62000C0071

Conclusões apensas do advogado-geral Tizzano apresentadas em 7 de Fevereiro de 2002. - Develop Baudurchführungs- und Stadtentwicklungs GmbH contra Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland. - Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgerichtshof - Áustria. - Directiva 69/335/CEE - Impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais - Imposto sobre as entradas de capital - Entrada de bens de qualquer natureza - Conceito - Contribuições financeiras efectuadas pela sociedade-mãe de uma sociedade que adquiriu direitos obrigacionais de participação emitidos por uma sociedade de capitais. - Processo C-71/00. - Solida Raiffeisen Immobilien Leasing GmbH e Tech Gate Vienna Wissenschafts- und Technologiepark GmbH contra Finanzlandesdirektion für Wien, Niederösterreich und Burgenland. - Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgerichtshof - Áustria. - Directiva 69/335/CEE - Impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais - Imposto sobre as entradas de capital - Entrada de bens de qualquer natureza - Conceito - Aquisição por um não associado de direitos obrigacionais de participação emitidos por uma sociedade de capitais. - Processo C-138/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-08877


Conclusões do Advogado-Geral


1. Por despachos de 17 de Fevereiro e de 30 de Março de 2000, o Verwaltungsgerichtshof (Áustria) submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais respeitantes à interpretação da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22; a seguir «directiva»). Em última análise, através dessas questões aquele órgão jurisdicional austríaco interroga o Tribunal de Justiça sobre a possibilidade de sujeitar ao imposto sobre as entradas de capitais determinadas prestações destinadas à aquisição de títulos obrigacionais de fruição emitidos por sociedades de capitais.

Enquadramento legislativo de referência

Legislação comunitária

2. Como se pode ler no primeiro considerando da Directiva 69/335/CEE, esta destina-se a promover a livre circulação de capitais, a fim de criar uma união económica com características análogas às de um mercado interno. Este objectivo pressupõe, nomeadamente, que a aplicação do imposto sobre as reuniões de capitais «aos capitais reunidos no âmbito de uma sociedade só pode ocorrer uma única vez, no mercado comum, e que esta tributação, a fim de não perturbar a circulação dos capitais, deve ser de nível idêntico em todos os Estados-Membros» (sexto considerando). Para esse efeito, a directiva dispõe que convém proceder a uma harmonização do referido imposto, tanto no que respeita à sua estrutura como às taxas respectivas (sétimo considerando).

3. Para realizar a referida harmonização, as operações tributáveis estão expressamente indicadas no artigo 4.° da directiva; o n.° 1 deste artigo dispõe, em especial, na parte que nos interessa, que estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital as seguintes operações:

«[...]

d) o aumento do activo de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie, remunerada não por partes representativas do capital social ou do activo, mas por direitos da mesma natureza que os dos sócios, tais como direito de voto, participação nos lucros ou no saldo de liquidação;

[...]»

4. Em relação ao valor tributável, no que ao caso interessa, o artigo 5.° , n.° 1, dispõe que «o imposto será liquidado:

a) no caso de constituição de uma sociedade de capitais, de aumento do seu capital social ou do aumento do seu activo, operações referidas no n.° 1, alíneas a), c) e d), do artigo 4.° : sobre o valor real dos bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios, após dedução das obrigações assumidas e dos encargos suportados pela sociedade em consequência de cada entrada; os Estados-Membros podem cobrar o imposto sobre as entradas de capital à medida que as liberações sejam efectuadas;

[...]».

Legislação nacional

5. Como decorre do despacho de reenvio, na Áustria, o imposto sobre as entradas de capital rege-se pela Kapitalverkehrsteuergesetz (a seguir «KVG»). Para os presentes efeitos, convém assinalar, em especial, que, nos termos do § 2 da KVG, «estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital:

(1) as aquisições de direitos de participação social numa sociedade de capitais nacional pelo primeiro adquirente;

[...]».

6. O § 5, primeiro parágrafo, da KVG, dispõe, a este respeito, que, entre outros, «consideram-se direitos de participação social numa sociedade de capitais [...] os direitos de fruição». O n.° 2 da mesma disposição especifica além disso que «consideram-se sócios as pessoas a que correspondem os direitos mencionados em (1)».

