61998J0357

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 9 de Novembro de 2000. - The Queen contra Secretary of State for the Home Department, ex parte Nana Yaa Konadu Yiadom. - Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal (England & Wales) - Reino Unido. - Livre circulação de pessoas - Derrogações - Decisões em matéria de política de estrangeiros - Admissão temporária - Garantias jurisdicionais - Vias de recurso - Artigos 8.º e 9.º da Directiva 64/221/CEE. - Processo C-357/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-09265


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Livre circulação de pessoas - Derrogações - Decisões em matéria de política de estrangeiros - Decisão de entrada no território de um Estado-Membro nos termos do artigo 8._ da Directiva 64/221 - Conceito - Decisão de recusa do direito de entrada a um cidadão comunitário, desprovido de autorização de residência, admitido a título temporário no território de um Estado-Membro - Exclusão - Efeito suspensivo do recurso jurisdicional contra esta decisão e autorização de ocupar um emprego enquanto se aguarda a decisão deste recurso - Falta de incidência

(Directiva 64/221 do Conselho, artigos 8._ e 9._)

Sumário


$$Os artigos 8._ e 9._ da Directiva 64/221, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, devem ser interpretados no sentido de que não pode ser qualificada de «decisão de entrada», na acepção deste artigo 8._, a decisão adoptada pelas autoridades de um Estado-Membro que recusa a um nacional comunitário, sem autorização de residência, o direito de entrar no seu território, quando o interessado tenha sido temporariamente admitido no território deste Estado-Membro, aguardando pela decisão a tomar após os inquéritos necessários ao exame do seu processo, e tenha, deste modo, permanecido cerca de sete meses neste território antes de lhe ser notificada esta decisão, devendo esse nacional beneficiar das garantias processuais referidas no artigo 9._ da Directiva 64/221.

O tempo decorrido após a decisão da autoridade competente em razão da interposição de um recurso judicial que tem efeito suspensivo, por um lado, e a autorização de ocupar um trabalho enquanto se aguarda a decisão deste recurso, por outro, não podem ter incidência na qualificação da referida decisão à luz da Directiva 64/221. (cf. n._ 43 e disp.)

Partes


No processo C-357/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pela Court of Appeal (England & Wales) (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

The Queen

e

Secretary of State for the Home Department,

ex parte: Nana Yaa Konadu Yiadom,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 8._ e 9._ da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: M. Wathelet, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. A. O. Edward e L. Sevón (relator), juízes,

advogado-geral: P. Léger,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de N. Yiadom, por P. Duffy, QC, e T. Eicke, barrister, mandatados por A. Stanley, solicitor,

- em representação o Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por E. Sharpston e S. Kovats, barristers,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. J. Kuijper, consultor jurídico, e N. Yerrell, funcionária nacional destacada no Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de N. Yiadom, representada por D. Anderson, QC, e T. Eicke, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, assistido por E. Sharpston e S. Kovats, e da Comissão, representada por N. Yerrell, na audiência de 20 de Janeiro de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 30 de Março de 2000,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 13 de Maio de 1998, entrado no Tribunal no dia 1 de Outubro seguinte, a Court of Appeal (England & Wales) submeteu, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), seis questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 8._ e 9._ da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36, a seguir «directiva»).

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe N. Yiadom ao Secretary of State for the Home Department (ministro do Interior, a seguir «Secretary of State») a respeito de uma decisão deste último que lhe recusa autorização de entrada no território britânico.

A regulamentação aplicável

A directiva

3 Nos termos do artigo 5._, n._ 1, da directiva:

«A decisão relativa à concessão ou à recusa da primeira autorização de residência deve ser proferida no mais breve prazo e, o mais tardar, nos seis meses seguintes ao pedido.

O interessado deve ser autorizado a permanecer provisoriamente no território até à decisão de concessão ou de recusa da autorização de residência.»

4 O artigo 8._ da directiva dispõe:

«O interessado deve poder recorrer da decisão de entrada ou da decisão que recuse a entrada, a emissão ou a renovação da autorização de residência, bem como da decisão de expulsão do território, utilizando, para o efeito, os recursos facultados aos nacionais para impugnação dos actos administrativos.»

