62000C0103

Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 25 de Outubro de 2001. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Helénica. - Incumprimento de Estado - Directiva 92/43/CEE - Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens - Protecção das espécies. - Processo C-103/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-01147


Conclusões do Advogado-Geral


1 Na presente acção, a Comissão das Comunidades Europeias pretende obter a declaração de que a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d) da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (1). Acusa este Estado-Membro de não ter tomado, no prazo fixado, as medidas necessárias ao estabelecimento e à aplicação de um sistema eficaz de protecção rigorosa da tartaruga marinha Caretta caretta na sua área de repartição natural, a ilha de Zákynthos (Grécia).

I - O enquadramento jurídico

2 Com base jurídica no artigo 130._-S do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 175._ CE), a directiva tem por objectivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados-Membros em que o Tratado é aplicável (2).

3 O artigo 2._, n._ 2, da directiva precisa que as medidas tomadas por força da mesma se destinam a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies da fauna e da flora selvagens de interesse comunitário.

4 A tartaruga marinha Caretta caretta faz parte das espécies referidas no anexo IV, alínea a), da directiva. O anexo IV, alínea a), refere-se às espécies animais de interesse comunitário que necessitam de uma protecção rigorosa.

5 O artigo 1._ da directiva define os principais conceitos utilizados.

6 O artigo 1._, alínea g), da directiva precisa que, por «espécies de interesse comunitário», deve entender-se:

«as espécies que, no território referido no artigo 2._:

i) estão em perigo, excepto as espécies cuja área de repartição natural se situa de forma marginal nesse território e que não estão em perigo nem são vulneráveis na área do paleártico ocidental (3) ou

ii) são vulneráveis, ou seja, cuja passagem à categoria das espécies em perigo se considera provável num futuro próximo no caso de persistência dos factores que são causa da ameaça ou

iii) são raras, ou seja, cujas populações são de reduzida expressão e que, embora não estejam actualmente em perigo ou não sejam vulneráveis, possam vir a sê-lo. Estas espécies estão localizadas em áreas geográficas restritas ou espalhadas numa superfície mais ampla ou

iv) são endémicas e requerem atenção especial devido à especificidade de seu habitat e/ou às incidências potenciais da sua exploração no seu estado de conservação.

Estas espécies constam ou podem vir a constar dos anexos II e/ou IV ou V».

7 De acordo com o artigo 1._, alínea a), por «conservação», entende-se «o conjunto das medidas necessárias para manter ou restabelecer os habitats naturais e as populações de espécies da fauna e da flora selvagens num estado favorável, tal como definido nas alíneas e) e i)».

8 O estado de conservação de uma espécie é definido pelo artigo 1._, alínea i), primeiro parágrafo, como sendo «o efeito do conjunto das influências que, actuando sobre a espécie em causa, podem afectar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações no território a que se refere o artigo 2._»

9 De acordo com o artigo 1._, alínea i), segundo parágrafo, «[o] `estado de conservação' será considerado `favorável' sempre que:

- os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é susceptível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence e

- a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível e

- existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo".

10 O regime de protecção de uma espécie de interesse comunitário constante do anexo IV, alínea a), da directiva está previsto no artigo 12._ da directiva, que dispõe:

«1. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para instituir um sistema de protecção rigorosa das espécies animais constantes do anexo IV a) dentro da sua área de repartição natural proibindo:

a) Todas as formas de captura ou abate intencionais de espécimes dessas espécies capturados no meio natural;

b) A perturbação intencional dessas espécies, nomeadamente durante o período de reprodução, de dependência, de hibernação e de migração;

c) A destruição ou a recolha intencionais de ovos no meio natural;

d) A deterioração ou a destruição dos locais de reprodução ou áreas de repouso.

2. Relativamente a estas espécies, os Estados-Membros proibirão a detenção, o transporte, o comércio ou a troca e a oferta para fins de venda ou de troca de espécimes capturados no meio natural, com excepção dos espécimes colhidos legalmente antes da entrada em vigor da presente directiva.

