Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 5 de Abril de 2001. - Elide Gottardo contra Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS). - Pedido de decisão prejudicial: Tribunale ordinario di Roma - Itália. - Reenvio prejudicial - Artigos 12.º CE e 39.º, n.º 2, CE - Prestações de velhice - Convenção de segurança social celebrada entre a República Italiana e a Confederação Helvética - Não tomada em conta dos períodos de seguro cumpridos na Suíça por um nacional francês. - Processo C-55/00.
Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-00413
1. O Tribunale ordinario di Roma interroga o Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 234.° CE, sobre a interpretação do artigo 12.° CE e do artigo 39.° , n.° 2, CE que proíbem toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.
Quando um Estado-Membro tenha celebrado um acordo de segurança social com um país terceiro, em virtude do qual é reconhecido aos nacionais de um e do outro o direito à acumulação dos períodos de contribuição cumpridos em ambos para efeitos de concessão da pensão de velhice, coloca-se a questão de saber se essas normas comunitárias permitem recusar esse mesmo direito a um trabalhador nacional de outro Estado-Membro. A razão que o Estado alega para recusar a acumulação é que o trabalhador não é seu nacional.
I - Factos do litígio no processo principal
2. Elide Gottardo era italiana de nascimento e, em consequência do seu casamento com um cidadão francês, em Fevereiro de 1953, adquiriu a nacionalidade francesa. Contribuiu para a segurança social 100 semanas na Itália, 252 na Suíça e 429 na França. Recebe uma pensão de velhice na Suíça e outra na França, que lhe foram atribuídas sem necessidade de recorrer à acumulação de períodos.
Em Setembro de 1996, a interessada apresentou ao Istituto nazionale della previdenza sociale (a seguir «INPS») um pedido de pensão de velhice. Foi-lhe recusado, em Novembro de 1997, por ser cidadã francesa e a convenção ítalo-suíça sobre segurança social, de 14 de Dezembro de 1962, ratificada pela Lei n.° 1781, de 31 de Outubro de 1963 (a seguir «convenção ítalo-suíça»), ser inaplicável à acumulação dos períodos de cotização. Seguidamente, apresentou uma reclamação administrativa contra essa decisão e o INPS confirmou o indeferimento em Junho de 1998.
3. Em recurso judicial, E. Gottardo sustenta que, por ter a nacionalidade de um Estado-Membro, a Itália deve reconhecer-lhe o direito à pensão nas mesmas condições que aos seus próprios nacionais, mesmo que se trate de aplicar uma convenção celebrada com um país terceiro. O INPS pede que seja negado provimento ao recurso, por as normas da convenção ítalo-suíça não poderem aplicar-se à recorrente, que é cidadã francesa.
4. Tal como expõe o órgão jurisdicional na sua decisão de reenvio, o Estado italiano reconhece aos seus próprios nacionais que comprovem períodos de seguro cumpridos na Itália e na Suíça a possibilidade de obterem a liquidação da pensão de velhice com a acumulação desses períodos. Se E. Gottardo não tivesse adquirido a nacionalidade francesa e perdido a italiana, o INPS teria seguramente deferido o seu pedido, considerando a circunstância de ter cumprido períodos de cotização na Itália, na França e na Suíça. O juiz é de parecer de que a nacionalidade é a única razão pela qual o organismo de segurança social recorrido indeferiu o pedido da trabalhadora.
II - A questão prejudicial
5. Considerando que a decisão do INPS poderia violar o artigo 12.° CE e o artigo 39.° CE, o Tribunale di Roma suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«O trabalhador cidadão de um Estado-Membro que possa invocar o pagamento de contribuições para a segurança social na instituição competente de um outro Estado-Membro tem, pelo menos, o direito de que lhe seja paga a pensão de velhice mediante a acumulação das contribuições pagas à instituição de um Estado que não faz parte da União, nos termos da convenção que o Estado-Membro celebrou com este último e que o mesmo Estado-Membro aplica a favor dos seus próprios cidadãos?»
III - Legislação comunitária
6. De acordo com o previsto no artigo 12.° , primeiro parágrafo, CE:
«No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade».
O artigo 39.° , n.° 2, CE determina:
«A livre circulação dos trabalhadores (dentro da Comunidade) implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.»
7. O artigo 7.° , n.os 1 e 2, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 dispõe:
«1. O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.
2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.»