5 O artigo 9._ da directiva prevê:

«1. Não sendo possível interpor recurso para órgãos jurisdicionais ou se este recurso apenas permite conhecer da legalidade da decisão ou quando não tem efeito suspensivo, a decisão da autoridade administrativa que recuse a renovação da autorização de residência ou que determine a expulsão do titular de uma autorização de residência, salvo por motivo de urgência, só será proferida após a obtenção do parecer prévio de uma autoridade competente do país de acolhimento, perante a qual o interessado deve poder deduzir os seus meios de defesa e fazer-se assistir ou representar nos termos previstos na legislação nacional.

Esta autoridade deve ser diferente da que for competente para proferir a decisão de recusa de renovação da autorização de residência ou de expulsão.

2. As decisões de recusa de emissão da primeira autorização de residência, bem como as decisões de expulsão proferidas antes da emissão da referida autorização, serão submetidas, a pedido do interessado, à apreciação da autoridade competente para emitir o parecer prévio previsto no n._ 1. O interessado será, então, autorizado a apresentar pessoalmente os seus meios de defesa, salvo quando a isso se oponham os interesses da segurança nacional.»

O direito nacional

6 No Reino Unido, o artigo 3._, n._ 1, da Immigration (European Economic Area) Order 1994 (regulamento referente à imigração no interior do Espaço Económico Europeu) enuncia:

«Sem prejuízo do artigo 15._, n._ 1, um nacional do EEE será admitido no território do Reino Unido caso apresente, à entrada, um bilhete de identidade ou um passaporte nacional válido emitido por um outro Estado do EEE.»

7 O artigo 15._, n._ 1, do mesmo regulamento precisa:

«Uma pessoa não tem o direito de admissão no Reino Unido nos termos do artigo 3._ se a sua expulsão se justificar por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública... esta pessoa pode interpor recurso da recusa de admissão como se se tratasse de uma pessoa cuja entrada foi recusada e que tem direito de interpor recurso nos termos do artigo 13._, n._ 1, da lei de 1971, mas o recurso não pode ser interposto enquanto a pessoa permanecer no Reino Unido.»

8 Nos termos do artigo 13._, n._ 1, do Immigration Act de 1971 (lei sobre a imigração de 1971), uma pessoa a quem tenha sido recusada a entrada no território do Reino Unido tem o direito de interpor recurso desta decisão perante um Adjudicator. O seu direito de recurso é qualificado de «out of country», o que significa que só pode ser exercido após o interessado ter abandonado o Reino Unido, salvo quando detenha uma autorização de entrada ou uma autorização de trabalho válidas.

9 Além disso, o Immigration Act 1971 prevê, no parágrafo 16 do seu anexo II, que quem possa ser objecto de um inquérito pode ser detido sob a autoridade de um agente do serviço de imigração aguardando que o seu caso seja examinado e que a decisão de lhe conceder ou recusar a entrada no território seja tomada. Nos termos do parágrafo 21 deste anexo, não sendo detida, a pessoa que pode ser objecto de detenção pode, com autorização escrita de um agente do serviço de imigração, ser temporariamente admitida no Reino Unido sem ser detida ou ser posta em liberdade. Esta admissão temporária pode ser acompanhada de restrições respeitantes, designadamente, ao seu emprego na qualidade de assalariado ou ao exercício de qualquer outra actividade.

10 Por força do artigo 11._, n._ 1, do Immigration Act 1971, considera-se, designadamente, como não tendo entrado no território do Reino Unido quem não tenha penetrado no território nacional e no que toca ao período durante o qual se encontre detida ou seja temporariamente admitida ou deixada em liberdade provisória, nos termos dos poderes conferidos pelo anexo II desta lei.

Os factos no processo principal e as questões prejudiciais

11 Em 7 de Agosto de 1995, N. Yiadom, nacional neerlandesa de origem ganesa, chegou ao território do Reino Unido, acompanhada de uma outra mulher que falsamente afirmou ser sua filha. Esta última foi repatriada para o Gana, ao passo que N. Yiadom foi temporariamente admitida no Reino Unido aguardando pelo termo do exame do seu processo individual.

