61999J0132

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 14 de Março de 2002. - Reino dos Países Baixos contra Comissão das Comunidades Europeias. - FEOGA - Apuramento das contas - Exercício financeiro de 1995 - Ajuda à produção de cânhamo. - Processo C-132/99.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-02709


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Agricultura Organização comum de mercado Linho e cânhamo Ajuda à produção de cânhamo Superfícies que podem beneficiar da ajuda Versão neerlandesa da disposição em causa Erro facilmente detectável

[Regulamento n.° 1164/89 da Comissão, artigo 4.° , alínea a)]

2. Agricultura Organização comum de mercado Linho e cânhamo Ajuda à produção de cânhamo Conceito de colheita após a formação das sementes Interpretação restritiva

[Regulamento n.° 1164/89 da Comissão, artigo 4.° , alínea a)]

3. Actos das instituições Fundamentação Obrigação Alcance Decisão relativa ao apuramento das contas a título das despesas financiadas pelo FEOGA

[Tratado CE, artigo 190.° (actual artigo 253.° CE)]

Sumário


1. A referência que é feita apenas ao linho no primeiro período e no terceiro travessão do artigo 4.° , alínea a), da versão neerlandesa do Regulamento n.° 1164/89, relativo às normas de execução no que respeita à ajuda para o linho e o cânhamo, na versão resultante do Regulamento n.° 1469/94, constitui um erro que podia ser facilmente detectado.

Por um lado, com efeito, a versão neerlandesa desta disposição distingue-se das outras versões linguísticas da mesma disposição na medida em que se refere, no início do primeiro período, apenas ao linho e não ao cânhamo, enquanto as outras versões linguísticas são formuladas de forma geral e não referem expressamente nem uma nem outra dessas plantas. O mesmo se passa relativamente ao terceiro travessão, excepto no que se refere à versão alemã. Em contrapartida, na frase dessa disposição que se segue imediatamente ao terceiro travessão, a versão neerlandesa refere, bem como todas as outras versões linguísticas, um máximo diferente para a altura de corte do linho e para a do cânhamo. Por outro lado, o Regulamento n.° 1164/89 refere-se, tanto no título como na quase totalidade das suas disposições, da mesma forma às duas plantas e institui um tratamento amplamente paralelo. Nos casos em que se impõe um tratamento diferente, isso resulta, como nos artigos 2.° e 3.° do referido regulamento, expressamente do texto.

( cf. n.os 25-27 )

2. As exigências enunciadas no artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 relativo às normas de execução no que respeita à ajuda para o linho e o cânhamo, na versão resultante do Regulamento n.° 1469/94, devem ser interpretadas de forma particularmente rigorosa, uma vez que o cânhamo é uma planta que pode representar um perigo para a saúde pública e que a regulamentação relativa às ajudas para a produção do cânhamo tem em atenção a natureza sensível dessa planta, na medida em que estabelece exigências muito rigorosas quanto às condições de concessão das ajudas e quanto aos controlos que devem ser efectuados na matéria. Como referido no terceiro considerando do Regulamento n.° 1164/89, é preciso, em especial, evitar o risco de operações fraudulentas.

Quanto à noção de colheita após a formação das sementes, deve ser interpretada por forma a evitar ao máximo que a planta seja colhida quando o seu teor em tetrahidrocanabinol ainda possa constituir um perigo para a saúde pública. Não se pode portanto considerar que a colheita de sementes de cânhamo no estado leitoso, antes do termo da floração das plantas ou imediatamente após, satisfaça a exigência de uma colheita após a formação das sementes, resultante do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado.

( cf. n.os 33, 34 )

3. As decisões tomadas pela Comissão em matéria de apuramento das contas do FEOGA não exigem uma fundamentação circunstanciada pois são tomadas com base num relatório de síntese e numa troca de correspondência entre o Estado-Membro em causa e a Comissão.

