pelos acórdãos SABEL (21) e Lloyd (22), fundamentando-se na necessidade de proceder a uma avaliação global das características visuais, auditivas (e mesmo das características sensoriais ou organolépticas na larga acepção dada pelos novos tipos possíveis de marcas tal como as marcas olfactivas) ou conceptuais das marcas ou sinais em causa, bem como sobre a impressão de conjunto por elas criado, em especial, pelos seus elementos distintivos e dominantes, no espírito do consumidor médio, considerando-se esse consumidor ser normalmente informado, observador e prudente, embora frequentemente seja guiado por uma imagem imperfeita de uma marca que guardou na memória. Esta circunstância não significa que o conceito de identidade seja diluído, mas que deve ser apreciado segundo este critério.

47 Assim, uma marca e um sinal, ou duas marcas, serão sempre idênticas quando, à luz desta apreciação, todas as diferenças forem ínfimas e totalmente insignificantes, de tal modo que o consumidor médio não detecta qualquer diferença perceptível entre as duas; de outro modo, podem ser consideradas no máximo similares.

48 Não é necessário ou apropriado no caso em apreço dar uma opinião definitiva sobre o tratamento que deve ser dado, a este respeito, a um sinal tal como «Imitation X», em que o elemento «X» isoladamente pode ser idêntico a uma marca anterior, ao passo que «Imitation X» não o é. Nesses casos, como já disse, poderia ser difícil demonstrar a existência de um risco de confusão no espírito do público dada a negação manifesta de identidade com o elemento «X». O artigo 5._, n._ 1, alínea b), da directiva podia, assim, não ser aplicado e, se esse caso escapar também ao artigo 5._, n._ 1, alínea a), parece difícil impedir o que parece constituir um abuso flagrante. Todavia, pode acontecer que o consumidor médio entenda uma denominação como «Imitation X» não como um sinal autónomo, mas como a marca «X» acompanhada de um elemento estranho.

49 Por conseguinte, o órgão jurisdicional nacional deve em primeiro lugar definir o que o consumidor médio, normalmente informado, observador e prudente entende como sendo as marcas em causa, ou como a marca e o sinal em causa, depois fazer a avaliação global descrita supra a fim de determinar se são susceptíveis de ser consideradas idênticas ou simplesmente similares. No primeiro caso, os direitos do titular da marca são automaticamente aplicados ao passo que, no segundo caso, será necessário examinar em seguida se existe um risco de confusão.

50 Não compete ao Tribunal de Justiça aplicar esta solução aos factos do caso em apreço no processo principal, uma vez que a apreciação em causa pode exigir um conhecimento específico das circunstâncias nacionais. No entanto, sugiro que a reprodução da marca «Arthur» da LTJ Diffusion com o mesmo grafismo característico, mas sem o sublinhado sob o «A», pode ser entendida pelo consumidor médio como idêntica à original (sendo a alteração mínima e totalmente insignificante), ao passo que a utilização de um grafismo sensivelmente diferente e/ou o aditamento de um outro vocábulo pode ser considerado simplesmente similar (tais alterações, pelo menos vistas no seu conjunto, parecem ser importantes).

51 Esta solução - que parece ser igualmente a defendida por todas as partes que apresentaram observações no caso em apreço, com excepção da LTJ Diffusion - não é excessivamente restritiva dos direitos do titular da marca. Mesmo quando a relação entre as marcas, ou entre uma marca e um sinal, não seja abrangida por esta definição relativamente estrita da identidade, ser-lhe-á sempre possível exercer os seus direitos demonstrando a existência de um risco de confusão. E se nenhum risco dessa natureza existir, não terá normalmente qualquer razão que lhe permita impedir o registo ou o uso do sinal controvertido (23).

52 Neste contexto, não fico convencido pelos argumentos da LTJ Diffusion segundo os quais a interpretação mais ampla que propõe concederia às empresas mais pequenas uma maior protecção perante «o imperialismo» de sociedades mais importantes. Pelo contrário, pode pressupor-se que a possibilidade de uma protecção incondicional que ultrapassasse os casos de identidade seja explorada pelas empresas que têm maior poder económico. A este propósito, como salientei nas conclusões apresentadas no processo Procter & Gamble (24), um juiz inglês sublinhou um dia que «os comerciantes abastados são, habitualmente, grandes entusiastas da clausura de parte do bem comum que é a língua inglesa e da exclusão do público em geral, actual e futuro, do acesso a essa clausura» (25).

Conclusão

53 À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão apresentada pelo tribunal de grande instance de Paris da seguinte forma:

«O conceito de identidade entre uma marca e um sinal, que figura no artigo 5._, n._ 1, alínea a), da Directiva 89/104/CEE do Conselho, abrange a reprodução idêntica, sem aditamentos, omissões ou modificações, a não ser que sejam mínimos ou totalmente insignificantes.