12 Por decisão de 3 de Março de 1996, o Secretary of State recusou-lhe a entrada no Reino Unido por razões de ordem pública. Invocou que, no passado, N. Yiadom tinha facilitado a entrada ilegal de outras pessoas e que, a menos que lhe fosse recusada a admissão, poderia voltar a fazê-lo no futuro. Aguardando a sua expulsão, foi-lhe uma vez mais concedida a admissão temporária.

13 N. Yiadom interpôs recurso jurisdicional desta decisão na High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Crown Office) (Reino Unido). Tendo sido negado provimento a este recurso, recorreu para o tribunal de reenvio.

14 Perante este último, sustenta, por um lado, que não existe razão suficiente para restringir o seu direito à livre circulação na Comunidade, uma vez que a sua presença não representa uma ameaça suficientemente grave para os interesses fundamentais do Reino Unido e, por outro, que, em conformidade com os artigos 8._ e 9._ da directiva, deve poder beneficiar de um direito de recurso perante o Adjudicator como fisicamente presente no Reino Unido («in-country right of appeal») e não do simples direito de recurso concedido pelo direito nacional quando a pessoa em causa não se encontra no território nacional («out-of country right of appeal»).

15 Vistos os autos sobre os quais se deve pronunciar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as razões de ordem pública invocadas pelo Secretary of State se justificam.

16 Todavia, no que toca ao fundamento baseado em violação dos artigos 8._ e 9._ da directiva, a Court of Appeal (England & Wales) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Os artigos 8._ e 9._ da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36), são aplicáveis às decisões relativas à entrada no território de um Estado-Membro, ou as referidas decisões são unicamente abrangidas pelo disposto no artigo 8._?

2) Caso a resposta à primeira questão seja a de que apenas o artigo 8._, e não o artigo 9._, da Directiva 64/221 é aplicável às decisões relativas à entrada no território de um Estado-Membro, as exigências do artigo 8._ estarão preenchidas pelas disposições da lei nacional que conferem a um nacional de um Estado Membro, ao qual foi indeferida a entrada noutro Estado-Membro por razões de ordem pública, o direito de interpor recurso judicial, direito esse que só pode ser exercido se essa pessoa já não estiver fisicamente presente no Estado-Membro em causa?

3) Para efeitos do artigo 8._ e/ou do artigo 9._ da Directiva 64/221/CEE, no caso de a lei nacional permitir:

- que as autoridades competentes, em alternativa à detenção, concedam a `admissão temporária' a um nacional de outro Estado-Membro que não possua uma autorização de residência válida para o território do Estado-Membro de acolhimento, sem autorizarem à referida pessoa a `entrada' no Estado-Membro em causa nos termos da lei nacional; e

- que as autoridades competentes mantenham a pessoa em questão no regime de admissão temporária até concluírem as averiguações sobre se os factos justificam medidas para excluir a referida pessoa do Estado-Membro com base em razões de ordem pública,

uma decisão subsequente de `recusa de entrada' da referida pessoa, e de exclusão da mesma do território do Estado-Membro com base em razões de ordem pública, constitui uma decisão relativa à entrada no território de um Estado-Membro ou uma decisão de expulsão do território de um Estado-Membro?

4) Será diferente a resposta à terceira questão se a legislação nacional permitir que as autoridades competentes levantem as restrições em matéria de trabalho inicialmente impostas como condição da referida admissão temporária, e assim procedam após ter sido adoptada a decisão de recusa da admissão no território nacional, na pendência de um pedido de fiscalização da legalidade da recusa em questão?

5) Pode a resposta à terceira questão ser afectada pelo período de tempo decorrido até a) à `recusa da entrada' e/ou b) à execução da referida decisão através da efectiva saída compulsória da pessoa do território do Estado-Membro e, assim sendo, de que modo?

6) A resposta à quinta questão é, por sua vez, susceptível de ser diferente se a demora na execução de uma decisão de `recusa de entrada' se dever à impugnação da respectiva legalidade, e, nesse caso, de que modo?»