7. Quanto ao valor tributável, o § 7 da KVG prevê que «o imposto é liquidado:

(1) em caso de aquisição de direitos sociais (§ 2, n.° 1):

a) quando exista contrapartida, sobre o valor da contrapartida. A contrapartida também inclui os gastos com a constituição da sociedade ou com o aumento de capital assumidos pelos sócios, mas não o imposto sobre as entradas de capital que deva ser pago em virtude da aquisição de direitos sociais;

[...]».

Factos e tramitação processual no processo C-71/00

8. Em Dezembro de 1995, a Develop Baudurchführungs-und Stadtentwicklungs GmbH (a seguir «Develop») emitiu títulos obrigacionais de fruição (a seguir «títulos de fruição») no valor nominal global de 1 615 000 ATS, subscritas pela RLB Beteiligungs und Treuhandverwaltungs GmbH (a seguir «RLB-BT»).

9. Conforme convencionado pelas partes, os títulos de fruição davam direito a uma participação proporcional nos lucros correntes, no valor da sociedade (incluindo as reservas ocultas), bem como no produto da liquidação da sociedade. Além disso, os referidos títulos conferiam aos respectivos titulares o direito ao reembolso do valor nominal, acrescido de eventuais pagamentos adicionais que tivessem feito a qualquer outro título. No caso de a relação obrigacional ser extinta por rescisão, os possuidores dos títulos de fruição tinham o direito a receber um montante proporcional ao valor da empresa nesse momento, não podendo esse montante ser inferior ao valor nominal dos títulos em questão e dos eventuais pagamentos adicionais que tivessem feito a qualquer outro título.

10. Além disso, as condições do empréstimo previam expressamente que a titularidade dos direitos de fruição não dava lugar a qualquer relação de participação social; consequentemente, os titulares dos direitos de fruição não tinham direitos de participação social, como direito de voto, direito de participar nas assembleias gerais da sociedade ou direito de fazer pedidos ou de impugnar resoluções tomadas em tais assembleias.

11. Como contrapartida pela emissão desses títulos de fruição, para além do seu valor nominal, a Develop recebeu uma contribuição suplementar (Großmutterzuschüß ou «contribuição da sociedade-avó») de 321 385 000 ATS, da sociedade-mãe da RLB-BT, a RLB Immobilierenprojekt Entwicklungs- und Beteiligungs GmbH (a seguir «RLB-IEB»).

12. No que respeita à aplicação do imposto sobre as entradas de capital à operação acabada de referir, na declaração de imposto apresentada em Fevereiro de 1996, a Develop pediu expressamente que a contribuição suplementar efectuada pela «sociedade-mãe» não fosse incluída no valor tributável. Todavia, a administração fiscal competente (a Finanzamt für Gebühren und Verkehrssteuern Wien) indeferiu o pedido e, por aviso de 29 de Maio de 1996, liquidou o imposto tomando como valor tributável o quantitativo global de 323 000 000 ATS.

13. O posterior recurso interposto na própria Finanzamt também não obteve provimento. A Develop impugnou, então, esta decisão no Verwaltungsgerichtshof, alegando que a liquidação do imposto sobre a contribuição efectuada pela «sociedade-mãe» era incompatível com o artigo 4.° , n.° 1, alínea d), da directiva. Tendo que decidir este litígio, o Verwaltungsgerichtshof decidiu apresentar ao Tribunal de Justiça, uma questão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, a fim de saber se:

«As prestações que o adquirente de direitos de fruição numa sociedade de capitais efectua, não por si próprio, mas através da sociedade-mãe, representam uma entrada de bens de qualquer espécie, na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335 [...]?»

14. A Develop, o Governo austríaco, o Governo neerlandês e a Comissão apresentaram observações no processo instaurado perante o Tribunal de Justiça. Nenhuma das partes intervenientes pediu para ser ouvida na audiência.

Factos e tramitação do processo C-138/00

15. A segunda questão prejudicial foi submetida ao Tribunal de Justiça no âmbito de dois processos apensos, pelo Verwaltungsgerichtshof, que opõem duas sociedades austríacas, a Solida Raiffeisen Immobilien Leasing GmbH (a seguir «Solida») e a Tech Gate Vienna Wissenschafts- und Technologiepark GmbH (a seguir «Tech»), à administração fiscal.

