61998J0015

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 19 de Outubro de 2000. - República Italiana (C-15/98) e Sardegna Lines - Servizi Marittimi della Sardegna SpA (C-105/99) contra Comissão das Comunidades Europeias. - Auxílios de Estado - Auxílios da Região da Sardenha ao sector do transporte marítimo da Sardenha - Violação das regras de concorrência e incidência a nível das trocas entre Estados-Membros - Fundamentação. - Processos apensos C-15/98 e C-105/99.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-08855


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Recurso de anulação - Pessoas singulares ou colectivas - Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito - Decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios sectorial - Recurso de empresa beneficiária de um auxílio individual concedido ao abrigo desse regime e que deve ser restituído - Admissibilidade

[Tratado CE, artigo 173._, quarto parágrafo (que passou, após alteração, a artigo 230._, quarto parágrafo, CE)]

2 Auxílios concedidos pelos Estados - Exame pela Comissão - Obrigação de a Comissão alargar o exame às alterações introduzidas num regime de auxílios já em vigor - Inexistência

[Tratado CE, artigo 93._, n.os 2 e 3 (actual artigo 88._, n.os 2 e 3, CE)]

3 Auxílios concedidos pelos Estados - Exame pela Comissão - Regime de auxílios que deixou de estar em vigor - Não incidência

[Tratado CE, artigo 92._ (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE)]

4 Actos das instituições - Fundamentação - Obrigação - Alcance - Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado

[Tratado CE, artigo 92._ (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE) e artigo 190._ (actual artigo 253._ CE)]

Sumário


1 Qualquer pessoa que não o destinatário de uma decisão só pode ser individualmente atingida se essa decisão lhe disser respeito em razão de determinadas qualidades que lhe são particulares ou de uma situação de facto que a caracterize em relação a qualquer outra pessoa e, por esse facto, a individualize de modo análogo ao do destinatário. Por conseguinte, uma empresa não pode, em princípio, impugnar uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios sectorial se apenas é afectada por essa decisão em virtude de pertencer ao sector em questão e da sua qualidade de potencial beneficiário do referido regime.

Com efeito, esta decisão apresenta-se, em relação à empresa recorrente, como uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objectivamente e comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstracto. Todavia, encontra-se numa posição diferente uma empresa que não só é afectada pela decisão em causa enquanto empresa do sector em questão, potencialmente beneficiária do regime de auxílios litigiosos, mas também enquanto beneficiária efectiva de um auxílio individual concedido ao abrigo desse regime e cuja recuperação foi ordenada pela Comissão. Esta empresa é também directamente afectada quando a decisão da Comissão obriga o Estado-Membro que concedeu o auxílio a pedir a sua restituição.

(cf. n.os 32-36)

2 Quando a Comissão procedeu à abertura, relativamente a um regime de auxílios já em vigor, do processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado (actual artigo 88._, n._ 2, CE), não podia ser obrigada a alargar esse processo quando o Estado-Membro em causa modifica o referido regime. Com efeito, no caso contrário, esse Estado estaria efectivamente em condições de prolongar, à sua vontade, o referido processo e assim retardar a adopção da decisão final.

Esta solução não é contrariada pelo facto de que a obrigação, prevista no artigo 93._, n._ 3, primeiro período, do Tratado, de informar a Comissão dos projectos destinados a instituir ou a modificar auxílios não se aplica unicamente ao projecto inicial, abrangendo igualmente as modificações ulteriores do projecto, subentendendo-se que essas informações podem ser fornecidas à Comissão no quadro das consultas a que deu lugar a notificação inicial. Com efeito, esta hipótese refere-se às modificações que podem ocorrer num projecto de auxílios durante o seu processo de adopção e a sua solução não é, portanto, transponível para uma situação em que o regime de auxílios já estava em vigor quando a Comissão dele teve conhecimento.

(cf. n.os 43-44)

3 No caso de um regime de auxílios, a Comissão pode limitar-se a analisar as características gerais do regime em causa, sem ser obrigada a examinar cada caso de aplicação específico. Esta possibilidade não podia ser posta em causa pela circunstância de o regime de auxílios em causa ter deixado de estar em vigor. Com efeito, também nesse caso a Comissão deve poder apreciar, com base nas suas características gerais, a compatibilidade do referido regime com o direito comunitário. (cf. n._ 51)

4 A fundamentação exigida pelo artigo 190._ do Tratado (actual artigo 253._ CE) deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190._ do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa.

Tratando-se, mais especificamente, de uma decisão em matéria de auxílios de Estado, embora em certos casos possa resultar das próprias circunstâncias em que o auxílio é concedido que o mesmo pode afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, compete à Comissão pelo menos invocar essas circunstâncias na fundamentação da sua decisão.

(cf. n.os 65-66)

Partes


Nos processos apensos C-15/98 e C-105/99,

República Italiana, representada pelo professor U. Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por P. G. Ferri, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

recorrente no processo C-15/98,

e

Sardegna Lines - Servizi Marittimi della Sardegna SpA, com sede em Cagliari (Itália), representada por F. Caruso, U. Iaccarino, B. Carnevale e C. Caruso, advogados no foro de Nápoles, com domicílio escolhido em Bruxelas no escritório do advogado F. Caruso, 2 A, rue Van Moer,