( cf. n.° 39 )

Partes


No processo C-132/99,

Reino dos Países Baixos, representado por M. A. Fierstra e J. van Bakel, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiado por

Reino de Espanha, representado por M. López-Monís Gallego, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por T. van Rijn e C. van der Hauwaert, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto a anulação parcial da Decisão 1999/187/CE da Comissão, de 3 de Fevereiro de 1999, relativa ao apuramento das contas dos Estados-Membros relativas às despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, secção «Garantia», exercício financeiro de 1995 (JO L 61, p. 37), na medida em que impõe uma correcção de 50% das despesas declaradas pelo Reino dos Países Baixos a título de ajudas à produção de cânhamo, ou seja, uma correcção de 117 277 NLG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, D. A. O. Edward, A. La Pergola, M. Wathelet e C. W. A. Timmermans, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Novembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de Abril de 1999, o Reino dos Países Baixos pediu, nos termos do artigo 173.° , primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° , primeiro parágrafo, CE), a anulação parcial da Decisão 1999/187/CE da Comissão, de 3 de Fevereiro de 1999, relativa ao apuramento das contas dos Estados-Membros relativas às despesas financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, secção «Garantia», exercício financeiro de 1995 (JO L 61, p. 37, a seguir «decisão impugnada»), na medida em que impõe uma correcção de 50% das despesas declaradas pelo Reino dos Países Baixos a título de ajudas à produção de cânhamo, ou seja, uma correcção de 117 277 NLG.

2 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2000, o Reino de Espanha foi autorizado a intervir em apoio do Reino dos Países Baixos.

Enquadramento jurídico

3 O Regulamento (CEE) n.° 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220), determina as despesas dos Estados-Membros que são financiadas pela secção «Garantia» do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) e as condições em que esse financiamento pode ser concedido. Nos termos do artigo 8.° , n.° 1, desse regulamento:

«Os Estados-Membros tomarão, de acordo com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, as medidas necessárias para:

se assegurar da realidade e da regularidade das operações financiadas pelo Fundo;

evitar e proceder judicialmente relativamente às irregularidades;

recuperar as importâncias perdidas após as irregularidades ou negligências.

Os Estados-Membros informarão a Comissão das medidas tomadas com esses objectivos, e nomeadamente do ponto da situação dos procedimentos administrativos e judiciais.»

4 Nos termos do artigo 5.° , n.° 2, do Regulamento n.° 729/70:

«A Comissão, depois de consultar o Comité do Fundo referido no artigo 11.° ,

a) decide:

no início do ano, com base nos documentos referidos na alínea a) do n.° 1, um adiantamento aos serviços e organismos igual, no máximo, a um terço dos créditos inscritos no orçamento;

no decurso do ano, pagamentos complementares destinados a cobrir despesas a suportar por um serviço ou organismo;

b) apura antes do final do ano seguinte, com base nos documentos referidos na alínea b) do n.° 1, as contas dos serviços e organismos.»

5 A organização comum de mercado no sector do cânhamo rege-se pelo Regulamento (CEE) n° 1308/70 do Conselho, de 29 de Junho de 1970, que estabelece a organização comum de mercado no sector do linho e do cânhamo (JO L 146, p. 1; EE 03 F3 p. 239), que prevê, no seu artigo 4.° , a instituição de uma ajuda para o linho e o cânhamo produzidos na Comunidade. O montante da ajuda é fixado por hectare de superfície semeada e colhida.

6 O Regulamento (CEE) n.° 1164/89 da Comissão, de 28 de Abril de 1989, relativo às normas de execução no que respeita à ajuda para o linho e o cânhamo (JO L 121, p. 4), dispunha, inicialmente, no seu artigo 4.° :

«A ajuda só é concedida para as superfícies:

a) Que tenham sido completamente semeadas e colhidas e em relação às quais tenham sido efectuados os trabalhos normais de cultura;

b) Que tenham sido objecto de uma declaração das superfícies semeadas, nos termos do disposto no artigo 5.° »

7 O Regulamento (CE) n.° 1469/94 da Comissão, de 27 de Junho de 1994, que altera o Regulamento n.° 1164/89 (JO L 159, p. 12), que entrou em vigor em 5 de Julho de 1994, aditou o seguinte texto à alínea a) do artigo 4.° do Regulamento n.° 1164/89:

na versão francesa

«pour être considérées comme récoltées, les superficies ont dû subir une opération:

effectuée après la formation des graines,

visant à mettre fin au cycle végétatif de la plante

et

effectuée dans le but de valoriser la tige le cas échéant sans les graines.