O processo Solida

16. Em 10 de Março de 1995, a Solida emitiu títulos de fruição no valor nominal global de 465 000 ATS que foram adquiridos pela Pelias Raiffeisen Immobilien Leasing GmbH (a seguir «Pelias»). O regime jurídico acordado pelas partes para esses títulos coincidia substancialmente, no que neste caso interessa, com o descrito, supra, no n.° 9.

17. Pela emissão dos títulos de fruição, em 24 de Março de 1995 a sociedade-mãe da Pelias, a Raiffeisen Landesbank Tirol reg. Gen.m.b.H. (a seguir «RLB») pagou à Solida uma contribuição suplementar (Großmutterzuschüß ou «contribuição da sociedade-avó» ) no montante de 92 565 000 ATS.

18. Considerando que, para efeitos de aplicação do imposto sobre as entradas de capital, não havia que estabelecer distinção entre o montante pago em função do valor nominal dos títulos e a contribuição suplementar, a administração fiscal competente (o Finanzamt für Gebühren und Verkehrsteuern de Viena) liquidou, em 29 de Janeiro de 1997, o imposto sobre a operação descrita, tomando como valor tributável o quantitativo global de 93 030 000 ATS.

19. A Solida interpôs recurso desta medida no próprio Finanzamt, argumentando, nomeadamente, que as contribuições efectuadas por não sócios para a aquisição de títulos de fruição não podem ser sujeitas ao imposto sobre entradas de capital na acepção da Directiva 69/335. Aquela autoridade negou provimento ao recurso, decisão esta que foi posteriormente impugnada no Verwaltungsgerichtshof por violação da Directiva 69/335.

O processo Tech

20. Em 30 de Junho e em 12 de Outubro de 1998, a Tech emitiu títulos de fruição, num valor nominal de 2 000 000 ATS e de 1 000 000 ATS, que foram adquiridas, respectivamente, pela Wirtschaftsparkentwicklungs GmbH (a seguir «WEG») e pela Wiener Hafen GmbH (a seguir «WHG»). Também nestes casos o regime jurídico convencionado pelas partes coincidia substancialmente, no que neste caso interessa, com o descrito, supra, no n.° 9.

21. Em 15 de Outubro e em 11 de Dezembro de 1998, a administração fiscal competente (o Finanzamt für Gebühren und Verkehrsteuern de Viena) procedeu à liquidação do imposto sobre entradas de capital sobre essas operações, com base no valor tributável de 2 000 000 ATS e 1 000 000 ATS, respectivamente, isto é, o valor nominal dos títulos.

22. Na sequência da adopção dessas medidas, em 18 de Junho de 1999 a Tech comunicou ao Finanzamt ter recebido pagamentos suplementares pela emissão dos títulos em questão, e, mais precisamente:

- quanto aos títulos emitidos em favor da WEG, um pagamento suplementar, em 6 de Agosto de 1998, de 68 000 000 ATS por parte da «Gesellschaft des Bundes für Industriepolitische Maßnahmen»;

- e, quanto aos títulos emitidos em favor da WHG, um pagamento suplementar, em 12 de Outubro de 1998, de 69 000 000 ATS por parte do município de Viena.

23. Considerando que estas contribuições também deviam ser sujeitas ao imposto sobre entradas de capital, o Finanzamt anulou as suas medidas anteriores, a fim de incluir as referidas contribuições no valor tributável. A Tech interpôs recurso desta decisão no Verwaltungsgerichtshof, alegando que as disposições da Directiva 69/335 obstam à aplicação do imposto aos montantes entregues por não sócios para a aquisição de títulos de fruição.

O despacho de reenvio e a tramitação no Tribunal de Justiça

24. Apensos os dois recursos em razão da sua afinidade, o órgão jurisdicional a que foram submetidos decidiu apresentar ao Tribunal de Justiça mais uma questão prejudicial, nos termos do artigo 234.° CE, em complemento das questões já submetidas relativamente a questões análogas nos processos C-339/99 (Energie Steiermark) e C-71/00 (Develop). Com esta questão, o órgão jurisdicional pergunta, nomeadamente se:

«As prestações de um não sócio para uma sociedade de capitais a fim de obter direitos obrigacionais de participação constituem bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 5.° da Directiva 69/335.»

