61999C0381

Conclusões do advogado-geral Geelhoed apresentadas em 15 de Março de 2001. - Susanna Brunnhofer contra Bank der österreichischen Postsparkasse AG. - Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Wien - Áustria. - Igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Condições de aplicação - Diferença de remuneração - Noções de "mesmo trabalho" e de "trabalho de valor igual" - Classificação, por uma convenção colectiva, na mesma categoria profissional - Ónus da prova - Justificação objectiva de uma desigualdade de remuneração - Qualidade do trabalho prestado por um determinado trabalhador. - Processo C-381/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-04961


Conclusões do Advogado-Geral


I - Introdução

1. Através do presente pedido de decisão prejudicial apresentado ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), o Oberlandesgericht Wien (Áustria) pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre seis questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 119.° do Tratado CE (os artigos 117.° a 120.° do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.° CE a 143.° CE) e da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45 p. 19; EE 05 F2 p. 52). No essencial, o Oberlandesgericht Wien pretende saber se a classificação na mesma categoria profissional basta para se poder falar de um mesmo trabalho ou de trabalho de valor igual, a qual das partes incumbe o ónus da prova da discriminação alegada, bem como se uma diferença no rendimento do trabalho ou a falta de rendimento, que só podem ser demonstradas a posteriori, podem constituir uma causa de justificação de uma remuneração diferente do mesmo trabalho ou de um trabalho de valor igual.

II - As disposições aplicáveis

A - Disposições comunitárias

2. O artigo 141.° CE (ex-artigo 119.° do Tratado CE) dispõe no seu n.° 1:

«Os Estados-Membros assegurarão a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual.»

3. O n.° 2 do artigo 141.° CE estabelece designadamente:

«A igualdade de remuneração, sem discriminação em razão do sexo, implica que:

a) a remuneração do mesmo trabalho pago à tarefa seja estabelecida na base de uma mesma unidade de medida;

b) a remuneração do trabalho pago por unidade de tempo seja a mesma para um mesmo posto de trabalho.»

4. O artigo 1.° da Directiva 75/117 prevê:

«O princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos, que consta do artigo 119.° do Tratado e a seguir denominado por princípio da igualdade de remuneração, implica, para um mesmo trabalho ou para um trabalho a que for atribuído um valor igual, a eliminação, no conjunto dos elementos e condições de remuneração, de qualquer discriminação em razão do sexo.

Em especial, quando for utilizado um sistema de classificação profissional para a determinação das remunerações, este sistema deve basear-se em critérios comuns aos trabalhadores masculinos e femininos e ser estabelecido de modo a excluir as discriminações em razão do sexo.»

5. O artigo 4.° da directiva dispõe:

«Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as disposições contrárias ao princípio da igualdade de remuneração que figurem em convenções colectivas, tabelas ou acordos salariais ou em contratos individuais de trabalho, sejam nulas, anuláveis ou possam ser alteradas.»

B - Disposições nacionais

6. Segundo o despacho de reenvio, em direito do trabalho austríaco, a determinação do salário resulta, em princípio, da vontade das partes no quadro do contrato de trabalho. Porém, em muitos sectores, foram fixados salários mínimos por via de convenções colectivas de trabalho. O carácter obrigatório destas convenções colectivas depende da filiação da entidade patronal na organização patronal que foi parte na convenção colectiva. Estas convenções colectivas são geralmente celebradas, pelo lado dos trabalhadores, por organizações profissionais colectivas assentes numa base voluntária - os sindicatos de trabalhadores - e, pelo lado patronal, por organizações sectoriais que representam legalmente os interesses dos empregadores e, por vezes, também, por associações constituídas numa base voluntária ou por pessoas colectivas de direito público (§§ 4 e segs. da Arbeitsverfassungsgesetz, lei-quadro do trabalho, BGBl. 22/1974).

Regra geral, para efeitos de determinação das remunerações mínimas, as convenções colectivas baseiam-se nas actividades concretas exercidas em cada caso concreto, tendo, portanto, em conta o emprego efectivo do trabalhador e (especialmente no caso dos trabalhadores administrativos) fixam, para essas actividades uma remuneração mínima que, com frequência, tem em conta a antiguidade. Neste aspecto, a interpretação das convenções colectivas é efectuada tal como a das leis.

De acordo com o «princípio da cláusula mais favorável» do § 3 da Arbeitsverfassungsgesetz, as partes no contrato de trabalho são, porém, livres de afastar a remuneração mínima e de estipular um salário superior ou complementos de salário mais elevados.