La valorisation visée au troisième tiret est considérée comme ayant été recherchée si la plante a été arrachée ou si elle a été fauchée par une barre de coupe se trouvant à un maximum de dix centimètres du sol pour le lin et vingt centimètres pour le chanvre.

[...]».

na versão neerlandesa

«Het vlas op een bepaalde oppervlakte wordt als geoogst beschouwd wanneer op die oppervlakte een bewerking is geschied die:

na de zaadvorming is uitgevoerd,

op beëindiging van de groeicyclus van de plant was gericht, en

ten doel had te bereiken dat de bruikbaarheid van de vlasstengel, in voorkomend geval zonder het zaad, wordt vergroot.

De in het derde streepje bedoelde voorwaarde wordt geacht te zijn vervuld indien de plant uit de grond is getrokken of is gemaaid met een voor vlas op maximaal 10 cm en voor hennep op maximaal 20 cm boven de grond afgestelde maaibalk.

[...]»

8 O Regulamento (CE) n.° 466/96 da Comissão, de 14 de Março de 1996, que altera o Regulamento n.° 1164/89 (JO L 65, p. 6), que entrou em vigor em 22 de Março de 1996, inseriu na alínea a) do artigo 4.° , a seguir ao terceiro travessão, o seguinte texto:

«A formação das sementes referida no primeiro travessão é considerada como terminada se o número de sementes de cânhamo ou de cápsulas de sementes de linho que atingiram a sua forma e volume definitivos for superior ao de outras sementes de cânhamo ou de cápsulas de sementes de linho.»

O procedimento de apuramento das contas

9 Em Setembro de 1995, os serviços do FEOGA efectuaram um visita de controlo aos Países Baixos a fim de verificar o respeito da regulamentação aplicável ao regime de ajudas comunitárias para o linho e o cânhamo. Chegaram à conclusão de que as superfícies de cânhamo cultivadas nos Países Baixos não eram elegíveis para efeitos das ajudas concedidas, pois as plantas haviam sido recolhidas antes da formação das sementes, em violação do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89, na versão resultante do Regulamento n.° 1469/94 (a seguir «Regulamento n.° 1164/89 alterado»). As plantas haviam sido recolhidas durante a floração ou imediatamente após, quando as sementes se encontravam ainda no estado leitoso. Atendendo aos riscos de desvio de uma colheita de cânhamo para a produção de drogas, as exigências da regulamentação em vigor deviam ser escrupulosamente respeitadas. Por outro lado, os serviços do FEOGA consideraram que as autoridades neerlandesas tinham desrespeitado as suas obrigações no que respeita aos controlos das importações de sementes de cânhamo provenientes de países terceiros.

10 Em seguida, verificou-se uma tentativa de conciliação entre o Governo neerlandês e a Comissão. Este governo não contestou que a colheita de cânhamo se efectuara antes da formação completa das sementes, quando estas se encontravam ainda no estado leitoso. Todavia, alegou que, como as culturas de cânhamo em causa se destinavam exclusivamente à produção de fibras e que a qualidade das fibras é óptima antes de terminada a floração, é economicamente mais rentável colher as plantas antes de atingirem a sua plena maturidade.

11 Insatisfeita com estas explicações, a Comissão informou o Governo neerlandês, por ofício de 29 de Outubro de 1997, de que se propunha aplicar uma correcção forfetária correspondente a 50% das despesas declaradas ao abrigo da rubrica orçamental 1402 (cânhamo) para o exercício financeiro de 1995, pois a colheita de cânhamo tivera lugar antes da formação das sementes.