recorrente no processo C-105/99,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por D. Triantafyllou e S. Dragone, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação, nos processos C-15/98 e C-105/99, da Decisão 98/95/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1997, relativa aos auxílios concedidos pela Região da Sardenha (Itália) ao sector do transporte marítimo da Sardenha (JO 1998, L 20, p. 30), e, no processo C-15/98, do ofício de 14 de Novembro de 1997 através do qual a Comissão informou a República Italiana da sua decisão de instaurar o processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado CE (actual artigo 88._, n._ 2, CE) relativamente a auxílios ao sector do transporte marítimo (empréstimos e operações de locação financeira em condições preferenciais para aquisição, conversão e reparação de navios): alteração do regime de auxílios C 23/96 (ex NN 181/95) (JO C 386, p. 6),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: C. Gulmann, presidente de secção, J.-P. Puissochet (relator) e F. Macken, juízes,

advogado-geral: N. Fennelly,

secretário: L. Hewlett, administradora,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 27 de Janeiro de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Abril de 2000,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Janeiro de 1998, a República Italiana solicitou, nos termos do artigo 173._, primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230._, primeiro parágrafo, CE), a anulação da Decisão 98/95/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1997, relativa aos auxílios concedidos pela Região da Sardenha (Itália) ao sector do transporte marítimo da Sardenha (JO 1998, L 20, p. 30), e do ofício de 14 de Novembro de 1997 através do qual a Comissão a informou da sua decisão de instaurar o processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado CE (actual artigo 88._, n._ 2, CE) relativamente a auxílios ao sector do transporte marítimo (empréstimos e operações de locação financeira em condições preferenciais para aquisição, conversão e reparação de navios): alteração do regime de auxílios C 23/96 (ex NN 181/95) (JO C 386, p. 6, a seguir «decisão de 14 de Novembro de 1997»).

2 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6 de Abril de 1998 (processo T-58/98), a sociedade Sardegna Lines - Servizi Marittimi della Sardegna SpA (a seguir «Sardegna Lines») solicitou, nos termos do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, a anulação da Decisão 98/95.

3 Atento o facto de que os processos submetidos, respectivamente, ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Primeira Instância punham em causa a validade da Decisão 98/95, o Tribunal de Primeira Instância, por despacho da Quinta Secção Alargada de 16 de Março de 1999, Sardegna Lines/Comissão (não publicado na Colectânea), considerou-se incompetente para conhecer do processo T-58/98, a fim de que o Tribunal de Justiça se possa pronunciar sobre o pedido de anulação da referida decisão. Este processo foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Março seguinte sob o número C-105/99.

4 Dada a conexão entre os dois processos, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, por despacho de 19 de Outubro de 1999, apensá-los para efeitos da fase oral do processo e do acórdão, em conformidade com o artigo 43._ do Regulamento de Processo.

As medidas da Região da Sardenha em favor do sector do transporte marítimo da Sardenha

5 Através da Lei n._ 20, de 15 de Maio de 1951, relativa a medidas em favor das companhias de navegação (Bolletino ufficiale della Regione autonoma della Sardegna de 15 de Outubro de 1952), modificada pela Lei n._ 15, de 19 de Julho de 1954 (Bolletino ufficiale della Regione autonoma della Sardegna de 23 de Agosto de 1954, a seguir «Lei n._ 20/1951»), a Região da Sardenha criou um fundo destinado a financiar empréstimos às companhias de navegação que tivessem a intenção de construir, adquirir, transformar, modificar e reparar navios mercantes.

6 Inicialmente, esses empréstimos estavam reservados para as companhias cuja sede social, o domicílio fiscal bem como o porto de registo se situassem na Sardenha (artigo 2._). Estavam limitados a 60% do custo da operação. Todavia, nos casos de trabalhos de construção, transformação ou reparação para os quais o requerente já tivesse recebido um auxílio ao abrigo do direito nacional em vigor, não podiam exceder 20% do investimento (artigo 5._).

7 Os juros, comissões e outros encargos ligados aos empréstimos não podiam exceder, relativamente ao mutuário, 3,5% do montante do empréstimo. Essa taxa era de 4,5% em caso de concessão paralela de um auxílio ao abrigo do direito nacional (artigo 6._). O capital devia ser reembolsado, no máximo, em doze prestações anuais, contadas a partir do terceiro ano que se segue à entrada em serviço do navio para o qual foi concedido o empréstimo (artigo 9._).

8 A Lei n._ 20/1951 foi alterada pelos artigos 99._ e 100._ da Lei regional n._ 11, de 4 de Junho de 1988, que aprova disposições relativas à elaboração do orçamento anual da Região da Sardenha (Lei de Finanças de 1988, suplemento ordinário ao Bolletino ufficiale della Regione autonoma della Sardegna de 6 de Junho de 1988, a seguir «Lei n._ 11/1988»).

9 Em conformidade com o artigo 99._ da Lei n._ 11/1988, que substituiu o artigo 2._ da Lei n._ 20/1951, a empresa que pretenda beneficiar de um empréstimo deve satisfazer as seguintes condições:

- a empresa deve ter a sua sede principal efectiva, a sua sede administrativa e o seu porto de registo, bem como, eventualmente, os seus principais armazéns, depósitos e equipamentos acessórios numa das cidades marítimas da região;

- todos os navios que a empresa possui devem estar inscritos nas circunscrições marítimas da região;

- a empresa deve utilizar os portos da região como centro das suas actividades de transporte marítimo, aí fazendo normalmente escala; em caso de exploração de serviços regulares, estes devem ter o seu ponto de partida ou incluir uma ou várias escalas periódicas num desses portos;

- a empresa compromete-se a efectuar as suas reparações nos portos da região desde que os estaleiros navais sardos disponham das capacidades necessárias, salvo em caso de força maior, exigências inevitáveis em matéria de frete ou razões de economia ou rapidez evidentes;

- para os navios com uma arqueação bruta superior a 250 toneladas, a empresa constitui uma tripulação específica que inclua todas as categorias de marítimos necessárias ao bom funcionamento do navio, recorrendo apenas a marítimos inscritos no registo de inscrição marítima do porto de matrícula; escolhe o pessoal da tripulação, tanto geral como especializado, nesse registo, sendo os únicos limites a este respeito os constantes da legislação nacional sobre a contratação dos marítimos.

