CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

L. A. GEELHOED

apresentadas em 3 de Junho de 2003 ( 1 )

I — Introdução

1.

Nesta acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, a Comissão solicita ao Tribunal de Justiça que declare que a República Italiana, ao manter, no seu ordenamento jurídico nacional, o artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428, de 29 de Dezembro de 1990, que, tal como efectivamente aplicado e interpretado pelos órgãos jurisdicionais, admite para efeitos do reembolso de imposições cobradas com violação do direito comunitário um regime de prova que torna o exercício do direito ao reembolso das referidas imposições impossível ou, pelo menos, excessivamente difícil para o contribuinte, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE. Em seu entender, esta prática contraria os princípios jurídicos desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça em matéria de repetição do indevido.

2.

Desta questão decorre uma outra, ainda mais importante, que é a das consequências que importa atribuir a uma jurisprudência nacional que não respeita as disposições do direito comunitário primário e derivado, como interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

3.

Cumpre-nos sublinhar que esta problemática também surge em dois outros processos actualmente pendentes no Tribunal de Justiça, ainda que sob perspectiva diferente. Trata-se dos processos Kühne & Hertz ( 2 ) e Kobler ( 3 ). No primeiro destes processos, o órgão jurisdicional de reenvio perguntou se um organismo administrativo nacional é obrigado a revogar uma decisão que foi confirmada judicialmente e que adquiriu força de caso julgado, após se ter revelado, em acórdão ulterior do Tribunal de Justiça, que essas decisões se baseiam numa interpretação errónea do direito comunitário. O segundo processo é relativo à questão de saber se um Estado-Membro é responsável pelo prejuízo causado a um sujeito de direito na sequência de uma decisão do órgão jurisdicional nacional supremo contrária ao direito comunitário. O caso em apreço é relativo à questão de saber se uma prática jurisdicional nacional contrária ao direito comunitário permite a declaração de que um Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE, na acepção do artigo 226.° CE.

II — A legislação italiana em causa

4.

A Lei n.° 428/1990, de 29 de Dezembro de 1990, relativa às disposições com vista à aplicação das obrigações decorrentes do facto de a Itália pertencer às Comunidades Europeias (lei comunitária para o ano de 1990, GURI n.° 10, de 12 de Janeiro de 1991), entrou em vigor em 27 de Janeiro de 1991.

5.

O artigo 29.° da Lei n.° 428/1990 institui regras em matéria de «restituição de imposições consideradas incompatíveis com as normas comunitárias». Os n.os 1 e 2 estão redigidos da seguinte forma:

«1.

O prazo de caducidade de cinco anos previsto no artigo 91.° do texto unificado das disposições legislativas em matéria aduaneira, aprovado pelo Decreto n.° 43 do Presidente da República, de 23 de Janeiro de 1973, deve entender-se aplicável a todos os pedidos e acções que têm por objecto a restituição de quantias pagas em conexão com operações aduaneiras. A partir do nonagésimo dia subsequente à entrada em vigor da presente lei, o referido prazo e o prazo de caducidade previsto no artigo 84.° do mesmo texto unificado são reduzidos para três anos.

2.

Devolver-se-ão os direitos aduaneiros de importação, os impostos de fabrico, os impostos sobre o consumo, a imposição sobre o açúcar e as imposições estatais cobradas em conformidade com disposições nacionais incompatíveis com normas comunitárias, a não ser que o encargo correspondente tenha sido repercutido sobre outros sujeitos.

[...]»

III — Antecedentes do litígio

6.

O regime do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 substituiu o artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 430, de 10 de Julho de 1982 ( 4 ):

«Quem tenha indevidamente pago direitos aduaneiros na importação, impostos de fabrico, impostos sobre o consumo ou direitos de Estado, [...] não tem direito ao reembolso das somas pagas, salvo em caso de erro manifesto, quando o encargo correspondente tenha sido repercutido, independentemente da forma, noutras pessoas.

Salvo prova em contrário, presume-se que houve repercussão do encargo sempre que as mercadorias relativamente às quais se processou o pagamento foram cedidas, mesmo após terem sido objecto de complementos de fabrico, de transformação, montagem ou adaptação.

[...]»

7.

Esta disposição foi objecto de dois acórdãos do Tribunal de Justiça nos anos 80. No seu acórdão San Giorgio, o Tribunal de Justiça declarou que um Estado-Membro não podia fazer depender o reembolso de imposições nacionais cobradas em violação das disposições de direito comunitário à prova de essas imposições não terem sido repercutidas noutras pessoas se essa prova tiver de ser efectuada de acordo com regras que tornam na prática impossível ou excessivamente difícil o exercício desse direito ( 5 ). Após o acórdão San Giorgio, a Comissão intentou uma acção de incumprimento contra a República Italiana que esteve na origem do acórdão de 24 de Março de 1988 ( 6 ). As acusações da Comissão incidiram fundamentalmente sobre a exigência de uma prova exclusivamente documental para provar que os direitos e imposições nacionais indevidamente liquidados não tinham sido repercutidos noutros sujeitos. O Tribunal de Justiça declarou que as modalidades de prova em causa eram incompatíveis com o direito comunitário.

8.

O artigo 29.° da Lei n.° 428/1990 também já foi alvo de jurisprudência comunitária. Foram submetidas questões prejudiciais relativas ao artigo 29.°, n.os 1 e 2, que estiveram na origem dos acórdãos Aprile ( 7 ), Dilexport ( 8 ) e Grundig Italiana ( 9 ). Estes três acórdãos são relativos ao prazo de caducidade indicado no artigo 29.°, n.° 1.

9.

O acórdão Dilexport é de particular importância para a aplicação do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990, que está no âmago da presente acção por incumprimento. Após ter observado que o Governo italiano e o órgão jurisdicional nacional se opõem a respeito da interpretação que os órgãos jurisdicionais italianos fazem dessa disposição, o Tribunal de Justiça considerou o seguinte no que respeita à repartição do ónus de prova:

«52.

Se, como considera o órgão jurisdicional nacional, existe uma presunção de repercussão sobre terceiros dos direitos e imposições ilegalmente reclamados ou indevidamente cobrados, e se impuser ao requerente o ónus de ilidir esta presunção para obter o reembolso da imposição, deve considerar-se que as disposições em questão são contrárias ao direito comunitário.

53.

Se, pelo contrário, tal como sustenta o Governo italiano, competir à administração demonstrar, por todos os meios de prova geralmente admitidos pelo direito nacional, que a imposição foi repercutida sobre outras pessoas, deverá considerar-se que as disposições em questão não são contrárias ao direito comunitário.»

O Tribunal de Justiça chegou à conclusão de que o direito comunitário se opõe a que um Estado-Membro submeta o reembolso de direitos aduaneiros e de imposições contrários ao direito comunitário a uma condição, tal como a ausência de repercussão destes direitos ou imposições sobre terceiros, cabendo ao recorrente fazer a prova de que esta condição está preenchida.

IV — Tramitação processual

10.

A Comissão formulou um parecer fundamentado em 17 de Setembro de 1996. Em 4 de Abril de 2000, intentou uma acção no Tribunal de Justiça.

11.

A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

a)

declarar que a República Italiana, ao manter em vigor no seu ordenamento jurídico o artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428, de 29 de Dezembro de 1990, que, tal como interpretado e aplicado em sede administrativa e judicial, impõe um regime probatório da repercussão dos impostos cobrados em violação das normas comunitárias que torna o exercício do direito ao reembolso destes impostos praticamente impossível ou, pelo menos, excessivamente difícil para o contribuinte e como tal incompatível com os princípios jurídicos enunciados pelo Tribunal de Justiça em matéria da repetição do indevido, não cumpriu as obrigações que lhe impõe o Tratado CE,

b)

condenar a República Italiana nas despesas da instância.

12.

A República Italiana conclui pedindo que o Tribunal se digne julgar o pedido improcedente e condenar a Comissão nas despesas.

13.

Em 2 de Abril de 2003 teve lugar uma audiencia. A pedido do Tribunal de Justiça, as partes analisaram a questão de saber em que medida a Comissão pode intentar uma acção por incumprimento com base em decisões de órgãos jurisdicionais nacionais. Nessa audiência, o Governo italiano suscitou uma questão prévia de admissibilidade.

V — Fundamentos e principais argumentos

A — Acusações da Comissão

14.

A Comissão contesta a forma como o artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 foi interpretado na jurisprudência nacional e aplicado pela administração fiscal. Essa prática jurídica não estaria em conformidade com a jurisprudência que o Tribunal de Justiça consagrou às condições em que um Estado-Membro se pode recusar a reembolsar ao contribuinte as imposições cobradas em violação do direito comunitário.

15.

A Comissão refere-se, designadamente, à jurisprudência em que o Tribunal de Justiça declarou que as modalidades de prova cujo efeito seja tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil a obtenção do reembolso da imposição em causa são incompatíveis com o direito comunitário ( 10 ). É o que se verifica, designadamente, no que respeita à presunção de que a imposição foi repercutida sobre terceiros, cabendo ao contribuinte demonstrar não se ter verificado essa repercussão. O direito comunitário opõe-se a que um Estado-Membro submeta o reembolso de direitos aduaneiros e de imposições contrários ao direito comunitário a uma condição, tal como a ausência de repercussão destes direitos ou imposições sobre terceiros, cabendo ao recorrente fazer a prova de que esta condição está preenchida ( 11 ). Remete igualmente para o acórdão Comateb e o., em que o Tribunal de Justiça declarou que o problema da existencia ou não de repercussão de cada imposição indirecta constitui questão de facto da competência do juiz nacional, que goza de liberdade na apreciação das provas. O Tribunal de Justiça acrescentou que, todavia, não se podia admitir que, no caso das imposições indirectas, exista uma presunção de repercussão, cabendo ao contribuinte fazer a prova do contrário ( 12 ).

16.

