61998C0198

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 9 de Septembro de 1999. - G. Everson e T.J. Barrass contra Secretary of State for Trade and Industry e Bell Lines Ltd. - Pedido de decisão prejudicial: Industrial Tribunal, Bristol - Reino Unido. - Política social - Protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador - Directiva 80/987/CEE - Trabalhadores que residem e exercem o sua actividade assalariada num Estado diferente do da sede principal do empregador - Instituição de garantia. - Processo C-198/98.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-08903


Conclusões do Advogado-Geral


1 Quando um trabalhador por conta própria está empregado num Estado-Membro pela sucursal de uma sociedade constituída noutro Estado-Membro, no qual tem a sede social e onde é declarada a sua falência, quem deverá pagar-lhe as remunerações não pagas devido à insolvência da entidade patronal: o fundo de garantia salarial do Estado da sede social no qual foi requerida a falência ou o do Estado-Membro de emprego? Esta é, na essência, a questão prejudicial que neste momento é submetida pelo Industrial Tribunal de Bristol.

Para dar resposta a esta pergunta, o Tribunal de Justiça deverá interpretar as disposições da Directiva 80/987/CEE (1).

I - Os factos do litígio na causa principal

2 O litígio na causa principal tem a sua origem nos requerimentos apresentados por antigos empregados da sociedade Bell Lines Ltd (a seguir «Bell»), para que o Secretary of State for Trade and Industry (a seguir «Secretary of State») ordene que lhes sejam pagos, a cargo do fundo de garantia salarial do Reino Unido, os salários em atraso, a indemnização por falta de pré-aviso e o pagamento de férias, que na altura própria não foram satisfeitos por aquela sociedade devido a encontrar-se em estado de insolvência.

3 A Bell exercia a actividade de agência de transporte marítimo. Foi constituída na República da Irlanda e tinha o seu domicílio social em Dublim (2). Em Julho de 1997, a High Court da Irlanda ordenou a liquidação da sociedade devido a esta se encontrar em situação de insolvência e nomeou um liquidador. Em aplicação da section 426 do Insolvency Act 1986 do Reino Unido, que estabelece a cooperação entre órgãos jurisdicionais competentes em matéria de insolvência (3), a High Court de Inglaterra reconheceu a nomeação do liquidador efectuada pelo órgão jurisdicional irlandês e nomeou administradores especiais conjuntos para prestarem assistência à liquidação da sociedade no Reino Unido.

Segundo foi explicado pela Comissão nas suas alegações em audiência, o facto de o órgão jurisdicional do Reino Unido reconhecer a nomeação do liquidador feita na Irlanda e nomear dois administradores especiais habilitados para colaborar na liquidação da Bell no Reino Unido não equivalia ao início de um processo com vista a declarar a insolvência da sociedade neste Estado.

4 Na data em que pôs termo às suas actividades, a Bell empregava no Reino Unido 209 pessoas, dispunha de seis endereços comerciais no seu território e tanto a empresa como os trabalhadores contribuíam para a segurança social nesse Estado-Membro.

5 A sucursal da Bell em Avonmouth, perto de Bristol, estava inscrita no Registo Comercial nos termos da section 190 A e do anexo 21A do Companies Act 1985. Estas disposições adoptaram o direito interno à Directiva 89/666/CEE, relativa à publicidade das sucursais criadas num Estado-Membro por certas formas de sociedades reguladas pelo direito de outro Estado (4). A inscrição não produziu efeitos constitutivos nem lhe conferiu personalidade jurídica nos termos da legislação inglesa.

6 Ao ser declarada a insolvência da sociedade, os seus empregados no Reino Unido foram despedidos. As reclamações apresentadas para que lhes fossem pagos os seus créditos salariais foram indeferidas pelo Secretary of State, por considerar que o fundo de garantia responsável era o irlandês. Os dois recursos que constituem objecto do presente processo foram seleccionados como processos de referência com o objectivo de decidir se esse órgão administrativo tinha fundamento para indeferir as reclamações.

II - O direito nacional

7 Os requerimentos foram apresentados nos termos da parte XII do Employment Rights Act 1996. Nos termos do disposto na Section 182, as importâncias devidas aos trabalhadores por conta de outrem como consequência da insolvência das suas entidades patronais são pagas a cargo do Nacional Insurance Fund, que está integrado na instituição de segurança social para a qual os trabalhadores e as entidades patronais contribuem.