10 O artigo 100._ da Lei n._ 11/1988 autoriza as autoridades sardas a concederem uma subvenção, sob a forma de bonificação de juros, às companhias de navegação que optem por financiar a aquisição de um navio através de operações de locação financeira em vez de recorrerem a um empréstimo. Esta subvenção é igual à diferença entre o custo actual do empréstimo de uma quantia correspondente ao montante do reembolso anual, calculado à taxa de referência para o crédito naval, e o valor dos juros correspondentes a um empréstimo de montante idêntico, calculado à taxa de 5%. No termo do contrato, os navios relativamente aos quais foi concedida uma subvenção podem ser adquiridos pelo locatário por uma quantia igual a 1% do seu preço de aquisição.

11 A Lei n._ 11/1988 foi modificada pelo artigo 36._ da Lei n._ 9, de 15 de Fevereiro de 1996, que adopta disposições relativas à elaboração do orçamento anual e plurianual da Região da Sardenha (Lei de Finanças de 1996, suplemento ordinário ao Bolletino ufficiale della Regione autonoma della Sardegna de 17 de Fevereiro de 1996, a seguir «Lei n._ 9/1996»).

12 A Lei n._ 9/1996 estabelece, designadamente, para que a Lei n._ 20/1951 seja compatível com o direito comunitário e as directivas aplicáveis na matéria, a revogação do artigo 2._ desta última lei e do artigo 99._ da Lei n._ 11/1988. A nova lei modifica igualmente determinadas modalidades financeiras dos empréstimos e das operações de locação financeira e privilegia as operações destinadas a introduzir meios de transporte novos e tecnologia avançada.

Matéria de facto

No processo C-15/98

13 Foi na sequência de uma denúncia que a Comissão soube da existência do regime de auxílios aos armadores sardos instituído pela Lei n._ 20/1951, na versão resultante da Lei n._ 11/1988. Embora esse regime tenha sido instituído antes da entrada em vigor do Tratado CE, a Comissão considerou que tinha sido substancialmente modificado após a entrada em vigor deste último e considerou-o, portanto, como um auxílio novo não notificado.

14 Por ofícios datados de 10 de Setembro e de 23 de Novembro de 1993, a Comissão convidou as autoridades italianas a fornecer-lhe informações sobre o regime em questão. Estas forneceram-lhe então informações e em 18 de Janeiro de 1994, em Roma, teve lugar uma reunião com os serviços da Comissão. Todavia, após esta data, as autoridades italianas deixaram de responder aos ofícios da Comissão.

15 Por ofício de 24 de Junho de 1996, a Comissão informou o Governo italiano da sua decisão de iniciar o processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado e convidou-o a enviar-lhe as suas observações. Nesse ofício, a Comissão, por um lado, referia que considerava o regime de auxílios aos armadores sardos como um novo auxílio que, como não lhe fora notificado, era ilegal. Por outro lado, com base nas informações que lhe foram transmitidas, manifestava sérias dúvidas quanto à compatibilidade desse auxílio com o mercado comum.

16 Os Estados-Membros e os outros interessados foram informados da abertura desse processo pela publicação de uma comunicação da Comissão no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO 1996, C 368, p. 2).

17 O Governo italiano, por ofício de 31 de Outubro de 1996, e as autoridades sardas, por ofícios de 11 de Outubro de 1996 e de 22 de Janeiro de 1997, apresentaram as suas observações. Alegaram, em especial, que o regime de auxílios aos armadores sardos fora, entretanto, modificado pela Lei regional n._ 9/1996 para satisfazer as objecções levantadas pela Comissão. Por outro lado, as autoridades sardas informaram a Comissão de que o montante dos empréstimos concedidos a empresas do sector dos transportes marítimos ao abrigo da Lei n._ 20/1951, após as modificações introduzidas pela Lei n._ 11/1988, era de 12 697 450 000 ITL.

18 Em 21 de Outubro de 1997, a Comissão adoptou a Decisão 98/95.

19 Nessa decisão, a Comissão declarou, fundamentalmente, o seguinte:

- como a Lei regional n._ 11/1988 introduziu alterações substanciais no regime de auxílios aos armadores sardos instituído em 1951, o regime de auxílios modificado constitui um auxílio novo que devia ter sido notificado à Comissão, em conformidade com o n._ 3 do artigo 93._ do Tratado;

- esse regime de auxílios constitui um auxílio estatal na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado CE (que passou, após modificação, a artigo 87._, n._ 1, CE), uma vez que «as empresas beneficiárias são libertadas de encargos financeiros que teriam normalmente de suportar (juros comerciais normais e outros encargos sobre empréstimos ou operações de locação financeira)», que «tais encargos são suportados por recursos estatais (as autoridades da Sardenha)», que «os auxílios são selectivos (reservados ao sector do transporte marítimo)» e que «os auxílios afectam as trocas comerciais entre os Estados-Membros». No que se refere a este último aspecto, a decisão refere que 90% das mercadorias provenientes dos Estados-Membros são transportadas para a Sardenha por mar e que 65% do tráfego turístico (passageiros com veículos) entre o continente e a Sardenha é assegurado por companhias de navegação;