Relativamente à aplicação do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990, é em princípio à administração que cabe o ónus da prova e que deve demonstrar que o particular repercutiu a imposição em causa sobre terceiros. Contudo, a jurisprudência italiana admitia que a prova que a administração deve fazer, ao abrigo do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990, para demonstrar que o particular repercutiu a imposição em causa sobre terceiros se baseasse numa «presunção simples» ( 13 ), o que torna a tarefa da administração consideravelmente menos complicada. Este sistema de prova por presunção implicou, na prática, uma inversão do ónus da prova.

17.

A forma como a lei italiana é, em concreto, interpretada pelas autoridades jurisdicionais italianas (em especial, pela Corte suprema di cassazione) e aplicada pela administração fiscal italiana conduz a que o contribuinte tenha de fazer a prova, em contrário e negativa, de que não repercutiu sobre os seus clientes a imposição ilegal, o que torna excessivamente difícil, ou mesmo impossível, a obtenção do reembolso da referida imposição. A partir da entrada em vigor da Lei n.° 428/1990, a administração italiana conseguiu sistematicamente opor-se a todos os pedidos de reembolso baseados na ilegalidade, por referência ao direito comunitário, de direitos ou outros encargos cobrados por ocasião de operações aduaneiras ou de impostos sobre o consumo ( 14 ). Isto está em conflito manifesto com a jurisprudência do Tribunal de Justiça invocada pela Comissão.

18.

A Comissão divide a jurisprudência da Corte suprema di cassazione relativa à interpretação e aplicação do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 em dois grupos.

19.

No primeiro grupo de acórdãos, a presunção baseia-se na convicção do juiz, possuindo assim as características de um postulado (afirmação que se aceita sem prova). A Comissão interpreta esta técnica utilizada pela Corte suprema di cassazione no sentido de já não se tratar verdadeiramente de uma presunção simples, mas de uma presunção legal fundada num facto notório — ou seja, que as imposições são repercutidas nos clientes — pelo que o ónus da prova incumbe sistematicamente ao contribuinte.

20.

No seu acórdão n.° 2844, de 29 de Março de 1996, a Corte suprema di cassazione baseia a presunção de que o importador, através do preço de venda das mercadorias, repercutiu as imposições no consumidor nos elementos seguintes:

«a)

o importador não era um particular, mas uma sociedade comercial ou industrial;

b)

a empresa possuía uma gestão normal, não se encontrando numa situação de gestão deficitária ou insolvente que permitisse colocar a hipótese de venda a um preço inferior ao do custo;

c)

a imposição indevida fora cobrada por todas as alfândegas italianas, o que não podia deixar de ter criado um clima de confiança quanto à legalidade da imposição;

d)

isto verificara-se durante muito tempo e sem qualquer contestação».

21.

No seu acórdão n.° 9797, de 18 de Novembro de 1998, a Corte suprema di cassazione considera que a repercussão das imposições é um facto económico normal, ou seja, um facto notório que não necessita de prova.

22.

No segundo grupo de acórdãos, a presunção está associada a uma regra de instrução. Essas decisões impõem à administração que apresente um determinado número de elementos de prova necessários. Fica assim dispensada no que respeita ao ónus da prova restante, e é ao interessado que cabe apresentar determinados documentos contabilísticos. Se o contribuinte não estiver em condições de o fazer, daí se infere que as imposições em causa foram repercutidas. Esta «prova em contrário negativa» está previstas no artigo 116.° do Código de Processo Civil.

23.

É muitas vezes impossível ou extremamente difícil aos comerciantes apresentarem os documentos em causa devido à expiração do prazo legal mínimo de conservação de dez anos (artigo 2220.° do Código de Processo Civil italiano). Dada a duração dos processos de reembolso, a conservação dos documentos para além de dez anos representaria um encargo excessivo, designadamente devido aos elevados custos de conservação. Tratava-se de um mais entrave ao reembolso.

24.

A Comissão invoca uma série de decisões de juízes encarregados de apreciar o mérito da causa em apoio dos elementos que precedem. Refere, em especial, uma decisão do Tribunale civile di Genova de 12 de Abril de 1995, em que este considerou que, embora o ónus da prova da repercussão caiba em princípio à administração fiscal, também é possível proceder por presunção simples com base em factos conhecidos relativos a essa repercussão, mesmo que apenas em termos de probabilidade razoável. Segundo esse tribunal, o facto de a repercussão constituir um «fenómeno tendencial» também pode resultar de outros factores. A esse respeito, o Tribunale menciona os quatro elementos, que acabámos de referir ( 15 ) e que a Corte suprema di cassazione acolheu como critérios. Esses factores justificavam a presunção de que a imposição foi incorporada no preço de venda e, portanto, é suportada pelo consumidor final. Tratava-se de uma presunção simples que permite provar o facto desconhecido, constituído pela repercussão do encargo que a imposição representa. Todavia, a possibilidade de fazer prova do contrário subsiste, embora o ónus da prova incumba então ao importador e não à administração fiscal.

25.

Segundo a Comissão, esta tendência jurisprudencial é ainda actual (em 2000) e nada indica que a ela será posto cobro.

26.

Acrescenta que a fundamentação adoptada conduz a resultados ilógicos. Partia-se da ideia de que as empresas, de um modo geral, repercutem as imposições indirectas. Esta premissa baseia-se na natureza de empresa comercial do contribuinte, na não insolvência e no facto de a imposição ter sido cobrada pela administração durante um período determinado de forma geral e regular. Todavia, nenhum destes factos poderia justificar a presunção em causa. Uma empresa que não repercute as imposições sobre terceiros contenta-se com lucros menores mas não depara, forçosamente, com dificuldades. Deduzir da não insolvência a realidade de uma repercussão é arbitrário, tanto do ponto de vista lógico como jurídico. Em seu entender, uma concepção moderna do mercado torna de qualquer modo difícil que se proceda a uma estrita inferência lógica entre aumento dos preços e repercussão da imposição.

27.

A Comissão alega, em seguida, que não são só os órgãos jurisdicionais italianos que levantam dificuldades de toda a ordem ao contribuinte que pretenda recuperar essas imposições indevidamente pagas, mas também a administração italiana. Invoca, a este respeito, duas circulares do Ministério das Finanças, de 11 de Março de 1994 e de 12 de Abril de 1995. Delas decorre que os serviços fiscais e aduaneiros devem exigir uma cópia da contabilidade do contribuinte, pelo que o reembolso da imposição é manifestamente função das formalidades administrativas executadas para efeitos das necessidades dos serviços fiscais. Estas duas circulares indicam, em substância, que se considera que houve repercussão da imposição sobre terceiros sempre que não tenha sido inscrita no balanço (enquanto pagamento indevido) do ano em que foi paga à administração fiscal. A não inscrição nessa rubrica demonstrava que a empresa considera esses encargos como despesas normais, pelo que teriam sido necessariamente repercutidas.

28.

A aplicação e interpretação do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 pela jurisprudência e pela administração italianas conduziria, em consequência, ao mesmo resultado que o antigo artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 688 de 1982 ( 16 ), fazendo pesar apenas sobre o comerciante que solicita o reembolso o ónus de provar que não houve repercussão.

29.

A Comissão sublinha que, em todos os acórdãos da Corte suprema di cassazione que confirmam as decisões dos tribunais italianos, foi adoptada a interpretação descrita pela Comissão. Sempre que os tribunais adoptaram uma posição correcta no que respeita ao ónus da prova, a Corte suprema di cassazione anulou as respectivas decisões.

30.

Na sua réplica, todavia, a Comissão reconheceu que a sua afirmação inicial, em que fazia referência a uma recusa sistemática em restituir as imposições indevidamente pagas, era demasiado absoluta. Em alguns casos, o montante foi efectivamente restituído ao particular. As estatísticas apresentadas pelo Governo italiano ( 17 ) apenas incluem, indubitavelmente, montantes limitados comparativamente ao número de processos submetidos aos tribunais. Além disso, os reembolsos só se verificaram em favor de grandes empresas que dispõem de meios para intentarem acções em justiça. De qualquer modo, foi apenas num número modesto de casos que se procedeu ao reembolso das imposições irregularmente cobradas. Segundo a Comissão, dos próprios documentos do Governo italiano resulta que a administração fiscal nunca reembolsou as imposições em causa amigavelmente. Além disso, na enumeração de decisões que invocou em sua defesa na contestação, o Governo italiano não esclareceu se se tratava de decisões com força de caso julgado ou se houvera recurso.

31.

De resto, no entender da Comissão, uma avaliação quantitativa precisa das estatísticas em nada diminuiria o alcance da sua argumentação.

32.

Por último — mas igualmente por mera cautela — a Comissão refere ainda dois aspectos. Em primeiro lugar, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o exercício dos direitos garantidos pelo Tratado CE não podia ser dificultado por proibições de carácter geral justificadas pela luta contra o abuso de direito. Em segundo lugar, a Comissão invoca duas decisões do Conselho ( 18 ) baseadas na Sexta Directiva IVA, das quais resulta que o legislador comunitario considera que o ónus de provar a existencia de comportamentos incorrectos do contribuinte incumbe à administração fiscal e que esta não pode contentar-se em recorrer a simples presunções.

B — A defesa do Governo italiano

33.

O Governo italiano observa que o presente processo tem a sua origem na crítica de que o exercício do direito ao reembolso, ao abrigo do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990, é na prática excessivamente difícil, ou mesmo impossível.

34.

A título principal, contesta o argumento da Comissão segundo o qual a administração italiana se opõe sistematicamente aos pedidos de reembolso. Esta afirmação era incorrecta e o Governo italiano fundamenta essa perspectiva apresentando números demonstrativos do nível dos reembolsos, que já teriam sido comunicados à Comissão durante o procedimento pré-contencioso. Segundo esses números, a administração italiana já havia reembolsado, ao abrigo do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990, sem contabilizar os juros e as despesas, mais de 120 milhares de milhões de ITL entre 1992 e 2000.

35.

A título subsidiário, alega que os argumentos que a Comissão retira da prática jurisdicional e administrativa em matéria de prova da repercussão na acepção do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990, de modo algum são convincentes.

36.

Observa, em primeiro lugar, que a Comissão não contesta que a letra do artigo 29.°, n.° 2, é, em si mesmo, compatível com o direito comunitário. Esta disposição não estabelece nenhuma presunção legal. É, pelo contrário, à administração que cabe provar a repercussão.