IV - Tramitação no Tribunal de Justiça
8. Apresentaram observações por escrito no presente processo, a recorrente no litígio principal, o INPS, o Governo italiano, o Governo austríaco e a Comissão.
Na audiência, que teve lugar em 6 de Março de 2001, compareceram, para fazerem alegações, o representante de E. Gottardo, o do INPS, o agente do Governo italiano e o da Comissão.
9. E. Gottardo sustenta que a recusa do INPS em reconhecer-lhe o direito a pensão na Itália, efectuando a acumulação dos períodos de contribuição nesse Estado e na Suíça, constitui uma discriminação directa em razão da nacionalidade, contrária ao artigo 39.° CE e aos artigos 12.° CE e 17.° CE. Em sua opinião, o princípio da igualdade de tratamento obriga a instituição italiana de segurança social, que aplica a sua legislação nacional, da qual faz parte a convenção bilateral com a Suíça, a tratar os nacionais dos outros Estados-Membros da mesma maneira que os italianos. Acrescenta que a inserção, no Tratado, da cidadania da União reforçou a proibição de discriminação em razão da nacionalidade.
10. O INPS afirma que a convenção ítalo-suíça não se pode aplicar a E. Gottardo, por esta não possuir a nacionalidade de nenhum dos Estados contratantes. Também não pode invocar o segundo acordo adicional, adoptado em 1980, que prevê a acumulação de períodos de cotização em Estados terceiros que tenham firmado convenções de segurança social com a Itália e com a Suíça, pela mesma razão.
11. O Governo italiano considera que o princípio da igualdade de tratamento previsto nos artigos 12.° CE e 39.° CE apenas é relevante no âmbito do direito comunitário. Se se aplicasse, de modo unilateral, a convenção com a Suíça a uma cidadã francesa, haveria violação do Regulamento n.° 1408/71 , pois os Estados-Membros que se propunham aplicar a acumulação de períodos inseriram, no anexo III, as disposições que já figuravam em convenções bilaterais anteriores. Ademais, os Estados-Membros também não chegaram, todavia, a acordo em tornar extensivos aos nacionais de Estados terceiros as disposições do Regulamento n.° 1408/71.
12. O Governo austríaco sustenta que o princípio da não discriminação que figura no artigo 12.° CE foi incorporado no âmbito da segurança social pelo artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71 e que, portanto, apenas há que recorrer ao artigo 12.° CE se o regulamento for aplicável aos factos do litígio principal. Salienta que os artigos 39.° CE e 42.° CE e o Regulamento n.° 1408/71 se referem, em princípio, aos trabalhadores migrantes que se deslocam no interior da Comunidade e que não se prevê a extensão destas normas a períodos de seguro cumpridos no exterior. Afirma que apenas se poderia considerar que o Regulamento n.° 1408/71 impõe uma igualdade de tratamento dos nacionais italianos e dos franceses se a convenção ítalo-suíça sobre segurança social estivesse incluída no conceito de «legislação» na acepção desse regulamento, pois unicamente nesse caso é que o artigo 3.° estabelece uma obrigação de não discriminação.
13. A Comissão considera que o juiz nacional não pediu para que se interprete o Regulamento n.° 1408/71, pelo que não é pertinente fazê-lo para a resolução da questão. Considera que o juiz de reenvio pretende que o Tribunal examine se o facto de os cidadãos italianos serem os únicos a poderem beneficiar do cômputo dos períodos de cotização cumpridos na Suíça é compatível com o direito comunitário, não numa perspectiva baseada no conceito de «prestação de segurança social», mas no de «vantagem social». Em sua opinião, apesar de o cômputo dos períodos de cotização para a aquisição do direito a uma pensão de velhice estar vinculado a uma das prestações de segurança social enumeradas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1408/71, o juiz nacional tem legitimidade para questionar a adequação ao artigo 39.° CE, n.° 2, da condição de nacionalidade imposta pela convenção ítalo-suíça. Alega, a este respeito, que o reconhecimento de um período de cotização para ter direito a uma pensão de velhice constitui uma vantagem social que o direito italiano deve reconhecer aos interessados, respeitando a proibição de discriminação em razão da nacionalidade e que o citado artigo 39.° , n.° 2, CE impõe aos Estados-Membros.
Termina afirmando que a Itália não pode subtrair-se à obrigação de garantir a igualdade de tratamento, no que se refere ao direito a uma pensão de velhice, entre os trabalhadores italianos que estiveram empregados na Suíça e os trabalhadores de outros Estados-Membros que se encontram na mesma situação.