8 A citada lei não regula de forma expressa os casos em que uma sociedade constituída noutro Estado-Membro, que opera no Reino Unido com estabelecimento permanente e que emprega pessoal no referido Estado, é declarada insolvente nos termos da legislação do primeiro Estado ou doutro Estado-Membro, mas não nos termos da lei do Reino Unido. Não obstante, o tribunal nacional que conhece do litígio chegou à conclusão que, nos termos dos princípios normais de interpretação do direito inglês, a citada lei não obriga o Secretary of State a pagar aos recorrentes os salários e as indemnizações que estes requerem.

III - A questão prejudicial submetida

9 No presente processo e com o fim de evitar divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros na interpretação da Directiva 80/987, o Industrial Tribunal de Bristol decidiu, a requerimento do Secretary of State, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE) a seguinte questão a título prejudicial:

«No caso de

i) um empregado trabalhar num Estado-Membro para uma entidade patronal que foi constituída em sociedade noutro Estado-Membro, e

ii) a entidade patronal ter uma sucursal no Estado-Membro em que o empregado trabalha, estando a referida sucursal registada nos termos das disposições nacionais que dão aplicação à Directiva 89/666/CEE do Conselho (décima primeira directiva sobre o direito das sociedades), embora não esteja constituída em sociedade e não tenha personalidade jurídica autónoma da entidade patronal no referido Estado-Membro, e

iii) tanto a entidade patronal como o empregado serem obrigados a pagar contribuições à segurança social no Estado-Membro em que aquele trabalha,

e tendo em conta o disposto no artigo 3._ da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, qual das instituições de garantia é responsável pelos pagamentos em dívida:

a) a instituição de garantia do Estado-Membro no qual foi instaurado o processo de falência, ou

b) a instituição de garantia do Estado-Membro no qual o empregado trabalha e onde a entidade patronal tem uma presença comercial permanente?»

IV - O direito comunitário

10 O artigo 2._ da Directiva 80/987 dispõe:

«1. Para efeito do disposto na presente directiva, considera-se que um empregador se encontra em estado de insolvência:

a) Quando tenha sido instaurado um processo previsto pelas disposições legislativas, regulamentares e administrativas do Estado-Membro interessado que incida sobre o património do empregador tendo por objectivo satisfazer colectivamente os seus credores e que permita a tomada em consideração dos créditos referidos no n._ 1 do artigo 1._

e

b) Que a autoridade que é competente por força das referidas disposições legislativas, regulamentares e administrativas tenha:

- ou decidido a instauração do processo ou

- verificado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do activo disponível para justificar a instauração do processo.

...»

11 O artigo 3._, cuja interpretação é pedida pelo Industrial Tribunal de Bristol, dispõe:

«1. Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4._, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objecto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data.

...»

12 A Directiva 89/666 impõe às sucursais uma obrigação de publicidade nos termos seguintes:

«Artigo 1._

1. Os actos e indicações relativos às sucursais criadas num Estado-Membro por sociedades reguladas pelo direito de outro Estado-Membro, às quais se aplica a Directiva 68/151/CEE, serão publicados segundo o direito do Estado-Membro onde a sucursal está situada, nos termos do artigo 3._ da referida directiva.

...

Artigo 2._

1. A obrigação de publicidade referida o artigo 1._ só abrange os seguintes actos e indicações:

...

c) O registo em que o processo referido no artigo 3._ da Directiva 68/151/CEE está aberto para a sociedade e o número de inscrição desta última nesse registo;

...

f) - A dissolução da sociedade, a nomeação, a identidade e os poderes dos liquidatários, bem como o encerramento da liquidação, em conformidade com a publicidade feita ao nível da sociedade, nos termos do n._ 1, alíneas h), j) e k), do artigo 2._ da Directiva 68/151/CEE,

- um processo de falência, de concordata ou outro processo análogo de que a sociedade seja alvo;

...»