37.

O Governo italiano não pretende, pelo menos de momento, comentar a jurisprudência da Corte suprema di cassazione invocada pela Comissão. Todavia, recorda que não é a esta, mas ao juiz que conhece do mérito da causa, que cabe in fine proceder à repartição do ónus da prova. Isto estaria igualmente em conformidade com a jurisprudência comunitária ( 19 ). A prova por presunção faz parte dos meios de prova que o juiz a quem cabe conhecer do mérito da causa pode examinar e tomar em consideração na sua apreciação.

38.

A única forma de a administração encontrar a prova da repercussão consiste em examinar, ou mandar examinar, a contabilidade do contribuinte. Segundo o Governo italiano, o argumento da Comissão segundo o qual da falta de comunicação dos elementos contabilísticos, que o contribuinte justifica através da expiração do prazo legal de conservação obrigatório, o juiz a quem cabe conhecer do mérito da causa pode extrair argumentos em favor da administração com base no artigo 116.° do Código de Processo Civil, segundo o Governo italiano, é erróneo ( 20 ).

39.

Os dois acordaos do Tribunale di Genova citados pela Comissão na sua petição não reflectem a perspectiva de inúmeros juízos de mérito. Existem inúmeras decisões em sentido inverso e que impõem à administração o reembolso dos montantes indevidamente pagos. Nesses processos, não se levanta o problema de uma presunção de repercussão, nem legal nem baseada num facto notório. Apurou-se em concreto, nessas decisões, que a administração não conseguiu provar que o particular tinha repercutido o encargo fiscal. O Governo italiano invoca 17 decisões em apoio da sua afirmação. Entre estas figura um acórdão da Corte d'appello di Genova, que julga improcedente o recurso da administração por esta não ter conseguido provar a repercussão do encargo fiscal, sem qualquer referência a presunções ou à consequente inversão do ónus da prova.

40.

Do ponto de vista do Governo italiano, a jurisprudência orienta-se numa direcção absolutamente contrária à sugerida pela Comissão na sua petição. Isto é confirmado pela importância dos reembolsos efectivos, já indicados, pela administração.

41.

O artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 é portanto compatível, segundo o Governo italiano, com o direito comunitário e impõe à administração o dever de provar que o contribuinte que solicita o reembolso repercutiu sobre terceiros a imposição em causa. Para esse efeito, o único meio de que dispõe é a contabilidade do contribuinte. Das rubricas do activo do balanço (créditos) deve, designadamente, resultar que a imposição em causa foi repercutida. Quando os particulares não podem demonstrar, com base na sua contabilidade, que não houve repercussão, a administração só dispõe da via jurisdicional para fazer essa prova.

42.

É este igualmente o sentido das duas circulares ministeriais de 11 de Março de 1994 e de 12 de Abril de 1995. Contrariamente ao que afirma a Comissão, o comportamento a adoptar pela administração na matéria não é contrário ao direito comunitário. A lei subordina o direito ao reembolso a uma condição e a administração deve demonstrar que essa condição se encontra satisfeita antes de proceder ao reembolso da imposição.

43.

Por último, o Governo italiano admira-se que a Comissão remeta para as Decisões 96/432/CE e 98/23/CE. Com efeito, é certo que a repercussão pode ser demonstrada «por todos os meios de prova geralmente admitidos pelo direito nacional» e, portanto, em princípio através de presunções simples ( 21 ).

VT — Apreciação

44.

A Comissão alega, no caso em apreço, que, na sequência da aplicação na ordem jurídica italiana das regras relativas à prova normalmente aplicáveis, é difícil, ou mesmo impossível, para os contribuintes que pagaram imposições contrárias às obrigações comunitárias reaver os montantes indevidamente pagos. A Comissão afirma que a forma como essas regras são interpretadas e aplicadas, no mínimo, por uma parte considerável do poder judicial é incompatível com os princípios que o Tribunal de Justiça estabeleceu na sua jurisprudência sobre a matéria e que essa situação é imputável à República Italiana. Como referimos na introdução, isto suscita a questão prévia das condições em que uma jurisprudência nacional que conduz a resultados não conformes ao direito comunitário permite a declaração de que um Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado. É, antes de mais, de uma forma mais genérica que examinaremos esta questão para, em seguida, nos debruçarmos sobre a prática jurisdicional italiana em causa. Importa, a título prévio, analisar sucintamente a admissibilidade da acção.

A — Admissibilidade

45.

Na audiência, o Governo italiano contestou a admissibilidade da acção por incumprimento intentada pela Comissão. Em seu entender, decisões jurisdicionais (erróneas) em casos específicos não podiam servir de base a uma acção por incumprimento ao abrigo do artigo 226.° CE. Considera só ser possível intentar esse tipo de acção quando se trate de uma jurisprudência constante, uniforme e consolidada dos órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso e a que os outros órgãos jurisdicionais devam dar cumprimento. É o que se designa, em Itália, por «diritto vivente». Como a Comissão não conseguiu demonstrar a existência, na ordem jurídica italiana, de uma tal jurisprudência constante e uniforme («diritto vivente») no que respeita ao objecto do litígio, o Governo italiano considera que a acção por incumprimento que a Comissão intentou deve ser julgada inadmissível.

46.

Através desta posição, o Governo italiano parece pretender alegar que a Comissão não procedeu a uma delimitação suficiente do objecto do litígio ou modificou as acusações que fizera à República Italiana no parecer fundamentado. A este respeito, recordemos, em primeiro lugar, que a questão das condições em que uma jurisprudência nacional pode justificar a declaração de que um Estado-Membro não cumpriu as suas obrigações que decorrem do Tratado foi levantada pelo Tribunal de Justiça no quadro da preparação da audiência, pelo que não se verificou qualquer modificação das acusações por parte da Comissão. Todavia, independentemente disto, consideramos que esta questão respeita sobretudo à procedência da acção e não à delimitação do litígio. A posição da Comissão foi minuciosamente descrita tanto no parecer fundamentado como na petição, pelo que o Governo italiano estava mais do que em condições de preparar a sua defesa.

47.

Por conseguinte, não é possível acolher o argumento de inadmissibilidade que o Governo italiano suscitou a propósito da acção por incumprimento intentada pela Comissão.

B — Quanto ao mérito

1. Violação, pela jurisprudência nacional, das obrigações que decorrem do Tratado

a) O princípio

48.

Desde há longos anos que a possibilidade de a Comissão intentar uma acção por incumprimento contra um Estado-Membro na sequência de decisões jurisdicionais nacionais contrárias ao direito comunitário tem vindo a ser examinada pela doutrina, que, em princípio, lhe responde afirmativamente ( 22 ). Como a Comissão observou na audiência, o Parlamento Europeu já havia chamado a atenção para esta problemática em 1967. Até recentemente, todavia, o Tribunal de Justiça ainda não tinha tido a oportunidade de se exprimir explicitamente sobre esta questão, mas, como já se indicou, encontram-se aí actualmente pendentes três processos, que suscitam de diversas formas a questão das consequências de uma jurisprudência nacional contrária ao direito comunitário.

49.

Nas conclusões que recentemente apresentou num desses processos, Kobler ( 23 ), o advogado-geral P. Léger analisou esta matéria detalhadamente. Embora esse processo diga respeito à questão próxima, mas diferente, da responsabilidade de um Estado-Membro por uma decisão de um órgão jurisdicional nacional supremo contrária ao direito comunitário, a sua análise também é pertinente para efeitos da presente acção por incumprimento. Dado que subscrevemos a sua análise relativa à responsabilidade de um Estado-Membro por tal jurisprudência, que se funda plenamente nos princípios de base do direito comunitário, explicitados pelo Tribunal de Justiça, contentar-nos-emos, em seguida, a apreciar alguns elementos, na medida em que sejam particularmente relevantes para a presente acção por incumprimento.

50.

Importa considerar desde já assente que, relativamente ao respeito das obrigações comunitárias, os Estados-Membros devem ser vistos como conjuntos unitários. É ao Estado-Membro, enquanto tal, que cabe velar para que o resultado prosseguido pelas disposições pertinentes do Tratado ou do direito privado seja alcançado na ordem jurídica nacional. As obrigações dos Estados-Membros incumbem aos Estados enquanto tais e «a responsabilidade de um Estado-Membro, segundo o artigo [226.°], existe independentemente de saber qual o órgão estatal que causou a violação através da sua acção ou omissão, mesmo que se trate de um órgão independente de acordo com a Constituição» ( 24 ).

51.

Em seguida, no seu acórdão Brasserie du Pêcheur e Factortame ( 25 ), o Tribunal de Justiça esclareceu claramente que é enquanto unidade que o Estado tem de cumprir as suas obrigações. A questão central que aí se colocava consistia em saber se uma violação do Tratado pelo legislador nacional acarretava a responsabilidade do Estado-Membro pelos prejuízos assim ocasionados. Na sua resposta a esta questão, o Tribunal de Justiça exprimiu-se em termos de tal modo gerais que se aplicam igualmente, ainda que implicitamente, à violação do direito comunitário pelo poder judicial. Após ter observado que o princípio da responsabilidade do Estado por prejuízos causados aos particulares por violações do direito comunitário que lhe são imputáveis é inerente ao sistema do Tratado, o Tribunal de Justiça declarou, com efeito, que isso era válido para qualquer violação do direito comunitário por um Estado-Membro, «independentemente da entidade do Estado-Membro cuja acção ou omissão está na origem do incumprimento» ( 26 ).

52.

Para fundamentar ainda mais esta posição, o Tribunal sublinhou, no seguimento do advogado-geral G. Tesauro, que, na ordem jurídica internacional, o Estado também é considerado na sua unidade no que respeita à violação de obrigações, «independentemente da violação que está na origem do prejuízo ser imputável ao poder legislativo, judicial ou executivo. E isto é tanto mais assim na ordem jurídica comunitária, quanto todos os organismos do Estado, inclusive o poder legislativo, são obrigados, no desempenho das suas funções, a respeitar as normas impostas pelo direito comunitário que sejam susceptíveis de regular directamente a situação dos particulares» ( 27 ). Se o Tribunal de Justiça aqui referiu explicitamente o poder legislativo foi em virtude das circunstâncias que deram lugar a esse processo. Todavia, é certo que este princípio também se aplica ao poder judicial.

