61999J0135

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 23 de Novembro de 2000. - Ursula Elsen contra Bundesversicherungsanstalt für Angestellte. - Pedido de decisão prejudicial: Bundessozialgericht - Alemanha. - Segurança social dos trabalhadores migrantes - Regulamento (CEE) n.º 1408/71 - Artigos 3.º e 10.º e Anexo VI, rubrica C, ponto 19 - Seguro de velhice - Validação de períodos consagrados à educação de um filho cumpridos num outro Estado-Membro. - Processo C-135/99.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-10409


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Segurança social dos trabalhadores migrantes - Competência dos Estados-Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social - Limites - Respeito do direito comunitário - Regras do Tratado referentes à livre circulação de trabalhadores e à cidadania europeia

2 Segurança social dos trabalhadores migrantes - Igualdade de tratamento - Obrigação de tomar em conta, para efeitos de concessão de uma pensão de velhice, períodos consagrados à educação de um filho cumpridos noutro Estado-Membro - Pessoa com a qualidade de trabalhador transfronteiriço no momento do nascimento do filho

[Tratado CE, artigos 8._-A, 48._ e 51._ (que passaram, após alteração, a artigos 18._ CE, 39._ CE e 42._ CE)]

Sumário


1 Embora os Estados-Membros conservem a sua competência para regulamentar o seu sistema de segurança social devem, apesar disso, no exercício dessa competência, respeitar o direito comunitário e, em especial, as disposições do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores à liberdade reconhecida a todos os cidadãos da União de circularem e de permanecerem no território dos Estados-Membros (cf. n.o 33)

2 Os artigos 8._-A, 48._ e 51._ do Tratado (que passaram, após alteração, a artigos 18._ CE, 39._ CE e 42._ CE) obrigam a instituição competente de um Estado-Membro a tomar em consideração, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, os períodos consagrados à educação de um filho cumpridos num outro Estado-Membro como se esses períodos tivessem sido cumpridos no território nacional, por uma pessoa que, no momento do nascimento do filho, tinha a qualidade de trabalhador transfronteiriço ocupado no território do primeiro Estado-Membro e residente no território do segundo Estado-Membro.

(cf. n.o 36 e disp.)

Partes


No processo C-135/99,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pelo Bundessozialgericht (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Ursula Elsen

e

Bundesversicherungsanstalt für Angestellte,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 51._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 42._ CE) e do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), com as alterações introduzidas na altura dos factos, e nomeadamente pelo Regulamento (CEE) n._ 2195/91 do Conselho, de 25 de Junho de 1991 (JO L 206, p. 2),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: A. La Pergola, presidente de secção, M. Wathelet (relator) e D. A. O. Edward, juízes,

advogado-geral: A. Saggio,

secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação do Governo alemão, por W.-D. Plessing, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, e C.-D. Quassowski, Regierungsdirektor no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

- em representação do Governo espanhol, por M. López-Monis Gallego, abogado del Estado, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. Hillenkamp, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por R. Karpenstein, advogado em Hamburgo,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Abril de 2000,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 24 de Fevereiro de 1999, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de Abril do mesmo ano, o Bundessozialgericht submeteu, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 51._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 42._ CE) e do Regulamento (CEE) n._ 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n._ 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), com as alterações introduzidas na altura dos factos, e nomeadamente pelo Regulamento (CEE) n._ 2195/91 do Conselho, de 25 de Junho de 1991 (JO L 206, p. 2).

2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe U. Elsen ao Bundesversicherungsanstalt für Angestellte (organismo federal de seguro para os empregados, a seguir «Bundesversicherungsanstalt») a propósito da recusa deste último equiparar, para efeitos da concessão de uma prestação de velhice, o período no decurso do qual a interessada educou o seu filho em França ao período consagrado à educação dos filhos («Kindererziehungszeit») na acepção da legislação social alemã.

A legislação nacional

3 Nos termos do § 56, n._ 1, do livro VI do Sozialgesetzbuch, de 18 de Dezembro de 1989 (a seguir «SGB VI»), na versão aplicável na época aos factos do processo principal:

«São consideradas pagas as cotizações obrigatórias para o seguro legal de reforma correspondentes aos períodos consagrados à educação de um filho durante os três primeiros anos de vida deste. O período de educação dos filhos é validado em relação a um dos progenitores quando...