V - Exame da questão prejudicial
14. Tanto o artigo 12.° CE como o artigo 39.° , n.° 2, CE proíbem aos Estados-Membros toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. A diferença entre ambos os preceitos consiste em o primeiro conter uma proibição de carácter geral, que se estende ao âmbito de todo o Tratado, enquanto o segundo se insere no capítulo dedicado à livre circulação dos trabalhadores.
15. No que respeita à jurisprudência reiterada deste Tribunal, o artigo 12.° CE destina-se a ser aplicado de modo independente apenas em situações reguladas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas contra a discriminação . Em matéria de livre circulação de trabalhadores, o princípio da igualdade de tratamento tem sido aplicado e concretizado pelo artigo 39.° , n.° 2, CE que determina a abolição de toda e qualquer discriminação no que respeita ao emprego, à retribuição e às demais condições de trabalho.
Deduz-se dos documentos que constam dos autos que E. Gottardo possui a nacionalidade de um dos Estados-Membros e que trabalhou na Itália, na Suíça e na França, ao que parece por conta alheia. Por esta razão, considero que são de lhe aplicar tanto o artigo 39.° CE como o Regulamento n.° 1612/68, pois assim o reconhece o acórdão Scholz a todo e qualquer nacional comunitário que tenha feito uso do direito de livre circulação de trabalhadores e que tenha exercido um actividade profissional noutro Estado-Membro, independentemente do seu lugar de residência e da sua nacionalidade .
A pensão de velhice é um direito diferido que o trabalhador adquire ao longo da sua vida laboral. Quando o trabalhador migrante tenha circulado exclusivamente entre Estados-Membros, os seus direitos de pensão calculam-se por aplicação do Regulamento n.° 1408/71. Porém, se tiver trabalhado também num país terceiro com o qual o Estado-Membro a que solicita a pensão tenha celebrado uma Convenção de segurança social, que preveja a acumulação dos períodos de contribuição em ambos os Estados, o cômputo dos períodos cumpridos nesse país terceiro faz parte das condições de trabalho que o Estado-Membro está obrigado a reconhecer aos cidadãos dos outros Estados-Membros, em virtude do artigo 39.° , n.° 2, CE sem discriminação em razão da nacionalidade.
Resulta, portanto, desnecessário, no presente caso, recorrer ao artigo 12.° CE ou ao artigo 7.° , n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, para dar resposta à questão prejudicial submetida pelo Tribunale di Roma.
16. É de salientar que, apesar de se tratar do direito a pensão de velhice de um trabalhador migrante, o órgão jurisdicional que submeteu a questão não pediu a interpretação do Regulamento n.° 1408/71 que, como é sabido, coordena os regimes nacionais de segurança social dos Estados-Membros, a fim de alcançar os objectivos fixados pelo artigo 42.° CE. Mais ainda, a decisão de reenvio não faz a menor alusão a esse diploma.
17. O juiz italiano evitou cuidadosamente referir-se ao Regulamento n.° 1408/71 porque, por um lado, está convencido de que a aplicação que o INPS faz da Convenção de segurança social com a Suíça no presente caso viola o artigo 39.° CE. Por outro lado, porque é muito provável que conheça o sentido em que este Tribunal tem interpretado o Regulamento n.° 1408/71 em processos em que um Estado-Membro, que celebrou uma Convenção de segurança social com um país terceiro, se nega a calcular, para reconhecer um direito a prestações, os períodos cumpridos por trabalhadores nacionais de outro Estado-Membro nesse país terceiro e não quer receber a mesma resposta.
A - A interpretação do Regulamento n.° 1408/71 e a recusa dos Estados-Membros em calcularem, a favor dos nacionais de outros Estados-Membros, os períodos de cotização cumpridos num país terceiro com o qual tenham celebrado uma Convenção de segurança social
18. Até ao presente, todos os processos pleiteados perante o Tribunal de Justiça nesta matéria têm sido resolvidos interpretando o Regulamento n.° 1408/71, cujo artigo 3.° transpõe para o âmbito da segurança social dos trabalhadores migrantes o princípio da igualdade de tratamento. De acordo com esta norma, as pessoas que residam no território de um Estado-Membro e às quais sejam aplicáveis as disposições do regulamento estão sujeitas às obrigações e podem invocar em seu benefício a legislação de todo e qualquer Estado-Membro nas mesmas condições que os respectivos nacionais.