53.

O princípio segundo o qual, de um ponto de vista comunitário, o Estado-Membro deve ser considerado uma unidade também está na base da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar um incumprimento ( 28 ). Este aspecto também foi invocado no processo Brasserie du Pêcheur e Factortame em que o Tribunal de Justiça, baseando-se na exigencia fundamental de uniformidade na aplicação do direito comunitario, declarou que «a obrigação de reparar os danos causados aos particulares em virtude das violações do direito comunitário não pode depender das regras internas de repartição das competencias entre os poderes constitucionais» ( 29 ).

54.

Remetemos, além disso, para a jurisprudência que o Tribunal de Justiça consagrou aos órgãos dos Estados-Membros que devem respeitar as directivas e que, caso não o façam, podem ser objecto de acções em justiça intentadas por particulares. Relativamente a essas situações, o Tribunal de Justiça declarou que os particulares podem invocar a directiva em causa contra o Estado ou contra «organismos ou entidades submetidas à autoridade ou ao controlo do Estado ou que disponham de poderes especiais que ultrapassam os que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares, tais como pessoas colectivas territoriais ou organismos que, qualquer que seja a sua forma jurídica, foram encarregados, por força de um acto de autoridade pública, de prestar, sob o controlo desta última, um serviço de interesse público» ( 30 ).

55.

Embora esses princípios tenham sido explanados em contextos diferentes, fundam-se todos na mesma ideia, ou seja, que o Estado-Membro responde, enquanto unidade, pelo respeito das obrigações comunitárias e é responsável por qualquer incumprimento, independentemente do órgão que não cumpriu no quadro da organização interna do Estado, poder judicial inclusive. Cabe ao Estado-Membro, enquanto entidade autónoma, velar pela realização na ordem jurídica nacional do resultado prosseguido pelas regras comunitárias em causa. É o que também decorre do princípio da lealdade comunitária inscrito no artigo 10.° CE.

56.

Acrescentamos que a independência do poder judicial não obsta a que se declare um incumprimento ao Tratado devido a uma jurisprudência nacional contrária ao direito comunitário. Com efeito, essa independência significa, em substância, que as instâncias jurisdicionais devem decidir litígios concretos sem influência externa, particularmente dos outros órgãos do Estado. Todavia, o poder judicial funciona também como uma componente do aparelho do Estado dentro dos limites fixados na Constituição e na regulamentação nacionais. Se a regulamentação nacional autorizar uma interpretação jurisdicional incompatível com as obrigações comunitárias, pode e deve proceder-se a uma correcção através de uma modificação da regulamentação em causa. Numa perspectiva comunitária, é necessário, noutros termos, que a ordem jurídica nacional enquanto unidade vele pela execução do direito comunitário e todos os organismos do Estado são obrigados a contribuir activamente para esse fim dentro dos limites das respectivas competências, corrigindo, se necessário, a acção dos outros órgãos do Estado. Uma intervenção do legislador nacional neste sentido não põe em causa a independência do poder judicial.

57.

Por outro lado, a correcção que acabámos de evocar no quadro de uma jurisprudência contrária ao direito comunitário só pode ocorrer em casos excepcionais. São efectivamente os órgãos jurisdicionais nacionais que ocupam um lugar crucial para aplicar o direito comunitário na ordem jurídica nacional, controlando e corrigindo os actos do legislador e da administração nacionais ( 31 ). Trata-se de uma função que todas as categorias de juízes desempenharam no interior das organizações jurisdicionais nacionais, desde a entrada em vigor dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias, em cooperação com o Tribunal de Justiça no quadro do processo prejudicial. Graças a esta cooperação, as instâncias jurisdicionais nacionais deram um contributo indispensável para o desenvolvimento e aplicação do direito comunitário.

58.

No sistema de controlo jurisdicional, o Tratado CE atribui um papel especial aos órgãos jurisdicionais nacionais supremos. Atendendo à responsabilidade que lhes cabe na preservação da uniformidade da interpretação do direito, onde se inclui o direito comunitário, no interior da ordem jurídica nacional, o artigo 234.° CE impõem-lhes que submetam ao Tribunal de Justiça questões relativas à interpretação das disposições comunitárias ou à validade e interpretação dos actos adoptados pelas instituições comunitárias. A possibilidade de escapar a essa obrigação quando em presença de um «acto claro» está sujeita a condições estritas ( 32 ). Esta obrigação que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais supremos tem por objecto evitar divergências na forma como o direito comunitário é interpretado nos Estados-Membros, dando ao Tribunal de Justiça a oportunidade de fornecer uma interpretação uniforme e vinculante das disposições comunitárias em causa para toda a Comunidade. Dessa forma, garante-se que as condições em que sujeitos de direito desenvolvem as suas actividades, na medida em que essas condições sejam determinadas pelo direito comunitário, são tão iguais quanto possível.

59.

Atenta, justamente, essa posição central dos órgãos jurisdicionais nacionais supremos no que toca à correcta aplicação do direito comunitário nas ordens jurídicas nacionais, é imperativo que reconheçam e apliquem as obrigações que para os Esta-dos-Membros decorrem do direito comunitário. Os outros órgãos jurisdicionais nacionais também são responsáveis pela completa execução e correcta aplicação do direito comunitário, embora as suas decisões sejam susceptíveis de ser alteradas no quadro do sistema jurídico nacional. Através dos princípios fundamentais do efeito directo das disposições do Tratado CE e do direito derivado que dele beneficia, do primado do direito comunitário sobre o direito nacional contrário, da responsabilidade do Estado-Membro — em determinadas condições — pela violação das obrigações comunitárias e da obrigação de interpretar o direito nacional na perspectiva das disposições pertinentes do direito comunitário, os órgãos jurisdicionais nacionais velam para que os particulares possam invocar os direitos que lhes são conferidos pela ordem jurídica comunitária. Dessa forma, constituem tanto uma garantia como um contrapoder num Estado-Membro em caso de violação, por outros organismos do Estado, das obrigações que lhes incumbem por força do Tratado.

60.

A interpretação e a aplicação incorrectas do direito comunitário pelos órgãos jurisdicionais nacionais conduzem a que se recuse aos particulares o benefício dos direitos que para eles decorrem da ordem jurídica comunitária e que regras e práticas incompatíveis com o direito comunitário possam continuar em vigor. Isto pode, por sua vez, repercutir-se na situação das pessoas singulares e colectivas no mercado interno e, portanto, conduzir a distorções nas relações económicas. Na perspectiva da aplicação uniforme do direito comunitário, um Estado-Membro não pode, portanto, opor a uma acção por incumprimento uma imunidade quando a violação das obrigações comunitárias seja imputável a uma interpretação e a uma aplicação incorrectas do direito comunitário pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

61.

Dos elementos que precedem resulta que uma jurisprudência nacional incompatível com disposições ou princípios do direito comunitário pode estar na origem de uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE. Todavia, desta conclusão não resulta ainda que basta um qualquer erro jurisdicional. Por conseguinte, importa esclarecer ainda em que circunstâncias se poderá ou não intentar tal acção.

b) As condições

62.

Podem-se utilizar diversas balizas para identificar os critérios susceptíveis de permitir, eventualmente, a conclusão de que uma jurisprudência nacional não conforme ao direito comunitário pode justificar a declaração de um incumprimento do Tratado pelo Estado-Membro em causa.

63.

Como primeira baliza, podemos debruçar-nos sobre o estatuto das decisões jurisdicionais nacionais em causa. A economia do artigo 234.° CE contém já uma indicação nesse sentido. Embora essa disposição preveja uma obrigação de reenvio para os órgãos jurisdicionais nacionais supremos nos casos aí descritos, os outros órgãos jurisdicionais dispõem da possibilidade de procederem a esse reenvio. Essa estrutura baseia-se na ideia de que as decisões individuais dos órgãos jurisdicionais nacionais inferiores que fazem uma aplicação incorrecta do direito comunitário podem ainda ser corrigidas no quadro da hierarquia jurisdicional nacional. Todavia, mesmo que essa correcção não se verifique, uma única decisão errónea de um órgão jurisdicional inferior não implica necessariamente que, no Estado-Membro, se ponha em causa o efeito útil da disposição comunitária em questão ou consequências negativas para as relações de concorrência no mercado interno ou para as trocas interestaduais. Em contrapartida, essas consequências são manifestamente prováveis no caso de uma jurisprudência nacional contrária do órgão jurisdicional nacional supremo, que, com efeito, será considerada pelos outros órgãos jurisdicionais nacionais como vinculante no ordenamento jurídico nacional. Mesmo no caso de se verificarem divisões no âmbito do poder judicial nacional, esses efeitos podem verificar-se. Também não se deve excluir que, se órgãos jurisdicionais inferiores, de forma estrutural, interpretarem e aplicarem determinadas componentes do direito comunitário de forma errônea, os sujeitos de direito possam ser induzidos a não intentar uma acção ou a não interpor recurso.

Apesar do estatuto um pouco menor dessa jurisprudência na ordem jurídica nacional, poder-se-ia considerar que essa situação justifica a declaração de um incumprimento do Tratado.

64.

Também nos parece importante saber se o desrespeito das obrigações comunitárias pelos órgãos jurisdicionais nacionais constitui um fenómeno estrutural. Trata-se de um caso ocasional ou isolado ou pode-se correctamente afirmar que se trata de uma tendência da jurisprudência nacional que, sob esse aspecto, está em contradição com as obrigações comunitárias? Trata-se igualmente de saber se se está perante um novo desenvolvimento ou perante uma jurisprudência mais antiga. No primeiro caso, pode-se considerar a possibilidade de dar à ordem jurídica nacional a possibilidade de se redimir antes da evocação de um incumprimento. Se esse desenvolvimento for confirmado em recurso, caso em que a questão de saber se o problema jurídico em causa foi submetido ao Tribunal de Justiça pela via prejudicial ou não também poderá desempenhar um papel, pode-se considerar que se trata de um fenómeno estrutural.