17 Com estas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber se os artigos 8._ e 9._ da directiva devem ser interpretados no sentido de que constitui uma «decisão de entrada», na acepção do referido artigo 8._, a decisão tomada pelas autoridades de um Estado-Membro que recusam a um nacional comunitário, sem autorização de residência, o direito de entrar no seu território, num caso como o do processo principal, no qual:

- o interessado foi temporariamente admitido no território, aguardando por uma decisão a ser tomada após as averiguações necessárias ao exame do seu processo individual,

- apesar da decisão de recusa de admissão e enquanto aguarda a solução do recurso judicial por si interposto, o interessado foi autorizado a ocupar um emprego, e

- decorreram vários meses entre a chegada deste último ao território do referido Estado-Membro e a decisão de recusa de entrada, que não foi ainda executada em razão da interposição do recurso judicial.

18 N. Yiadom e a Comissão invocam que, a partir do momento em que o interessado tenha sido admitido no território, mesmo que apenas a título temporário, qualquer medida que ponha em causa a sua situação através de uma decisão posterior constitui, na realidade, uma decisão de recusa de emissão da autorização de residência e, na medida em que comporta a exclusão do interessado do território, uma decisão de expulsão. Segundo N. Yiadom, será tanto mais assim quanto mais longo for o prazo para a tomada desta decisão. A este respeito, a Comissão precisa que, caso se considerasse o litígio no processo principal como respeitando a uma decisão de entrada de um nacional comunitário no território de um Estado-Membro, tal interpretação iria contra o sistema da directiva, que opera uma distinção importante entre, por um lado, uma «decisão de entrada» e, por outro, uma «recusa de emissão» ou uma «recusa de renovação» da autorização de residência.

19 N. Yiadom invoca também a decisão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem no processo D. contra Reino Unido, de 26 de Junho de 1996, na qual se considerou que o facto de se recusar ao interessado o direito de entrada após a sua admissão temporária no território do Estado em causa constitui uma construção artificial.

20 Considera ainda que a eventual autorização de ocupar um emprego durante o período de admissão temporária, bem como a concessão de um prazo para a interposição, pelo interessado, de um recurso da decisão inicial, não têm incidência sobre a sua qualificação à luz da directiva. Sobre este último ponto, a Comissão partilha desta argumentação, alegando todavia que o decurso de um importante período de tempo entre a chegada ao território e a data em que é tomada a decisão referente à entrada é susceptível de reforçar a sua qualificação como recusa de autorização de residência e como medida de expulsão.

21 O Governo do Reino Unido sustenta, pelo contrário, que uma decisão de recusa de entrada mantém esta qualidade mesmo quando, em conformidade com o direito interno, só é tomada após um período de admissão temporária do interessado no território. Assim, este último não deverá ser considerado como tendo entrado num Estado-Membro em razão do simples facto da sua presença física no seu território.

22 Este governo invoca, designadamente, que a admissão temporária durante o exame do caso de um cidadão comunitário constituirá uma medida mais favorável a este último que a detenção, igualmente prevista no direito interno. A concessão de uma autorização de trabalho durante o período de admissão temporária conduzirá a uma ingerência na situação do interessado menos importante da que resultaria da manutenção da proibição de trabalhar. No que toca ao período de tempo decorrido entre a tomada da decisão de recusa de entrada e a sua execução, o referido governo considera que, em princípio, não tem incidência sobre a sua qualificação, salvo quando se trate de um eventual atraso considerável, sem que contudo possa ser tomado em consideração o atraso devido à interposição do recurso que contesta a legalidade desta decisão.

23 Há que recordar que resulta do artigo 8._-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 18._ CE) que qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas no presente tratado e nas disposições adoptadas em sua aplicação.

24 Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da livre circulação de pessoas deve ser interpretado de forma ampla (v., neste sentido, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1991, Antonissen, C-292/89, Colect., p. I-745, n._ 11, e de 20 de Fevereiro de 1997, Comissão/Bélgica, C-344/95, Colect., p. I-1035, n._ 14), ao passo que as derrogações a este princípio devem, pelo contrário, ser interpretadas de forma estrita (v., neste sentido, acórdãos de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn, 41/74, Colect., p. 567, n._ 18; de 26 de Fevereiro de 1975, Bonsignore, 67/74, Colect., p. 125, n._ 6, e de 3 de Junho de 1986, Kempf, 139/85, Colect., p. 1741, n._ 13).