13 O artigo 3._ da Directiva 68/151/CEE (5), para o qual as disposições anteriores remetem, dispõe por seu turno:

«1. Em cada Estado-Membro será aberto um processo, seja junto de um registo central, seja junto de um registo comercial ou de um registo das sociedades, para cada uma das sociedades que aí estiverem inscritas.

2. Todos os actos e todas as indicações que estão sujeitos a publicidade, nos termos do artigo 2._, serão arquivados no processo ou transcritos no registo; o objecto das transcrições no registo deve, em qualquer caso, constar do processo;

...»

V - O processo prejudicial

14 Apresentaram alegações escritas no presente processo, no prazo estabelecido para esse efeito pelo artigo 20._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, os recorrentes na causa principal, os Governos do Reino Unido, da Irlanda, da Itália e dos Países Baixos, e a Comissão.

Na audiência que teve lugar em 6 de Julho de 1999 compareceram para apresentar alegações orais os representantes dos recorrentes na causa principal, dos Governos do Reino Unido, da Irlanda, da Itália e dos Países Baixos, e da Comissão.

15 Os recorrentes na causa principal, assim como os Governos da Irlanda, da Itália e dos Países Baixos e a Comissão, estão de acordo em que a obrigação de pagar os créditos em dívida aos trabalhadores deve recair sobre o fundo de garantia salarial do Estado-Membro em que o trabalhador exerce a sua actividade e em que a entidade patronal está estabelecida, no sentido de que dispõe aí de uma presença comercial permanente. Entre as razões que avançam figuram: que a Bell contribuiu para o regime de segurança social no Reino Unido pelos trabalhadores que empregava no seu território mas não contribuiu por eles na Irlanda; que a Directiva 80/987 não prevê nenhum sistema de compensação nem de reembolso entre os fundos de garantia dos Estados-Membros relativamente às somas pagas por um deles por conta do outro e que resultaria contrário ao princípio da segurança jurídica que o trabalhador para o qual se contribuiu para o fundo de garantia de um Estado-Membro tivesse que dirigir-se ao fundo de garantia de outro Estado para que lhe fossem pagos os salários em dívida, sem saber se seria indemnizado de acordo com as normas que vigoram no Estado de emprego ou no Estado em que reclama o pagamento.

16 A posição do Governo do Reino Unido difere radicalmente da dos demais que se manifestaram neste processo, afirmando que o fundo de garantia que deve tomar a seu cargo o pagamento é o do Estado onde foi iniciado o processo de falência ou onde se verificou o encerramento definitivo do centro de actividade da entidade patronal. Refere que esta interpretação, feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Mosbæk (6), é de aplicação geral e deve servir para resolver o presente processo, por ser uma regra simples que dá uma resposta clara em todos os casos.

VI - Exame da questão prejudicial

17 Através da questão prejudicial que coloca, o Industrial Tribunal de Bristol pretende saber qual é o fundo de garantia que, de acordo com o que prevê o artigo 3._ da directiva, deve ser responsável pelos créditos salariais em dívida aos trabalhadores recorrentes no processo principal.

18 Como acabo de indicar, de todos os que apresentaram alegações no presente processo, o Governo do Reino Unido é único que sustenta que a resposta à questão prejudicial colocada já figura no acórdão Mosbæk (7). Tanto os recorrentes no processo principal como os Governos da Irlanda, da Itália e dos Países Baixos e a Comissão sustentam, ao invés, que a solução dada pelo Tribunal nesse acórdão se circunscreve às circunstâncias de facto que se verificavam nesse caso, que não pode ser interpretado como contendo uma regra de aplicação geral.

19 Perante a divergência de opiniões, examinarei o contexto de facto no qual foi proferido esse acórdão, em que o Tribunal teve de decidir qual era o fundo de garantia obrigado a pagar, em caso de insolvência da entidade patronal, os créditos em dívida a um trabalhador, derivados da relação laboral, numa situação em que a entidade patronal não estava estabelecida no Estado-Membro em que o trabalhador tinha o seu domicílio e no qual estava representada unicamente através da actividade desse trabalhador, que a exercia nuns escritórios arrendados pela entidade patronal.