3. As proibições referidas nas alíneas a) e b) do n._ 1 e no n._ 2 aplicam-se a todas as fases da vida dos animais abrangidos pelo presente artigo.

4. Os Estados-Membros instituirão um sistema de vigilância permanente das capturas ou abates acidentais das espécies da fauna enumeradas no anexo IV, alínea a). Com base nas informações recolhidas, os Estados-Membros analisarão a necessidade de subsequentes investigações ou medidas de conservação com vista a garantir que as capturas ou abates acidentais não tenham um impacto negativo importante nas espécies em questão.»

11 Segundo o artigo 23._, n._ 1, da directiva, os Estados-Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento, no prazo de dois anos a contar da sua notificação, e, desse facto, informarão imediatamente a Comissão. Tendo esta directiva sido notificada em Junho de 1992, o referido prazo terminou em Junho de 1994.

II - A tramitação processual

A - O procedimento pré-contencioso

12 Em 12 de Dezembro de 1998, tendo verificado que a República Helénica não tinha tomado as medidas necessárias para estabelecer um sistema eficaz de protecção da tartaruga marinha Caretta caretta em Zákynthos e que, consequentemente, não tinha respeitado as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d), da directiva, a Comissão notificou a República Helénica para lhe apresentar as suas observações a este respeito.

13 Por carta de 17 de Março de 1999, as autoridades helénicas responderam que um projecto de decreto presidencial relativo à criação do parque marítimo de Zákynthos tinha sido enviado ao Conselho de Estado helénico para ser finalizado. Indicaram também à Comissão que tinham constituído uma comissão encarregue de redigir um projecto de decreto presidencial específico, de carácter geral, contendo disposições financeiras para o conjunto das regiões naturais protegidas da Grécia. Aliás, referiram a sua intenção de redigir um terceiro decreto presidencial específico relativo às medidas compensatórias para o parque marítimo nacional de Zákynthos.

Além disso, nessa mesma carta, as autoridades helénicas anunciaram uma série de medidas tais como, em concreto, a demolição de todas as construções ilegais nas praias, a elaboração de um cadastro nacional, a interdição de acesso de veículos às praias, a substituição da iluminação existente que perturba as tartarugas marinhas e a retirada das cadeiras de praias e dos guarda-sóis . Referiram também a assinatura de um contrato para a construção de uma lancha rápida destinada à polícia portuária de Zákynthos, para assegurar o respeito das medidas de protecção previstas.

14 Tendo verificado a ausência das medidas necessárias para estabelecer um sistema eficaz de protecção rigorosa da tartaruga marinha Caretta caretta em Zákynthos, que deviam consistir, por um lado, na criação do quadro institucional necessário para esse fim e, por outro lado, na tomada de medidas no terreno com o objectivo de proteger a espécie animal em questão, a Comissão enviou, por carta de 15 de Junho de 1999, à República Helénica, um parecer fundamentado no qual reiterava as críticas constantes da carta de notificação e a convidava a proceder em conformidade com o parecer fundamentado no prazo de dois meses.

15 Em 24 e 25 de Agosto de 1999, os serviços da Comissão deslocaram-se uma segunda vez a Zákynthos e tiveram a oportunidade de visitar as principais praias de reprodução da tartaruga marinha Caretta caretta. Verificaram, em particular, alguns progressos em relação à situação existente na altura da anterior missão (4). Em contrapartida, tal como no decurso da missão precedente, observaram a persistência de factores de perturbação susceptíveis de danificarem ou de destruírem as áreas de reprodução da espécie.

16 Em 29 de Outubro de 1999, as autoridades helénicas responderam ao parecer fundamentado, informando a Comissão de que tinha sido aprovado, para o verão de 1999, um financiamento de 30 milhões de GRD, para o programa de informação do público, bem como para a vigilância, a limpeza e a protecção das praias de areia do biótopo (5) do golfo de Laganas, em Zákynthos. As mesmas autoridades referiram igualmente que os guarda-sóis foram retirados da praia de Gerakas, de forma a não exceder o limite fixado para esta praia no projecto de decreto presidencial relativo à criação do parque marítimo nacional de Zákynthos.