25 De igual modo, as disposições protegendo os nacionais comunitários que exercem esta liberdade fundamental devem ser interpretadas a seu favor.

26 Há, de resto, que recordar que decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito comunitário como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito comunitário que não contenha qualquer remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente encontrar, em toda a Comunidade, uma interpretação autónoma e uniforme que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdãos de 18 de Janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil, p. 107, n._ 11, e de 19 de Setembro de 2000, Linster, C-287/98, Colect., p. I-6917, n._ 43).

27 Os artigos 8._ e 9._ da directiva têm como objectivo definir as garantias processuais mínimas de que podem beneficiar os nacionais comunitários que invocam a livre circulação em função da situação em que se encontram.

28 O artigo 8._ da directiva impõe aos Estados-Membros a obrigação de permitir a qualquer nacional destes a interposição da decisão de entrada ou da decisão que recuse a entrada, a emissão ou a renovação da autorização de residência, bem como da decisão de expulsão do território, dos mesmos recursos que são facultados aos nacionais para a impugnação dos actos administrativos.

29 As disposições do artigo 9._ da directiva complementam as do artigo 8._ Têm como objectivo assegurar uma garantia processual mínima às pessoas atingidas por uma das medidas previstas nas três hipóteses definidas no n._ 1 do mesmo artigo, ou seja, a impossibilidade de interposição de um recurso judicial ou quando estes recursos apenas permitam conhecer da legalidade da decisão ou não tenham efeito suspensivo (acórdão de 17 de Junho de 1997, Shingara e Radiom, C-65/95 e C-111/95, Colect., p. I-3343, n._ 34).

30 O Tribunal de Justiça precisou que estas três hipóteses devem ser tomadas em consideração tanto no que respeita às medidas referidas no n._ 1 do artigo 9._ da directiva como às mencionadas no n._ 2 desta disposição (acórdão Shingara e Radiom, já referido, n._ 37).

31 Assim, o artigo 9._, n._ 1, prevê que, nas referidas hipóteses, uma decisão que recuse a renovação da autorização de residência ou que determine a expulsão do território do titular de uma autorização de residência só pode ser proferida, salvo por motivo de urgência, após o parecer prévio de uma autoridade competente do país de acolhimento, perante a qual o interessado deve poder deduzir os seus meios de defesa e fazer-se assistir ou representar nos termos previstos na legislação nacional.

32 Nos termos do n._ 2 do artigo 9._, nas mesmas hipóteses, as decisões de recusa de emissão da primeira autorização de residência, bem como as decisões de expulsão proferidas antes da emissão da referida autorização, serão submetidas, a pedido do interessado, à apreciação da autoridade competente, perante a qual o mesmo será autorizado a apresentar pessoalmente os seus meios de defesa, salvo quando a isso se oponham os interesses da segurança nacional.

33 Em contrapartida, o referido artigo 9._ não prevê qualquer exigência específica no que respeita aos recursos interpostos das decisões de recusa de entrada no território. Portanto, só é reconhecida ao nacional comunitário alvo de tal decisão o direito de dela interpor os mesmos recursos que são facultados aos nacionais para a impugnação dos actos administrativos.

34 A natureza estrita das garantias processuais previstas a favor do nacional que contesta uma decisão de recusa de entrada pode justificar-se pelo facto de que, em princípio, quem é objecto de tal decisão não se encontrar fisicamente no território do Estado-Membro e, portanto, se encontrar na impossibilidade material de apresentar pessoalmente os seus meios de defesa perante a autoridade competente.

35 De resto, o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 8._ da directiva no sentido de que não se pode inferir desta disposição uma obrigação, para os Estados-Membros, de admitir a presença de um estrangeiro no seu território enquanto corre o processo, na condição, contudo, de este poder beneficiar de um processo equitativo e se encontrar na posição de invocar todos os seus meios de defesa (acórdão de 5 de Março de 1980, Pecastaing, 98/79, Recueil, p. 691, n._ 13).

36 No processo principal, trata-se de uma nacional comunitária que foi admitida temporariamente no território do Estado-Membro há já vários meses e que aí se encontrava fisicamente quando as autoridades nacionais competentes lhe notificaram uma decisão que lhe proibia a entrada neste território na acepção do direito interno.