20 A Sr.° Mosbæk, residente na Dinamarca, foi contratada em 1993 pela sociedade inglesa Colorgen Ltd na qualidade de directora comercial para a Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e, posteriormente, Alemanha. A sociedade, cuja sede social se situava em Inglaterra, não estava estabelecida nem registada na Dinamarca quer como empresa quer a qualquer outro título, designadamente para efeitos da administração fiscal ou aduaneira. No referido país só estava representada pela Sr.° Mosbæk. Para que esta exercesse a sua actividade, a empresa arrendou um escritório e, enquanto durou a relação laboral, pagou directamente a remuneração à interessada sem efectuar qualquer retenção fiscal, nem de contribuições para a segurança social, para a reforma ou outras contingências nos termos da legislação dinamarquesa.

21 Ao fim de um ano, a Colorgen foi declarada em falência e os seus empregados, entre eles a Sr.° Mosbæk, foram despedidos. Para os efeitos previstos na Directiva 80/987, a Sr.° Mosbæk declarou, tanto ao fundo de garantia salarial dinamarquês como ao liquidatário judicial inglês da falência da sociedade, um crédito em dívida de 471 996 DKR correspondente aos seus salários, comissões e reembolsos de despesas profissionais. O fundo de garantia dinamarquês recusou pagar a dívida alegando que essa competência cabia à instituição de garantia do Estado da sede da entidade patronal, que era o Reino Unido. No litígio subsequente, o Østre Landsret da Dinamarca submeteu a este Tribunal de Justiça uma questão prejudicial.

22 A resposta que o Tribunal deu no seu acórdão foi que quando o empregador está estabelecido num Estado-Membro que não aquele em cujo território o trabalhador reside e exercia a sua actividade assalariada, a instituição de garantia competente para o pagamento dos créditos desse trabalhador em caso de insolvência do empregador é a instituição do Estado em cujo território tenha sido decidida a instauração do processo de satisfação colectiva ou verificado o encerramento da empresa ou do estabelecimento do empregador.

Esta é literalmente a doutrina que o Governo do Reino Unido propõe que seja elevada à categoria de regra de aplicação geral.

23 Observo desde já que as diferenças relativas aos factos em cada um destes processos são consideráveis. Na realidade, creio que a única semelhança é que tanto uma sociedade como a outra empregavam alguém num Estado-Membro distinto daquele em que tinham a sua sede social.

As diferenças são contudo mais numerosas: em primeiro lugar, a Colorgen só tinha arrendado na Dinamarca um local para que no mesmo trabalhasse, como única empregada, a Sr.° Mosbæk, ao passo que a Bell dispunha no Reino Unido de mais de 200 empregados. Em segundo lugar, a Colorgen não tinha estabelecimento nem registo na Dinamarca, quer como empresa quer a qualquer outro título, designadamente para efeitos fiscais ou aduaneiros, ao passo que a Bell dispunha no Reino Unido de, pelo menos, uma sucursal que cumpria a obrigação de publicidade imposta pela Directiva 89/666. Em terceiro lugar, a Colorgen não efectuava qualquer retenção de contribuições para a segurança social nos termos da legislação dinamarquesa, ao passo que a Bell contribuía pelos seus empregados para a segurança social do Reino Unido.

Resta ver se, apesar destas diferenças, se pode aplicar ao processo que estou analisando a mesma solução e declarar que o fundo de garantia competente para os créditos salariais aos trabalhadores da Bell no Reino Unido, despedidos devido à insolvência da entidade patronal, é o Estado-Membro em que foi decretada a sua liquidação, ou seja, o fundo de garantia irlandês.

A - Quanto à aplicação da Directiva 80/987 a sucursais abertas num Estado-Membro por sociedades constituídas noutro Estado-Membro e quanto ao direito de estabelecimento

24 Uma das finalidades da Directiva 80/987 é, efectivamente, garantir aos trabalhadores assalariados, em caso de insolvência do empregador, uma protecção mínima reduzindo as diferenças existentes entre os Estados-Membros no que se refere à extensão desta protecção, sem prejuízo da faculdade que aqueles têm de estabelecer normas mais favoráveis. A directiva impõe aos Estados-Membros a obrigação de instituir fundos destinados a garantir aos trabalhadores o pagamento de, pelo menos, uma parte dos créditos salariais que estejam em dívida por causa da insolvência do empregador. A regra geral estabelecida no seu artigo 5._, alínea b), é que os empregadores devem contribuir para o financiamento desses fundos sempre que o mesmo não seja assegurado integralmente pelos poderes públicos. A obrigação de pagamento dos fundos de garantia existe independentemente do cumprimento das obrigações de contribuir para o seu financiamento.