1. o período de educação seja atribuível a esse progenitor,

2. a educação tenha tido lugar no território da República Federal da Alemanha ou a tal seja equiparável e

3. o progenitor em causa não esteja excluído da validação.»

4 Em relação aos filhos nascidos antes de 1 de Janeiro de 1992, o § 249 do SGB VI reduz de três anos para doze meses os períodos de cotização a título da educação de uma criança.

5 Quanto aos períodos consagrados à educação cumpridos no estrangeiro, o § 56, n._ 3, primeiro período, dispõe:

«É equiparável à educação no território da República Federal da Alemanha o facto de o progenitor encarregado de educação ter residido habitualmente no estrangeiro com o filho e, durante o período de educação ou imediatamente antes do nascimento do filho, ter cumprido períodos de cotização obrigatória por ter exercido nesse país uma actividade assalariada ou por conta própria.»

6 Além disso, nos termos do § 57 do SGB VI:

«O período consagrado à educação de um filho até este perfazer dez anos de idade constitui para um dos progenitores um período a tomar em consideração sempre que durante este período continuem a verificar-se os requisitos para a validação de um período consagrado à educação de um filho.»

7 Por outro lado, segundo o § 6 da Mutterschutzgesetz (lei relativa à protecção das mães que exercem uma actividade profissional, na versão publicada em 17 de Janeiro de 1997, BGBl I, p. 22, a seguir «MuSchG»):

«As parturientes não podem trabalhar durante as oito semanas a seguir ao parto».

8 Todavia, nos termos do § 1 da MuSchG, o § 6 é apenas aplicável a pessoas que exercem uma actividade profissional.

9 Por último, nos termos do § 15 da Bundeserziehungsgeldgesetz (lei alemã relativa ao subsídio e à licença de educação, a seguir «BErzGG»), os assalariados têm direito a uma licença parental «até à idade de três anos completos de uma criança nascida depois de 31 de Dezembro de 1991,

1. quando viverem debaixo do mesmo tecto com a criança que têm a cargo... e

2. tomarem eles próprios a cargo a criança e a sua educação...».

O direito comunitário

10 O artigo 3._, n._ 1, do Regulamento n._ 1408/71 consagra o princípio da igualdade de tratamento:

«As pessoas que residem no território de um dos Estados-Membros e às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento.»

11 Nos termos do artigo 10._, n._ 1, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento:

«Salvo disposição contrária do presente regulamento, as prestações pecuniárias de invalidez, velhice adquiridas ao abrigo da legislação de um ou mais Estados-Membros não podem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou confisco, pelo facto de o beneficiário residir no território de um Estado-Membro que não seja aquele em que se encontra a instituição devedora.»

12 O n._ 19 do Anexo VI, rubrica C, do Regulamento n._ 1408/71, tal como foi inserido pelo Regulamento n._ 2195/91, estabelece as modalidades especiais de aplicação das legislações de certos Estados-Membros, prevê para a Alemanha:

«Um período de seguro para a educação de crianças em conformidade com a legislação alemã é válido mesmo para o período em que o trabalhador assalariado em questão educou a criança num outro Estado-Membro desde que este trabalhador assalariado não possa exercer o seu emprego por motivo do n._ 1 do artigo 6._ da Mutterschutzgesetz ou desde que solicite uma licença para os pais de acordo com o artigo 15._ da Bundeserziehungsgeldgesetz e não tenha exercido um emprego menor (geringfügig) no sentido do disposto no artigo 8._ do SGB IV.»

13 Por força do artigo 1._, n._ 12, alínea b), v), do Regulamento n._ 2195/91, o n._ 19 só produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1986.

O litígio no processo principal

14 U. Elsen, de nacionalidade alemã, transferiu a sua residência em Maio de 1981 da Alemanha para França, onde vive desde então com o seu marido e o filho, nascido em Agosto de 1984.

15 Até Março de 1985, exerceu na Alemanha uma actividade profissional sujeita ao seguro obrigatório, adquirindo, depois da transferência da sua residência para França, o estatuto de trabalhadora transfronteiriça. A actividade profissional de U. Elsen foi interrompida entre Julho de 1984 e Fevereiro de 1985, devido a uma licença de maternidade ligada ao nascimento do filho. A partir de Março de 1985, U. Elsen deixou de exercer qualquer actividade profissional sujeita ao seguro obrigatório na Alemanha ou em França.