Para decidir estes casos, o órgão jurisdicional nacional deve em primeiro lugar definir que percepção tem o consumidor médio, normalmente informado, observador e prudente da marca e sinal em causa, e depois apreciar globalmente as características visuais, auditivas, sensoriais ou conceptuais da marca e do sinal em causa, bem como a impressão de conjunto por elas produzida, em especial, pelos seus elementos distintivos e dominantes, a fim de determinar se a marca e o sinal são entendidos por esse consumidor como idênticos, no sentido de que todas as diferenças, quaisquer que sejam, são mínimas ou totalmente insignificantes, ou se, pelo contrário, são entendidos como similares, quando as diferenças sejam maiores.»

(1) - Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1, a seguir «directiva»).

(2) - Regulamento (CE) n._ 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1, a seguir «regulamento»).

(3) - Journal officiel de la République française, 6 de Janeiro de 1991, p. 316; v. artigo 15._, n.os I e II.

(4) - V. o Acordo de Nice relativo à classificação internacional de produtos e serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto em Estocolmo em 14 de Julho de 1967, e em Genebra em 13 de Maio de 1977, e alterado em 28 de Setembro de 1979.

(5) - Decisões de 25 de Julho de 2001 no processo R 1196/2000-1, LTJ Diffusion/Moorbrook Textiles, e de 3 de Outubro de 2001 no processo R 433/2000-1, Marc Brown/LTJ Diffusion.

(6) - Resulta do que foi referido na audiência que, quando a denominação «Arthur e Félicie» foi registada como marca francesa em 1993, a LTJ Diffusion não dispunha de qualquer processo para se opor ao registo.

(7) - Os juristas franceses fazem referência aos conceitos de «contrefaçon parcielle» (contrafacção parcial) e «adjonction inopérante» (aditamento inoperante). A origem destes dois conceitos, tanto na doutrina como na jurisprudência, é anterior à transposição da directiva para o direito francês.

(8) - V., por exemplo, no que diz respeito especificamente à directiva, o acórdão de 16 de Julho de 1998, Silhouette International Schmied (C-355/96, Colect., p. I-4799, n._ 36).

(9) - V., em especial, o terceiro considerando do preâmbulo da directiva.

(10) - V., como exemplo mais recente, o acórdão de 20 de Novembro de 2001, Davidoff e Levi Strauss (C-414/99 a C-416/99, n._ 39).

(11) - Artigo 8._, n._ 2, alínea a), ii), do regulamento; o inverso - ou seja, que o registo como marca nacional deve ser recusado se houver conflito com uma marca comunitária anterior - decorre evidentemente do artigo 4._, n._ 1, da directiva.

(12) - V. o primeiro considerando da directiva.

(13) - JO 1980, C 351, p. 1.

(14) - JO 1985, C 351, p. 4.

(15) - JO 1981, C 310, p. 22.

(16) - Ponto 4; sublinhado no original.

(17) - Previsto no anexo 1 C do acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (a seguir «Acordo OMC»), aprovado em nome da Comunidade, no que diz respeito às matérias que são da sua competência, pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 336, p. 1).

(18) - Para uma exposição mais completa deste objectivo, v., por exemplo, o acórdão de 17 de Outubro de 1990, HAG GF («HAG II») (C-10/89, Colect., p. I-3711, n.os 13 e 14).

(19) - Embora, segundo a exposição do Governo francês na audiência, esta jurisprudência tenha tido uma mudança devido a uma interpretação mais estrita do conceito de identidade.

(20) - Referi-me a esta questão, em circunstâncias um pouco diferentes, no n._ 56 das minhas conclusões apresentadas em 20 de Setembro de 2001, no processo C-2/00, Hölterhoff, ao referir-me à frase final do artigo 6._, n._ 1, da directiva, e ao artigo 3._-A, n._ 1, alínea h), da Directiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, relativa à aproximação das legislações legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17), na redacção que lhe foi dada pela Directiva 97/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Outubro de 1997, que altera a Directiva 84/450/CEE relativa à publicidade enganosa a fim de aí incluir a publicidade comparativa (JO L 290, p. 18).

(21) - Acórdão de 11 de Novembro de 1997, SABEL (C-251/95, Colect., p. I-6191, n.os 22 e 23).

(22) - Acórdão de 26 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer (C-342/97, Colect., p. I-3819, n.os 18, 25 e 26).

(23) - Mesmo neste caso, as marcas que gozam de uma certa reputação no Estado-Membro em causa podem dispor de uma maior protecção nos termos dos artigos 4._, n._ 4, alínea a), ou 5._, n._ 2, da directiva.

(24) - N._ 77 das conclusões proferidas em 5 de Abril de 2001 no processo C-383/99 P, cujo acórdão foi proferido em 20 de Setembro de 2001.

(25) - «Perfection»: Joseph Crosfield & Sons Aplication, 1909, 26 RPC pp. 837 a 854, Court of Appeal, por Cozens-Hardy, Master of the Rolls.