65.

A terceira baliza, a nosso ver a mais importante, na medida em que diz respeito à possibilidade de se declarar um incumprimento no caso de decisões jurisdicionais nacionais que desrespeitam as obrigações comunitárias, já está subjacente à primeira. Trata-se do efeito dessas decisões nacionais no que toca à realização do objectivo da disposição comunitária em causa. Se das decisões nacionais resultar que os operadores económicos do Estado-Membro em causa devem exercer as suas actividades em condições diferentes dos concorrentes ou das pessoas, eventualmente colectivas, que se encontram em circunstâncias comparáveis em qualquer outro lugar da Comunidade, tratar-se-á então claramente de uma violação da unidade do direito comunitário, de um enfraquecimento do seu efeito útil e de uma violação dos direitos dos sujeitos de direito. Quando se revele que a jurisprudência em causa produz esses efeitos prejudiciais, importa declarar um incumprimento ao Tratado.

66.

Poder-se-á argumentar, no que respeita à declaração de incumprimento decorrente de uma jurisprudência nacional incorrecta, que um Estado-Membro apenas dispõe de meios limitados para pôr fim ao incumprimento em causa nos termos do artigo 228.°, n.° 1, CE. Segundo este raciocínio, a adopção das medidas que implica a execução do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça na matéria estava limitada pelo princípio da independência do poder judicial. Como supra indicámos ( 33 ), uma acção correctiva do legislador nacional, no sentido de adaptar ou precisar a regulamentação nacional que ou não é interpretada e aplicada em conformidade com as obrigações comunitárias ou não deixa de ser aplicada quando o deveria ser, não é incompatível com a independência do poder judicial. Se isso não for feito, a declaração de um incumprimento decorrente de uma jurisprudência ilícita também pode igualmente servir de base a um pedido de indemnização contra o Estado-Membro em causa. Trata-se, em substância, da hipótese examinada no quadro do processo Köbler, várias vezes referido.

67.

Como resulta dos elementos que precedem, consideramos que a declaração de que um Estado-Membro violou as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado quando esse incumprimento resulta da violação das obrigações comunitárias pelos órgãos jurisdicionais nacionais dependerá sempre de diversos factores, designadamente da natureza estrutural da jurisprudência nacional incorrecta, do efeito e do estatuto das decisões em causa na ordem jurídica nacional bem como do efeito dessa jurisprudência em termos da realização dos objectivos das disposições comunitárias em causa. É na perspectiva desse contexto que apreciaremos a acção intentada pela Comissão contra a República Italiana no que respeita às regras de prova aplicadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais em matéria de repercussão de imposições cobradas em violação do direito comunitário.

2. Princípios de base em matéria de repetição de imposições cobradas em violação do direito comunitário

a) Restituição, repercussão e enriquecimento sem causa

68.

O direito de um particular, a quem as autoridades injustamente impuseram um encargo financeiro, recuperar os montantes pagos constitui um princípio geral de direito. As imposições só podem ser instituídas se tiverem uma base jurídica válida. Na sua falta, são necessariamente ilegais e devem ser restituídas.

69.

Este princípio também faz parte da ordem jurídica comunitária. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito de obter o reembolso das imposições cobradas pelo Estado-Membro em violação das disposições do direito comunitário é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos sujeitos de direito pelas disposições comunitárias que proíbem essas imposições. O Estado-Membro é, assim, em princípio, obrigado a restituir as imposições cobradas em violação do direito comunitário ( 34 ).

70.

Mesmo independentemente da regra óbvia segundo a qual as quantias indevidamente pagas ou irregularmente cobradas devem ser restituídas o mais rapidamente possível, essa consequência também resulta da necessidade económica de pôr termo à perturbação das relações de concorrência ocasionada pela cobrança de uma imposição irregular.

71.

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, essa obrigação de reembolso dos montantes indevidamente pagos só conhece uma excepção: um Estado-Membro só poderá opor-se à restituição ao operador de um imposto cobrado em violação do direito comunitário se se provar que o imposto foi na íntegra suportado por pessoa diferente do operador e que o reembolso deste último implica, para o mesmo, enriquecimento sem causa. Se apenas uma parte do imposto foi repercutida, as autoridades nacionais devem restituir ao operador o montante não repercutido ( 35 ).

72.

Dado que se trata de uma restrição a um direito subjectivo que tem a sua origem no ordenamento jurídico comunitário, esta excepção deve ser objecto de uma interpretação estrita. Este tipo de interpretação é tanto mais indicado quanto a simples repercussão de uma imposição sobre os clientes não neutraliza forçosamente, para o contribuinte, o encargo económico da imposição. Designadamente, é particularmente difícil determinar em que medida a imposição foi inteira ou parcialmente repercutida nos clientes. Esta afirmação pode ser ilustrada por um certo número de observações resultantes da análise microeconómica.

73.

É necessário, em primeiro lugar, analisar se uma imposição que aumenta o preço de custo é efectivamente incorporada no preço de um produto. Com efeito, não é automático que o aumento do preço de um produto esteja directamente ligado à imposição cobrada. Na verdade, tendo em atenção a dinâmica das relações de mercado e dos preços, não se conhece antecipadamente a influência que uma imposição exerce sobre o nível de um preço. Os preços dos produtos não são estáticos. Regra geral, os produtores adaptam regularmente os respectivos preços à situação do mercado. Além do preço de custo, um empresário baseará a sua política de preços, designadamente, em factores como a evolução esperada do mercado e a posição que aí ocupará determinado produto. Uma imposição que aumente o preço de custo apenas constitui um dos elementos que intervêm na determinação do preço.

74.

Num ambiente de mercado dinâmico, será, portanto, muitas vezes difícil fazer prova da existência de um nexo directo entre a imposição que aumenta o preço de custo e o preço. Todavia, mesmo quando isso seja possível, daí não resulta forçosamente que os custos complementares resultantes da imposição sejam completamente anulados para o contribuinte. Noutros termos, a transferência da imposição não é a mesma coisa que a repercussão do prejuízo económico sofrido pelo empresário na sequência da imposição irregularmente cobrada.

75.

O grau de repercussão depende sobretudo da elasticidade da procura no plano dos preços. É apenas no caso — extremo — de essa elasticidade da procura ser nula, como acontece por vezes relativamente aos produtos de primeira necessidade, que uma imposição poderá ser inteiramente repercutida no cliente através de um aumento de preço. Nesse caso, com efeito, o aumento do preço de venda não afecta o escoamento. Em todas as outras situações existirá, no máximo, uma repercussão parcial. Isto significa que a repercussão parcial será mais a regra do que a excepção.

76.

Relativamente à maior parte dos produtos, a procura é mais ou menos elástica. O empresário pode então repercutir parcialmente a imposição, mas daí não se pode ainda inferir que o encargo económico foi repercutido. Nessas circunstâncias, o empresário em causa continua a sofrer um prejuízo inelutável na sequência da imposição indevida. Esse prejuízo resulta, em primeiro lugar, da diminuição dos volumes de vendas e, portanto, dos lucros, na sequência do aumento de preço, e, em segundo, da parte da imposição que teve de absorver ( 36 ).

77.

Uma outra forma de prejuízo resulta da diminuição da margem comercial de que dispõe o empresário, dado que esta foi em parte «consumida» pela repercussão da imposição. O empresário vê assim diminuídas as suas possibilidades de adaptar a sua estratégia de mercado. Com efeito, caso um aumento de preço tivesse sido comercialmente atraente e possível nas circunstâncias de mercado referidas, também o empresário poderia aumentar o seu preço de venda se não houvesse cobrança da imposição.

78.

Estas considerações levam-nos à conclusão de que será praticamente impossível estabelecer o grau de repercussão do encargo econômico resultante da imposição. E necessário, para isso, proceder a uma análise de mercado exaustiva, tendo em consideração um grande número de variáveis, como a estrutura do mercado em causa (muita ou pouca oferta) e a existência de possibilidades de substituição do produto abrangido pela imposição. Também será necessário atender à natureza dinâmica das relações de mercado e à flutuação dos preços em função das modificações da oferta e da procura. Torna-se, portanto, particularmente difícil determinar a influência de uma imposição sobre o nível dos preços de venda. Para determinar esse efeito, seria necessário, afinal, saber como é que os preços e as vendas evoluiriam caso não existisse a imposição.

79.

A situação inversa revela igualmente a fragilidade do nexo de causalidade entre o reembolso e enriquecimento sem causa em caso de repercussão; com efeito, não era possível afastar a hipótese de o operador em causa repercutir igualmente a «vantagem» de imposições reembolsadas sobre o consumidor final, servindo-se dos montantes reembolsados para efectuar uma redução de preços com vista a manter ou reforçar a sua posição no mercado.

80.

Nestas circunstâncias, quando uma disposição legal, como o artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990, recorre à repercussão da imposição como critério único para presumir a existência de um enriquecimento sem causa em caso de restituição, é manifesto que essa disposição se afasta da realidade economica.

81.

Os elementos que precedem têm igualmente consequências em matéria de prova. Esta deverá destinar-se a demonstrar a existência de uma multitude de indicadores económicos, dos quais se poderá finalmente deduzir que o reembolso das imposições em causa conduziria efectivamente a um enriquecimento. É manifesto que não se pode esperar este tipo de análise da parte do produtor. Concluímos, de qualquer modo, que o proceder a um simples exame contabilístico para demonstrar a repercussão e o alegado enriquecimento de que daí resulta é absolutamente insuficiente. Esta última conclusão impõe-se igualmente na perspectiva da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

82.