16 Em Setembro de 1984, U. Elsen apresentou ao Bundesversicherungsanstalt um pedido destinado a que fossem tomados em consideração, como períodos de seguro para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, os períodos consagrados à educação do filho, nos termos dos §§ 56, n._ 1, e 249, conjugados, do SGB VI (período de doze meses), bem como do § 57 do SGB VI (período de dez anos), isto é, os dez primeiros anos do filho.

17 Por decisão de 12 de Setembro de 1995, este pedido foi indeferido pelo Bundesversicherungsanstalt, confirmada por uma decisão, de 21 de Agosto de 1996, proferida após reclamação, pela razão de a educação do filho ter ocorrido no estrangeiro, sem estarem preenchidas as condições para a sua equiparação a uma educação no território nacional referidas no § 56, n._ 3.

18 Foi negado provimento ao recurso que U. Elsen interpôs da decisão definitiva de recusa por julgamento de 11 de Agosto de 1997 do Sozialgericht Berlin (Alemanha). Assim, interpôs recurso para o Bundessozialgericht.

A questão prejudicial

19 O órgão jurisdicional de reenvio declarou que U. Elsen não preenchia as condições previstas pelas disposições nacionais relevantes para que fossem tomados em consideração os períodos consagrados à educação do seu filho. Com efeito, a educação em questão não era equiparável a uma educação no território nacional, uma vez que o progenitor em causa não justificava períodos de cotização obrigatória, ao abrigo da legislação alemã, adquiridos durante a educação ou imediatamente antes do nascimento do filho, a título de uma actividade assalariada ou não assalariada exercida no estrangeiro, como prevê o § 56, n._ 3, segundo período, do SGB VI. Também reconhecendo que o regime em causa tinha carácter nacional, o órgão jurisdicional de reenvio declarou do mesmo modo que a interessada também não preenchia as condições de validação dos períodos consagrados à educação de um filho, ao abrigo da legislação francesa, que exige o exercício prévio de uma actividade profissional no território nacional.

20 Quanto ao n._ 19 do Anexo VI, rubrica C, do Regulamento n._ 1408/71, tal como foi inserido pelo Regulamento n._ 2195/91, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que esta disposição não é aplicável à demandante no processo principal. Por um lado, esta disposição só produziu efeitos em 1 de Janeiro de 1986; ora, o período de educação, no caso em apreço, é anterior a essa data. Por outro lado, mesmo abstraindo dessa circunstância, o § 6 da MuSchG só é aplicável, nos termos do seu § 1, às pessoas que exercem uma actividade profissional, que era o caso da demandante no processo principal apenas até Março de 1985, e só é possível obter uma licença parental em conformidade com o § 15 da BErzGG depois de 1 de Janeiro de 1986, data de entrada em vigor dessa lei.

21 Tendo dúvidas quanto à questão de saber se a recusa de tomada em consideração dos períodos consagrados à educação de um filho porque a interessada fixou a sua residência num outro Estado-Membro é compatível com o direito comunitário, o Bundessozialgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O direito comunitário impõe o cômputo de um período de educação de um filho (`kindererziehungszeit'), na acepção do direito alemão em vigor antes de 1 de Janeiro de 1986, se a educação dos filhos tiver tido lugar num Estado-Membro diferente (neste caso, em França), mas o progenitor encarregado de educação exercia uma profissão sujeita ao seguro obrigatório na República Federal da Alemanha como trabalhador transfronteiriço até ao início do período de protecção da maternidade e também depois de terminar o período de licença por maternidade?»

22 Através da sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional pergunta, essencialmente, se o direito comunitário obriga a instituição competente de um Estado-Membro a tomar em consideração, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, os períodos consagrados à educação de um filho, cumpridos noutro Estado-Membro, como se esses períodos tivessem sido cumpridos no território nacional, por uma pessoa que, no momento do nascimento do filho, tinha a qualidade de trabalhador transfronteiriço ocupado no território do primeiro Estado-Membro e residindo no território do segundo Estado-Membro.

23 Antes de responder a esta questão, há que verificar se, por força do Regulamento n._ 1408/71, a legislação alemã é efectivamente aplicável à situação de um trabalhador que cessou toda a actividade profissional na Alemanha e que reside no território de um outro Estado-Membro, no que diz respeito à tomada em consideração de períodos consagrados à educação de um filho nascido quando o progenitor trabalhava ainda na Alemanha na qualidade de trabalhador transfronteiriço.