- o regime de auxílios não podia beneficiar das derrogações previstas no artigo 92._, n._ 3, do Tratado pois viola os direitos fundamentais da liberdade de estabelecimento [artigo 52._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE)] e da não discriminação em razão da nacionalidade [artigos 6._ e 48._, n._ 2, do Tratado CE (que passaram, após alterações, a artigos 12._ CE e 39._, n._ 2, CE)];

a violação da liberdade de estabelecimento reside no facto de as companhias estabelecidas na Sardenha, mas cuja sede se situa noutro lugar ou cujos navios estão matriculados noutro local, não poderem beneficiar do regime dos auxílios. A obrigação, no caso de navios com uma arqueação bruta superior a 250 toneladas, de empregar um contigente mínimo de marítimos inscrito no registo de inscrição marítima do porto sardo de matrícula constitui, por seu lado, uma violação do princípio da não discriminação;

- de qualquer modo, o regime de auxílios não satisfaz as condições do artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado:

por um lado, embora a Sardenha seja elegível para um auxílio regional ao abrigo do artigo 92._, n._ 3, alínea a), do Tratado, o auxílio em causa não foi concedido ao abrigo de um regime de auxílios destinado a promover o desenvolvimento regional, uma vez que este se restringe ao sector do transporte marítimo. De resto, essa disposição não podia autorizar um auxílio que infringa as orientações comunitárias relativas aos auxílios a sectores sensíveis específicos, como é o caso do transporte marítimo;

por outro lado, no que respeita às derrogações previstas no artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado, o referido regime de auxílios não respeita a obrigação de transparência para efeitos da aplicação da legislação comunitária relativa aos auxílios à construção naval [Regulamento (CE) n._ 3094/95 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995 (JO L 332, p. 1), modificado pelo Regulamento (CE) n._ 1904/96 do Conselho, de 27 de Setembro de 1996 (JO L 251, p. 5)] imposta pelas orientações comunitárias de 1989 relativas aos auxílios estatais às companhias de navegação [SEC(89) 921 final, de 3 de Agosto de 1989] e pelas de 1997 relativas aos auxílios estatais aos transportes marítimos (JO 1997, C 205, p. 5) No que se refere aos auxílios a operações de locação financeira de navios, constituem auxílios ao funcionamento não autorizados nos termos das referidas orientações;

- o Governo italiano não contestou, no decurso do procedimento administrativo, nem a natureza de auxílio novo do regime de auxílios aos armadores sardos nem a violação dos princípios fundamentais da liberdade de estabelecimento e da não discriminação em função da nacionalidade;

- a Decisão 98/95 não se refere às modificações recentemente introduzidas no regime de auxílios, em especial pela Lei n._ 9/1996, que serão objecto de análise distinta.

20 Por conseguinte, a Comissão considerou que os empréstimos concedidos e as operações de locação financeira realizadas com empresas do sector do transporte marítimo ao abrigo da Lei n._ 20/1951, modificada pela Lei n._ 11/1988, num montante global de 12 697 450 000 ITL, contêm elementos que constituem auxílios de Estado ilegais e incompatíveis com o Tratado (artigo 1._ da Decisão 98/95). Também ordenou à República Italiana que recuperasse de cada beneficiário desse empréstimo e operações de locação financeira um montante correspondente à diferença entre, por um lado, o total dos juros ou outros encargos que o beneficiário deveria pagar nas condições normais de mercado e, por outro, os que este último efectivamente pagou (artigo 2._ da Decisão 98/95).

21 Além disso, por decisão de 14 de Novembro de 1997, a Comissão iniciou, relativamente ao regime de auxílios aos armadores sardos, na versão resultante da Lei n._ 9/1996, o processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado. Esta decisão foi objecto de uma comunicação da Comissão no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO C 386, p. 6).

No processo C-105/99

22 Em Julho de 1992, a Sardegna Lines beneficiou, ao abrigo da Lei n._ 20/1951, alterada pela Lei n._ 11/1988, de um financiamento no valor de 9 600 000 000 ITL para efeitos da aquisição de um navio destinado ao transporte de passageiros, baptizado Moby Dream, cujo custo total era de 16 000 000 000 ITL.

23 Esse financiamento, igual a 60% do montante do investimento, assumiu a forma de um empréstimo à taxa de 3,5% reembolsável em doze prestações anuais do mesmo montante, contadas a partir do terceiro ano que se segue à entrada em serviço efectiva do referido navio.

Quanto à admissibilidade dos recursos

Quanto à admissibilidade do recurso da República Italiana

24 A Comissão suscita uma questão prévia de inadmissibilidade relativamente a todo o recurso interposto pela República Italiana. Com efeito, considera que uma petição deve normalmente visar a anulação de um único acto. É verdade, no entanto, que o Tribunal de Justiça admitiu que, em determinados casos excepcionais, o mesmo recurso possa visar a anulação de diversas decisões. É o que se passa quando as decisões em causa são paralelas de um ponto de vista processual, temporal e material (acórdão de 21 de Dezembro de 1954, França/Alta Autoridade, 1/54, Recueil, p. 7; Colect. 1954-1961, p. 1), ou quando uma é a consequência da outra (acórdão de 2 de Março de 1967, Simet e Feram/Alta Autoridade, 25/65 e 26/65, Recueil, p. 39; Colect. 1965-1968, p. 547), ou ainda quando as decisões controvertidas são o resultado de um procedimento administrativo complexo (acórdão de 31 de Março de 1965, Ley/Comissão, 12/64 e 29/64, Recueil, p. 143; Colect. 1965-1968, p. 43). Todavia, as duas decisões impugnadas pela República Italiana não integram nenhuma destas excepções.