Dos elementos que precedem resulta claramente que a repercussão do prejuízo econômico causado por uma imposição não é automática e que, mesmo em caso de repercussão da imposição, no mínimo, nem sempre se verificará um enriquecimento. A esse respeito, remetemos também para as conclusões do advogado-geral G. Tesauro no processo Comateb e o., nas quais declarou que «mesmo pressupondo que o operador económico individual possa por vezes tirar um benefício da restituição de um imposto indevidamente pago, que parcial ou totalmente repercutiu a jusante, é necessário ainda averiguar se, em tal hipótese, é possível utilizar razoavelmente o conceito de enriquecimento sem causa. E já no plano da teoria geral do direito que a minha resposta é negativa: efectivamente, não penso que seja justo qualificar como enriquecimento sem causa a vantagem extraída por um particular da restituição de um imposto indevidamente exigido e cobrado pela administração. Nomeadamente, não penso que o Estado, que — ele próprio — efectivamente se enriqueceu sem causa de modo indevido ao cobrar, mesmo durante anos, um imposto ilegal, possa depois precisamente invocar esse princípio para recusar a restituição dos montantes indevidamente cobrados» ( 37 ).

83.

A realidade e a medida do enriquecimento resultante do reembolso das imposições indevidamente pagas só poderão, portanto, ficar apuradas, atentos os princípios económicos esquissados, após uma análise económica profunda do mercado em causa. Isto conduz-nos aos princípios em matéria de repetição do indevido fiscal que o Tribunal de Justiça explanou numa jurisprudência por diversas vezes confirmada após o acórdão San Giorgio.

b) Princípios em matéria de repetição do indevido fiscal

84.

Tendo em atenção as observações que precedem, regras nacionais que subordinam o reembolso de imposições irregularmente cobradas a determinadas condições devem satisfazer exigências estritas. Manifestamente, não basta a simples condição de ter ficado provado que o montante em causa não foi repercutido. As regras em causa deverão sobretudo destinar-se a evitar que o reembolso conduza efectivamente a um enriquecimento sem causa do operador ( 38 ), ou seja, que beneficie de uma vantagem a que não teria direito enquanto operador que actua racionalmente.

85.

A importância crucial deste último elemento resulta também da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça na matéria. Segundo esta jurisprudência, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, [se] o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» ( 39 ). Só quando ficar demonstrado que a totalidade do encargo foi suportada por pessoa diferente do operador e que o reembolso deste último provoca um seu enriquecimento sem causa é que não se deverá proceder ao reembolso ( 40 ). O Tribunal de Justiça recorre, portanto, a uma apreciação em duas fases: em primeiro lugar, a questão da repercussão e, em seguida, a do enriquecimento sem causa.

86.

As regras que presidem à demonstração do enriquecimento sem causa, não existindo regras comunitárias específicas nesse domínio, devem ser fixadas pelos Estados-Membros. Daqui resulta, com efeito, uma divergência nas condições em que os sujeitos de direito podem repetir o indevido nos diversos Estados-Membros, mas, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as modalidades nacionais em causa devem sempre satisfazer duas exigências de base. Por um lado, é preciso que não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência). Por outro, não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) ( 41 ).

87.

Esta jurisprudência visa garantir aos sujeitos de direito, na falta de disposições comunitárias na matéria, uma protecção jurídica efectiva contra a administração nacional no quadro do exercício dos direitos que lhes são conferidos pelo ordenamento jurídico comunitário e, de um modo mais geral, garantir o efeito útil do direito comunitário. Os Estados-Membros devem, portanto, eliminar os entraves de natureza processual susceptíveis de afectar essa finalidade.

88.

Deveria em princípio bastar que o interessado, para obter o reembolso dos montantes indevidamente pagos, demonstre que efectivamente pagou um encargo financeiro e que essa imposição era irregular. Todavia, dado que se aceita, a título excepcional, que não deve haver reembolso caso este origine um enriquecimento sem causa, o que aconteceria se o encargo econômico fosse inteira ou parcialmente repercutido em terceiros, importa, em seguida, determinar como e por quem deve ser demonstrado que o reembolso causaria efectivamente um enriquecimento.

89.

Tendo em atenção as observações que acabámos de formular relativamente à forma como os operadores podem decidir tomar em consideração, ou não, uma imposição nos respectivos preços de venda e sabendo que o eventual enriquecimento em caso de reembolso disso depende, é óbvio que se tratará de um pesado ónus da prova. A grande dificuldade de, na pràtica, apresentar essa prova explica que uma administração nacional se apoie numa prova de enriquecimento com base numa presunção de repercussão, ficando, em seguida, o contribuinte de ter de fazer a prova em contrário negativa de que não houve repercussão da imposição. Todavia, este sistema não está em conformidade com o princípio exposto e confirmado pelo Tribunal de Justiça numa série constante de acórdãos.

90.

É necessário partir do princípio que a pessoa que pagou à administração fiscal nacional uma imposição indevida tem direito ao reembolso desse montante ( 42 ). Se a administração nacional pretender invocar a excepção da prevenção do enriquecimento, cabe-lhe então claramente demonstrar que o reembolso produziria esse efeito. Noutros termos, o ónus de provar o enriquecimento sem causa deve ser integralmente suportado pela administração nacional ( 43 ).

91.

Nas circunstâncias do caso em apreço, a administração nacional violou o direito comunitário ao cobrar uma imposição incompatível com as disposições pertinentes no Tratado CE (quer seja o artigo 23.° CE quer o artigo 90.° CE). Se um contribuinte que tem direito, na sequência dessa irregularidade, ao reembolso do seu pagamento indevido se vê obrigado a, antes de mais, demonstrar que não foi compensado de outro modo, a parte a quem o problema é imputável beneficia de uma vantagem inaceitável.

92.

Em nosso entender, o Tribunal de Justiça exprime essa ideia no acórdão San Giorgio ao considerar que: «Numa economia de mercado baseada na liberdade de concorrência, a questão de saber se e em que medida um encargo fiscal imposto ao importador pôde efectivamente repercutir-se nas trocas económicas sucessivas comporta uma margem de incerteza que não pode ser sistematicamente imputada à pessoa obrigada ao pagamento de uma imposição contrária ao direito comunitário» ( 44 ).

93.

Da jurisprudência do Tribunal de Justiça já referida resulta claramente ser necessário provar que o reembolso produziria efectivamente um enriquecimento. Não podemos, portanto, contentar-nos com a demonstração da repercussão para daí concluir que o encargo económico foi neutralizado e que, consequentemente, o reembolso produziria um enriquecimento. A este propósito, o Tribunal de Justiça também reconheceu que, para além dos efeitos directos da imposição, um operador também sofrerá um prejuízo económico de outro ponto de vista, que o órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração na sua apreciação.

94.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou, nos seus acórdãos Comateb e o. e Michaïlidis que, mesmo quando se prove que a imposição indevidamente paga foi integral ou parcialmente repercutida em terceiros, o reembolso ao operador do montante assim repercutido não lhe traz necessariamente um enriquecimento sem causa. O órgão jurisdicional nacional a quem foi submetido um pedido de reembolso pode tomar em consideração o prejuízo que um operador pode ter sofrido por a imposição irregular ter implicado uma restrição de volume das importações ( 45 ) ou das exportações ( 46 ) para ou provenientes de outros Estados-Membros.

95.

No seu acórdão Bianco e Girard, o Tribunal de Justiça sublinhou ainda, justamente, a complexidade da realidade econòmica que permitia determinar se existiu enriquecimento ou não. O Tribunal de Justiça declarou aí «mesmo que as imposições indirectas sejam concebidas na legislação interna para serem repercutidas sobre o consumidor final, e, habitualmente no domínio do comércio, tais imposições indirectas sejam parcial ou totalmente repercutidas, não é possível afirmar de modo geral que a imposição é de facto sempre repercutida. Na verdade, a repercussão efectiva, parcial ou total, depende de vários factores que acompanham cada transacção comercial e a diferenciam de outras situações em contextos diversos». O Tribunal de Justiça acrescentou que «é mais ou menos provável, conforme as características do mercado, ter existido repercussão. No entanto, os numerosos factores determinantes da estratégia comercial variam de caso para caso, de tal modo que é praticamente impossível determinar a parte correspondente à sua influência efectiva na repercussão» ( 47 ).

96.

No que respeita aos meios de prova, o Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado que são incompatíveis com o direito comunitário todas as modalidades de prova cujo efeito seja tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil a obtenção do reembolso da imposição cobrada em violação do direito comunitário. Tal é o caso, designadamente, das presunções ou regras de prova que têm como objectivo fazer recair sobre o contribuinte o ónus de provar que as imposições indevidamente pagas não foram repercutidas sobre terceiros. O mesmo se passa com as limitações especiais no que respeita à forma das provas a produzir, tais como a exclusão de qualquer modo de prova que não seja a prova documental ( 48 ). O Tribunal de Justiça também declarou por diversas vezes que, no caso de imposições indirectas, não existe presunção de que se verificou a repercussão e que cabe ao contribuinte fazer prova do contrário ( 49 ).

97.

Esta proibição de recorrer a uma presunção legal de repercussão significa igualmente que é necessário verificar caso a caso se uma restituição implicaria um enriquecimento sem causa do operador ( 50 ). Além disso, compete à administração nacional demonstrar em que medida existiria enriquecimento, podendo eventualmente bastar, nesse caso, uma restituição parcial.

98.

Esses princípios em matéria de prova pela administração não significam, de resto, que não possa ser exigida qualquer forma de cooperação do contribuinte. Designadamente, poder-se-ia exigir que este apresente os documentos necessários à apreciação da sua situação. Todavia, é à administração que cabe daí retirar provas convincentes de que se verificou uma repercussão tal que a restituição acarretaria efectivamente um enriquecimento sem causa ( 51 ). Em caso algum a cooperação do contribuinte pode conduzir a uma transferência do ónus da prova para este.

99.

Dos elementos que precedem resulta que os Estados-Membros assumem uma obrigação de resultado que consiste em organizar o respectivo sistema jurídico em matéria de repetição de imposições cobradas com violação do direito comunitário de forma a, se pretenderem invocar a excepção de enriquecimento sem causa para rejeitar um pedido de restituição de imposições cobradas com violação do direito comunitário, cumprirem as seguintes condições:

o ónus da prova cabe inteiramente à administração;

a administração deve demonstrar que a restituição conduziria efectivamente a um enriquecimento;

a prova não pode basear-se numa presunção de repercussão;

não se pode exigir do contribuinte que faça a prova em contrário de que a imposição não foi repercutida;

em contrapartida, pode-se exigir do contribuinte que coopere para efeitos da prova que a administração deve produzir.