12 O Reino dos Países Baixos veio ulteriormente apresentar um pedido de conciliação formal. O órgão de conciliação observou, no seu relatório de 15 de Maio de 1998, que não conseguira determinar, com certeza, se existia uma definição, aceite por todos os peritos, daquilo que se deve exactamente entender por semente «formada».

13 Em 12 de Janeiro de 1999, a Comissão aprovou o seu relatório de síntese sobre os resultados dos controlos para efeitos da aprovação das contas do FEOGA, secção «Garantia», para o exercício financeiro de 1995 (a seguir «relatório de síntese»). Reitera aí o seu ponto de vista de que as superfícies de cânhamo cultivadas nos Países Baixos não eram elegíveis para efeitos das ajudas. Decidiu aplicar uma correcção igual a 50% das despesas declaradas, tendo em atenção o facto de que a concessão da ajuda estava normalmente associada a dois componentes, ou seja, a produção de fibras e a produção de sementes, que em todas as superfícies em causa a colheita tinha sido efectuada demasiado cedo e que a formação das sementes devia considerar-se terminada quando cerca de 50% delas tivessem chegado à maturidade.

Quanto ao primeiro fundamento: violação do Regulamento n.° 1308/70

Quanto à primeira vertente do primeiro fundamento: interpretação errónea do Regulamento n.° 1308/70

14 Através da primeira vertente do seu primeiro fundamento, o Governo neerlandês, sendo nisto apoiado pelo Governo espanhol, alega que a Comissão interpretou de forma errónea o Regulamento n.° 1308/70, ao considerar que uma correcção de 50% se podia justificar pelo facto de a concessão da ajuda à produção de cânhamo estar associada a dois componentes, ou seja, a produção de fibras e a produção de sementes. Esse regulamento de forma alguma exigia que se colhessem as fibras e as sementes da mesma planta e não incluía qualquer referência distinta à produção de sementes de cânhamo. Por conseguinte, a Comissão teria introduzido uma exigência não prevista pelo referido regulamento e violara assim o direito comunitário.

15 A Comissão responde que o Governo neerlandês confunde os requisitos de concessão da ajuda com a modulação da sanção pecuniária quando não sejam satisfeitas essas condições. Na realidade, podia ter recusado a integralidade das despesas. Atendendo ao facto de que existia incontestavelmente uma certa produção de fibras, procurara, no entanto, encontrar um critério que permitisse atenuar a sanção e chegara assim à conclusão de que era de aplicar uma correcção de 50%. Todavia, esta redução não constituía uma interpretação ou uma aplicação do Regulamento n.° 1308/70.

16 A este propósito, basta observar que a Comissão não alegou, nem na decisão impugnada nem no relatório de síntese, que a regulamentação em causa obriga à colheita das fibras e das sementes da mesma planta. Tendo a Comissão considerado que podia aplicar uma correcção correspondente a 100% das despesas declaradas mas que essa sanção era excessivamente pesada, procurou, na verdade, um critério que lhe permitisse modular a correcção. Assim, a crítica do Governo neerlandês não tem qualquer fundamento.

17 Há pois que negar provimento à primeira vertente do primeiro fundamento.

Quanto à segunda vertente do primeiro fundamento: violação do artigo 8.° do Regulamento n.° 1308/70

18 Através da segunda vertente do primeiro fundamento, o Governo neerlandês alega que foi erradamente que a Comissão, no relatório de síntese, considerou que as importações para os Países Baixos de sementes de cânhamo provenientes de países terceiros não foram controladas, em conformidade com as disposições do Regulamento n.° 1308/70. Na verdade, esses controlos sempre foram efectuados correctamente.