25 Para que a Directiva 80/987 possa aplicar-se, é necessário que a entidade patronal que empregava os trabalhadores afectados se encontre em estado de insolvência. A directiva não define o conceito de trabalhador nem o de empregador, pelo que compete aos diversos direitos nacionais precisar esses conceitos.

Em contrapartida, especifica-se no artigo 2._ que um empregador será considerado insolvente: i) quando tenha sido instaurado um processo previsto no direito nacional que incida sobre o património do empregador tendo por objectivo satisfazer colectivamente os seus credores e ii) quando a autoridade competente tenha decidido a instauração do processo ou verificado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do activo disponível para justificar a instauração do processo.

26 O Industrial Tribunal que colocou a questão prejudicial refere no despacho que a sua lei nacional não regula de forma expressa o caso em que uma sociedade constituída noutro Estado-Membro, que emprega pessoal no Reino Unido onde opera com estabelecimento permanente, se encontra em situação de insolvência nos termos da legislação do primeiro Estado ou de outro Estado-Membro, mas não nos termos da lei britânica, com a consequência de que o Secretary of State não está obrigado a pagar os créditos salariais dos trabalhadores empregados no Reino Unido que estão afectados pela insolvência.

27 Em minha opinião, esta situação não pode impedir o reconhecimento dos créditos salariais dos trabalhadores empregados no Reino Unido por uma sucursal de uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro se se verificarem os requisitos enunciados pelo Tribunal para considerar que um empregador se encontra em situação de insolvência. Esses requisitos são: que o direito nacional preveja um processo de falência; que seja possível, no quadro desse processo, tomar em consideração os créditos dos trabalhadores assalariados derivados de contratos ou de relações de trabalho; que tenha sido pedida a instauração do processo e que a autoridade competente tenha decidido instaurar o processo ou verificado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do activo disponível (8).

28 A minha opinião baseia-se em várias razões que passo a expor a seguir. Em primeiro lugar, a exigência de que uma sociedade que foi declarada insolvente nos Estado-Membro deva também ser declarada nessa situação noutro Estado-Membro, de acordo com a sua legislação, não figura na Directiva 80/987. Em segundo lugar, embora no Reino Unido não tenha sido requerida a instauração de um processo de falência relativo à Bell nem tenha sido decidida essa instauração, é certo que a High Court desse Estado reconheceu a nomeação do liquidatário efectuada pela High Court da Irlanda e nomeou, por seu turno, administradores especiais conjuntos para prestar assistência na liquidação da sociedade do Reino Unido. Creio que aquele órgão jurisdicional não teria actuado nesse sentido se não tivesse verificado que a Bell, nos estabelecimentos comerciais que dispunha naquele Estado, tinha deixado de operar no mercado. Em terceiro lugar, de acordo com o disposto no artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Directiva 89/666, a instauração do processo de falência de que a Bell era objecto na Irlanda e a decisão de liquidação foram objecto de publicidade no Reino Unido. Por último, apesar de a Directiva 80/987 não afectar a definição de «empregador» nos termos do direito nacional, parece-me evidente que não se exige que o processo por insolvência se inicie necessariamente contra uma empresa, tenha ou não a forma de sociedade, na sua totalidade, já que o artigo 2._, n._ 1, alínea b), prevê que a autoridade competente «tenha... verificado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento (9) do empregador».

Não vejo qualquer factor que impeça que, para efeitos da aplicação da Directiva 80/987, seja requerida num Estado-Membro a instauração de um processo de falência contra a sucursal de uma sociedade cuja sede social se encontra noutro Estado-Membro, que cessa o pagamento das suas obrigações, nem que a autoridade competente do primeiro Estado verifique o encerramento definitivo da sucursal e a insuficiência do activo disponível.

29 No acórdão Mosbæk, o Tribunal de Justiça declarou que, na prática, a instauração do processo de falência que permite tomar em consideração os créditos salariais dos trabalhadores é na maior parte das vezes requerida no Estado em cujo território o empregador está estabelecido (10).