17 Não tendo recebido qualquer outro elemento de informação que permitisse concluir que a República Helénica estava a cumprir as obrigações resultantes da directiva, a Comissão decidiu propor a presente acção.

B - Os pedidos das partes

18 A acção da Comissão foi inscrita no registo da Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de Março de 2000.

19 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- declarar que a República Helénica, ao não adoptar e, a título subsidiário, ao não comunicar à Comissão, no prazo fixado, as medidas necessárias para instituir e aplicar um sistema eficaz de protecção rigorosa da tartaruga marinha Caretta caretta em Zákynthos, de modo a evitar qualquer perturbação da espécie durante o seu período de postura (de fim de Maio a fim de Agosto), bem como qualquer actividade susceptível de causar danos ou destruições dos locais de reprodução, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE, bem como do artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d), da directiva;

- condenar a República Helénica nas despesas.

20 A República Helénica conclui pedindo a improcedência destas acusações e a condenação da Comissão nas despesas.

III - As acusações formuladas pela Comissão e os argumentos da República Helénica

A - Elementos de informação não contestados

21 A Comissão recorda que a tartaruga marinha Caretta caretta apareceu na Terra há oitenta milhões de anos. Tal como outras tartaruga marinhas, só põe ovos de dois em dois ou de três em três anos. Esta tartaruga vem pôr os ovos no local em que nasceu.

22 A região de Zákynthos e o golfo de Laganas, local da infracção, compreende setenta e cinco quilómetros de praia. Destes setenta e cinco quilómetros, apenas cinco correspondem a locais de nidificação para a espécie. O golfo de Laganas, em Zákynthos, é todavia uma região essencial, ou mesmo a mais importante do Mediterrâneo, para a reprodução da tartaruga marinha Caretta caretta (6).

23 O período de postura começa no fim do mês de Maio e termina no fim do mês de Agosto. Durante este período, as tartarugas saem do mar durante a noite e dirigem-se para o local mais seco da praia. Cavam um buraco de quarenta a sessenta centímetros e põem em média cento e vinte ovos, regressando imediatamente ao mar. Dois meses mais tarde, eclodem os ovos e, numa noite de lua cheia, as tartarugas recém-nascidas saem da areia e correm imediatamente em direcção ao mar. O trajecto até ao mar é considerado como o mais importante da sua existência e deve ser feito sem ajuda. Nesta fase da sua vida, as tartarugas são muito vulneráveis. Um grande número delas morre antes de ter atingido a idade adulta (trinta anos). Em cada mil tartarugas recém-nascidas, apenas uma ou duas atinge a idade adulta.

24 Para além dos obstáculos naturais, os principais obstáculos ao desenvolvimento desta espécie são as actividades humanas e, designadamente, as ligadas ao turismo. Devido às actividades ligadas ao turismo, as praias de reprodução são destruídas ou deterioradas. A necessidade de assegurar uma capacidade de alojamento suficiente para os turistas implica um aumento do volume das construções e, por conseguinte, um aumento dos efeitos nocivos - tais como o barulho, a luz - que perturbam a postura dos ovos, a incubação e a deslocação das tartarugas recém-nascidas em direcção ao mar. As luzes assustam e desorientam as tartarugas que não se arriscam a vir até à praia e que põem os ovos no mar ou então que os põem à pressa, sem terem tempo de cavarem um ninho que permita o desenvolvimento normal dos ovos. De igual modo, após o nascimento, em vez de irem em direcção ao mar, as tartarugas recém-nascidas dirigem-se para a luzes dos hotéis ou dos restaurantes e morrem.