19 A Comissão alega, a este respeito, que a insuficiência dos controlos evocada no relatório de síntese não teve, de qualquer modo, qualquer incidência na decisão impugnada. Não lhe aplicou, com esse fundamento, qualquer sanção financeira e, aliás, não o poderia ter feito pois não se tratava de uma condição de obtenção da ajuda à produção. A evocação dessa insuficiência mais não fora do que a verificação de um facto entre outros, que, todavia, em nada influenciara a correcção controvertida.

20 A este propósito, basta observar que da decisão impugnada e do relatório de síntese resulta que a correcção controvertida se deveu ao alegado não respeito das condições de concessão da ajuda, ou seja, a colheita do cânhamo antes da formação das sementes, e não a um incumprimento de obrigações de controlo das importações provenientes de países terceiros. Importa, por conseguinte, declarar que, independentemente da resposta à questão de saber se a crítica da Comissão tem ou não fundamento, essa crítica não teve consequências negativas no que respeita ao Reino dos Países Baixos e não pode, portanto, causar-lhe prejuízo.

21 Daqui resulta que a segunda vertente do primeiro fundamento é inadmissível e não pode ser acolhida.

Quanto ao segundo fundamento: violação do Regulamento n.° 1164/89 alterado

Quanto à primeira vertente do segundo fundamento: desrespeito do texto neerlandês do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado

22 Através da primeira vertente do seu segundo fundamento, o Governo neerlandês alega que a acusação da Comissão, segundo a qual o cânhamo fora colhido antes de as sementes terem alcançado uma maturidade suficiente, deve ser examinada na perspectiva da versão neerlandesa do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado. A exigência de colheita após formação das sementes estava, nessa versão, expressamente limitada ao linho. Assim, a Comissão teria violado esse texto ao impor essa exigência igualmente no que respeita ao cânhamo.

23 Segundo a Comissão, este argumento não podia ser acolhido. A versão neerlandesa sofria de um erro manifesto que não podia ser invocado pelo Reino dos Países Baixos. Embora seja verdade que, nessa versão, o primeiro período e o terceiro travessão do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado se referem expressamente ao linho, também é verdade que a continuação desta disposição evoca ao mesmo tempo o linho e o cânhamo. Um leitor razoavelmente atento devia, portanto, daí deduzir que se coloca uma problema manifesto que deve ser resolvido.

24 As autoridades neerlandesas estiveram estreitamente associadas à elaboração do Regulamento n.° 1469/94. Ao comparar a versão neerlandesa com as outras versões linguísticas, deveriam, portanto, ter de imediato percebido que existia um erro. De qualquer modo, deveriam ter-se posto em contacto com os representantes da Comissão para discutir esse problema e solucioná-lo.

25 A este propósito, forçoso é observar que a versão neerlandesa do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado se distingue das outras versões linguísticas desta disposição na medida em que se refere, no início do primeiro período, apenas ao linho e não ao cânhamo, enquanto as outras versões linguísticas são formuladas de forma geral e não referem expressamente nem uma nem outra dessas plantas. O mesmo se passa relativamente ao terceiro travessão, excepto no que se refere à versão alemã. Em contrapartida, na frase dessa disposição que se segue imediatamente ao terceiro travessão, a versão neerlandesa refere, bem como todas as outras versões linguísticas, um máximo diferente para a altura de corte do linho e para a do cânhamo.

26 Forçoso é igualmente observar que o Regulamento n.° 1164/89 se refere, tanto no título como na quase totalidade das suas disposições, da mesma forma às duas plantas e institui um tratamento amplamente paralelo. Nos casos em que se impõe um tratamento diferente, isso resulta, como nos artigos 2.° e 3.° do referido regulamento, expressamente do texto.

27 Nestas circunstâncias, como o advogado-geral também observa no n.° 33 das suas conclusões, a referência que é feita apenas ao linho no primeiro período e no terceiro travessão do artigo 4.° , alínea a), da versão neerlandesa do Regulamento n.° 1164/89 alterado constitui um erro que podia ser facilmente detectado. Assim, o Governo neerlandês não pode invocar uma interpretação que se baseia apenas nessa versão.