25. No processo submetido ao Tribunal de Justiça, a Solida, a República da Áustria e a Comissão apresentaram observações escritas e participaram na audiência que teve lugar em 26 de Setembro de 2001.

Análise jurídica

Introdução

26. A evidente afinidade das questões de interpretação submetidas ao Tribunal de Justiça nos processos em apreço exige, em minha opinião, uma análise conjunta das mesmas. De facto, em ambos os processos é solicitado que se esclareça se o imposto sobre entradas de capital pode ser aplicado às quantias pagas a uma sociedade de capitais para a aquisição de títulos de fruição: no processo C-71/00 (Develop), em especial, pergunta-se se o imposto pode ser aplicado às entradas de capital efectuadas pelo adquirente através da sociedade-mãe, ao passo que, no processo C-138/00 (Solida/Tech), a pergunta, em termos mais gerais, é se podem ser sujeitas ao imposto as entradas de capital (directas ou indirectas) efectuadas por quem não seja sócio da sociedade que emite os direitos de fruição.

27. O diferente alcance das questões colocadas nos dois processos deve-se essencialmente aos diferentes pedidos apresentados ao órgão jurisdicional nacional. De facto, no processo Develop, não foi contestada a aplicação do imposto ao montante pago pelo adquirente dos títulos de fruição (igual ao seu valor nominal), mas apenas a sujeição ao imposto do pagamento complementar efectuado pela sociedade-mãe. Ao contrário, no processo Solida e Tech, as recorrentes contestaram a aplicação do imposto a todos os pagamentos efectuados para a aquisição dos títulos de fruição, pelo facto de os adquirentes não serem sócios.

28. Na análise das duas questões apresentadas ao Tribunal de Justiça, convém, antes de mais, examinar, em termos mais gerais, se a aplicação do imposto deve ser excluída quando os títulos de fruição não são adquiridos por sócios (questão Solida/Tech). Uma vez esclarecido este ponto, poder-se-á depois determinar se devem ser sujeitos ao imposto os pagamentos indirectos que os adquirentes dos títulos efectuam através da sociedade-mãe (questão Develop). Antes de passar a essa análise, parece-me, porém, útil observar que esta última pergunta suscita questões jurídicas análogas às já submetidas ao Tribunal de Justiça pelo próprio Verwaltungsgerichtshof no processo C-339/99 (Energie Steiemark) relativamente ao qual nesta mesma data apresento as minhas conclusões. O percurso lógico desenvolvido no que diz respeito a esta questão retoma por isso, pelo menos em parte, o desenvolvido naquele processo.

Quanto à questão apresentada no processo Solida/Tech

29. Começando, portanto, pela questão apresentada no processo Solida/Tech, lembro que, para tanto, é necessário determinar se a aplicação do imposto deve ser excluída quando os títulos de fruição não são adquiridos por sócios da sociedade que os emite.

30. A este respeito, observo, antes de mais, que, dos despachos de reenvio resulta claramente que, como aliás as partes não contestam, os títulos de fruição, embora não dando lugar a uma participação social, conferem direitos patrimoniais similares aos que são reconhecidos aos sócios. Consequentemente, não há dúvida de que, em princípio, a aquisição de títulos de fruição constitui uma operação tributável na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea d), da directiva, na medida em que realiza um aumento do activo de uma sociedade de capitais «mediante a entrada de bens de qualquer espécie, remunerada não por partes representativas do capital social ou do activo, mas por direitos da mesma natureza que os dos sócios, tais como direito de voto, participação nos lucros ou no saldo de liquidação» .