O aumento dos factores nocivos, que perturbam a postura, a incubação e a deslocação das tartarugas recém-nascidas em direcção ao mar, tem igualmente a sua origem no ordenamento das praias e da ilha para assegurar aos turistas as actividades recreativas ou de lazer. Assim, a instalação de guarda-sóis e de cadeiras de praia reduz os espaços de postura e destrói os ninhos ou faz-lhes sombra, o que impossibilita uma incubação satisfatória. Os barcos e as pessoas causam ferimentos nas tartarugas que tentam vir à praia pôr os ovos ou às tartarugas recém-nascidas que tentam chegar ao mar alto. Os veículos que se deslocam nas praias esmagam as areias e perturbam ainda a postura, a incubação e eclosão. De igual modo, os resíduos no mar e nas praias estão na origem da morte das tartarugas, que confundem estes resíduos com comida (7).

25 A Comissão sublinha que a tartaruga marinha Caretta caretta é, nos termos do artigo 12._ da directiva e do seu anexo IV, uma espécie animal de interesse comunitário que necessita de protecção rigorosa. Segundo a Comissão, a aplicação completa e eficaz do artigo 12._, alíneas b) e d), da directiva exige, por um lado, a criação de um quadro jurídico coerente, a saber, a adopção de medidas legislativas, regulamentares ou administrativas específicas e, por outro lado, a tomada de medidas concretas no terreno.

B - Primeira acusação: a necessidade de adoptar um quadro jurídico que responda a certas exigências

26 A Comissão critica, antes de mais, à República Helénica não ter adoptado o quadro institucional apropriado que institua, nos termos do artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d), da directiva um sistema de protecção rigorosa da tartaruga marinha Caretta caretta.

27 Em sua opinião, o artigo 12._ da directiva deve ser interpretado à luz dos artigos 1._, alíneas a) e i), e 2._ da directiva. Resulta destas disposições que um sistema de protecção rigorosa de uma espécie animal de interesse comunitário abrange um conjunto de medidas coerentes e coordenadas, de carácter preventivo, que asseguram a manutenção a longo prazo ou o restabelecimento da população da espécie considerada no tipo de habitat natural ao qual pertence. Isto pressupõe a existência de um habitat natural suficientemente importante para a espécie considerada.

28 Segundo a Comissão, na data em que terminou o prazo previsto no parecer fundamentado, o sistema de protecção organizado pela República Helénica era francamente insuficiente. Em apoio desta acusação, a Comissão invoca as verificações efectuadas pelo Conselho de Estado que constam da acta anexa ao projecto de decreto presidencial relativo à criação do parque marítimo de Zákynthos e a correspondência das autoridades helénicas em resposta à notificação e ao parecer fundamentado da Comissão (8).

29 A República Helénica contesta ter infringido as disposições do artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d), da directiva.

30 Alega que, ao adoptar, em 22 de Dezembro de 1999, o decreto presidencial que qualificou as regiões terrestres e marítimas do golfo de Laganas e as ilhas de Strofada como parque marítimo nacional e a zona costeira dos municípios de Zákynthos e de Laganas como parque regional (9), estabeleceu um sistema de protecção rigorosa da tartaruga marinha Caretta caretta. O parque marítimo nacional de Zákynthos, que tem por objectivo a protecção deste património natural importante e a salvaguarda do equilíbrio ecológico do mar e da costa, terá sido criado em aplicação deste decreto.

31 Nos termos do decreto de 1999, a tartaruga marinha Caretta caretta é protegida, no interior do parque em questão, enquanto espécie prioritária nas regiões de protecção absoluta e nas regiões de protecção da natureza. O decreto de 1999 prevê, além disso, o acesso de um número limitado de visitantes, durante o período de postura, para fins de lazer (das 7 às 19 horas) e medidas de informação e de educação sobre a protecção do ambiente. Outras medidas muito concretas estão também previstas (por exemplo, um número limitado de guarda-sóis e de cadeiras de praia em certas praias).

32 A República Helénica refere que, durante os últimos vinte anos, foram tomadas medidas muito concretas para assegurar a protecção desta espécie animal na ilha de Zákynthos. A este respeito, cita diferentes textos legislativos, regulamentares e administrativos adoptados com esta finalidade desde 1980 (10). O decreto de 1999 constitui apenas uma etapa na instituição progressiva de um regime de protecção rigorosa desta espécie.