19. Porém, cada vez que foi submetida uma questão prejudicial no âmbito de um litígio em que um trabalhador migrante se encontrava nas mesmas ou em semelhantes circunstâncias às de E. Gottardo na Itália e pretendia invocar o princípio da igualdade de tratamento contemplado nessa norma, o Tribunal deu uma resposta negativa.
A linha de raciocínio baseou-se em que uma convenção bilateral de segurança social celebrada entre um Estado-Membro e um Estado terceiro, ainda que incorporada com o valor de lei no direito interno, não entra no conceito de «legislação» definido no artigo 1.° , alínea j), do Regulamento n.° 1408/71, pelo que não há que recorrer ao artigo 3.° para reivindicar a igualdade de tratamento . É certo que, na maioria dos casos, o órgão jurisdicional nacional pedia, precisamente, a interpretação dessas duas normas de direito privado. Não discuto que a questão, colocada nesses estritos termos, pudesse merecer essa resposta, mas devo expressar a minha perplexidade ao ver que, nalguns casos, nem se pediu a interpretação de normas de direito primário, tal como o artigo 12.° CE que, segundo se indica, proíbe a discriminação em razão da nacionalidade no âmbito da aplicação do Tratado.
20. O primeiro destes acórdãos foi proferido em 1972 , em resposta a uma questão submetida pelo Bundessozialgericht. O processo, referido ao Regulamento n.° 3 (antecessor do Regulamento n.° 1408/71), era semelhante ao que é objecto destas conclusões . Diferentemente de E. Gottardo, o interessado era um nacional italiano que pedia ao organismo de segurança social alemão a acumulação dos períodos de cotização cumpridos na Suíça, invocando a Convenção de segurança social italo-suíça.
O Tribunal de Justiça sublinhou que o artigo 16.° do Regulamento n.° 3 (que determinava as normas relativas à acumulação de períodos para as prestações de doença e de maternidade) se referia aos períodos de seguro «cumpridos nos termos da legislação de cada um dos Estados-Membros» e que a alínea b) do artigo 1.° do regulamento, equivalente à alínea j) do artigo 1.° do Regulamento n.° 1408/71, só entendia por «legislação» «as leis, os regulamentos e as disposições estatutárias, existentes ou futuras de cada Estado-Membro que se referem aos ramos e aos regimes de segurança social». Daí deduziu o Tribunal de Justiça que os Estados-Membros não são obrigados a ter em conta os períodos de seguro cumpridos em países terceiros para efeitos de reconhecer o direito a prestações.
21. O segundo acórdão foi proferido em 1977 . Tratava-se da pensão de invalidez que devia ser paga na Bélgica aos herdeiros de um trabalhador italiano que tinha trabalhado na Itália, Bélgica e Áustria, e que tinha obtido neste último país uma pensão de invalidez calculada nos termos das disposições de uma Convenção bilateral de segurança social celebrado entre a Itália e a Áustria. A legislação belga previa a tomada em consideração dos períodos cumpridos não só nos Estados-Membros, mas também em Estados terceiros, com a consequência de que a prestação a ser paga era reduzida. O Tribunal de Justiça confirmou que as disposições dos Regulamentos n.os 3 e 4 [este último, antecessor do Regulamento (CEE) n.° 574/72] , relativas à acumulação de períodos de seguro, se referem a períodos cumpridos nos termos da legislação dos Estados-Membros e que os cumpridos no Estado terceiro, esteja ou não vinculado a um ou vários dos Estados-Membros através de uma Convenção de segurança social, não são objecto de qualquer disposição dos regulamentos comunitários relativos à coordenação, entre Estados-Membros, dos seus regimes de segurança social.
22. O terceiro acórdão foi proferido em 1993, no processo Grana-Novoa em resposta a uma questão submetida pelo Bundessozialgericht, que tinha de decidir o recurso interposto por uma trabalhadora migrante à qual era recusada uma pensão de invalidez. A Sr.ª Grana-Novoa, de nacionalidade espanhola, não tinha contribuído para o seguro obrigatório no seu país de origem, mas tinha exercido uma actividade profissional em regime de inscrição obrigatória na Suíça e na Alemanha, onde ficou em situação de incapacidade permanente e requereu uma pensão de invalidez que lhe foi recusada por os anos de trabalho na Alemanha serem insuficientes para cobrir o período de carência exigido pela legislação nacional. A interessada recorreu para os tribunais. Considerava-se que a pensão lhe teria sido concedida no caso de terem sido também calculados os períodos cumpridos na Suíça. A Alemanha tinha celebrado com a Espanha uma Convenção de segurança social, no que se estabelecia a igualdade de tratamento entre alemães e espanhóis, e outro com a Suíça, cuja aplicação estava limitada aos cidadãos alemães e suíços, que continha uma cláusula de salvaguarda que impedia a Sr.ª Grana-Novoa de invocar cumulativamente as Convenções germano-suíça e hispano-alemã.