25 A Comissão sublinha igualmente que nunca a petição da República Italiana distingue os fundamentos invocados a propósito da Decisão 98/95 e da decisão de 14 de Novembro de 1997. Ora, como estas incidem sobre dois regimes de auxílios substancialmente diferentes, esses fundamentos não podiam ser os mesmos e a sua confusão devia igualmente conduzir à inadmissibilidade do recurso no seu conjunto.

26 A título subsidiário, a Comissão sustenta que o recurso da República Italiana é parcialmente inadmissível, na parte em que visa a decisão de 14 de Novembro de 1997. Com efeito, os fundamentos da República Italiana apenas se referiam à Decisão 98/95.

27 A República Italiana alega, por seu lado, que o regime de auxílios aos armadores sardos devia ter sido objecto de um único processo e que esse vício afecta tanto a Decisão 98/95, que pôs termo ao primeiro processo, como a decisão de 14 de Novembro de 1997, que dá início ao segundo processo. Além disso, as duas decisões, relativas ao mesmo regime de auxílios, contêm críticas análogas no que respeita a esse regime. É a razão pela qual o pedido de anulação da decisão de 14 de Novembro de 1997 não assentou em fundamentos específicos. A República Italiana sublinha, no entanto, que o seu recurso visa, a título principal, a anulação da Decisão 98/95 que é objecto de todos os fundamentos suscitados.

28 Importa, antes de mais, sublinhar que, mesmo que se admita que um recurso só pode visar a anulação de diversos actos se estes apresentarem entre si uma conexão suficiente e que a Decisão 98/95 e a de 14 de Novembro de 1997 não satisfazem essa condição, essa falta de conexão só podia conduzir à inadmissibilidade da petição na parte em que esta visa a anulação da segunda decisão referida.

29 Em seguida, cabe recordar que, em conformidade com os artigos 19._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 38._, n._ 1, do Regulamento de Processo, a petição deve conter, designadamente, uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Ora, na verdade, tal como a Comissão sublinhou na sua contestação e a própria República Italiana admitiu na sua réplica, o conjunto dos fundamentos e argumentos suscitados pela recorrente prendem-se apenas com a Decisão 98/95.

30 Daqui decorre que o recurso da República Italiana é, de qualquer modo, inadmissível na parte em que visa a anulação da decisão de 14 de Novembro de 1997.

Quanto à admissibilidade do recurso da Sardegna Lines

31 A Sardegna Lines considera, sem ser contestada pela Comissão, que é directa e individualmente afectada pela Decisão 98/95 e que, portanto, o seu recurso é admissível. Com efeito, embora o seu destinatário seja a República Italiana, a decisão afectava-a substancialmente na medida em que é um armador sardo que beneficiou do regime de auxílios posto em causa pela Comissão, pois deverá proceder à restituição do auxílio que lhe foi concedido. De resto, o Tribunal de Justiça já tinha aceite a admissibilidade do recurso de uma empresa que se encontrava em situação análoga (acórdão de 13 de Abril de 1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C-324/90 e C-342/90, Colect., p. I-1173).

32 Segundo uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, qualquer pessoa que não o destinatário de uma decisão só pode ser individualmente atingida se essa decisão lhe disser respeito em razão de determinadas qualidades que lhe são particulares ou de uma situação de facto que a caracterize em relação a qualquer outra pessoa e, por esse facto, a individualize de modo análogo ao do destinatário (v., designadamente, acórdãos de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect., p. 197, e de 2 de Abril de 1998, Greenpeace Council e o./Comissão, C-321/95 P, Colect., p. I-1651, n.os 7 e 28).

33 O Tribunal de Justiça considerou, assim, que uma empresa não pode, em princípio, impugnar uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios sectorial se apenas é afectada por essa decisão em virtude de pertencer ao sector em questão e da sua qualidade de potencial beneficiário do referido regime. Com efeito, esta decisão apresenta-se, em relação à empresa recorrente, como uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objectivamente e comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstracto (acórdãos de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n._ 15, e de 7 de Dezembro de 1993, Federmineraria e o./Comissão, C-6/92, Colect., p. I-6357, n._ 14).

34 Todavia, a Sardegna Lines encontra-se numa posição diferente. Com efeito, não só é afectada pela Decisão 98/95 enquanto empresa do sector do transporte marítimo da Sardenha, potencialmente beneficiária do regime de auxílios aos armadores sardos, mas também enquanto beneficiária efectiva de um auxílio individual concedido ao abrigo desse regime e cuja recuperação foi ordenada pela Comissão.

35 Segue-se que a Sardegna Lines é individualmente afectada pela Decisão 98/95.

36 Por outro lado, na medida em que o artigo 2._ da Decisão 98/95 obriga a República Italiana a recuperar de cada beneficiário dos empréstimos ou das operações de locação financeira os elementos de auxílio que contenham, a Sardegna Lines deve ser considerada directamente afectada por essa decisão.

37 Do conjunto que precede resulta que o recurso da Sardegna Lines é admissível.

Quanto ao mérito

Os fundamentos invocados pelas recorrentes

38 A República Italiana acusa, em primeiro lugar, a Comissão de ter submetido o regime de auxílios aos armadores sardos a dois processos distintos em vez de a um único processo e de ter modificado o objecto do processo que conduziu à adopção da Decisão 98/95. Contesta, em segundo lugar, que esta última tenha declarado o regime incompatível com o mercado comum devido à violação dos artigos 6._, 48._, n._ 2, e 52._ do Tratado e não reconhece, de qualquer modo, competência à Comissão para declarar tal violação no âmbito do processo de análise dos auxílios de Estado.

39 A Sardegna Lines invoca, por seu lado, a violação pela Comissão da Directiva 90/684/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1990, relativa aos auxílios à construção naval (JO L 380, p. 27). Também sustenta que a Decisão 98/95 viola o artigo 92._, n._ 1, do Tratado.