Normalmente, o vencimento dos empregados administrativos é determinado por referência a um horário de trabalho normal (40 horas por semana) ou a um outro horário de trabalho semanal fixado na convenção colectiva e aplicado, a seguir, a um mês inteiro.

7. A noção de «complemento fixo por horas extraordinárias» refere-se à questão da remuneração das prestações efectuadas para além da duração normal do trabalho. Este complemento fixo não deve, em média, ser inferior à remuneração correspondente ao número de horas extraordinárias efectivamente prestadas.

A obrigação de horas extraordinárias pode resultar designadamente do contrato de trabalho.

Quando se estipula um complemento fixo irrevogável de horas extraordinárias, presume-se que o trabalhador está obrigado a efectuar realmente o número de horas extraordinárias fixado, quando tal lhe seja ordenado pelo empregador, e que essas horas são remuneradas através do complemento previsto para esse fim. O empregador não pode, no entanto, derrogar livremente esse acordo e deixar de pagar o complemento fixo de horas extraordinárias - isto é, a remuneração acordada. É certo que tem sempre a possibilidade de renunciar ao cumprimento dessas horas, nomeadamente quando as necessidades da empresa não as justificam. De qualquer modo, não existe, regra geral, um direito do trabalhador a cumprir efectivamente as horas extraordinárias.

8. No que à determinação da remuneração diz respeito, a convenção colectiva aplicável aos bancários e aos banqueiros, pertinente neste caso, prevê, no seu § 2, a classificação em categorias profissionais.

A categoria profissional V agrupa designadamente os empregados com «uma formação bancária, capazes de desempenhar com autonomia actividades bancárias qualificadas». A duração do trabalho está fixada em 38,5 horas pelo § 6 da convenção colectiva e a remuneração das horas extraordinárias está regulada no § 7. O § 8 da convenção colectiva dispõe, no seu ponto I, a respeito da classificação, que esta deve ser efectuada em relação a cada novo trabalhador recrutado e que - designadamente no caso da categoria profissional V - se deve tentar chegar a um acordo sobre a classificação entre o comité de empresa e a serviço de pessoal. O ponto II deste mesmo § indica igualmente que são as funções reais (principais) que devem servir de critério à classificação na categoria.

III - Matéria de facto

9. O litígio que opõe as partes no processo principal, ou seja, S. Brunnhofer e a Bank der österreichischen Postsparkasse (a seguir «Banco») diz respeito à diferença de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos por um mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual.

10. É pacífico entre as partes que S. Brunnhofer foi empregada do Banco entre 1 de Julho de 1993 e 31 de Julho de 1997 e que a sua remuneração mensal inicial, incluindo nesta o complemento fixo irrevogável de horas extraordinárias, se elevava a 40 520 ATS. É igualmente ponto assente que um colega do sexo masculino contratado pelo mesmo empregador em 1 de Agosto de 1994 usufruía um salário mensal, incluindo um complemento fixo revogável de horas extraordinárias, de 43 871 ATS. Também não sofre discussão entre as partes que, se tiverem em conta os aumentos resultantes da convenção colectiva, o vencimento de base de S. Brunnhofer equivale ao do seu colega do sexo masculino, que o cálculo dos dois complementos fixos de horas extraordinárias foi efectuado como manda o § 7 da convenção colectiva aplicável aos bancários e aos banqueiros e que nem S. Brunnhofer nem o seu colega do sexo masculino beneficiaram de aumentos de vencimento excepcionais para além dos aumentos resultantes da convenção colectiva.

11. S. Brunnhofer alega ter sido vítima de uma discriminação salarial baseada no sexo. Embora os vencimentos de base dos dois empregados, incluindo nestes os aumentos previstos pela convenção colectiva fossem idênticos, existia uma diferença de vencimento devida a um acréscimo mensal de que beneficiava o seu colega do sexo masculino, que recebia assim cerca de 2 000 ATS mais do que S. Brunnhofer. Não oferece contestação que, desde a sua entrada em funções, os dois empregados estão incluídos no mesmo escalão de vencimentos da convenção colectiva.