O órgão jurisdicional nacional perguntava-se se, desde 1 de Janeiro de 1986, data da adesão da Espanha às Comunidades Europeias, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade se opunha à aplicação dessa cláusula de salvaguarda, na medida em que podia constituir obstáculo, no Estado-Membro que é parte da convenção, à livre circulação dos cidadãos dos outros Estados-Membros.
A título principal, o órgão jurisdicional nacional perguntava se o conceito de «legislação» contemplado no n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71 também engloba as disposições das Convenções internacionais celebrados entre um Estado-Membro e o país terceiro que, com carácter de lei, chegaram a ser parte integrante da ordem jurídica interna. Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional queria saber se o princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 12.° CE e no n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71 se opunha a que as instituições alemãs de segurança social, às quais tinha sido requerida uma pensão de velhice ou de invalidez, incluíssem os períodos de seguro cumpridos na Suíça apenas a favor dos cidadãos alemães, negando-o aos demais cidadãos da Comunidade.
O Tribunal respondeu negativamente à primeira pergunta e entendeu que não tinha de se pronunciar sobre a segunda.
23. Desta maneira, a Sr.ª Grana-Novoa, que se encontrava numa situação quase idêntica à de E. Gottardo, descobriu que, embora o artigo 39.° CE, n.° 2, proíba toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade entre trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à retribuição e às demais condições de trabalho, entre as quais se encontram indubitavelmente os direitos de segurança social, não podia invocar essa disposição para reinvindicar na Alemanha o mesmo tratamento que era dado a cidadãos que tinham cumprido períodos de cotização na Suíça .
24. Devo salientar que, dos cinco Estados-Membros que apresentaram observações no processo Grana-Novoa, nem todos propunham que fosse dada uma resposta negativa à primeira das duas questões submetidas. A Itália e Portugal sugeriram ao Tribunal de Justiça que um Estado-Membro é obrigado a garantir aos cidadãos da União Europeia, que tenham exercido uma actividade no seu território cumprindo os correspondentes períodos de filiação, um tratamento idêntico ao concedido aos seus próprios cidadãos em aplicação da sua legislação, que inclui as convenções de segurança social celebradas com os Estados terceiros .
25. É de destacar, também, que, embora, nas observações que apresentou no processo Gottardo, a Itália sustente que a questão suscitada pelo Tribunale di Roma deve receber uma resposta negativa, nas que formulou no processo Grana-Novoa, pelo contrário , defendia que o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade exigia que as autoridades alemãs reconhecessem a favor da interessada o direito à acumulação dos períodos de contribuição cumpridos na Suíça .
B - A recente jurisprudência sobre o princípio do tratamento nacional a favor de uma sociedade de capital com domicílio num Estado-Membro e estabelecimento permanente noutro, em matéria de vantagens fiscais previstas em convenções bilaterais sobre dupla tributação celebradas pelo Estado de estabelecimento com Estados terceiros
26. As bases de uma evolução da posição do Tribunal de Justiça em relação à livre circulação de trabalhadores e às convenções bilaterais subscritas pelos Estados-Membros com os terceiros países que acabo de expor parecem ter sido firmadas no acórdão Saint-Gobain proferido, curiosamente, em matéria de direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços, em relação com as vantagens fiscais concedidas às sociedades de capital.
27. A Saint-Gobain ZN é uma sucursal alemã de uma sociedade com sede social e direcção comercial na França, sujeita, portanto, ao imposto sobre sociedades e sobre o património na Alemanha por obrigação real. A administração fiscal deste último país recusou-lhe três vantagens fiscais destinadas a evitar que voltassem a ser tributados os dividendos recebidos na Alemanha por sociedades com participações em sociedades estrangeiras, nos quais já tinha incidido um imposto no estrangeiro .
Nesse processo provou-se que a legislação alemã impunha uma diferença de tratamento entre as sucursais de sociedades não residentes e as sociedades residentes, que constituía uma restrição da liberdade de escolha da forma de estabelecimento secundário.