40 Quanto ao demais, os outros fundamentos suscitados pela República Italiana e pela Sardegna Lines são comuns a ambas. Decorrem, respectivamente, da qualificação errónea do regime de auxílios aos armadores sardos como auxílio novo, da insuficiente fundamentação da Decisão 98/95 na perspectiva do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, da violação do artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado e da falta de fundamentação na perspectiva das disposições que contém, bem como da ilegalidade da obrigação de recuperação dos auxílios imposta pela Decisão 98/95.

Quanto à inexistência de um procedimento administrativo único (C-15/98)

41 A República Italiana sustenta que as modificações introduzidas em 1988 e 1996 no regime dos auxílios aos armadores sardos não o afectaram em profundidade e que, portanto, nada justificava que esse regime fosse objecto dos dois processos administrativos distintos (v., neste sentido, acórdão de 9 de Outubro de 1984, Heineken Brouwerijen, 91/83 e 127/83, Recueil, p. 3435). Em contrapartida, a tomada em consideração da Lei n._ 9/1996 teria permitido à Comissão adoptar uma posição definitiva a respeito do referido regime de auxílios e, eventualmente, chegar a conclusões diferentes.

42 A Comissão alega, pelo contrário, que o artigo 93._, n._ 2, do Tratado a obrigava a proceder à abertura de um novo processo relativamente a esse regime de auxílios, tal como modificado pela Lei n._ 9/1996. De resto, se fosse obrigada a atender às modificações introduzidas num regime de auxílios durante o procedimento administrativo, os Estados-Membros ficariam em condições de retardar indefinidamente a adopção de uma decisão final.

43 A este propósito, importa sublinhar que, quando a Comissão procedeu à abertura, relativamente a um regime de auxílios já em vigor, do processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado, não podia ser obrigada a alargar esse processo quando o Estado-Membro em causa modifica o referido regime. Com efeito, no caso contrário, esse Estado estaria efectivamente em condições de prolongar, à sua vontade, o referido processo e assim retardar a adopção da decisão final.

44 Esta solução não é contrariada pelo acórdão Heineken Brouwerijen, já referido, em que o Tribunal de Justiça declarou que a obrigação, prevista no artigo 93._, n._ 3, primeiro período, do Tratado, de informar a Comissão dos projectos destinados a instituir ou a modificar auxílios não se aplica unicamente ao projecto inicial, abrangendo igualmente as modificações ulteriores do projecto, subentendendo-se que essas informações podem ser fornecidas à Comissão no quadro das consultas a que deu lugar a notificação inicial. Com efeito, esse acórdão refere-se às modificações que podem ocorrer num projecto de auxílios durante o seu processo de adopção e a sua solução não é, portanto, transponível para uma situação em que o regime de auxílios já estava em vigor quando a Comissão dele teve conhecimento.

45 Ademais, mesmo admitindo que, como pretende a República Italiana, a Lei n._ 9/1996 tenha, efectivamente, posto o regime de auxílios aos armadores sardos em conformidade com o direito comunitário, a tomada em consideração dessa lei pela Comissão seria, de qualquer modo, irrelevante para efeitos da apreciação, por esta última, dos auxílios concedidos ao abrigo do referido regime na sua versão anterior.

46 O fundamento da República Italiana decorrente da inexistência de um procedimento administrativo único deve, portanto, ser rejeitado.

Quanto à modificação do objecto do processo (processo C-15/98)

47 A República Italiana considera, no entanto, que a Comissão, ao decidir não atender à Lei n._ 9/1996 na sua Decisão 98/95, alterou substancialmente o objecto do processo iniciado em 1996. Com efeito, enquanto este dizia inicialmente respeito a um regime de auxílios alegadamente em vigor, a decisão que lhe pôs termo é relativa a um regime cuja aplicação cessou. Ora, o controlo da Comissão apenas se podia exercer sobre um regime de auxílios ainda em vigor. Quando um regime cessa, o controlo já não devia incidir sobre o próprio regime, mas sobre os auxílios efectivamente pagos ao seu abrigo.

48 Segundo a República Italiana, foi precisamente isto, aliás, o que a Comissão fez no caso em apreço quando, após ter instaurado o processo relativamente ao regime dos auxílios na versão resultante da Lei n._ 11/1988, conclui, na sua Decisão 98/95, que os empréstimos concedidos e as operações de locação financeira efectuadas com companhias de navegação sardas, num montante global de 12 697 450 000 ITL, eram incompatíveis com o mercado comum. Todavia, salvo se puser em causa o princípio do contraditório, esta modificação do objecto do processo devia ter sido levada ao conhecimento do Governo italiano e dos interessados, a fim de que estes pudessem apresentar observações pertinentes e defender os seus interesses.

49 A Comissão contesta, em primeiro lugar, a premissa da República Italiana segundo a qual não pode exercer o seu controlo sobre um regime de auxílios que deixou de estar em vigor. Com efeito, é incontestável que tem o direito, para restabelecer a situação anterior, de exigir a recuperação dos auxílios pagos ao abrigo de qualquer regime contrário ao Tratado (acórdão de 29 de Janeiro de 1998, Comissão/Itália, C-280/95, Colect., p. I-259).

50 A Comissão nega, em segundo lugar, ter modificado o objecto do processo. Recorda que, de acordo com o seu próprio título, a sua comunicação de 1996 que informava os interessados da abertura do processo relativamente ao regime de auxílios controvertidos visava os auxílios que as autoridades sardas concederam aos armadores sardos. Além disso, a comunicação recordava a obrigação, que cabia à República Italiana, de restabelecer a situação anterior procedendo à recuperação dos auxílios ilegalmente concedidos. Assim, não restavam dúvidas de que o processo não era relativo a um regime concebido de forma abstracta, antes incidindo sobre auxílios concretos concedidos com desrespeito do direito comunitário.