31. Todavia, como já foi dito, a Solida e a Tech contestam que o imposto seja aplicável nos não raros casos em que os adquirentes não são sócios das sociedades que emitem os títulos. Em apoio desta tese, invocam, em especial, o artigo 5.° , n.° 1, alínea a), da directiva (expressamente referido na questão prejudicial), em cujos termos, «no caso de constituição de uma sociedade de capitais, de aumento do seu capital social ou do aumento do seu activo, operações referidas no n.° 1, alíneas a), c) e d), do artigo 4.° », o imposto será liquidado «sobre o valor real dos bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios» . Uma vez que, como já aqui foi dito, a aquisição dos títulos de fruição não confere a qualidade de «sócio», aquelas alegam que, em consequência, o imposto só pode ser aplicado quando forem os sócios a adquirir os referidos títulos. Nas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, a Develop defende essencialmente a mesma tese.

32. Opinião contrária têm o Governo austríaco e a Comissão, segundo os quais a referência aos «sócios» constante do artigo 5.° , n.° 1, alínea a), da directiva, deve ser entendida em sentido «atécnico» ou «informal», de modo a poder incluir nesse conceito também os titulares de «direitos da mesma natureza que os dos sócios» na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea d).

33. Esta última interpretação parece-me, sem dúvida, preferível. De facto, tal como os que a defendem, considero que a diferente interpretação sugerida pela Solida, pela Tech e pela Develop é excessivamente formalista e conduz essencialmente ao esvaziamento do conteúdo do artigo 4.° , n.° 1, alínea d). De facto, levaria a inserir neste artigo uma condição (sobremaneira restritiva) que, de facto, dele não consta, impondo a aplicação do imposto nos casos de «aumento do activo de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie, remunerada [...] por direitos da mesma natureza que os dos sócios» na condição de que se trate de prestações efectuadas por sócios.

34. Mas a tese aqui criticada também resulta pouco rigorosa, porque, como argumentam os seus opositores, inverte, sem razão, o papel dos artigos 4.° e 5.° no sistema da directiva. De facto, é no artigo 4.° que são indicadas as operações tributáveis, entre as quais se conta precisamente o aumento do activo mediante entradas de capital remuneradas «por direitos da mesma natureza que os dos sócios» [artigo 4.° , n.° 1, alínea d)]. O artigo 5.° define, sim, o valor tributável que deve ser tido em conta para o cálculo do imposto a aplicar relativamente às diversas operações tributáveis nos termos do artigo 4.° É evidente, por isso, que é ao artigo 4.° e não ao artigo 5.° que se deve atender para determinar as operações tributáveis e definir os necessários requisitos de natureza objectiva e subjectiva.

35. A confirmar o que ficou dito pode, de resto, observar-se que, quando o legislador quis tributar determinadas operações apenas se efectuadas por sócios, o indicou expressamente nas disposições em que previu a aplicação do imposto às referidas operações (ubi voluit dixit). Assim, o artigo 4.° , n.° 2, alínea b), dispõe expressamente que os Estados-Membros podem aplicar o imposto em caso de «aumento do activo de uma sociedade de capitais através de prestações efectuadas por um sócio, que não impliquem o aumento do capital social mas que tenham a sua contrapartida numa alteração dos direitos sociais ou que sejam susceptíveis de aumentar o valor das partes sociais» . O facto de este requisito não estar previsto no artigo 4.° , n.° 1, alínea d), da directiva, significa, em minha opinião, que o mesmo não é necessário para tributar as operações contempladas na referida disposição.

36. Estas considerações levam a que me incline para uma interpretação ampla e «atécnica» da referência aos sócios constante do artigo 5.° , n.° 1, alínea a), da directiva, de forma a torná-la extensiva também os titulares de «direitos da mesma natureza que os dos sócios» na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea d). Considero, portanto, que deve responder-se à questão apresentada no processo Solida/Tech que o artigo 5.° , n.° 1, alínea a), da directiva, deve ser interpretado no sentido de que as prestações de um não sócio para uma sociedade de capitais a fim de adquirir direitos obrigacionais de participação constituem «bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios» nos termos desta disposição.

Quanto à questão formulada no processo Develop

37. Com a questão formulada no processo Develop, o Verwaltungsgerichtshof pretende saber se, nos casos previstos no artigo 4.° , n.° 1, alínea d), o imposto pode ser aplicável às prestações que o adquirente dos títulos de fruição efectua, não por si próprio, mas através da sociedade-mãe. Uma vez estabelecido que, nos casos previstos por esta disposição, as entradas de capital efectuadas pelos titulares de «direitos da mesma natureza que os dos sócios» (como os direitos de fruição) devem ser sujeitas ao imposto, há que perguntar agora se, ao abrigo do artigo 5.° , n.° 1, alínea a), o imposto também deve ser aplicado às entradas de capital que esses sujeitos efectuam através das sociedades mães.