30 O Governo do Reino Unido parece considerar que uma empresa só está estabelecida no Estado-Membro em que se constituiu e em que tem a sede social. Creio que é por isso que afirma que o único fundo de garantia competente será, para todos os trabalhadores da Bell, o da Irlanda, independentemente do Estado-Membro em que exerceram a sua actividade e em que contribuíram para a segurança social. Os restantes consideraram, ao invés, que uma sociedade que se constituiu num Estado-Membro, no qual tem a sede social, pode estar também estabelecida noutro Estado-Membro, bastando para tal que nele tenha uma sucursal ou, como referem os recorrentes no processo principal, uma «presença comercial permanente».

31 Estou de acordo com esta segunda posição. Com efeito, o artigo 52._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE) contempla a abertura de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais comunitários estabelecidos no território de outro Estado-Membro como uma parte essencial do direito de estabelecimento. Em consequência, para efeitos de aplicação do direito comunitário, tanto está estabelecida num Estado-Membro uma sociedade que nele se constituiu como outra que, tendo-se constituído noutro Estado-Membro, exerce o seu direito de estabelecimento no primeiro Estado, abrindo uma sucursal no seu território.

Além disso, como se afirma no terceiro considerando do preâmbulo da Directiva 89/666, relativa à publicidade das sucursais criadas num Estado-Membro por certas formas de sociedades reguladas pelo direito do outro Estado, a criação de uma sucursal, tal como a constituição de uma filial, é uma das possibilidades que actualmente se abre a uma sociedade que pretenda exercer o seu direito de estabelecimento num outro Estado-Membro.

32 Pelas razões expostas, considero que, diferentemente do que sucedia no processo Mosbæk, em que a presença da sociedade britânica na Dinamarca se limitava a um escritório arrendado e a uma empregada, uma sucursal aberta num Estado-Membro por uma sociedade constituída e com sede social noutro Estado-Membro pode ser considerada empregador insolvente para efeitos da directiva, na medida em que tenha sido requerida no primeiro Estado a instauração do procedimento destinado a declarar a referida insolvência e em que a autoridade competente tenha verificado o seu encerramento definitivo, assim como a insuficiência do activo disponível.

B - Sobre a importância, na altura de determinar a instituição de garantia salarial competente, do facto de o empregador ter contribuído para o seu financiamento

33 No acórdão Mosbæk, o Tribunal declarou também que, nos termos da alínea b) do artigo 5._ da directiva, o sistema de garantia é financiado pelos empregadores, salvo se for assegurado integralmente pelos poderes públicos e que, não existindo indicação em contrário na directiva, é conforme à economia desta que a instituição de garantia competente para o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados seja a que cobrou ou que, pelo menos, deveria ter cobrado as cotizações ao empregador insolvente (11).

34 Isso não sucedia relativamente à instituição de garantia salarial dinamarquesa, pois embora a trabalhadora residisse e tivesse exercido a sua actividade na Dinamarca, a entidade patronal não tinha estabelecimento nem registo nesse Estado, quer como empresa quer a qualquer outro título, designadamente para efeitos da administração fiscal (12) ou aduaneira e, além disso, não efectuava sobre o salário que lhe pagava qualquer retenção fiscal nem de contribuições para a reforma ou outras contribuições de segurança social nos termos da lei dinamarquesa.

No processo que estou examinando, ao invés, a empresa em situação de insolvência, não só dispunha de uma sucursal no Reino Unido como além disso contribuía com as suas cotizações, assim como os seus trabalhadores, para financiar o sistema de segurança social deste Estado-Membro.

35 Não estou de acordo com o Governo do Reino Unido quando afirma que não se pode declarar que a instituição competente seja a do Estado em que se tenha contribuído, já que a Directiva 80/987 permite aos Estados-Membros que o financiamento da instituição de garantia salarial seja assegurado integralmente por fundos públicos.