24 Segundo a Comissão, durante os períodos em causa no processo principal, imediatamente após o nascimento do filho, U. Elsen estava sujeita à legislação de segurança social da República Francesa, onde residia, uma vez que, durante esses períodos, ela não trabalhava na Alemanha e não existia ainda um vínculo suficientemente estreito com o sistema de segurança social alemão justificando, por razões relativas à igualdade de tratamento, uma excepção ao princípio da territorialidade que caracteriza este sistema.

25 A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 13._, n._ 2, alíneas a) e b), do Regulamento n._ 1408/71, a pessoa que exerça uma actividade assalariada ou não assalariada no território de um Estado-Membro está sujeita à legislação de segurança social desse Estado-Membro, mesmo se residir no território de outro Estado-Membro.

26 Na verdade, no caso concreto, embora a demandante no processo principal tenha exercido, na Alemanha, uma actividade profissional até Março de 1985, quando residia com a família em França, a partir dessa data, cessou toda a actividade profissional. Todavia, é necessário reconhecer que, tratando-se da tomada em consideração a título do seguro de velhice, de períodos consagrados à educação de um filho, ininterruptos a contar do nascimento, a interessada trabalhou exclusivamente na Alemanha e estava sujeita, na qualidade de trabalhadora transfronteiriça, à legislação alemã no momento do nascimento do filho. Essa circunstância permite estabelecer um vínculo estreito entre os períodos de educação em causa e os períodos de seguro cumpridos na Alemanha devido ao exercício de uma actividade profissional nesse Estado. Com efeito, foi precisamente devido ao cumprimento desses últimos períodos que U. Elsen solicitou à instituição alemã a tomada em consideração dos períodos subsequentes consagrados à educação do seu filho.

27 Por conseguinte, há que considerar, o que, de resto, não foi contestado pelo Governo alemão, que a legislação alemã é aplicável à situação da demandante no processo principal.

28 Nestas condições, no que diz respeito à validação desses períodos de educação no âmbito do seguro de velhice, U. Elsen não pode ser considerada, nos termos do artigo 13._, n._ 2, alínea f), do Regulamento n._ 1408/71, como tendo cessado toda a actividade profissional e sujeita por essa razão à legislação do Estado da sua residência. Esta última disposição só prevê precisamente a ligação à legislação do Estado de residência no caso de «a legislação de um Estado-Membro deixa(r) de ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado-Membro em conformidade com uma das regras enunciadas nas alíneas precedentes». Ora, no que diz respeito à validação dos períodos consagrados à educação de um filho, nascido quando a mãe, como no caso em apreço, exercia uma actividade profissional num Estado-Membro e estava, assim, sujeita à legislação da segurança social desse Estado, essa legislação continua aplicável, em conformidade com o artigo 13._, n._ 2, alínea a), do Regulamento n._ 1408/71.

29 Estando assim estabelecida a aplicabilidade da legislação alemã nas circunstâncias do caso em apreço no processo principal, há que apreciar a compatibilidade, em relação ao direito comunitário, de disposições de um Estado-Membro, tais como as contidas no § 56, n.os 1 e 3, do SGB VI, que sujeitam o benefício da validação de períodos consagrados à educação de um filho à condição de a educação ter ocorrido no território nacional ou, quando ocorreu no território de outro Estado-Membro, à condição de o progenitor que assegurou a educação ter exercido uma actividade profissional no território desse Estado que dê origem à cotização obrigatória nos termos do regime de seguro do primeiro Estado.

30 Segundo o Governo alemão e a Comissão, é conforme ao direito comunitário que a legislação alemã imponha, para poder beneficiar da validação dos períodos de educação, a manutenção de um vínculo com o sistema de seguro nacional, tal como o recurso efectivo à licença de maternidade ou à licença parental regulamentadas respectivamente pela MuSchG ou a BErzGG. Ora, no caso concreto, tal vínculo não existe em relação à demandante no processo principal.

31 A Comissão reconhece a existência de consequências incómodas que decorrem do facto de a legislação francesa não prever a tomada em consideração dos períodos consagrados à educação de um filho de forma comparável às disposições alemãs. Todavia, compete exclusivamente ao legislador comunitário atenuar essas consequências.