28. Para justificar a sua recusa, o Governo alemão invocou o facto de a celebração de convenções bilaterais com um país terceiro não se inserir na esfera da competência comunitária. Segundo ele, as imposições fiscais sobre rendimentos e lucros são da competência dos Estados-Membros, que são livres para celebrar com países terceiros convenções bilaterais em matéria de dupla tributação.
O Tribunal considerou que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, ela deve ser exercida com respeito do direito comunitário . Nesse caso concreto, por se tratar de uma convenção para evitar a dupla imposição celebrada entre um Estado-Membro e um país terceiro, o princípio do tratamento nacional exige que os estabelecimentos permanentes de sociedades não residentes tenham no Estado-Membro as mesmas vantagens previstas na convenção para as sociedades residentes.
Em seguida, reforçou esta apreciação, acrescentando que as obrigações que o direito comunitário impõe à Alemanha não põem em perigo as que resultam dos seus compromissos com os Estados Unidos ou com a Suíça e que o equilíbrio e a reciprocidade das convenções celebradas com estes dois países não seriam afectados por uma ampliação dos beneficiários das vantagens fiscais previstas nas referidas convenções, decidida unilateralmente pela Alemanha, já que essa ampliação de modo algum reduziria os direitos dos países terceiros partes nas convenções, nem lhes imporia qualquer nova obrigação.
29. Com este acórdão, obrigaram-se os Estados-Membros a conceder às sociedades de capital não residentes, com estabelecimento permanente no seu território, as mesmas vantagens fiscais que concedem às sociedades nacionais e às residentes, nas mesmas condições .
Creio que com a sua prolação, se superou também o escolho que impedia que o Estado-Membro que tinha celebrado uma convenção de segurança social com um país terceiro, cujas vantagens estavam limitadas aos nacionais de ambos, de as tornar extensivas aos trabalhadores migrantes nacionais de outros Estados-Membros, escolho que até agora parecia insolúvel . Com efeito, a proibição de discriminação, estabelecida no artigo 39.° CE a favor dos trabalhadores, não pode ser de pior qualidade que a proibição de discriminação que figura no artigo 43.° CE para o direito de estabelecimento ou que a do artigo 50.° CE para a livre prestação de serviços.
Parece, pois, evidente que se impõe uma viragem na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que deu ao artigo 39.° CE, n.° 2, o alcance que o princípio fundamental da não discriminação que contém exige. Há que afastar-se da solução alcançada no acórdão Grana-Novoa, de 2 de Agosto de 1993, e aplicar neste âmbito o critério iniciado no acórdão Saint-Gobain ZN, de 2 de Outubro de 1999, que obriga os Estados-Membros a concederem às sociedades de capital não residentes, com estabelecimento permanente no seu território, as mesmas vantagens que outorgam às sociedades nacionais e às residentes em virtude de convenções subscritas com terceiros países.
C - Mudança jurisprudencial que se propõe e influência da redacção da questão prejudicial
30. Quero pôr em evidência o paradoxo que dar ao juiz nacional a resposta que proponho pressupõe, conhecendo a resposta que o Tribunal de Justiça deu ao Bundessozialgericht, há apenas oito anos.
A única diferença que encontro entre o processo Grana-Novoa e o de Elide Gottard é que o Bundessozialgericht pedia a interpretação do Regulamento n.° 1408/71, ao passo que o Tribunale di Roma não se ficou pelo direito derivado e solicitou directamente a interpretação de disposições do Tratado que proíbem, incondicionalmente, a discriminação em razão da nacionalidade.
31. Parece-me preocupante que se chegue a soluções divergentes sendo praticamente iguais as circunstâncias e idênticas as disposições comunitárias em vigor. A única razão para este diferença radica na diferente formulação das questões prejudiciais.Não seria, porém, a primeira vez que isso se produz na jurisprudência comunitária.
32. Para dar um exemplo destas discordâncias, referir-me-ei a dois processo decididos pelo Tribunal de Justiça em apenas dois anos, nos quais se tratava de esclarecer se um artigo concreto do código do trabalho francês (L 213-1), que, salvo excepções, estabelecia a proibição de empregar mulheres para efectuarem trabalho nocturno em fábricas e oficinas, era contrário ao artigo 5.° da Directiva 76/207/CEE . No primeiro caso, a questão prejudicial não ia mais além; no segundo, o juiz nacional acrescentou que havia que ter em conta a Convenção n.° 89 do OIT, de 9 de Julho de 1948, assinada pela França, que proíbe o trabalho nocturno das mulheres.