33 Segundo o Governo helénico, o atraso nas adopção dos decretos presidenciais relativos às medidas compensatórias não pode ser considerado como um incumprimento, pela República Helénica, da sua obrigação de tomar as medidas necessárias para proteger eficazmente a tartaruga marinha Caretta caretta.

34 A República Helénica sustenta que a improcedência da acção da Comissão também decorre dos dados disponíveis sobre a nidificação da tartaruga marinha Caretta caretta no golfo de Laganas durante os últimos quinze anos. Com efeito, alega que não está demonstrado que o número de ninhos tenha diminuído.

C - Segunda acusação: A necessidade de tomar medidas concretas no terreno

35 A Comissão critica à República Helénica não ter tomado as suficientes medidas concretas no terreno que permitissem proteger, de maneira efectiva, a espécie em causa durante o período de postura.

36 Refere ter efectuado duas visitas aos locais de reprodução da ilha de Zákynthos, a primeira durante o mês de Julho de 1998 e a segunda em fins de Agosto de 1999 (11). A Comissão reconhece que se verificaram progressos entre Junho de 1998 e Agosto de 1999. Assim, na sua segunda visita, verificou a presença de guardas nas praias de reprodução e a existência de painéis assinalando a presença de tartarugas nestas mesmas praias. Pôde igualmente verificar que eram difundidas as informações sobre as tartarugas marinhas Caretta caretta durante o período de postura às populações alojadas na ilha (designadamente, distribuição de brochuras nas praias).

No entanto, considera que estas medidas são ainda insuficientes e que a exploração turística intensa da ilha se concilia mal com a protecção desta espécie. Assim, durante a visita, a Comissão verificou em determinadas praias de reprodução - a saber, Gerakas, Daphni, Kalamaki, Laganas - a presença de um número de guarda-sóis e de cadeiras de praia bastante superior ao previsto no projecto de decreto de 1999, o aumento do número das construções ilegais na praia de Daphni, bem como que a circulação de motocicletas na praia de areia a leste de Laganas.

37 A República Helénica reconhece a existência de construções ilegais nas praias de Daphni, mas precisa que não estão operacionais e que a administração do departamento decidiu demoli-las. Refere que foram instituídas novas regras em matéria de iluminação. Assim, graças a estas últimas, a iluminação dos edifícios e de outras construções, bem como a iluminação pública, não poderão ser vistas directamente da praia e estarão mesmo a uma distância de uma milha marítima do mar. Acrescenta que o município de Laganas se pôs em conformidade com estas novas regras. Admite igualmente que poderá acontecer que uma motocicleta atravesse uma parte da praia.

Todavia, refere que a vigilância eficaz da praia de Laganas, que se estende por dois mil metros, é difícil devido à sua extensão. No que respeita ao número de guarda-sóis e de cadeiras de praia, admite que certos municípios não respeitavam as imposições do decreto de 1999. Contudo, precisa que actualmente na praia da Gerakas o número de guarda-sóis e de cadeiras de praia diminuiu consideravelmente e que na praia de Daphni os guarda-sóis e as cadeiras de praia foram retirados. Além disso, a República Helénica refere que o organismo do parque marítimo nacional de Zákynthos é agora responsável pela definição dos locais em que os guarda-sóis e as cadeiras de praia podem ser colocados, os locais em que devem ser guardados e as suas características. Acrescenta que o decreto de 1999 prevê que as cadeiras de praia e os guarda-sóis só podem ser instalados a uma distância de três a cinco metros do mar e que devem ser retirados depois do pôr do sol.

IV - Apreciação

A - A necessidade de adoptar um quadro jurídico que responda a certas exigências

38 Nos termos da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. As alterações posteriormente ocorridas não poderão, pois, ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça» (12).

39 Resulta das disposições do artigo 12._, n._ 1, alíneas b e d), da directiva que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para instituir um sistema de protecção rigorosa das espécies animais constantes do anexo IV, alínea a), dentro da sua área de repartição natural, proibindo a perturbação intencional dessas espécies, nomeadamente, durante o período de postura, bem como a deterioração ou a destruição dos locais de reprodução.