100.

A isto acrescentamos que:

um simples exame contabilístico não basta para provar o enriquecimento;

o enriquecimento deve ser demonstrado com base numa análise económica profunda do mercado em causa.

101.

Eis o que nos conduz ao próprio objecto da acção por incumprimento em apreço: a questão de saber se o artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990, como interpretado pelos órgãos jurisdicionais nacionais e aplicado pela administração fiscal italiana, obedece às condições que acabámos de indicar, e se a prática jurídica nacional possui características que podem justificar a declaração de incumprimento das obrigações que decorrem, para a República Italiana, do Tratado CE.

3. A prática jurídica italiana

102.

O artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 está formulado de tal forma que não pode considerar-se contrário ao direito comunitário. A formulação é absolutamente neutra e não inclui elementos que o Tribunal de Justiça tenha anteriormente considerado contrários às obrigações comunitárias, com a possibilidade de recorrer a uma presunção de repercussão, a obrigação do contribuinte de fazer a prova em contrário negativa da não repercussão ou uma limitação no que respeita à forma da prova a produzir.

103.

No entanto, como a Comissão alegou e, em nosso entender, demonstrou de forma convincente, esta disposição, precisamente em razão da sua imprecisão, está formulada de forma tão ampla que autoriza a manutenção ou mesmo o desenvolvimento de uma prática jurídica que não está em conformidade com o princípio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência posterior ao acórdão San Giorgio.

104.

Mais em especial, a Comissão invocou uma série de acórdãos da Corte suprema di cassazione dos quais resulta que esse órgão jurisdicional italiano supremo considera aceitável que a repercussão possa ser estabelecida com base em presunções. Assim, refere-se a um acórdão baseado no facto notório de as empresas repercutirem sistematicamente as imposições na clientela ( 52 ). Além disso, cita um acórdão que rejeita a hipótese de inexistência de repercussão com base nos quatro factores já referidos, ou seja a) que o contribuinte é uma empresa, b) que não está em situação de insolvência, o que justificaria a hipótese de uma venda com prejuízo, c) que todas as instâncias aduaneiras italianas cobravam as imposições em causa e d) que essa situação se verificou durante muito tempo e sem contestação ( 53 ). Estes factores foram substancialmente reproduzidos numa decisão do Tribunale civile di Genova ( 54 ).

105.

Além disso, a Comissão referiu-se a outros processos no quadro dos quais se exigiu do sujeito de direito que apresentasse documentos contabilísticos para se determinar se a imposição fora repercutida ou não. Se não estiver em condições de o fazer, porque, por exemplo, o prazo de conservação legal de dois anos terminou, pode inferir-se que a repercussão ocorreu ( 55 ). Com efeito, nesse caso, o sujeito de direito não fez a prova em contrário negativa de que não houve repercussão. A Comissão invocou, a este respeito, um acórdão da Corte d'appello di Torino que recusava aceitar esse modo de prova. Todavia, esse acórdão foi anulado pela Corte suprema di cassazione em razão das dificuldades de prova com que, nesse caso, se veria confrontada a administração.

106.

Paralelamente a esta tendência da jurisprudência italiana, a política adoptada pela administração fiscal italiana em algumas circulares administrativas não deixa de levantar problemas aos contribuintes em caso de repetição dos montantes indevidamente pagos. Para ter direito à restituição, era necessário que a contabilidade da empresa em causa demonstre que a imposição não foi inscrita no passivo mas no activo. Se isso não se verificar, considera-se que a repercussão teve lugar.

107.

Em resposta às acusações da Comissão, o Governo italiano afirmou que existem também diversas decisões dos tribunais italianos que seguem outra orientação. Nesses processos, não se acolheu a presunção de repercussão: os juízes em causa verificaram em concreto que a administração não fornecera a prova da repercussão e o pedido de restituição foi acolhido. O Governo italiano apresentou estatísticas a este respeito, das quais resulta que, desde 1992, mais de 120 milhares de milhões de ITL foram devolvidos aos contribuintes.

108.

O Governo italiano também sublinhou que o papel da Corte suprema di cassazione em matéria de prova está limitado ao desenvolvimento de princípios gerais, sendo ao juiz do mérito que cabe apreciar, in concreto, no quadro do apuramento dos factos, os elementos de prova apresentados.

109.

Relativamente à política adoptada pela administração, o Governo italiano observa que a exigência de apresentar documentos contabilísticos se justifica, pois trata-se para ela do único meio imaginável de provar a repercussão.

110.

Mesmo que uma parte importante da prática jurisdicional italiana esteja em conformidade com os princípios comunitários em matéria de repetição de imposições indevidamente pagas, também é verdade que outra parte, considerável, dessa prática jurisdicional não funciona em conformidade com os referidos princípios. Os exemplos nos dois sentidos, retirados da prática jurisdicional italiana, demonstram, em todo o caso, claramente a sua divisão quanto à interpretação que deve ser dada ao artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 ( 56 ).

111.

Além disso, segundo a Comissão, os casos em que se verificou restituição do indevido fiscal diziam sobretudo respeito a grandes empresas que dispõem de meios para financiar os processos, muitas vezes demorados, de repetição. Daqui resultava que foram sobretudo os pedidos de restituição das pequenas e médias empresas que tiveram menos sucesso.

112.

Tudo isto nos leva a concluir que a ordem jurídica italiana não garante inteiramente a realização do objectivo descrito nos n.os 99 e 100 das presentes conclusões. A Comissão demonstrou que ainda se utiliza muito vezes uma prova por presunção e que da perspectiva adoptada por diversas instâncias jurisdicionais resulta que o ónus de provar a inexistência de repercussão da imposição em causa cabe ao contribuinte. Embora, em determinados casos, o indevido tenha sido restituído em conformidade com o direito comunitário, é manifesto que esse resultado não está sempre garantido. Sublinhamos, além disso, que se trata de uma prática que perdura há vários anos ( 57 ). Além disso, essa prática baseia-se na presunção de que a repercussão implica um enriquecimento sem causa, quando, na verdade, essa consequência deve ser autonomamente provada.

113.

Nestas circunstâncias, entendemos que o exercício, pelos contribuintes, dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária foi tornado inutilmente difícil e consideramos que a prática jurisdicional existente em Itália em matéria de repetição de imposições contrárias ao direito comunitário contraria o princípio da efectividade, como definido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

114.

Na sequência do que expusemos nos n.os 62 a 67 das presentes conclusões, observámos, além disso, que esta prática jurisdicional italiana é de natureza estrutural. Isto resulta sobretudo do facto de que o regime de prova por presunção e que a ideia de que houve repercussão quando o contribuinte não possa apresentar os documentos solicitados foram avalizados pelo órgão jurisdicional italiano supremo. Mesmo que órgãos jurisdicionais inferiores decidam em conformidade com as obrigações comunitárias, essas decisões podem ser anuladas. Essa natureza estrutural resulta igualmente da política adoptada pela administração na matéria.

115.

Além disso, esta prática conduz a pôr em causa o efeito útil das disposições do Tratado em questão e dos princípios que o Tribunal de Justiça desenvolveu na matéria. A fortiori quando se trata de pedidos pecuniários de operadores que participam nas trocas económicas, toda a violação dos direitos que lhes são conferidos pela ordem jurídica comunitária repercute-se directamente sobre a respectiva posição concorrencial no mercado interno. Os interessados devem poder ter a certeza de poder contar com a restituição das imposições cobradas por um Estado-Membro em violação do direito comunitário da mesma forma que os seus concorrentes noutros Estados-Membros, dentro dos limites fixados pelo Tribunal de Justiça. A exigência de uma uniformidade de interpretação e de aplicação do direito comunitário é ditada, com efeito, pela preocupação de os operadores que participam nas trocas económicas se verem confrontados, dentro do possível, com condições de mercado idênticas, na medida em que estas sejam determinadas pelos poderes públicos.

116.

Embora à primeira vista compatível com o direito comunitário como anteriormente indicámos, o artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 permite, devido à inexistência de regulamentação precisa em matéria de prova, que o resultado pretendido pelo direito comunitário não seja alcançado quando da sua aplicação prática. Assim, consideramos que a prática jurisdicional existente na República Italiana no que respeita à aplicação do artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428/1990 possui uma natureza a tal ponto estrutural e produz efeitos de tal modo prejudiciais ao efeito útil do direito comunitário que se pode declarar que, ao manter essa disposição, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE.

VII — Conclusão

117.

Em consequência, sugerimos ao Tribunal de Justiça que:

«a)

Declare que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE ao manter em vigor, no seu ordenamento jurídico, o artigo 29.°, n.° 2, da Lei n.° 428, de 29 de Dezembro de 1990, que, tal como é efectivamente aplicada e interpretada pelos órgãos jurisdicionais, admite um regime de prova da repercussão das imposições cobradas em violação do direito comunitário que torna o exercício do direito ao reembolso das referidas imposições impossível na prática ou, pelo menos, excessivamente difícil para o contribuinte e que, por isso, é incompatível com os princípios jurídicos enunciados pelo Tribunal de Justiça em matéria da repetição do indevido;

b)

condenar a República Italiana nas despesas».


( 1 ) Língua originai: neerlandês.

( 2 ) Processo C-453/00.

( 3 ) O advogado-geral P. Léger apresentou as suas conclusões neste processo em 8 de Abril de 2003 (C-224/01, Colect., p. I-10239).

( 4 ) Lei relativa às disposições em matéria de impostos de fabrico, movimentos dos produtos petrolíferos, impostos directos, imposto sobre o valor acrescentado e sanções correspondentes, GURI n.° 190, de 13 de Julho de 1982.

( 5 ) Acórdão de 9 de Novembro de 1983 (199/82, Recueil, p. 3595, n.° 13).

( 6 ) Acórdão Comissão/Itália (104/86, Colect., p. 1799).

( 7 ) Acórdão de 17 de Novembro de 1998 (C-228/96, Colect, p. I-7141).

( 8 ) Acórdão de 9 de Fevereiro de 1999 (C-343/96, Colect., p. I-579).