Os factos que haviam suscitado ambos os litígios eram muito parecidos: dois empresários eram acusados de terem empregado nas suas fábricas algumas mulheres no turno da noite, infringindo o disposto no código de trabalho, infracção que era punida com uma sanção penal de multa.
33. No acórdão Stoeckel , primeira no tempo, apesar de o Governo francês alegar a vigência da Convenção da OIT, o Tribunal de Justiça limitou-se a responder que o artigo 5.° da directiva obriga os Estados-Membros a não consagrarem na sua legislação o princípio da proibição de trabalho nocturno das mulheres, quando não exista uma proibição semelhante para os homens .
34. No acórdão Levy , em contrapartida, foi o próprio juiz nacional que chamou a atenção do Tribunal para a vigência na França da Convenção da OIT. Colocado assim o problema, tratava-se de saber se a obrigação que recai sobre o juiz nacional de garantir o pleno efeito da regra enunciada no acórdão Stoeckel, deixando de aplicar toda e qualquer disposição nacional contrária, continuava a existir, quando a disposição nacional incompatível com a norma comunitária havia sido adoptada pelo Estado-Membro para dar cumprimento a uma convenção internacional das previstas pelo artigo 307.° CE. Em virtude deste preceito, as disposições do Tratado não afectam os direitos de países terceiros nem as obrigações dos Estados-Membros que resultem das convenções que tenham celebrado com países terceiros antes da entrada em vigor do Tratado.
O Tribunal entendeu, neste caso, que, embora a igualdade de tratamento entre homens e mulheres constitua um direito fundamental reconhecido pelo ordenamento jurídico comunitário, a sua aplicação prática tem sido progressiva, tendo sido levada a cabo através de directivas que admitem, de modo temporal, isenções, razão pela qual não basta invocar o princípio de igualdade de tratamento para impedir o cumprimento das obrigações que incumbem a um Estado-Membro nesta matéria em virtude de uma convenção internacional anterior, obrigações cujo respeito é assegurado pelo artigo 307.° , primeiro parágrafo, CE.
Assim, portanto, a resposta concreta que o Tribunal deu foi que o juiz nacional é obrigado a assegurar o pleno respeito do artigo 5.° da Directiva 76/207, deixando de aplicar toda e qualquer disposição contrária da legislação nacional, a não ser que seja necessária para garantir o cumprimento pelo Estado-Membro das obrigações que lhe incumbem em virtude de uma convenção celebrada com Estados terceiros, anteriormente à entrada em vigor do Tratado .
35. Parece-me grave que o Tribunal tenha esperado até receber a segunda questão prejudicial para dar aos órgãos jurisdicionais franceses que deviam aplicar este conjunto de normas a interpretação completa sobre legislação comunitária de que necessitavam, quando, ao longo do procedimento prejudicial no processo Stoeckel, já se havia posto em relevo a vigência em França da Convenção da OIT .
36. Estou consciente de que a jurisprudência deste Tribunal de Justiça, de acordo com a qual, na repartição de competências estabelecida pelo artigo 234.° CE, corresponde ao órgão jurisdicional nacional que deve proferir decisão sobre o mérito aplicar as normas de direito comunitário ao caso concreto . Mesmo assim, o Tribunal declarou que, quando as questões prejudiciais se refiram à interpretação de uma disposição de direito comunitário, se pronuncia sem ter de examinar, em princípio, as circunstâncias em que os órgãos jurisdicionais nacionais foram levados a submetê-las e as circunstâncias em que têm de aplicar a disposição comunitária cuja interpretação pediram .
Porém, a função hermenêutica confiada ao Tribunal de Justiça pelo artigo 234.° CE, destinada a assegurar uma aplicação uniforme do direito comunitário nos Estados-Membros, não pode limitar-se a responder mecanicamente às questões, respeitando com rigor os termos em que tenham sido formuladas, mas o Tribunal, como intérprete qualificado do direito comunitário que é, deve analisar o problema com maior amplitude de vistas e mais flexibilidade para dar uma resposta útil ao juiz nacional que as suscita e aos demais juízes da União Europeia, à luz das normas comunitárias em vigor. Se assim não for, o diálogo entre órgãos jurisdicionais instaurados pelo artigo 234.° CE poderá ficar excessivamente condicionado nas mãos do juiz que submete a questão, de modo que, em função da formulação que lhe dê poderá determinar a resposta prejudicial, como sucedeu nos processos que acabo de examinar.