32 Em contrapartida, o Governo espanhol considera que o princípio da territorialidade, que está na base da legislação alemã em causa no processo principal, é contrário ao objectivo do direito comunitário em matéria de segurança social. Refere-se ao princípio da assimilação dos factos, consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, que visa essencialmente que situações, que se produziram num Estado-Membro, sejam tratadas da mesma maneira como se se tivessem produzido num outro Estado-Membro, cuja legislação seria aplicável no caso concreto, a fim de o trabalhador comunitário não ser dissuadido de exercer o seu direito de livre circulação, o que constituiria um entrave a essa liberdade (v., neste sentido, acórdãos de 28 de Junho de 1978, Kenny, 1/78, Colect., p. 505, e de 25 de Junho de 1997, Mora Romero, C-131/96, Colect., p. I-3659). Este princípio obriga as autoridades alemãs a tomarem em consideração, para efeitos da aplicação do regime de seguro de velhice, os períodos consagrados à educação cumpridos num outro Estado-Membro como se o tivessem sido na Alemanha.

33 A este respeito, sem que seja necessário colocar questões sobre o alcance, aplicabilidade e, eventualmente, a validade do n._ 19 do Anexo VI, rubrica C, do Regulamento n._ 1408/71, inserido pelo Regulamento n._ 2195/91, basta sublinhar que, embora os Estados-Membros conservem a sua competência para regulamentar o seu sistema de segurança social, apesar disso devem, no exercício dessa competência, respeitar o direito comunitário e, em especial, as disposições do Tratado relativas à livre circulação dos trabalhadores (v., nomeadamente, acórdãos de 28 de Abril de 1998, Decker, C-120/95, Colect., p. I-1831, n._ 23, e Kohll, C-158/96, Colect., p. I-1931, n._ 19) ou ainda à liberdade reconhecida a qualquer cidadão da União de circular e de permanecer no território dos Estados-Membros.

34 Ora, disposições tais como as que estão em causa no processo principal desfavorecem os nacionais comunitários que exerceram o seu direito de circular e de permanecer livremente nos Estados-Membros, garantido no artigo 8._-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 18._ CE). Com efeito, ao transferir a sua residência para outro Estado-Membro continuando a trabalhar na Alemanha, o nacional comunitário perderia automaticamente (ao abrigo da legislação desse Estado) o benefício da validação dos períodos consagrados à educação cumpridos no Estado de residência.

35 Há que acrescentar que o próprio Regulamento n._ 1408/71, adoptado nomeadamente com fundamento no artigo 51._ do Tratado, contém várias disposições que visam garantir o benefício das prestações de segurança social, a cargo do Estado competente, mesmo quando o segurado, que trabalhou exclusivamente no seu Estado de origem, resida ou transfira a sua residência para outro Estado-Membro. Estas disposições contribuem seguramente para garantir a liberdade de circulação dos trabalhadores, nos termos do artigo 48._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39._ CE), mas também dos cidadãos da União, no interior da Comunidade, nos termos do artigo 8._-A do Tratado.

36 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão colocada que os artigos 8._-A, 48._ e 51._ do Tratado obrigam a instituição competente de um Estado-Membro a tomar em consideração, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, os períodos consagrados à educação de um filho, cumpridos num outro Estado-Membro, como se esses períodos tivessem sido cumpridos no território nacional, por uma pessoa que, no momento do nascimento do filho, tinha a qualidade de trabalhador transfronteiriço ocupado no território do primeiro Estado-Membro e residente no território do segundo Estado-Membro.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

37 As despesas efectuadas pelos Governos alemão e espanhol, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Bundessozialgericht, por despacho de 24 de Fevereiro de 1999, declara:

Os artigos 8._-A, 48._ e 51._ do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 18._ CE, 39._ CE e 42._ CE) obrigam a instituição competente de um Estado-Membro a tomar em consideração, para efeitos da concessão de uma pensão de velhice, os períodos consagrados à educação de um filho, cumpridos num outro Estado-Membro, como se esses períodos tivessem sido cumpridos no território nacional, por uma pessoa que, no momento do nascimento do filho, tinha a qualidade de trabalhador transfronteiriço ocupado no território do primeiro Estado-Membro e residente no território do segundo Estado-Membro.