28 A primeira vertente do segundo fundamento deve, portanto, ser julgada improcedente.

Quanto à segunda vertente do segundo fundamento: interpretação errónea do conceito de formação das sementes constante do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado

29 Através da segunda vertente do seu segundo fundamento, o Governo neerlandês, sendo nisto apoiado pelo Governo espanhol, alega que a Comissão cometeu um erro de direito ao interpretar o artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado de forma a que a formação das sementes só se considera terminada desde que pelo menos 50% delas estejam maduras. Esta exigência só foi introduzida através de uma modificação ulterior dessa disposição, ou seja, a resultante do Regulamento n.° 466/96, que, todavia, não era aqui aplicável.

30 O artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado era aplicável à campanha em causa e previa apenas de um modo geral que a colheita deve ocorrer após a formação das sementes. Fora isso o que se passara no caso em apreço. Embora as sementes ainda estivessem no estado leitoso aquando da colheita, estavam, no entanto, formadas. Com efeito, as sementes de cânhamo formavam-se durante a floração, sem no entanto estarem maduras. Como a qualidade das fibras da planta diminuia após a floração, era preferível proceder à colheita a partir da floração ou imediatamente após esta. Esta forma de proceder era inteiramente compatível com o artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado.

31 A Comissão sublinha, a título geral, a natureza muito sensível do cânhamo, que era uma planta consideravelmente perigosa para a saúde pública devido às suas propriedades inebriantes. Havia, portanto, que procurar um equilíbrio entre a preocupação de eliminar esse perigo e o interesse não displicente que tem a cultura do cânhamo em determinadas regiões da Comunidade. Como a regulamentação comunitária prevê ajudas para a plantação de cânhamo, as suas condições de concessão deviam ser aplicadas de forma muito rigorosa a fim de evitar abusos.

32 Uma das referidas condições de concessão era de que a colheita fosse efectuada após a formação das sementes. Mesmo ao abrigo do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado, essa condição implicava que, aquando da colheita, as sementes deviam estar completamente formadas e não se podiam encontrar no estado leitoso. Esta exigência estava particularmente ligada ao risco de o cânhamo ser abusivamente utilizado devido às suas propriedades inebriantes. Com efeito, o seu teor em tetrahidrocanabinol era máximo no fim da floração, ou seja, precisamente durante o período em que aqui o cânhamo foi colhido, para diminuir com a formação das sementes.

33 A este propósito, é indiscutível que o cânhamo é uma planta que pode representar um perigo para a saúde pública. Também é indiscutível que a regulamentação relativa às ajudas para a produção do cânhamo tem em atenção a natureza sensível dessa planta, na medida em que estabelece exigências muito rigorosas quanto às condições de concessão das ajudas e quanto aos controlos que devem ser efectuados na matéria. Como referido no terceiro considerando do Regulamento n.° 1164/89, é preciso, em especial, evitar o risco de operações fraudulentas.

34 Segue-se que as exigências enunciadas no artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado devem ser interpretadas de forma particularmente rigorosa. Quanto à noção de colheita após a formação das sementes, deve ser interpretada, pelas razões expostas nos n.os 39 a 42 das conclusões do advogado-geral, por forma a evitar ao máximo que a planta seja colhida quando o seu teor em tetrahidrocanabinol ainda possa constituir um perigo para a saúde pública. Não se pode portanto considerar que a colheita de sementes de cânhamo no estado leitoso, antes do termo da floração das plantas ou imediatamente após, satisfaça a exigência de uma colheita após a formação das sementes, resultante do artigo 4.° , alínea a), do Regulamento n.° 1164/89 alterado.