12. S. Brunnhofer afirma que efectuava o mesmo trabalho que o seu colega - ou, pelo menos, um trabalho de valor igual. Exercia as suas funções no departamento «Estrangeiro» do Banco e tinha como funções o controlo dos créditos. No termo de um período de formação, cujas modalidades não foram especificadas, devia ter sido nomeada para a direcção do referido departamento. Porém, devido a problemas tanto profissionais como privados, não chegou a ser nomeada para a direcção do departamento. Posteriormente foi afectada a um posto de trabalho criado especialmente em sua intenção no departamento jurídico. Neste lugar, também não satisfez as expectativas existentes em relação a ela, pelo que foi despedida.

13. O Banco contesta a discriminação salarial, alegando que razões objectivas explicam a diferença de remuneração. Sustenta que, apesar de as funções exercidas pelos dois empregados estarem, em princípio, classificadas como sendo de valor igual, o colega do sexo masculino de S. Brunnhofer exercia uma função de consultor de clientes importantes, devia, além disso, assumir compromissos vinculativos perante terceiros, para os quais tinha que dispor necessariamente de poderes de representação comercial. Segundo o Banco, este facto explica o acréscimo de vencimento do colega do sexo masculino de S. Brunnhofer. No caso desta última, o contacto com os clientes teria sido menos importante. Além disso, segundo o Banco, outra justificação seriam as melhores habilitações profissionais do colega do sexo masculino. Este tinha adquirido uma formação comercial no âmbito dos seus estudos e possuía uma experiência profissional adquirida no estrangeiro que se traduzia por uma qualificação superior na área da consulta aos clientes. Por conseguinte, segundo o Banco, a qualidade de trabalho de um e outro era distinta.

14. A comissão para a igualdade de tratamento do Bundeskanzleramt (serviço da Chancelaria federal), à qual S. Brunnhofer submeteu a questão, concluiu que não se podia excluir que tivesse havido discriminação em matéria de fixação da remuneração da interessada, na acepção da lei austríaca sobre a igualdade de tratamento. S. Brunnhofer intentou então uma acção judicial de condenação do Banco no pagamento de 160 000 ATS por discriminação salarial. Tendo o órgão jurisdicional de primeira instância julgado o pedido improcedente, S. Brunnhofer recorreu para o Oberlandesgericht Wien.

IV - As questões prejudiciais

15. Considerando que a resolução do litígio exigia a interpretação de algumas disposições de direito comunitário, o Oberlandesgericht Wien, por despacho de 15 de Junho de 1999, decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) a) Para a apreciação da questão do trabalho igual ou do mesmo posto de trabalho, na acepção do artigo 119.° do Tratado CE (actual artigo 141.° CE), ou do mesmo trabalho ou do trabalho a que for atribuído um valor igual, na acepção da Directiva 75/117/CEE, em relação com complementos estipulados em contratos individuais que acrescem às remunerações fixadas em convenções colectivas, é suficiente verificar que ambos os trabalhadores, alvo da comparação, estão classificados na mesma categoria profissional pela convenção colectiva?

b) Caso a questão colocada em 1a) mereça resposta negativa:

Na situação descrita na questão 1a), a mesma classificação profissional na convenção colectiva de trabalho constituí um indício da existência de um mesmo trabalho ou de trabalho de valor igual na acepção do artigo 119.° do Tratado (actual artigo 141.° CE) e da Directiva 75/117/CEE, o que implica que cabe ao empregador o ónus da prova relativa à diferenciação da actividade?

c) O empregador pode invocar circunstâncias não contempladas nas convenções colectivas de trabalho para justificar a diferente remuneração?

d) Caso as questões 1) a) ou 1) b) mereçam resposta afirmativa:

O mesmo é aplicável ainda que a classificação na categoria profissional pela convenção colectiva de trabalho tenha como base uma descrição muito genérica?

2) a) O artigo 119.° do Tratado (actual artigo 141.° CE) e a Directiva 75/117/CEE baseiam-se num conceito de trabalhador unívoco na medida em que as obrigações do trabalhador decorrentes do contrato de trabalho não se pautam apenas pelas normas genericamente definidas mas dependem igualmente da capacidade de trabalho individual e pessoal do trabalhador?

b) O artigo 119.° do Tratado CE (actual artigo 141.° CE) e/ou o artigo 1.° da Directiva 75/117/CEE devem ser interpretados de forma a permitir que uma justificação objectiva para a fixação de uma remuneração desigual possa ser igualmente apresentada por circunstâncias só comprováveis a posteriori, designadamente, pela qualidade de trabalho de um determinado trabalhador?»