37 Em virtude de uma ficção jurídica do direito interno, nos termos da qual o nacional fisicamente presente no território do Estado-Membro de acolhimento é considerado como não tendo sido ainda objecto de uma decisão de entrada, este nacional não pode beneficiar das garantias processuais reconhecidas pelo artigo 9._ da directiva aos nacionais considerados como legalmente presentes no território e que sejam objecto de uma decisão de recusa de emissão ou de renovação da autorização de residência ou de uma medida de expulsão.

38 Tendo em conta os princípios de interpretação da directiva recordados nos n.os 24 a 26 do presente acórdão, há que considerar que a medida que decida da situação de tal nacional não pode ser qualificada de «decisão de entrada» na acepção da directiva, mas que este último deve poder beneficiar das garantias processuais previstas no artigo 9._ da directiva.

39 Importa acrescentar que, no processo principal, decorreram cerca de sete meses entre a admissão física no território e a decisão que recusou a entrada.

40 Certamente é compreensível que um Estado-Membro se reserve o tempo necessário para efectuar uma verificação administrativa da situação de um nacional comunitário antes de tomar uma decisão que lhe recusa o direito de entrada no seu território.

41 Todavia, se este Estado aceitou a presença física deste nacional no seu território durante um período de tempo que manifestamente excede as exigências de tal verificação, há que considerar que pode igualmente admitir a presença deste nacional durante o tempo necessário para a utilização, por este último, das vias processuais referidas no artigo 9._ da directiva.

42 Apenas deve ser tomado em consideração o tempo decorrido entre a entrada física no território e a decisão de recusa de admissão tomada pela autoridade competente, o tempo decorrido em razão da interposição de um recurso judicial que comporta efeito suspensivo e a autorização de ocupar um trabalho enquanto se aguarda a decisão desse recurso não sendo pertinentes para a determinação da natureza da referida decisão e a qualificação a ser lhe ser dada na acepção da directiva (v., neste sentido, acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince, C-192/89, Colect., p. I-3461, n._ 31).

43 Há, pois, que responder às questões submetidas que os artigos 8._ e 9._ da directiva devem ser interpretados no sentido de que não pode ser qualificada de «decisão de entrada», na acepção deste artigo 8._, a decisão adoptada pelas autoridades de um Estado-Membro que recusa a um nacional comunitário, sem autorização de residência, o direito de entrar no seu território, num caso como o do processo principal, no qual o interessado foi temporariamente admitido no território deste Estado-Membro, aguardando pela decisão a tomar após os inquéritos necessários ao exame do seu processo individual, e que deste modo permaneceu cerca de sete meses neste território antes de lhe ser notificada esta decisão, devendo esse nacional beneficiar das garantias processuais referidas no artigo 9._ da directiva.

O tempo decorrido após a decisão da autoridade competente em razão da interposição de um recurso judicial que tem efeito suspensivo, por um lado, e a autorização de ocupar um trabalho enquanto se aguarda a decisão deste recurso, por outro, não podem ter incidência na qualificação da referida decisão à luz da directiva.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

44 As despesas suportadas pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela Court of Appeal (England & Wales), por despacho de 13 de Maio de 1998, declara:

Os artigos 8._ e 9._ da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, devem ser interpretados no sentido de que não pode ser qualificada de «decisão de entrada», na acepção deste artigo 8._, a decisão adoptada pelas autoridades de um Estado-Membro que recusa a um nacional comunitário, sem autorização de residência, o direito de entrar no seu território, num caso como o do processo principal, no qual o interessado foi temporariamente admitido no território deste Estado-Membro, aguardando pela decisão a tomar após os inquéritos necessários ao exame do seu processo individual, e que deste modo permaneceu cerca de sete meses neste território antes de lhe ser notificada esta decisão, devendo esse nacional beneficiar das garantias processuais referidas no artigo 9._ da Directiva 64/221.

O tempo decorrido após a decisão da autoridade competente em razão da interposição de um recurso judicial que tem efeito suspensivo, por um lado, e a autorização de ocupar um trabalho enquanto se aguarda a decisão deste recurso, por outro, não podem ter incidência na qualificação da referida decisão à luz da Directiva 64/221.