51 Cabe recordar, por um lado, que, no caso de um regime de auxílios, a Comissão pode limitar-se a analisar as características gerais do regime em causa, sem ser obrigada a examinar cada caso de aplicação específico (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Outubro de 1987, Alemanha/Comissão, 248/84, Colect., p. 4013, n._ 18, e de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, C-75/97, Colect., p. I-3671, n._ 48). Ora, esta possibilidade não podia ser posta em causa pela circunstância de o regime de auxílios em causa ter deixado de estar em vigor. Com efeito, também nesse caso, a Comissão deve poder apreciar, com base nas suas características gerais, a compatibilidade do referido regime com o direito comunitário.

52 Importa sublinhar, por outro lado, que, contrariamente ao que a República Italiana pretende, a Comissão não modificou o objecto do processo, que foi sempre relativo ao regime de auxílios aos armadores sardos adoptado pela Lei n._ 20/1951, após as modificações introduzidas pela Lei n._ 11/1988. Assim, a Comissão indica, no ponto VII da Decisão 98/95, que, em conclusão, o regime de auxílios em questão é ilegal e incompatível com o mercado comum e é à luz desta conclusão que deve ser interpretado o dispositivo da referida disposição (v., neste sentido, acórdão de 27 de Junho de 2000, Comissão/Portugal, C-404/97, Colect., p. I-4897, n._ 41).

53 O fundamento da República Italiana que decorre da modificação do processo não pode, portanto, ser acolhido.

Quanto à insuficiência de fundamentação no que respeita às condições de aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado e à violação dessa disposição

54 A República Italiana sublinha, antes de mais, que a Decisão 98/95 não esclarece de forma alguma em que é que o regime de auxílios aos armadores sardos pode falsear ou ameaçar falsear a concorrência.

55 No que respeita à condição relativa à incidência sobre as trocas entre Estados-Membros, esta decisão limitava-se em seguida a indicar que o transporte de mercadorias entre estes últimos e a Sardenha se efectua em mais de 90% por mar e que 65% dos transportes turísticos (passageiros com veículos) entre o continente e a Sardenha são assegurados por companhias de navegação. Ora, por um lado, essas percentagens elevadas mais não eram do que a consequência normal da insularidade da Sardenha. Por outro lado, não implicavam necessariamente uma incidência a nível das trocas entre Estados-Membros na medida em que as ligações de pequenas ilhas com o exterior podem muito bem depender inteiramente do transporte marítimo sem que essas trocas sejam por isso afectadas. Por último, o volume das trocas entre a Sardenha e os outros Estados-Membros era, de qualquer forma, mínimo, pois 89% das mercadorias e 97% dos passageiros provenientes ou com destino a essa ilha transitam pelos portos italianos.

56 Daqui a República Italiana conclui que a Decisão 98/95 está fundamentada de forma insuficiente no que respeita à aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado.

57 A Sardegna Lines sustenta, antes de mais, que a Comissão violou esta última disposição.

58 A este respeito, sublinha que, contrariamente ao que a jurisprudência exige, a decisão não contém qualquer indicação sobre a situação do mercado em causa, a parte das empresas interessadas nesse mercado, as suas exportações e os fluxos comerciais dos produtos entre os Estados-Membros.

59 Este facto era tanto mais grave quanto o mercado em causa não era o das mercadorias ou dos serviços turísticos, mas o dos transportes provenientes e com destino à Sardenha. Ora, nos termos do artigo 6._, n._ 2, do Regulamento (CEE) n._ 3577/92 do Conselho, de 7 de Dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados-Membros (cabotagem marítima) (JO L 364, p. 7), a cabotagem com as ilhas do Mediterrâneo só foi liberalizada a partir de 1 de Janeiro de 1999. Até essa data, não existia portanto qualquer risco de o regime de auxílios aos armadores sardos falsear ou ameaçar falsear a concorrência entre operadores italianos nem de afectar as trocas entre Estados-Membros.

60 Ao invocar os mesmos argumentos, a Sardegna Lines também alega que, sob este aspecto, a Comissão fundamentou de forma insuficiente a Decisão 98/95.

61 A Comissão sustenta, antes de mais, que os auxílios às companhias marítimas sardas são concedidos de forma selectiva e que, portanto, falseiam obrigatoriamente a concorrência. Em seguida, alega que a Sardenha é uma das três maiores ilhas do Mediterrâneo, que é acessível por mar tanto a partir da península italiana como de França e de Espanha, que também possuem companhias marítimas, e que, por conseguinte, a incidência a nível das trocas entre esses Estados-Membros é certa.

62 Por último, segundo a Comissão, o Regulamento n._ 3577/92 era irrelevante para o caso em apreço. Com efeito, este, por definição, não era relativo aos transportes marítimos entre Estados-Membros que são os únicos abrangidos pela condição do artigo 92._, n._ 1, do Tratado relativo à incidência sobre as trocas comerciais. Ora, as companhias sardas beneficiárias dos auxílios podiam igualmente operar nas linhas marítimas com a França ou Espanha. Além disso, o Regulamento n._ 3577/92 não excluía a existência de concorrência entre empresas no mercado dos transportes marítimos entre a Sardenha e a península italiana. Assim, mesmo antes de 1 de Janeiro de 1999, as companhias não italianas podiam efectuar serviços de cabotagem marítima em Itália registando os seus navios nesse Estado-Membro, sem no entanto beneficiarem do regime de auxílios aos armadores sardos. De qualquer modo, este último continuou a produzir os seus efeitos para além de 1 de Janeiro de 1999.