35 Por conseguinte, a segunda vertente do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento: violação da obrigação de fundamentação

36 Através do seu terceiro fundamento, o Governo neerlandês alega que a decisão impugnada não se encontra suficientemente fundamentada e viola, deste modo, o artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 235.° CE). A exposição dos fundamentos da decisão impugnada não permitia determinar o raciocínio que levou a Comissão a aplicar a correcção controvertida de 50%. Para compreender esse raciocínio, era necessário remeter para o relatório de síntese que evoca, por seu lado, o Regulamento n.° 1308/70 e as directrizes aprovadas pela Comissão em Junho de 1993 relativas às correcções financeiras a aplicar no quadro do apuramento das contas do FEOGA (a seguir «directrizes»). Ora, nem esse regulamento nem as directrizes prevêem uma correcção financeira de 50%. As directrizes indicam expressa e exaustivamente os casos em que pode ser imposta uma correcção forfetária e as taxas previstas eram de 2%, 5% e 10%. Não figura aí uma taxa de 50%.

37 A Comissão sustenta que a decisão impugnada se encontra suficientemente fundamentada na sua exposição dos fundamentos e no relatório de síntese. Alega, além disso, que o Reino dos Países Baixos esteve estreitamente associado ao processo de elaboração da decisão impugnada e que conhecia perfeitamente, graças a uma vasta correspondência, as razões por que se optou por uma correcção de 50%.

38 A Comissão alega ainda que nem o relatório de síntese nem nenhum outro documento dos autos se referem às directrizes para justificar a correcção imposta. Com efeito, estas respeitavam às consequências a retirar de controlos insuficientes por parte dos Estados-Membros, problema que aqui não se colocava.

39 A este propósito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal como o advogado-geral a resumiu no n.° 48 das suas conclusões, que as decisões tomadas pela Comissão em matéria de apuramento das contas do FEOGA não exigem uma fundamentação circunstanciada pois são tomadas com base num relatório de síntese e numa troca de correspondência entre o Estado-Membro em causa e a Comissão.

40 No caso em apreço, o relatório de síntese explica claramente no n.° 4.7.4.1.2, que ocupa várias páginas, as razões que levaram à imposição da correcção controvertida, ou seja, que as verificações efectuadas nas explorações visitadas e na empresa que devia assegurar a transformação do cânhamo revelaram que na totalidade das superfícies cultivadas com cânhamo nos Países Baixos a colheita se efectuou antes da formação das sementes. Do mesmo modo, do relatório de síntese e dos articulados das partes resulta que o Governo neerlandês esteve estreitamente associado ao processo de elaboração da decisão impugnada e que conhecia as razões que levaram a Comissão a considerar que não devia imputar ao FEOGA a totalidade das despesas declaradas pelo Reino dos Países Baixos a título de ajudas à produção de cânhamo. É precisamente porque não aceita essas razões que o Governo neerlandês submeteu o caso ao órgão de conciliação.

41 Atendendo a estas circunstâncias, o Reino dos Países Baixos não podia invocar, no quadro do presente recurso, uma violação da obrigação de fundamentação da decisão impugnada. Daqui resulta que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento: violação do princípio da igualdade de tratamento

42 Através do seu quarto fundamento, que não expõe de forma detalhada, o Governo neerlandês alega que, ao afastar-se das suas directrizes sem qualquer explicação, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

43 Segundo a Comissão, este fundamento é irrelevante. Como já demonstrara, as directrizes não eram aplicadas ao caso em apreço e, por conseguinte, não as aplicara nem desaplicara.

44 A este propósito, basta observar que não sendo a Comissão obrigada a aplicar as directrizes a um caso que estas não regulam, a acusação de tratamento desigual é, manifestamente, destituída de fundamento. Daqui resulta que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

45 Atendendo às considerações que precedem, o recurso do Reino dos Países Baixos deve ser integralmente julgado improcedente.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

46 Nos termos do artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino dos Países Baixos e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas. Nos termos do artigo 69.° , n.° 4, primeiro parágrafo, deste mesmo regulamento, o Reino de Espanha, que interveio no processo, suporta as suas próprias despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) O Reino dos Países Baixos é condenado nas despesas.

3) O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.