40 De acordo com o artigo 2._, n._ 2, da directiva, as medidas tomadas ao abrigo do seu artigo 12._ destinam-se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.

41 Na acepção do artigo 1._, alínea i), primeiro parágrafo, da directiva, entende-se por estado de conservação o efeito do conjunto das influências que, actuando sobre a espécie em causa, podem afectar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações no território a que se refere o artigo 2._ da directiva.

42 De acordo com o artigo 1._, alínea i), segundo parágrafo, da directiva, o estado de conservação de uma espécie é considerado favorável sempre que os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é susceptível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence, a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível e existir e continuar a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo.

43 Resulta da redacção destas disposições que as obrigações que incumbem por força do artigo 12._ da directiva aos Estados-Membros existem antes de se verificar uma diminuição da espécie em causa, a tartaruga marinha Caretta caretta, ou de se concretizar o risco de desaparecimento desta espécie protegida (13). Por outras palavras, as medidas que devem ser tomadas têm um essencialmente carácter preventivo. Além disso e de acordo com a leitura conjugada das disposições, resulta que um sistema de protecção rigorosa de uma espécie animal de interesse comunitário abrange um conjunto de medidas coerentes e coordenadas, de carácter preventivo, que assegure a manutenção a longo prazo ou o restabelecimento da população da espécie em causa no tipo de habitat natural ao qual pertence. Isto pressupõe a existência de um habitat natural suficientemente importante para a espécie em causa.

44 O facto de, no decurso dos últimos quinze anos, não se ter verificado qualquer diminuição do número de ninhos na ilha de Zákynthos não é, portanto, suficiente para que a República Helénica se exonere das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12._ da directiva. A República Helénica deve, para cumprir as obrigações da directiva, adoptar um conjunto de medidas precisas e concretas, destinadas a evitar que a população diminua, garantido, designadamente, às tartarugas a conservação da sua área de reprodução num estado de conservação favorável.

45 Ora, resulta do presente processo que em 14 de Agosto 1999, ou seja após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a República Helénica não tinha ainda cumprido integralmente as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12._ da directiva.

46 As observações feitas pelo Concelho de Estado, como constam da acta anexa ao projecto de decreto de 1999, são, a este respeito, amplamente suficientes para o demonstrar. Resulta do relatório redigido pelo Conselho de Estado que as disposições em vigor, designadamente o decreto de 1990, não permitiam assegurar, na medida necessária, a protecção eficaz das zonas marítimas e terrestres do golfo de Laganas. Assim, as actas referem que as praias de reprodução das regiões de Daphni, de Gerakas e de Kalamaki estão sujeitas a importantes pressões devido à construção de estradas na proximidade das praias de postura. No inverno, a estradas transformam-se em torrentes. Este fenómeno provoca a erosão do solo e, consequentemente, a destruição das praias de postura. O Conselho de Estado sublinha igualmente que as actividades humanas ligadas à exploração turística também provocam outros factores nocivos, como o barulho excessivo. O Conselho de Estado sublinha que estes factores nocivos podem perturbar a espécie protegida durante o período de reprodução. Recomenda, consequentemente, às autoridades helénicas competentes que limitem de forma significativa o acesso às praias das regiões de Daphni, de Gerakas e de Kalamaki, de forma a preservar esta áreas de reprodução num estado favorável (14). Foi após estas observações que a República Helénica adoptou o decreto de 1990. O Governo helénico não contesta as observações expostas na acta do Conselho de Estado.

47 Além disso, na sua correspondência em reposta à notificação da Comissão e ao parecer fundamentado, na sua contestação e nas observações apresentadas na audiência, a República Helénica reconheceu que estavam prestes a ser adoptadas as medidas complementares e coordenadas que permitem assegurar a protecção rigorosa da espécie em causa, mas que em 14 de Agosto de 1999 estas ainda não tinham sido adoptadas.