Trata-se, com efeito, de uma opção que os Estados-Membros têm na altura de organizar o financiamento das suas instituições de garantia. Não obstante, a objecção do Reino Unido é fácil de rebater já que, como anteriormente referi, nos termos do artigo 5._, alínea c), da directiva, a obrigação de pagamento das instituições de garantia existe independentemente do facto de o empregador que estava obrigado a contribuir não o ter feito. Tanto está privada das contribuições do empregador a instituição financiada integralmente pelos poderes públicos como a que, sendo financiada em parte pelos empregadores, não tenha recebido as contribuições que o empresário declarado insolvente deveria ter pago. E não obstante, tanto uma como outra têm a obrigação de pagar os créditos salariais em dívida dos trabalhadores.

36 Devo concluir, portanto, que é à instituição de garantia que tenha recebido ou, pelo menos, deveria ter recebido as contribuições do empregador insolvente que compete pagar os créditos salariais em dívida dos trabalhadores afectados pela insolvência da sua entidade patronal.

C - Quanto à inexistência na Directiva 80/987 de um sistema de compensação entre as instituições de garantia dos Estados-Membros

37 No acórdão Mosbæk, o Tribunal também analisou a circunstância de a Directiva 80/987 não ter previsto um sistema de compensação ou de reembolso dos pagamentos entre as instituições de garantia dos diversos Estados-Membros. Isto confirma, segundo o Tribunal, que o legislador comunitário pretendeu, em caso de insolvência do empregador, a intervenção da instituição de garantia de um único Estado-Membro, e isto a fim de evitar sobreposições inúteis dos regimes nacionais e, designadamente, situações em que um trabalhador pudesse ter direito a beneficiar da directiva em vários Estados-Membros.

38 Com base nesta afirmação, o Governo do Reino Unido pretende que a única instituição que deveria intervir para pagar os créditos salariais dos trabalhadores empregados em sucursais de diversos Estados-Membros é a do Estado em que foi instaurado o processo de falência.

39 Não posso concordar com esta interpretação. Em minha opinião, o Tribunal indicou com isso que o trabalhador deve poder dirigir-se a uma única instituição de garantia para reclamar os seus créditos salariais em dívida, independentemente de ter trabalhado em vários Estados-Membros durante a sua carreira profissional, evitando que, para que sejam reconhecidos os seus créditos num Estado-Membro, tenham de ser totalizados os períodos em que trabalhou em outros Estados-Membros. Daí que tenha utilizado o argumento da inexistência de um sistema de compensação entre as instituições de garantia dos Estados-Membros (13).

40 Além disso, o princípio da segurança jurídica exige que o trabalhador empregado num Estado-Membro por um empregador estabelecido no seu território no sentido que indiquei, para cujo regime de segurança social ambos contribuem, possa dirigir-se à instituição de garantia desse Estado para que lhe sejam pagos os créditos salariais em dívida em razão da insolvência do empregador, de acordo com as leis desse Estado, que são as que o trabalhador conhece. Seria contrário a esse princípio que se obrigasse o trabalhador a dirigir-se à instituição de garantia de outro Estado-Membro para ser indemnizado de acordo com regras e tabelas que vigoram nesse outro Estado-Membro e que lhes seriam estranhas.

Tudo isto sem prejuízo de os Estados-Membros estabelecerem procedimentos mais favoráveis para os trabalhadores assalariados, como, por exemplo, a cooperação informal que, para esse efeito, existe entre as instituições de garantia dos países nórdicos (14).

41 Há outros argumentos que militam a favor da solução que proponho. Por um lado, a protecção jurisdicional do trabalhador ficará reforçada se este puder exigir o pagamento dos salários que lhe são devidos às autoridades do Estado em que exerceu a sua actividade profissional. Por outro lado, receberá o mesmo tratamento que os restantes trabalhadores desse Estado que estão empregados em empresas cuja sede social se situa nesse Estado, o que não sucederia se fosse obrigado a reclamar à instituição de garantia de outro Estado-Membro.

42 Existem todavia mais algumas razões, avançadas pela Comissão. Com efeito, para que a Directiva 80/987 possa aplicar-se, tem que haver tanto um trabalhador por conta de outrem como um empregador insolvente, conceitos que são ambos definidos pelas legislações dos Estados-Membros e que devem ser apreciados, em cada caso, pelo tribunal nacional, razão por que um e outro devem estar sujeitos à mesma legislação. E enquanto não entrar em vigor uma convenção europeia que permita a tramitação de um único processo de declaração de insolvência em toda a Comunidade, em cujo âmbito se teriam em conta todos os activos e os credores potenciais, as legislações nacionais continuam a basear-se no princípio da territorialidade, de forma que, num procedimento iniciado num Estado-Membro, não podem ser tidos em conta os activos que não se encontrem sob a sua jurisdição.