( 9 ) Acórdão de 24 de Setembro de 2002 (C-255/00, Colect., p. I-8003).

( 10 ) Acórdão Dilexport (já referido na nota 8).

( 11 ) Acórdão Dilexport (já referido na nota 8).

( 12 ) Acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Comateb e o. (C-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.° 25).

( 13 ) A Comissão, na petição, expõe a forma como o direito italiano, em matéria de prova, trata a teoria da «presunção». Existe «presunção simples» — «presunzione semplice» na acepção do artigo 2729.° do codice civile — quando o juiz passa, através de uma ilação, do conhecimento do factum probam ao do factum probandum. A jurisprudência italiana considera que o factum probam deve ser certo e não pode basear-se cm presunções. Uma «presunção legal» — a «presunzione legale» na acepção do artigo 2728.° do codice civile — não supõe um raciocinio lógico do juiz, antes atribuindo directamente uma consequência jurídica a determinado facto. O regime da «prova em contrário» — a «prova contraria» — é muito diferente consoante a hipótese em causa. No caso da presunção legal, a prova cm contrário não pode, por vezes, de modo algum ser feita, c, quando ć possível, é então à parte a quem não aproveita que cabe faze-lo. Inverte-se então o ónus da prova. Uma presunção simples deixa menos espaço para a prova em contrario, devido à sua própria natureza. Importa distinguir a presunção do facto notório («fatto notorio»). O facto notório é um facto absolutamente aceite que não necessita de ser provado.

( 14 ) Na sua réplica, a Comissão reconhece, todavia, que esta afirmação é feita em termos demasiado absolutos. V. n.° 30, infra.

( 15 ) V. n.° 20, supra.

( 16 ) Esta disposição foi objecto de uma acção por incumprimento anterior contra a República Italiana (acórdão de 24 de Março de 1988, já referido na nota 6).

( 17 ) 0 Governo italiano alega que, durante o período compreendido entre 1992 e os primeiros meses de 2000, foi restituído um montante superior a 120 milhares de milhões de ITL. V. n.° 34, infra.

( 18 ) Decisões 96/432/CE do Conselho, de 8 de Julho de 1996, que autoriza o Reino dos Países Baixos a aplicarem uma medida derrogatória do artigo 11.° da Directiva 77/388/CEE relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (Sexta Directiva IVA) (JO L 179, p. 51), e 98/23/CE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1997, que autoriza o Reino Unido a prorrogar a aplicação de urna medida derrogatória ao n.° 1 do artigo 28.° E da Sexta Directiva 77/388 (JO L 8, p. 24).

( 19 ) É feita referência ao acórdão Comateb e o. (já referido na nota 12, n.° 25): «[...] Em consequência, o problema da existência ou não de repercussão de cada imposição indirecta constitui questão de facto da competência do juiz nacional, que goza de liberdade na apreciação das provas.»

( 20 ) O Governo italiano remete, a este respeito, designadamente, para os acórdãos da Corte suprema di cassazione de 18 de Novembro de 1994 e de 22 de Abril de 1998. Se, após apresentação de um pedido de reembolso de imposições indevidamente pagas, um contribuinte destrói documentos invocando a expiração do prazo legal de conservação de dez anos, esse comportamento não é compatível com o artigo 88.° do Código de Processo Civil, podendo daí o juiz retirar elementos de prova na acepção do artigo 116.°, segundo parágrafo, do Código de Processo Civil.

( 21 ) A este respeito, o Governo italiano remete para o acórdão Dilexport (já referido na nota 8, n.° 53) e para as conclusões apresentadas pelo advogado-geral D. Ruiz-Jarabo nesse mesmo processo (n.°' 47 a 49).

( 22 ) V., por exemplo, Von der Groeben, Thiesing, Ehlermann (Hrsg), Kommentar zum EU/EG-Vertrag, 5.a edição, Nomos-Verlag 1997, p. 4/518; Kapteyn e VerLoren van Themaat, Introduction to the Law of the European Communities, 3.a edição (editada e revista por L. W. Gormley), Londres, La Haye, Boston, p. 459; H. A. H. Audretsch, Supervision in European Community Law, North-Holland, 2.a edição, 1986, pp. 100 a 105.

( 23 ) Conclusões de 8 de Abril de 2003 (já referidas na nota 3).

( 24 ) Acórdão de 5 de Maio de 1970, Comissão/Bélgica (77/69, Recueil, p. 237, Colect. 1969-1970, p. 335, n.° 15). O incumprimento resultava do facto de o Governo belea, apesar da apresentação de um projecto-lei nesse sentido, não ter conseguido pôr termo a uma discriminação fiscal em virtude da dissolução do parlamento nacional. V., igualmente, acórdão de 17 de Maio de 1972, Leonesio (93/71, Colect., p. 93, n.os 22 e 23).

( 25 ) Acórdão de 5 de Março 1996 (C-46/93 e C-48/93, Colect., p. I-1029).

( 26 ) Acórdão já referido na nota 25 (n.os 31 e 32).

( 27 ) Acórdão já referido na nota 25, n.° 34.

( 28 ) V., designadamente, acórdãos de 18 de Março de 1999, Comissão/França (C-166/97, Colect., p. I.-1719, n.° 13); de 13 de Abril de 2000, Comissão/Espanha (C-274/98, Colect., p. I-2823, n.° 19); e de 26 de Junho de 2001, Comissão/Itália (C-212/99, Colect., p. I-4923, n.° 34). V., igualmente, acórdão de 11 de Julho de 2002, Marks 8c Spencer (C-62/00, Colect., p. I-6325, n.° 24).

( 29 ) Acórdão já referido na nota 25, n.° 33.

( 30 ) Acórdãos de 12 de Julho de 1990, Foster e o. (C-188/89, Colect., p. I-3313, n.° 18), e de 4 de Dezembro de 1997, Kampelmann e o. (C-253/96 a C-258/96, Colect., p. I-6907, n.° 46).

( 31 ) O advogado-gsral P. Léger consagra a este assunto extensas considerações nas suas conclusões Köbler, por diversas vezes referidas, de 8 de Abril de 2003 (já referidas na nota 3, n.os 53 a 76).

( 32 ) V. acórdão de 6 de Outubro de 1982, CILHT (283/81, Recueil, p. 3415, n.°s 14 a 20).

( 33 ) V. n.° 56.

( 34 ) V. acórdão San Giorgio (já referido na nota 5, n.° 12); Comateb e o. (já referido na nota 12, n.° 20); (já referido na nota 8, n.° 23), bem como os acórdãos mais recentes de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft c Hoechst (C-397/98 e C-410/98, Colect., p. I-1727, n.° 84); e de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer (já referido na nota 28, n.° 30).

( 35 ) Designadamente, acórdão Comateb e o. (já referido na nota 12, n.° 27 e 28).

( 36 ) V. também, neste sentido, as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs de 20 de Março de 2003 no processo Weber's Wine World (C-147/01, Colect., p. I-11365, n.° 48).

( 37 ) Conclusões no processo Comateb e o. (já referido na nota 12, n.° 21). No mesmo sentido, igualmente, conclusões do advogado-geral G. F. Mancini no processo San Giorgio {já referido na nota 5, n.° 7 das conclusões).

( 38 ) V. ainda as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs referidas na nota 36, n.° 49.

( 39 ) V., designadamente, acórdão Comateb e o. (já referido na nota 12, n.os 21 e 23).

( 40 ) V. acórdão de 21 de Setembro de 2000. Micha'didis (C-441/98 e C-442/98, Colect., p. I-7145, n.o 33).

( 41 ) Acórdão Dilexport (já referido na nota 8, n.° 25).

( 42 ) V., designadamente, acórdão San Giorgio (já referido na nota 5, n.° 12), e Comateb e o. (já referido na nota 12, n.° 20).

( 43 ) Acórdão Dilexport (já referido na nota 8, n.° 53).

( 44 ) Acórdão San Giorgio (já referido na nota 5, n.° 15).

( 45 ) Acórdão Comateb e o. (já referido na nota 12, n.° 30).

( 46 ) Acórdão Michaïlidis (já referido na nota 40, n.° 35).

( 47 ) Acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Colect., p. 1099, n.os 17 e 20).

( 48 ) Acórdão San Giorgio (já referido na nota 5, n.° 14), e Dilexport (já referido na nota 8, n.° 48). A lei que precedeu a que é objecto do presente litígio constitui um exemplo de uma regulamentação nacional desse tipo que impõe ao contribuinte o ónus de fazer a prova cm contrária negativa. No acórdão Comissão/Itália (já referido na nota 6), o Tribunal de Justiça declarou essa regulamentação contrária ao Tratado.

( 49 ) Acórdãos Bianco e Girard (já referido na nota 47, n.° 17), e Comateb e o. (já referido na nota 12, n.° 25).

( 50 ) V. acórdão Michaiiidis (já referido na nota 40, n.° 32).

( 51 ) V., neste sentido, igualmente, as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs, já referidas na nota 36, n.os 59 e 60.

( 52 ) Acórdão 3006, de 12 de Março de 1993, da primeira secção da Corte suprema di cassazione.

( 53 ) Acórdão 2844, de 28 de Março de 1996, da primeira secção da Corte suprema di cassazione.

( 54 ) Acórdão de 12 de Abril de 1995.

( 55 ) Acórdãos 9797, de 18 de Novembro de 1994, e 2369, de 12 de Abril de 1984, da Corte suprema di cassazione.

( 56 ) No acórdão Dilexport, já referido na nota 8, o Tribunal de Justiça verificou igualmente a existência dessa divisão, embora se tratasse aí de uma divergência de opinião entre o Governo italiano e o órgão jurisdicional de reenvio (v. n.° 50 do acórdão).

( 57 ) A este respeito, v. as conclusões que apresentámos no processo C-212/99, Comissão/Itália (acórdão de 26 de junho de 2001, Colcct., p. I-4923), nas quais indicámos que o Governo italiano assumia uma obrigação de resultado para pôr termo a uma situação de discriminação dos leitores de línguas estrangeiras provenientes de outros Estados-Mcmbros, que perdurava ná vários anos (n.° 46 das conclusões).