63 A título preliminar, há que sublinhar que, sob a capa de uma violação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, a Sardegna Lines também acusa a Comissão de, na perspectiva desta disposição, não ter fundamentado de forma suficiente a Decisão 98/95.

64 Há que, em seguida, recordar que o artigo 92._, n._ 1, do Tratado considera incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

65 Cabe recordar que, de acordo com uma jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190._ do Tratado (actual artigo 253._ CE) deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190._ do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, acórdão de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n._ 63).

66 Tratando-se, mais especificamente, de uma decisão em matéria de auxílios de Estado, o Tribunal de Justiça declarou que, embora em certos casos possa resultar das próprias circunstâncias em que o auxílio é concedido que o mesmo pode afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, compete à Comissão pelo menos invocar essas circunstâncias na fundamentação da sua decisão (acórdãos de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n._ 24, e de 24 de Outubro de 1996, Alemanha e o./Comissão, C-329/93, C-62/95 e C-63/95, Colect., p. I-5151, n._ 52).

67 Ora, no caso em apreço, tal como a República Italiana sublinhou, a Decisão 98/95 não contém qualquer fundamentação no que respeita à violação das regras de concorrência pelo regime de auxílios aos armadores sardos. Com efeito, essa fundamentação não podia resultar da simples afirmação de que o auxílio é selectivo e está reservado para o sector dos transportes marítimos na Sardenha. De resto, estes aspectos da referida decisão têm menos a ver com a condição de distorção da concorrência do que com a condição de especificidade que constitui uma das outras características do conceito de auxílio de Estado (v. acórdão Bélgica/Comissão, já referido, n._ 26).

68 Quanto à condição relativa à incidência a nível das trocas entre Estados-Membros, a Comissão indicou, na Decisão 98/95, que os auxílios aos armadores sardos afectam as trocas entre Estados-Membros na medida em que o transporte de mercadorias entre estes e a Sardenha se efectua em mais de 90% por mar e que 65% dos transportes turísticos (passageiros com veículos) entre o continente e a Sardenha são assegurados por companhias de navegação.

69 Ao proceder assim, a Comissão sublinhou efectivamente a importância do transporte marítimo para efeitos das trocas comerciais entre a Sardenha e o resto da Comunidade. Todavia, não forneceu o menor elemento no que respeita à concorrência entre as companhia marítimas sardas e as estabelecidas nos Estados-Membros que não a República Italiana. Assim, a Comissão não tomou em consideração, a este propósito, a circunstância de que, até 1 de Janeiro de 1999, a cabotagem com as ilhas do Mediterrâneo estava excluída da liberalização dos serviços de transporte marítimo no interior dos Estados-Membros.

70 Efectivamente, durante o processo que correu os seus trâmites no Tribunal de Justiça, a Comissão invocou um determinado número de elementos destinados a demonstrar que esta última circunstância não afastava a existência de incidências a nível das trocas de serviços de transporte marítimo entre a Sardenha e determinados Estados-Membros que não a República Italiana, em especial o Reino de Espanha e a República Francesa. Todavia, esta fundamentação não figura na Decisão 98/95.

71 A Comissão também sustentou, no Tribunal de Justiça, que o regime de auxílios aos armadores sardos afecta tanto as trocas comerciais entre os Estados-Membros como diversas das condições suplementares introduzidas pela Lei n._ 11/1988 violavam os princípios fundamentais da liberdade de estabelecimento e da proibição de qualquer discriminação baseada na nacionalidade.

72 Importa, no entanto, sublinhar que, nos pontos I e VI da Decisão 98/95, a Comissão só se baseia nessas alegadas violações para afastar qualquer eventual aplicação das derrogações constantes do artigo 92._, n.os 2 e 3, do Tratado.

73 Face ao que precede, há que acolher o fundamento decorrente da insuficiência de fundamentação da Decisão 98/95 na perspectiva das condições de aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado.

74 Por conseguinte, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados pela República Italiana e pela Sardegna Lines, há que anular a Decisão 98/95.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

75 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do n._ 3 da mesma disposição, o Tribunal de Justiça pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes, ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou em circunstâncias excepcionais.

76 No caso em apreço, o recurso que a República Italiana interpôs da decisão de 14 de Novembro de 1997 foi julgado inadmissível. Em contrapartida, os recursos que a República Italiana e a Sardegna Lines interpuseram da Decisão 98/95 foram acolhidos.

77 Por conseguinte, importa decidir que, no processo C-15/98, a República Italiana e a Comissão suportarão cada uma as suas próprias despesas, enquanto, no processo C-105/99, a Comissão suportará a totalidade das despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção)

decide:

1) O recurso que a República Italiana interpôs do ofício de 14 de Novembro de 1997, pelo qual a Comissão a informou da sua decisão de instaurar o processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado CE (actual artigo 88._, n._ 2, CE), relativamente a auxílios ao sector do transporte marítimo (empréstimos e operações de locação financeira em condições preferenciais para aquisição, transformação e reparação de navios): alteração do regime de auxílios C 23/96 (ex NN 181/95), é julgado inadmissível.

2) A Decisão 98/95/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1997, relativa aos auxílios concedidos pela Região da Sardenha (Itália) ao sector do transporte marítimo da Sardenha, é anulada.

3) No processo C-15/98, a República Italiana e a Comissão das Comunidades Europeias suportarão cada uma as suas próprias despesas.

4) No processo C-105/99, a Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.