V - Análise das questões prejudiciais

A - As questões 1) a) e 1) b)

16. Examinaremos a seguir conjuntamente as duas primeiras subquestões. No fundo, estas incidem sobre dois aspectos que podem ser articulados do seguinte modo:

1) Tendo em conta os factos, tal como estes são descritos no despacho de reenvio, pode falar-se de um mesmo trabalho?

e

2) A qual das partes incumbe a prova correspondente?

17. Estão em causa dois trabalhadores, um homem e uma mulher, que estão ambos classificados no mesmo escalão de salários de uma convenção colectiva. Como já referimos supra, no n.° 6, a convenção colectiva estabelece condições de trabalho mínimas. Nos contratos de trabalho individuais podem ser estipuladas cláusulas mais favoráveis. S. Brunnhofer e o colega do sexo masculino a que ela se refere recebem o mesmo vencimento de base. Ambos recebem, além disso, um complemento por horas extraordinárias, que tem carácter irrevogável no caso de S. Brunnhofer mas não no caso do seu colega. Ambos beneficiam, além disso, de um complemento mensal que, no caso de S. Brunnhofer, é inferior ao recebido pelo seu colega.

Há, portanto, à primeira vista, uma discriminação salarial baseada no sexo, uma vez que S. Brunnhofer recebe, a título de complemento mensal, menos 2 000 ATS do que o seu colega. Para responder à questão da existência efectiva de uma discriminação baseada no sexo, é crucial apurar se as duas pessoas em causa efectuam o mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual. A resposta a esta questão depende de uma apreciação da matéria de facto. Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que estas duas pessoas efectuam o mesmo trabalho, é evidente que haverá, nesse caso, uma discriminação proibida pelo artigo 141.° CE.

18. O facto de uma e outro pertencerem à mesma categoria profissional de uma convenção colectiva constitui um indício de que se trata provavelmente do mesmo trabalho ou de um trabalho de valor igual. No entanto, tal não basta para se considerar que se trata do mesmo trabalho ou de um trabalho de valor igual, unicamente pelo facto de essas pessoas terem sido classificadas na mesma categoria profissional de uma convenção colectiva, apesar de o § 7, ponto II, da convenção colectiva dos bancários e dos banqueiros, pertinente no caso dos autos, prever que, para efeitos de classificação na categoria profissional V se deve tomar em cada caso como referência a actividade (dominante) efectivamente exercida. Tal não impede que as actividades possam ser distintas dentro da mesma categoria. A convenção colectiva ora em causa é um acordo-quadro, cujas categorias ou grupos de funções são definidos em termos latos. Dentro de cada categoria ou grupo, podem estipular-se em cada caso condições de trabalho particulares. Como explicámos supra, é o que sucede no presente caso. A questão é, pois, a de saber se à diferença de remuneração corresponde também uma diferença no trabalho. Se a remuneração é diferente, essa diferença deverá traduzir-se por uma diferença nas actividades exercidas. Ao invés, se não se verificar qualquer diferença nessas actividades, a remuneração das duas pessoas em causa deverá ser idêntica, a menos que o empregador comprove que a diferença na remuneração se justifica por uma razão objectiva.

19. Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a noção de mesmo trabalho é um conceito qualitativo, no sentido de que está exclusivamente ligado à natureza das actividades em causa . Portanto, as actividades realmente exercidas pelos trabalhadores constituem o único critério para determinar se existe o mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual. Para apurar se determinados trabalhadores efectuam o mesmo trabalho, há que indagar se, atendendo a um conjunto de factores tais como a natureza do trabalho, as condições de formação e as condições laborais, se pode considerar que esses trabalhadores se encontram numa situação comparável . Assim sendo, é com base neste tipo de análise que o órgão jurisdicional de reenvio deve julgar se o trabalho efectuado por S. Brunnhofer ( o controlo dos créditos) é o mesmo ou de valor igual ao efectuado pelo seu colega do sexo masculino (a gestão de clientes importantes). É igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio que compete apreciar a relevância que deve ser dada ao facto de ter sido dada ao colega de S. Brunnhofer um poder de representação especial. Tal implica que se trata de actividades de tal modo diferentes que possam justificar uma diferença de remuneração?