D - Resposta à questão submetida pelo Tribunale di Roma
37. Já deixei antever, ao longo das considerações que precedem, que estou de acordo com o juiz nacional e com a Comissão em que a proibição de discriminação em razão da nacionalidade prevista no artigo 39.° CE deve ser capaz de impedir que o INPS negue a E. Gottardo o cálculo dos períodos de cotização cumpridos na Suíça para lhe reconhecer o direito a uma pensão de velhice na Itália, alegando que a interessada não preenche a condição de nacionalidade exigida pela convenção.
38. Não foram adiantados neste processo argumentos que demonstrem que o equilíbrio contratual entre os dois Estados signatários da convenção ficaria alterado pelo facto de a Itália, de modo unilateral, tornar extensiva essa vantagem aos nacionais dos demais Estados-Membros, reconhecendo-a nas mesmas condições que aos seus próprios cidadãos. Tal como considerou o Tribunal de Justiça no acórdão Saint-Gobain ZN, essa extensão de modo algum limitaria os direitos do país terceiro nem lhe imporia qualquer nova obrigação. Também não ficariam em perigo o equilíbrio entre as partes nem a reciprocidade. Por último, não comprometeria os direitos que a convenção concede ao Estado helvético, dado que as obrigações inerentes ao cálculo dos períodos de cotização recaem na Itália e não afectam, de modo algum, o regime suíço de pensões de velhice.
39. Com efeito, o cidadão comunitário que não seja italiano não pode pretender que a Suíça tenha em conta os seus períodos de cotização cumpridos na Itália com base na referida convenção.
40. Do mesmo modo, o cidadão comunitário em relação ao qual os períodos de filiação cumpridos na Suíça tenham sido tidos em conta na Itália para lhe ser concedido o direito a uma prestação, também não pode exigir que qualquer outro Estado-Membro os tenha em conta. Tal como declarou o Tribunal de Justiça no acórdão Borowitz , pelo simples facto de serem tomados em consideração pela instituição alemã, nos termos de um acordo bilateral celebrado pela República Federal da Alemanha, em períodos «cumpridos ao abrigo das legislações dos Estados-Membros», na acepção do artigo 46.° do Regulamento n.° 1408/71. Nenhuma disposição obriga, pois, as instituições dos outros Estados-Membros a considerar esses períodos quando procedem ao cálculo nos termos do artigo 46.° e o facto de a instituição alemã tomar esses períodos em consideração não implica, portanto, para elas qualquer acréscimo das suas obrigações.
41. A Itália indica que, num caso semelhante ao de E. Gottardo, que afectava um espanhol que tinha trabalhado na Itália, na Espanha e na Suíça, as autoridades deste último país negaram-se a proporcionar às autoridades italianas os dados necessários para concederem uma prestação, alegando que o interessado não cumpria a condição de nacionalidade.
Reconheço que as obrigações de cooperação e de aplicação do tratamento nacional estabelecidas, respectivamente, pelos artigos 10.° CE e 39.° CE, n.° 2, não afectam a Suíça. Porém, a Itália não pode eximir-se à sua obrigação alegando a falta de cooperação de um Estado terceiro que se nega a proporcionar os dados necessários e deixar o trabalhador nacional de outro Estado-Membro em inferioridade de condições em relação aos seus próprios nacionais. Deverá recorrer a qualquer outro meio de prova, que permita demonstrar de modo suficiente os períodos de cotização cumpridos pelo trabalhador no país terceiro .
42. Considero, portanto, que o artigo 39.° , n.° 2, CE se opõe a que um Estado-Membro recuse aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros, para reconhecimento do direito a pensão de velhice, o cálculo dos períodos de cotização cumpridos num Estado terceiro com o qual tenha celebrado uma Convenção de segurança social, quando o benefício desse cálculo seja concedido aos seus próprios nacionais que se encontrem nas mesmas circunstâncias.
VI - Conclusão
43. Face às considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Tribunale ordinario di Roma do seguinte modo:
«O artigo 39.° , n.° 2, CE opõe-se a que um Estado-Membro recuse aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros, para reconhecimento do direito a pensão de velhice, o cálculo dos períodos de cotização cumpridos num Estado terceiro com o qual tenha celebrado uma convenção de segurança social, quando o benefício desse cálculo seja concedido aos seus próprios nacionais que se encontrem nas mesmas circunstâncias.»