48 Na sua carta de 17 de Março de 1999, as autoridades helénicas anunciaram, com efeito, uma série de medidas como, em particular, a demolição de todas as construções ilegais nas praias, a elaboração de um cadastro nacional, a interdição do acesso de veículos às praias, a substituição da iluminação existente que perturba as tartarugas marinhas e a retirada das cadeiras de praia e dos guarda-sóis. As autoridades helénicas referiram igualmente que tinham acabado de celebrar o contrato para a construção de uma lancha rápida destinada à polícia portuária de Zákynthos, com vista a assegurar o respeito das medidas de protecção previstas.

49 Na sua contestação, alegaram que o decreto de 1999, ou seja, posterior ao termo do prazo fixado no parecer fundamentado, realizava os objectivos previstos no artigo 12._ da directiva.

50 Pela primeira vez e contrariamente ao que tinha sustentado até então, a República Helénica defendia, na sua contestação, que o decreto de 1999 tinha revogado o anterior decreto presidencial de 1990 relativo às zonas de controlo urbano e que se limitava a incorporar e a coordenar as diferentes disposições dos regulamentos especiais do porto de Zákynthos que tinham anteriormente sido adoptados com a finalidade de assegurar a protecção efectiva e eficaz da espécie em causa. O Governo helénico alegou, portanto, que, em 14 de Agosto de 1999, tinha já tomado as medidas necessárias para instaurar um sistema de protecção rigorosa da tartaruga marinha Caretta caretta.

51 Convidado pelo Tribunal de Justiça (15)a esclarecer, reproduzindo o seu teor, as disposições específicas da sua ordem jurídica em vigor em 14 de Agosto de 1999 que considera que serem susceptíveis de responder às exigências impostas pelo artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d), da directiva, o Governo helénico limitou-se a enumerar uma série de decisões legislativas, regulamentares e administrativas sem reproduzir o teor das obrigações que impõem. Portanto, o Governo helénico não demonstrou ter cumprido, no prazo fixado pelo parecer fundamentado, as obrigações impostas pelo artigo 12._ da directiva.

52 Resulta das considerações expostas que a primeira acusação é procedente.

B - A necessidade de tomar medidas concretas no terreno

53 A Comissão crítica igualmente à República Helénica não ter tomado medidas concretas no terreno que tivessem permitido que este Estado-Membro cumprisse as obrigações previstas pelo artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d), da directiva.

54 A Comissão refere as verificações feitas numa missão, em finais de Agosto de 1999, às praias de reprodução das tartarugas marinhas Caretta caretta situadas na ilha de Zákynthos. Alega que, apesar da presença de painéis assinalando a presença de ninhos de tartarugas nas praias do sul da ilha, verificaram-se comportamentos imputáveis ao homem susceptíveis de perturbar a espécie em causa durante o período de postura. Relatou, designadamente, a circulação de motocicletas na praia de areia a leste de Laganas, a presença de guarda-sóis e de cadeiras de praia em número superior ao previsto pelo projecto de decreto de 1999 nas praias de Gerakas, de Daphni, de Kalamaki e de Laganas e a presença de construções ilegais na praia de Daphni.

55 Por força do artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d), da directiva, os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para instituir um sistema de protecção rigorosa das espécies em causa, proibindo a perturbação intencional dessas espécies, nomeadamente, durante o período de reprodução ou a deterioração ou a destruição dos locais de reprodução.

56 Não é contestado que os factores que perturbam a postura, a incubação, a eclosão e a deslocação em direcção ao mar das tartarugas Caretta caretta recém-nascidas são, designadamente, o barulho e a luz artificial na proximidade ou sobre os locais de reprodução.

57 A instalação de cadeiras de praia e de guarda-sóis, bem como a circulação de motocicletas na praia, apesar dos avisos relativos à existência de ninhos de tartarugas, constituem actos intencionais susceptíveis de perturbarem a espécie em causa durante o período em que esta espécie deve, segundo o direito comunitário, ser especialmente protegida. O mesmo se passa com as construções ilegais no proximidade da praia de Daphni.