20. Há que apreciar a seguir a questão do ónus da prova. Resulta do que acima foi dito, que está em causa no presente caso uma discriminação directa. O Tribunal de Justiça já decidiu, na sua jurisprudência anterior, que, em caso de discriminação directa, o ónus da prova recai sobre quem alega essa discriminação na remuneração com base no sexo . Só em caso de discriminação indirecta, geralmente mais difícil de provar pelos trabalhadores que dela são vítimas, é que se pode inverter o ónus da prova . Ora, no presente caso, é de discriminação directa que se trata, de modo que o ónus da prova incumbe a S. Brunnhofer. Por conseguinte, compete a S. Brunnhofer demonstrar que existe um mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual que é retribuído de forma desigual. O facto de a classificação na mesma categoria constituir um indício de que se trata de um mesmo trabalho ou de um trabalho de valor igual não isenta quem alega ser vítima de uma discriminação salarial da obrigação de confirmar através de outros factos e circunstâncias que, nesse caso, se trata realmente de um mesmo trabalho ou de um trabalho de valor igual. A seguir, é ao empregador que cabe demonstrar que existem razões susceptíveis de justificar a diferença de remuneração. Como se depreende do despacho de reenvio proferido pelo Oberlandesgericht, os dados sobre a remuneração são de tal modo transparentes que a prova da diferença de remuneração não apresenta qualquer problema de técnica probatória. Parece que S. Brunnhofer fez prova bastante desse facto. No entanto, para demonstrar a sua tese de que existe uma remuneração desigual, proibida pelas disposições pertinentes do direito comunitário, terá que comprovar fundamentalmente que existe um mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual. Será com base nos factos e circunstâncias alegados por S. Brunnhofer que o órgão jurisdicional de reenvio terá que decidir finalmente se existe uma remuneração desigual que não se justifica por razões objectivas do trabalho realmente exercido por S. Brunnhofer e pelo trabalhador do sexo masculino a que ela se refere.

B - A questão 1) d)

21. A quarta parte da primeira questão só foi colocada caso fosse dada resposta afirmativa às subquestões 1) a) ou 1) b). Como tal não acontece, não se justifica responder a esta questão.

C - As restantes questões

22. As questões 1) c), 2) a) e 2) b) têm em comum o facto de que, através delas, o órgão jurisdicional nacional pretende obter apoio para responder à questão de saber se, e em que condições, uma diferença patente de remuneração pode ser justificada à luz do artigo 141.° CE e da Directiva 75/117.

23. A resposta à questão 1) c) pode ser deduzida das considerações que tecemos em relação às questões 1) a) e 1) b). Salientámos que, em direito do trabalho austríaco, as convenções colectivas constituem uma base para a determinação das condições de trabalho e que também constituem um quadro, frequentemente definido em termos latos, nos limites do qual devem ser celebrados os contratos individuais dos trabalhadores em causa. Num quadro legal e contratual deste tipo, as condições de trabalho de cada um dos trabalhadores que pertencem a uma mesma categoria profissional ou salarial podem diferir de um caso para outro. Estas diferenças também podem ser justificadas à luz das disposições de direito comunitário pertinentes no presente caso, sempre que se baseiem em critérios objectivos tais como a idade, a formação e a experiência profissional dos trabalhadores em causa e que se apliquem, além disso, do mesmo modo em casos comparáveis .

Deduzimos do acórdão Bilka, já referido , que as razões objectivas dessas diferenças de remuneração devem prestar-se a uma aplicação transparente, isto é, devem poder traduzir-se em razões económicas objectivas e ser adequadas aos objectivos prosseguidos pela empresa.

24. Através da questão 2) a), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de trabalhador subjacente ao artigo 141.° CE e à Directiva 75/117 é comparável e se as obrigações do trabalhador decorrentes do contrato de trabalho são reguladas unicamente por normas definidas em termos gerais ou se também se deve atender às aptidões pessoais e individuais do trabalhador. A resposta à primeira parte desta questão não exige grandes considerações. Deduz-se da jurisprudência do já referido acórdão Jenkins , bem como dos acórdãos Kowalsa e Newstead , que a Directiva 75/117 se destina essencialmente a facilitar a aplicação em concreto do princípio da igualdade de remuneração constante do artigo 141.° CE, para permitir a realização deste. Tendo em conta este alcance limitado da directiva, de execução do artigo 141.° CE, só se pode deduzir daí que os conceitos fundamentais do artigo 141.° CE e da directiva são coincidentes. Evidentemente, tal também se aplica ao conceito de «trabalhador».