38. Tal como os Governos austríaco e neerlandês e a Comissão, considero que a resposta a esta questão deve ser afirmativa. Isto porque, na hipótese perspectivada, as entradas de capital são sempre efectuadas, ainda que de forma indirecta e através da sociedade-mãe, essencialmente por sujeitos jurídicos que adquirem «direitos da mesma natureza que os dos sócios». De facto, segundo resulta do despacho de reenvio, no processo principal não é contestado que a contribuição suplementar da sociedade-mãe (RLB-IEB) tenha sido paga por conta da filial (RLB-BT), à qual deve materialmente ser imputado aquele pagamento. A ser assim, então não julgo que possa ter pertinência para a aplicação do imposto o facto de, sob um ponto de vista formal, as entradas de capital serem efectuadas pela sociedade-mãe.

39. A abordagem «substancial» aqui proposta, segundo a qual, para efeitos de aplicação do imposto, há também que ter em conta as prestações indirectas, encontra aliás uma correspondência pontual na jurisprudência comunitária. De facto, como a Comissão e o Governo neerlandês sublinharam, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer - com referência às prestações previstas no artigo 4.° , n.° 2, alínea b), da directiva - que «deve ser considerada como uma prestação efectuada por um sócio na acepção da citada disposição comunitária, a transferência de lucros realizada entre duas sociedades controladas por um sócio comum, quando das circunstâncias resulta claramente que essa transferência constitui, na verdade, um pagamento feito pelo sócio comum a uma das suas sociedades, por intermédio da segunda» . Nessa decisão, o Tribunal de Justiça considerou como prestações efectuadas por um sócio, na acepção da directiva, as entradas de capital por este efectuadas por intermédio de uma sociedade por ele controlada, entendendo dever apreciar - para além do elemento formal - a quem eram «na realidade» imputáveis as entradas de capital em questão. Analogamente, mas em sentido contrário, em minha opinião, devem ser consideradas entradas de capital das pessoas que adquiram «direitos da mesma natureza que os dos sócios» as contribuições que estes efectuaram indirectamente através de pagamentos (por sua conta) da sociedade-mãe.

40. Cumpre-me acrescentar que esta interpretação é preferível até porque permite garantir o efeito útil da directiva e evitar formas fáceis de evasão do imposto harmonizado. Com efeito, o alcance do artigo 4.° , n.° 1, alínea b), da directiva, ficaria consideravelmente diminuído, senão mesmo totalmente esvaziado, se as sociedades pertencentes a um grupo pudessem facilmente eximir-se ao imposto, fazendo pagar por outras sociedades do grupo as entradas de capital devidas na aquisição de títulos de fruição.

41. Considero, por conseguinte, que se deve responder à questão apresentada no processo Develop que o artigo 4.° , n.° 1, alínea d), deve ser interpretado no sentido de que as prestações que o adquirente de títulos de fruição de uma sociedade de capitais efectua, não por si próprio mas através da sociedade-mãe, constituem uma «entrada de bens de qualquer espécie» na acepção daquela disposição.

Conclusão

Em vista do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Verwaltungsgerichtshof o seguinte:

- no processo C-138/00 (Solida/Tech), que «o artigo 5.° , n.° 1, alínea a), da Directiva 69/335/CEE deve ser interpretado no sentido de que as prestações de um não sócio para uma sociedade de capitais, a fim de obter direitos obrigacionais de participação, constituem bens de qualquer natureza entregues ou a entregar pelos sócios na acepção daquela disposição».

- no processo C-71/00 (Develop), que «o artigo 4.° , n.° 1, alínea d), da Directiva 69/335/CEE deve ser interpretado no sentido de que as prestações que o adquirente de títulos de fruição de uma sociedade de capitais efectua, não por si próprio, mas através da sociedade-mãe constituem uma entrada de bens de qualquer natureza na acepção daquela disposição».