58 Aliás, a República Helénica não contestou seriamente a exactidão desta verificações, mas referiu que, tendo em conta a adopção de novas medidas, designadamente, as baseadas nas disposições do projecto de decreto de 1999 (16), já não lhe poderá ser dirigida qualquer crítica.

59 Decorre das considerações precedentes que esta acusação é igualmente procedente.

60 Em conclusão e sem pôr em causa o direito que têm os Estados-Membros de favorecer a exploração dos seus recursos turísticos ou as medidas tomadas pelo Governo helénico durante o período em questão que se destinam a proteger a espécie animal em causa, considero que o Estado demandado não tomou, em tempo útil, as medidas rigorosas impostas pelo direito comunitário a fim de preservar, a longo prazo, uma espécie particularmente protegida; medidas que apenas este Estado-Membro estava em condições de tomar.

Conclusão

Pelas razões anteriormente expostas, proponho que o Tribunal de Justiça:

1) declare que, ao não tomar, no prazo fixado, as medidas necessárias para instituir e aplicar um sistema de protecção rigorosa da tartaruga marinha Caretta caretta em Zákynthos, de modo a evitar qualquer perturbação da espécie durante o seu período de postura (de fim de Maio a fim de Agosto), bem como qualquer actividade susceptível de causar danos ou destruições dos locais de reprodução, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12._, n._ 1, alíneas b) e d), da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens;

2) condene a República Helénica nas despesas.

(1) - JO L 206, p. 7, a seguir «directiva».

(2) - Considerandos 1 e 3 a 6.

(3) - Esta região abrange, globalmente, o norte da Europa, a bacia mediterrânica e o norte e o oeste de África. Está limitada a leste por uma linha norte/sul que segue desde a península do Taimir o limite oriental dos Urais e as margens ocidentais dos mares Vermelho e Cáspio.

(4) - Designadamente, a presença de guardas e de painéis de sinalização nas praias, a publicação e a distribuição de brochuras de informação e a entrada em serviço da lancha rápida.

(5) - Meio biológico determinado que oferece a uma espécie e à área natural na qual se desenvolve condições de habitat relativamente estáveis.

(6) - Este elemento resulta de diferentes trabalhos efectuados no quadro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico e do Conselho da Europa e não é contestado pela República Helénica.

(7) - Assim, os sacos plásticos que flutuam na água são tomados por alforrecas.

(8) - V. n.os 13 e 16 das presentes conclusões.

(9) - FEK D'906/22.12.1999 (a seguir «decreto de 1999»).

(10) - Designadamente, o decreto presidencial de 16 de Junho de 1990 (FEK A'347/5.7.1990).

(11) - Neste último caso, após ter expirado o prazo fixado no parecer fundamentado.

(12) - V., nomeadamente, acórdãos de 11 de Setembro de 2001, Comissão/Irlanda (C-67/99, I-0000, n._ 36); Comissão/Alemanha (C-71/99, Colect., p. I-0000, n._ 29) e Comissão/França (C-220/99, Colect., p. I-0000, n._ 33).

(13) - V., por analogia, acórdão de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Espanha (C-355/90, Colect., p. I-4221, n._ 15).

(14) - Outras medidas concretas que permitem a protecção destes locais são igualmente preconizadas, designadamente, a criação de infra-estruturas capazes de conciliar as actividades recreativas e de lazer dos turistas com os espaços necessários à reprodução da espécie protegida (como a criação de locais de estacionamento para os veículos)

(15) - V. a questão escrita colocada pelo Tribunal de Justiça antes da audiência.

(16) - Designadamente, o recrutamento de um número importante de guardas, a criação do organismo de gestão e administração do parque marítimo nacional de Zákynthos, que terá competência para coordenar as medidas adoptadas concretamente pelas autoridades competentes na matéria, tais como os municípios (particularmente no domínio da concessão de licenças de construção), e, em certas hipóteses, para promulgar determinadas normas (designadamente, em matéria de ocupação da praia por guarda-sóis e cadeiras de praia e em matéria de iluminação pública).