25. A resposta à segunda parte desta questão já é mais delicada, porque o despacho de reenvio não permite determinar com certeza as circunstâncias de facto a que a questão se refere. A título puramente hipotético, o órgão jurisdicional de reenvio poderá estar a referir-se a uma situação em que está provado que os trabalhadores efectuam realmente o mesmo trabalho mas em que se verificam diferenças no rendimento do trabalho. Tal como a Comissão observou, falta no despacho de reenvio o apuramento e a qualificação dos factos com base nos quais a questão poderia ter sido entendida como não sendo puramente hipotética. Por isso, na falta de elementos de facto mais precisos, há que remeter para o artigo 141.° , n.° 2, CE para responder à questão de saber se diferenças individuais no comportamento laboral podem justificar diferenças de remuneração. Este artigo prevê que a remuneração pode ser paga à tarefa ou por unidade de tempo. No primeiro caso, o n.° 2 do artigo 141.° CE estabelece que a remuneração seja fixada com base na mesma unidade de medida. O empenho e o rendimento individual dos trabalhadores são portanto factores que autorizam diferenças na remuneração em relação a resultados objectivamente verificáveis dos esforços individuais. O segundo caso é diferente. O artigo 141.° , n.° 2, alínea b), CE determina que a remuneração do trabalho pago por unidade de tempo seja a mesma para um mesmo posto de trabalho. Como, no caso ora em apreço, estamos perante um trabalho pago por unidade de tempo, eventuais diferenças no rendimento individual não devem determinar diferenças de remuneração, dado que é efectuado um mesmo trabalho num mesmo posto de trabalho. Como já realçámos na resposta às questões 1) a) e 1), a resposta à questão de saber se trata efectivamente de um mesmo trabalho deverá basear-se nos factos e circunstâncias que determinam a actividade dos trabalhadores comparados.

26. Em meu entender, há que responder pela negativa à questão 2) b). Há desigualdade de tratamento se um mesmo trabalho for remunerado de forma diferente com base em dados de facto - tais como a particular capacidade de um determinado trabalhador - que evidentemente só poderão ser comprovados após a celebração do contrato de trabalho, pelo exercício efectivo de funções. As expectativas existentes em relação a um trabalhador não podem constituir motivo para diferenças de remuneração por um trabalho ainda a efectuar e que, além disso, é o mesmo ou é de valor igual. Se posteriormente, com base no trabalho realizado, se verificarem diferenças objectivas no nível pessoal da prestação, tal poderá dar lugar naturalmente a diferenças na evolução da carreira. Porém, nesse caso já não se pode falar de mesmo trabalho.

VI - Conclusão

27. Tendo em conta quanto precede, propomos ao Tribunal que responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Oberlandesgericht Wien:

«1 a) Para apreciar se existe um trabalho igual ou o mesmo posto de trabalho, na acepção do artigo 119.° do Tratado CE (actual artigo 141.° CE), ou o mesmo trabalho ou um trabalho a que é atribuído um valor igual, na acepção da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos, quando está em causa a estipulação num contrato individual de trabalho de complementos da remuneração fixada nos termos de uma convenção colectiva, não basta verificar que os dois trabalhadores comparados estão classificados na mesma categoria profissional de uma convenção colectiva.

b) A classificação na mesma categoria profissional de uma convenção colectiva, embora constitua um indício da existência de um mesmo trabalho ou de um trabalho de valor igual para efeitos do artigo 119.° do Tratado CE (actual artigo 141.° CE) e da Directiva 75/117, não implica que, em caso de discriminação directa, recaia sobre o empregador o ónus da prova de que as actividades em causa são diferentes.

c) Para justificar uma diferença de remuneração, um empregador pode invocar circunstâncias não contempladas nas convenções colectivas, sempre que estas se fundem em razões objectivamente justificadas.

d) Esta questão só foi colocada para o caso de se responder pela afirmativa à questão 1) a) ou 1) b), pelo que não se justifica responder-lhe.

2) a) O artigo 119.° do Tratado (actual artigo 141.° CE) e a Directiva 75/117 baseiam-se num conceito de trabalhador unívoco. Se resultar da apreciação das actividades exercidas que estas constituem um mesmo trabalho ou um trabalho a que é atribuído um valor igual, o princípio da igualdade de remuneração dos trabalhadores masculinos e femininos não admite qualquer diferença de remuneração ainda que haja diferenças no nível das prestações dos trabalhadores comparados.

b) O artigo 119.° do Tratado (actual artigo 141.° CE) e o artigo 1.° da Directiva 75/117 devem ser interpretados no sentido de que uma diferença de remuneração não pode ser justificada por razões que só podem demonstrar-se a posteriori».