Last but not the least, também não se devem subestimar os problemas linguísticos que enfrentaria o trabalhador se tivesse que apresentar o seu pedido no outro Estado-Membro, susceptíveis de diminuir a eficácia da protecção que a directiva oferece.

VII - Conclusão

43 Face às considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial colocada pelo Industrial Tribunal de Bristol da forma seguinte:

«No caso de trabalhadores empregados num Estado-Membro pela sucursal de uma sociedade constituída noutro Estado-Membro, no qual esta tinha a sua sede social quando foi instaurado o processo de falência, de acordo com o previsto no artigo 3._ da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, a instituição de garantia que deve responder pelos créditos salariais em dívida é a do Estado onde os trabalhadores exercem a sua actividade e onde o empregador contribui ou deveria contribuir para o financiamento da instituição.»

(1) - Directiva do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219).

(2) - Para além da Irlanda, a sociedade exercia actividades, empregava trabalhadores e dispunha de uma presença comercial permanente no Reino Unido; tinha filiais em França, na Alemanha e nos Países Baixos; tinha uma empresa associada em Espanha e exercia actividade, mesmo sem aí estar estabelecida, na Áustria e no Luxemburgo.

(3) - A República da Irlanda é o único Estado-Membro em relação ao qual se aplica a section 426.

(4) - Décima primeira do Conselho de 21 de Dezembro de 1989 (JO L 395, p. 36).

(5) - Primeira Directiva do Conselho, de 9 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para prestação dos interesses dos sócios e terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 65, p. 8; EE 17 F1 p. 3).

(6) - Acórdão de 17 de Setembro de 1997, Mosbæk (C-117/96, Colect., p. I-5017).

(7) - Já referido na nota 6 supra.

(8) - Acórdão de 9 de Novembro de 1995, Francovich (C-479/93, Colect., p. I-3843, n._ 18).

(9) - O sublinhado é meu.

(10) - O Tribunal acrescentou: «A entrada em vigor da convenção relativa aos processos de insolvência, assinada em Bruxelas em 23 de Novembro de 1995 (ainda não publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias), cujo artigo 3._, n._ 1, fixa como principal critério de competência `o centro de interesses principais do devedor', deverá reforçar esta tendência geral.» O texto desta convenção, que foi assinada por todos os Estados-Membros com excepção do Reino Unido, mas não ratificado, encontra-se publicado pela American Society of International Law, em International Legal Materials, Washington, 1996, volume XXXV, p. 1223.

(11) - Acórdão Mosbæk, já referido na nota 6 supra, n._ 24.

(12) - O fundo de garantia salarial dinamarquês era financiado directamente pelo Estado. Não obstante, como este financiamento atingia um por mil da matéria colectável do IVA, pode considerar-se que os empregadores sujeitos a este imposto contribuíam, ainda que indirectamente.

(13) - É no âmbito da segurança social dos trabalhadores migrantes que, devido ao sistema de coordenação dos regimes nacionais de segurança social, se recorre à totalização dos períodos de seguro cumpridos nos diversos Estados-Membros para o reconhecimento do direito às prestações. É nesse âmbito também que se erigiu um sistema de reembolso das prestações pagas por uma instituição de segurança social de um Estado-Membro por conta da de outro Estado-Membro.

(14) - Esta cooperação, que tem a sua origem numa decisão adoptada pelo Conselho Nórdico (Nordisk Råd) em 1984, permite que, se a legislação do Estado em que está estabelecido o empregador for mais vantajosa para o trabalhador do que a do Estado em que aquele exerce a sua actividade, o trabalhador peça o pagamento do seu crédito à instituição de garantia do primeiro Estado. Schaumburg-Müller, Lønmodtagernes Garantifond, en lovkommentar, Munskgaard, Copenhaga 1987, p. 167.